sábado, janeiro 26, 2008

A CULPA DO FISCAL DE LINHA (22 JANEIRO 2008)

1 - O meu correligionário e amigo Rui Moreira já aqui escreveu sobre este assunto, na sua coluna de sexta-feira passada: parece que uns benfiquistas perseverantes e esclarecidos descobriram a causa profunda do desaire caseiro do SLB contra o Leixões, na última jornada do campeonato. E essa causa foi o facto de o juiz-de-linha do jogo, que anulou um golo ao Benfica, ser sócio do FC Porto.

Ao certo, ninguém sabe se tal facto é verdade ou não, mas há razões para desconfiar da acusação. Não só porque dificilmente vejo como é que essa gente terá acesso à lista de sócios de um clube, como, sobretudo, porque, nos tempos que correm, só um árbitro sem interesse nenhum na carreira é que se atrevia a ser sócio ou simpatizante declarado do FC Porto. Ser árbitro e ser conotado com os portistas, hoje em dia, é meio caminho andado para o extermínio público às mãos de diligentes «jornalistas» ao serviço do Benfica.

Mas, adiante. Verdade ou não, o que interessa reter é que a citada acusação não se limita a dizer que o juiz-de-linha que efectivamente anulou um golo ao Benfica sem razão alguma, porque não havia off-side, só o fez para deliberadamente prejudicar o Benfica e beneficiar o «seu» FC Porto. Ou seja, a acusação é completa: dolo, má-fé, batota deliberada.

O meu primeiro comentário é este: se assim foi, não havia necessidade. Com nove pontos de avanço, o FC Porto já se podia passear no campeonato; com onze, passeia-se apenas um pouco mais. E, para o caso de ninguém ter ainda reparado, aquela equipa do Benfica que vamos vendo jogar, semana após semana, não tem qualquer possibilidade, qualquer veleidade, qualquer capacidade, para morder os calcanhares ao FC Porto. Nem é preciso ir recuperar a memória da imagem de total impotência que deu no jogo entre ambos na Luz, para o provar. Basta reter as prestações mais recentes daquele triste grupo de jogadores, como a deste sábado contra o Feirense. Como aqui escrevi na semana passada, o golo contra o Leixões foi, de facto, mal anulado, mas uma equipe capaz (sobretudo num jogo que tem obrigação de ser acessível) tem de jogar o suficiente para se colocar ao abrigo de um erro de arbitragem. No dia seguinte, contra o Braga, também o FC Porto teve uma jogada de golo iminente mal anulado por inexistente deslocação: mas isso não impediu a cavalgada subsequente dos portistas até ao 4-0. Ao invés, o que se viu no Benfica-Leixões foi que os encarnados ainda podem agradecer à sorte não terem saído da Luz com uma derrota.

Tal como escreveu o Rui Moreira (e eu próprio, já várias vezes), esta tentação irresistível que os principais adversários internos dos portistas têm de justificarem todos os desaires com pretensas culpas dos árbitros, dá-nos a nós, portistas, um sentimento de profundo alívio: é que, enquanto assim pensarem, enquanto quiserem acreditar que a culpa dos erros próprios é sempre alheia, jamais descobrirão as causas do malogro em que vivem instalados e reencontrarão o caminho dos êxitos. Pois que se conservem assim, nessa doce desresponsabilização!

Não obstante, a jogada do golo anulado ao Benfica deve dar que pensar, porque, infelizmente, é uma jogada muito habitual entre nós. Raro, raríssimo, é o jogo em que não se vê um ou dois foras-de-jogo mal sacados. E como o mais comum é os foras-de-jogo envolverem uma jogada em que um atacante vai ficar isolado, o que daqui decorre é que algumas das melhores hipóteses de golo morrem na bandeirinha do liner. Eu sei que isto sucede em todo o lado, que é mesmo uma das contingências inevitáveis do futebol – pelo menos enquanto não se inventarem máquinas que substituam o olhar humano. Mas repito que me parece que em Portugal a frequência dos erros é bem maior. Entre nós, os juízes-de-linha jogam sistematicamente à defesa, e a defesa, nesta caso, resulta em prejuízo do ataque, ao contrário da regra de conduta da FIFA de que, na dúvida, deve-se beneficiar quem ataca.

