1- Torna-se penoso, mesmo para um adversário, falar do estado a que chegou esse clube mítico que é o Sporting Clube de Portugal. Ainda por cima, para alguém como eu, que despertou para o futebol na infância, em Alvalade, onde o meu pai, um sportinguista feroz, me levava, na esperança de me fazer também devoto do verde e branco. Esperança essa que, como se sabe e felizmente, lhe saiu furada. Eu cresci a ver o Sporting (e o Benfica) a dar pancada no Porto, sistematicamente, inapelavelmente, de cada vez que os rapazes das Antas passavam a ponte e as pernas lhes começavam a tremer mal viam Lisboa à vista. Nem nos meus melhores sonhos de então eu alguma vez me atrevi a imaginar que viveria um dia em que a superioridade do Porto sobre o Sporting (e sobre o Benfica) seria esmagadora num caso, evidente no outro. Esse sonho, no que ao Sporting diz respeito, tornou-se de tal forma exuberante que já virou quase pesadelo. Um pesadelo para os sportinguistas, claro, mas também para todos os que acham que a essência da competição... é haver competição. (Veja-se o caso do basquetebol, onde a retirada do FC Porto no final da época passada, reduziu o actual campeonato a uma competição sem interesse, com um único candidato ao título, o Benfica) . O estado a que o Sporting chegou, em todos os domínios e em quase todas as modalidades, com realce para o futebol que é o core business do clube — já deixou de ser apenas um problema interno para ser também uma questão que toca a todos e interessa a todos.
Até porque a lenta mas consistente agonia do Sporting tem aspectos que vão para além das razões próprias (que são muitas e algumas incompreensíveis), e que têm que ver com a morte de uma certa forma de estar no futebol e gerir um clube profissional de futebol no século XXI. A agonia do Sporting é talvez, um paradigma e um prenúncio da extinção de uma espécie: a espécie de clubes que vivem de glórias passadas, sem capacidade de se adaptarem a tempos e problemas novos, sem perceberem que o estatuto não garante coisa alguma e a glória no desporto é tão fugaz como a chuva de Verão. Um dia, há uns cinco anos, em conversa com o meu amigo sportinguista José Sousa Cintra, disse-lhe, perante o escândalo dele, que não tinha a certeza de que o Sporting não se viesse a extinguir. Todos os anos há clubes que morrem ou que recomeçam do zero, aqui ou lá fora, e alguns deles, como o Glasgow Rangers, com um estatuto e um passado que não ficam atrás dos do Sporting.
Nesta hora em que tudo corre mal ao Sporting, não me cabe a mim dar-lhes conselhos ou, menos ainda, acrescentar as dores deles com criticas agora fáceis. É muito feio bater em quem está em baixo, embora às vezes não aguente assistir calado às eternas lamechices dos sportinguistas, sempre à procura de uma conspiração externa que sirva para ocultar os fracassos resultantes de culpas próprias – e que são, em si mesmas, as lamechices, razão directa dos fracassos. Mas apenas direi que me parece evidente que a crise do Sporting, que vem de trás e não mostra (nem seria natural que mostrasse) qualquer sinal de se resolver por si própria, ultrapassa em muito a mera conjuntura deste ou daquele treinador, desta ou daquela equipa. Mais do que de reuniões tumultuosas e divisionistas, em Conselhos Leoninos ou Assembleias-Gerais, penso que o Sporting precisa de uma espécie de Congresso refundador, onde toda a verdade esteja em cima da mesa e todas as alternativas possam ser discutidas e analisadas, mesmo as mais chocantes. Se é só para discutir árbitros, treinadores ou presidentes, não me parece que encontrem o caminho da salvação. E oxalá o encontrem a tempo.
