sexta-feira, maio 31, 2013

ENTRE O SONHO E A REALIDADE (11 DEZEMBRO 2012)

1- Os benfiquistas têm uma característica que merece ser louvada e até invejada: mal acabam de perder uma competição, imediatamente se auto-declaram favoritos a vencer a próxima. Acabados de sair da Liga dos Campeões, já se proclamaram favoritos a vencer a Liga Europa, com aquela superioridade natural que os caracteriza e que faz com quem olhem sempre para os adversários como um obstáculo de menor importância para a concretização dos seus sonhos. Ano após ano, por exemplo, acreditam sempre que a sua equipa será suficiente para vencer o campeonato, e se, no final, quem o vence é o FC Porto, entramos no domínio dos fenómenos paranormais, em cujas explicações tanto se aplica o Dr. Rui Gomes da Silva e não só.

A confusão entre a realidade e o sonho chega mesmo a perturbar mentes brilhantes, e brilhantemente pagas, para distinguir uma coisa da outra. Assim, por exemplo, Jorge Jesus não se acanhou nada em explicar que em Barcelona o Benfica tinha sido a única equipa que ele tinha visto jogar de igual para igual - como se falasse para uma plateia de atrasados mentais, que não se deram conta de que o Barcelona que estava em campo, sem Daniel Alves, sem Xavi, sem Iniesta, sem Fabregas, sem Messi, sem Sanchez, sem Pedro Rodriguez, enfim, com apenas três titulares habituais e três jogadores a fazerem a sua estreia absoluta na primeira equipa, não era propriamente o Barcelona que ele e nós estamos habituados a ver. Na sua presunção, na sua urgência em fazer passar por quase vitória o que foi um empate-derrota inaceitável nas circunstãncias em que aconteceu, Jesus nem sequer se coibiu de afirmar de véspera, displicentemente, que não sabia que recorde era esse que Messi perseguia e sobre o qual tinha lido vagamente nos jornais. Pena que não tenha havido um só jornalista para lhe perguntar se ele era mesmo a única pessoa era todo o planeta futebol que desconhecia que Leonel Messsi perseguia (e alcançou anteontem) o recorde do jogador que mais golos marcou num só ano civil, depois de já ter batido o recorde de golos numa época. Ele não sabia, mas assim que Messi entrou em campo, logo Luisão tratou de o intimidar com uma entrada a varrer às pernas e a net levou ao mundo inteiro a imagem eloquente de Messi com a bola na área do Benfica, rodeado e cercado pelos dez jogadores de campo dos encarnados!

Mas uma coisa há de que Jesus não tem culpa alguma: aquele egoísmo de Rodrigo aos 18 minutos é imperdoável, e não vale a pena fingir que não viu o companheiro ao lado, porque ninguém consegue acreditar. Pode ter custado a qualificação e, por mais golos que ele marque no futuro, não há nada que o possa redimir. Já do ponto de vista colectivo, parece-me mais difícil de entender como é que o Benfica, vindo de onze dias de descanso de jogos, graças à sua sorte no sorteio da Taça, deu o berro no segundo tempo. Porque, de igual para igual, foi só a primeira parte - aliás, até com superioridade do Benfica.

2- Também Vítor Pereira não tem culpa do inacreditável frango de Helton contra o PSG (fruto, não do azar, mas de um grave erro técnico na forma como se lança à bola), ou do inconcebível falhanço de Lucho numa recarga de baliza aberta, sem guarda-redes e sem oposição, de frente para as redes. Um e outro erro também custaram ao FC Porto o primeiro lugar no grupo e o sorteio do dia 20 dirá se o prejuízo se ficou pelo milhão de euros de prémio que foi à vida. Dizia um portisla ao meu lado que o frango do Helton equivalia a um ano de ordenado - mas essa é apenas a hipótese optimista. É certo que não se pode condenar um jogador por um erro, que todos tém direito a errar, que só acontece a quem anda lá dentro e que já outras vezes tem sido ele o salvador, etc e tal. Tudo isso é certo, mas resta uma verdade estatistica: com esta, foi a quarta vez que um frango do Helton virou contra o FC Porto um jogo da Liga dos Campeões. E, se é certo também que mesmo os melhores guarda-redes dão sempre pelo menos um frango por ano, o problema com Helton é que ele parece escolher sempre os jogos de maior responsabilidade para abrir a capoeira - e isso, queiram ou não, significa alguma coisa, Significa alguém que vacila nos momentos mais importantes. E, olhando para trás e somando os frangos do Helton aos do Nuno espirito Santo, do Hilário, do Rui Correia, ou, por exemplo, à oferta do Bruno Alves ao Rooney, já perdi a conta ao número de jogos do FC Porto na Liga dos Campeões, que foram decididos contra nós por erros próprios e grosseiros. Para dizer a verdade, não há um jogo da Champions em que eu não esteja a temer, a todo o momento, um haraquiri saído do nada.