Mas há jogadas e jogadas. A do golo anulado a Nuno Gomes é do tipo das que são mais difíceis de avaliar, porque há um movimento simultâneo e contrário entre o avançado que corre para a baliza e os defesas que correm no sentido oposto, exactamente para o colocarem em fora-de-jogo. Ora, acontece que o auxiliar tem de observar, no espaço de um ou dois segundos, dois tempos sucessivos da jogada: o tempo em que a bola é passada e o tempo em que o jogador a quem ela é destinada se desmarca. Tem de olhar primeiro para um lado e depois para mais à frente e, nesse curtíssimo intervalo de tempo, os defesas avançam, de modo que, quando o olhar do auxiliar chega ao avançado, este está em off-side nesse momento, mas não estava antes. É forçoso concordar que é uma jogada de muito difícil avaliação. Mesmo nós, sentados calmamente em casa em frente à televisão, necessitamos por vezes de várias repetições e em slow-motion para chegar a uma conclusão. E isto para já não falar dos comentadores em directo dos jogos, que se enganam com muito mais frequência do que os árbitros e com a vantagem de o fazerem sem consequências algumas.

Todavia, a consciência de que este tipo de jogadas, por ser frequente, rápidas e de difícil avaliação, levam muitas vezes a erros de arbitragem, talvez justificasse que se teorizasse sobre o seu julgamento noutros moldes. Ou seja, que se estabelecesse a regra de que, quando o juiz-de-linha tem a consciência de que o off-side é arrancado «à faca», deve abster-se de o assinalar. Só que isso envolveria um compromisso de todos, a começar pela crítica: o de que, quando surgisse o erro inverso (isto é, um off-side não assinalado que resultasse em golo), não caíssem todos em cima do auxiliar, pelas razões opostas. Se bem conheço os hábitos locais, esta seria uma missão impossível.


2 - Lá temos mais um caso de jogador mal inscrito – o «caso Meyong». Mais uma situação lamentável em que a verdade dos resultados obtidos no campo é desvirtuada na secretaria. É uma sina.

Obviamente, eu defendo que seja penalizada desportivamente a inscrição irregular de jogadores, sob pena de os que cumprem as regras e os que fazem batota ou simplesmente não se preocupam com o assunto não serem tratados da mesma maneira. Mas este caso Meyong tem a particularidade de envolver vários responsáveis e a todos os níveis do processo, embora, no final, só o Belenenses vá sofrer as consequências.

Em primeiro lugar, o próprio clube espanhol que emprestou o jogador ao Belenenses – o Albacete – tem responsabilidade moral em não ter avisado os portugueses de que o jogador já tinha jogado por duas equipas diferentes esta época e, consequentemente, não poderia jogar por uma terceira. Fica a suspeita de que não o fez porque se queria ver livre do jogador e encaixar algum dinheiro com o empréstimo.

Depois, como é óbvio, há responsabilidade do próprio jogador e do seu agente, que tinham obrigação de conhecer as regras e ficaram calados: ou por ignorância ou por má-fé.

A seguir, há responsabilidade do Belenenses que, pela mão do seu presidente, do seu director desportivo ou de ambos, deu mostras de grande amadorismo e impreparação.

Depois, e ao contrário do lavar de mãos displicente de Gilberto Madail, também há responsabilidade da Federação. Dizer que aceitar a inscrição de um jogador não é o mesmo que autorizá-lo a competir, é uma falácia sem grande imaginação. Para que julgaria a Federação que o Belenenses queria inscrever o Meyong – para jogar andebol ou para trabalhar na secretaria?

E, enfim, sobra uma culpa, confessada espontaneamente pelo próprio e que não deveria passar sem consequências: a do presidente da Naval, que veio dizer que já sabia antes do jogo que o Meyong não podia jogar, mas calou-se muito bem caladinho. E, como o resultado foi desfavorável, só a seguir ao jogo é que levantou o problema. Por aqui se avalia o nível ético e de desportivismo com que o senhor está no futebol.