2- A todos os benfiquistas e sportinguistas, uns atordoados pela dimensão caótica das coisas, outros entretidos na disputa eleitoral, recomendo vivamente a leitura do artigo de Paulo Futre, aqui publicado no domingo passado. Em boa hora Futre veio juntar-se à equipa de A BOLA, trazendo a experiência de dentro, de quem jogou futebol ao mais alto nível, e também a experiência de fora, de quem andou pelo vasto mundo do futebol, aprendendo, comparando, entendendo. Se benfiquistas e sportinguistas alguma vez estiverem interessados em perceber as razões dos sucessivos êxitos do FC Porto, leiam o texto que Futre dedicou a Pinto da Costa e onde explica bem porque razão ele é um vencedor. Mas se porventura preferirem ficar na posição intelectual de um Rui Gomes da Silva, que apenas serve para espalhar a calúnia e a ofensa e destilar inveja e ódio, não vale a pena lerem. Fiquem com as suas verdades e a sua arrogância.
3- Prefiro não falar sobre a vitória do FC Porto contra o Santa Eulália que, aliás, tive o bom senso de não ver. E prefiro não falar também sobre o empate caseiro, arrancadado a ferros, da Selecção portuguesa sobre a da Irlanda do Norte - de que vi apenas algumas passagens eloquentes. A vida pública já está muito triste e frustrante assim como está e não vale a pena acrescentar-lhe mais motivos de revolta e frustração a ver as vedetas mimadas do futebol a comportarem-se como prima donas, que só se incomodam de vez em quando. Diz-se em Madrid, por exemplo, que a célebre tristeza de Ronaldo, que «não tinha nada a ver com dinheiro» e que tantas páginas de jornal ocupou, terá ficado resolvida com mais 4 milhões por época, a juntar aos 9 que já constavam do contrato - fora a publicidade. Só me pergunto quando é que a Selecção portuguesa, que sempre encontra o Dragão cheio e entusiasmado a apoiá-la, tem vergonha de jamais devolver com um jogo que mereça a pena ser visto. E pergunto-me se os insatisfeitos do FC Porto, que se arrastaram em Vizela, gostariam de ver as bancadas do Dragão desertas amanhã, contra o Dínamo de Kiev, como mereciam. É altura de as vedetas perceberem que os tempos estão muito difíceis para muita gente e que ir ao futebol, comprar lugar de época ou bilhetes avulsos, está na categoria das primeiras despesas de que muitos tenderão a prescindir - sobretudo , se o espectáculo só raramente vale a pena. Os jogadores profissionais poderão achar que, mesmo com bancadas despidas, a crise lhes passará ao lado, graças aos direitos televisivos, aos patrocinadores, etc. Mas quem quererá patrocinar ou transmitir jogos em estádios sem adeptos - que são o sal do futebol? E, mesmo que eu esteja enganado, resta esta sensação revoltante de ver que jogadores que tanto se preocupam com as suas bombas automóveis, as suas roupas, tão caras quanto ridículas, as suas tatuagens e penteados patéticos, estarem-se nas tintas com a imagem que dão de absoluta indiferença e respeito perante as dificuldades que enfrentam os adeptos que, mesmo assim, os vão ver jogar, na esperança de esquecerem por umas horas a vida como ela está. Repito-me: um jogador de futebol, por melhor que seja, é apenas alguém que tem geito para dar pontapés numa bola e a quem o destino permitiu seguir essa vocação. Não é nada de extraordinário, comparado com tantas outras actividades e profissões bem mais úteis para a sociedade e bem menos rentáveis.
4- Como acima disse, iniciou-se o campeonato de basquetebol desta época. E inicou-se sem que o treinador do Benfica, Carlos Lisboa, tenha sido sancionado pelo seu indecente e indesculpável comportamento no pavilhão do FC Porto, no último jogo da temporada passada. Não foi por isto que o FC Porto, com grande tristeza minha, desistiu da modalidade. Mas esta permissividade, sintoma de outros favorecimentos maiores, contribuiu para desacreditar um campeonato que agora pouco vale. Parabéns a quem de direito.
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