Um auto-golo em Braga, outro em Paris e quase outro contra o Moreirense. Dois golos fáceis desperdiçados por Lucho em Braga e em Paris, e assim o FC Porto encaixou duas derrotas seguidas, saiu da Taça e pôs um pé fora da Champions. Oxalá que nos oitavos, seja contra quem for, os jogos comecem mesmo com 0-0 e não com zero para nós e uma oferta garantida para eles.

3- 24.000 pessoas assistiram à magra vitória caseira do FC Porto contra o Moreirense. Foram poucas para o habitual, muito poucas para o desjável, mas, mesmo assim, 24.000 heróis que arrostaram com o frio de um sábado à noite de Dezembro, para assistirem a um jogo sem grande cartaz. O problema é que, depois de verem o que viram, eles e os que ficaram a ver pela televisão, é bem provável que o próximo jogo de cartaz semelhante no Dragão tenha menos espectadores ainda. Eu aceito a explicação de Vítor Pereira sobre o cansaço físico e anímico dos jogadores, depois de uma série de trés jogos seguidos de exigência máxima e todos jogados fora. Aceito perfeitamente que tivesse havido um relaxamento geral e poupança de esforços. Mas primeiro era preciso garantir o resultado e para isso era necessário fazer alguma coisa, e o FC Porto, que podia ter marcado logo no primeiro minuto, nada mais fez depois disso, até ao golo redentor de Martinez, ao minuto 70. Com um pouco de azar, podiam-se ter perdido dois pontos: ou no quase consumado auto-golo de Otamendi, ou em mais um daqueles penalties de bola na mão, que os críticos reclamam e os árbitros às vezes marcam mesmo (neste caso, um remate à queima-roupa direito à cara de Alex Sandro e que este, instintivamente protegeu com as mãos. Da próxima vez, deve, estoicamente, deixar-se atingir, com traumatismo craniano, se necessário, pois tudo é melhor do que suportar o Dr. Gomes da Silva).

De resto, como é habitual nestes jogos, o Moreirese não criou, por si, uma ocasião de golo, defendeu o 0-0 sempre com dez jogadores atrás da linha da bola e eu repito uma pergunta recorrente: o FC Porto tinha a desculpa do jogo europeu a meio da semana, mas qual é a desculpa destas equipas para apresentarem sempre pior condição fisica do que as que jogam duas vezes por semana e que tém de passar o jogo todo ao ataque, ocupando todo o terreno, e não apenas ocupando metade do campo, todos ao molhe e à defesa? Será que a preparação física, ao contrário do talento individual e colectivo, não depende apenas de trabalho e esforço?

4- Propositadamente, entrego este texto antes do Sporting-Benfica, permitindo-me um exercício de adivinhação, sempre incerto e pouco prudente. Não vou, porém, tentar adivinhar o resultado, mas apenas dizer isto: pelo que vi do Sporting contra o Videolon e outros jogos, pelo que tenho visto do Benfica, seria um milagre se o Sporting conseguisse, pelo menos, o empate. Há muitos problemas no clube e há muitos problemas na equipa, sem diagnóstico nem solução fácil. Mas, na equipa, há um problema que salta à vista: não jogam nada. Agora, se aquele grupo de jogadores, que eu já nem consigo identificar, por artes mágicas e súbitas, tiver conseguido ontem à noite arrancar um grande jogo e um bom resultado, ainda bem! Para eles e para nós.

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