SHOW DE BOLA (15 JANEIRO 2008)

1- Cristiano Ronaldo à solta, sem posição específica e como vagabundo de luxo no ataque do Manchester United é verdadeiramente um show de bola. Não deve ter havido um único jogador do mundo que algum dia não tenha sonhado integrar aquele ataque de vedetas, ocupar aquelas funções de absoluta liberdade e gozar desse estatuto de excepção que o português conquistou no campeão inglês e mais rico clube do mundo. Hoje, Cristiano Ronaldo não tem preço. Um jogador que, não sendo ponta-de-lança de função, marca 15 golos em 18 jogos da Premiership, que joga bem de cabeça, remata fabulosamente com os pés, cobra livres com mestria, dribla em velocidade ou parado, é terrível no um para um e arranca a uma velocidade que faz dinamitar em segundos as linhas defensivas adversárias, é um jogador que está para além de qualquer cotação do mercado. Ao seu lado, jogam expoentes como Giggs, Tevez, Rooney ou Nani e Anderson (em funções de trinco!), mas, quando a bola lhe chega aos pés, parece que todos os outros se eclipsam e pelas bancadas do estádio perpassa aquela sensação de imponderabilidade e magia reservada apenas àqueles que os deuses destinaram à imortalidade no relvado. Com Ronaldo, sabemos que estamos a ver história, que estamos convocados para todo o esplendor de que o futebol é capaz. Mas, se a magia não bastasse, se o talento em movimento, como uma onda de surf a caminho da praia, que acompanha a sua movimentação em campo, não fosse por si só suficiente, sobra ainda essa impressionante disponibilidade fisica e mental para o jogo de que ele dá mostras. Com Ronaldo, parece que os 90 minutos lhe sabem sempre a pouco: quem sabe, se o deixassem, não ficaria ali duas ou três horas de seguida a desbaratar todas as leis de ciência certa que se aplicam ao futebol! Assim como na infância, quando parecia que todas as horas livres de uma tarde não chegavam para consumir essa paixão inexplicável de correr atrás de uma bola de futebol.

2- Estas coisas pagam-se. Sem Ronaldo, sem Nani, sem Simão, sem Deco, sem Pepe e tantos outros, o nosso futebol só pode ir minguando e perdendo qualidade. Transformámo-nos numa plataforma logistica de embrulhar talentos para exportação — e cada vez menos apenas portugueses. É uma fonte de receita para os clubes e uma fonte de tristeza para os espectadores. No final desta época, anunciado já por várias aves de rapina, parte substancial do que resta de talentos por aí — todos no FC Porto — irá emigrar para outras paragens e para o ano teremos enfim um campeonato nivelado, disputado por uma legião de jogadores com nomes terminados em «ez» ou «ic», mais uma fornada de miúdos saídos das academias e a quem basta uma só exibição conseguida para se porem logo a sonhar com Reais Madrids e Manchesteres Uniteds. É a vida.

3- Enquanto isso não sucede, o FC Porto vai passeando a sua supremacia interna em termos que já são de humilhação dos rivais. Este fim-de-semana, terminou com as veleidades de grandeza do Sporting de Braga, através de uma demonstração de força que só mesmo Manuel Machado é que conseguiu ver como «um jogo nivelado nos seus aspectos gerais».

Antes disso, na Luz, o Benfica somara mais uma exibição à toa e mais dois pontos perdidos com inteira justiça. É certo que se pode queixar, pelo menos, de um golo mal anulado, mas isso não justifica tudo o que não jogou. Também contra o Nacional, na sua única derrota sofrida, o FC Porto foi vítima de uma má decisão do árbitro com influência directa no resultado e eu, pelo menos, não me queixei disso, porque vi bem que os culpados da derrota foram outros: Postiga (que seja muito feliz na Grécia!), Mariano González (que volte rapidamente para Itália!) e Jesualdo Ferreira, que montou uma equipa destinada à derrota. Como sempre disse e repito, quando uma equipa não joga o suficiente para justificar a vitória nem se colocar ao abrigo de um eventual erro de arbitragem, não tem legitimidade para culpar esse erro dos males que lhe sucedem.

Como já é hábito, o Benfica continua a pensar em grande e a executar em pequeno. Nesta nova época de transferências, lá vêm as inevitáveis notícias dos jogadores que o Benfica «segue» e que «tem em observação» e dos craques que só sonham em vestir a camisola do Benfica e que depois se percebe que estão a uns largos milhões de euros dessa «oportunidade». Tudo se faz com um imenso alarido que não é apenas fruto de amadorismo negocial, mas uma política propagandística pensada de atirar fumo para os olhos dos adeptos. Para já, no rescaldo do empate com o Leixões, surge o anúncio da primeira compra da estação: um desconhecidíssimo defesa-esquerdo com nome de refrigerante, oriundo de uma desconhecidíssima equipa romena, para o lugar do Léo, que ninguém compreende porque não serve.

No Sporting, desta vez com bastante pouca sorte, novo semi-desaire, em Coimbra, veio agravar o estado de desânimo que parece ter-se instalado em todos: técnico, jogadores, direcção, adeptos. Só uma vitória sobre o FC Porto, dia 26, poderá levantar um bocado o orgulho ferido e animar a descrença das hostes leoninas, mas já nem isso poderá devolver quaisquer esperanças que não as de se manter na luta pelo segundo lugar.

No FC Porto, Jesualdo tem pela frente uma dupla tarefa, que não é tão fácil quanto isso, embora infinitamente mais agradável que as de Paulo Bento ou Camacho. Por um lado, tem de manter a equipa motivada para não acontecerem mais percalços e negligências como o do Nacional; por outro lado, tem de dar algum descanso aos jogadores mais influentes, de modo a tê-los frescos para a retoma da luta europeia, em finais de Fevereiro. E, para isso, deve começar a estender a manta, para que não conte apenas com onze ou doze jogadores fiáveis. Nessa perspectiva, parece-me errada a dispensa de Leandro Lima, a quem practicamente não concedeu quaisquer oportunidades, em contraste com Mariano ou Stepanov, em quem tem insistido até à naúsea. Parece-me acertada (se verídica) a notícia de que chegará já um central para reforçar a defesa — se o Bruno Alves tem o azar de se magoar, tudo aquilo se desmorona num instante. E parece-me acertadíssima a decisão de fazer ingressar já no plantel Helder Barbosa e Rabiola. Como escrevi há tempos, seria injustificável ver o FC Porto a lançar-se outra vez em compras a torto e a direito, quando tem tantos jogadores emprestados em destaque noutras equipas: Alan, Ibson, Diogo Valente, Vieirinha e até o inesperado Pittbull. Jesualdo está numa posição privilegiadíssima, com o campeonato no bolso e a qualificação na Champions garantida, para dispor de um tempo de passagem de luxo até ao jogo com o Schalke, de modo a retocar a equipa e fazer integrar uma, duas ou três alternativas reais ao onze de todos os dias. E é nestas alturas, também que se vê a capacidade dos treinadores.

O NATAL FAZ-LHES MAL? (08 JANEIRO 2008)

Pessoalmente, nunca fui adepto do estilo de jogo a que se costuma chamar «futebol inglês» — uma coisa desenchabida e sem virtuosidade, onde o pontapé de baliza do guarda-redes parece, por vezes, ser a jogada-chave de toda a estratégia. Mas a verdade é que, quando olhamos para o futebol inglês de clubes, e quando pensamos em equipas como o Liverpool ou o Arsenal, já há muito pouco de inglês nesse futebol. Quando a Liga inglesa estava orgulhosamente fechada a estrangeiros, o futebol inglês começou a decair, a perder força e espectadores. As coisas começaram a mudar quando, há vinte anos atrás, Villa e Ardilles, dois internacionais argentinos, chegaram a Inglaterra para jogar no Tottenham. Fronteiras abertas, o público inglês começou a ver chegar verdadeiros artistas da bola, deixando de ficar limitado ao tipo de jogador estereotipado, como o tão badalado David Beckham — um jogador absolutamente banal em qualquer lugar do mundo, inclusive Los Angeles. Chegaram os artistas estrangeiros, chegaram os investidores, regressou o público.

Hoje, a Liga inglesa é, a par da espanhola, o campeonato mais bem disputado, com mais espectáculo assegurado e com mais espectadores nos estádios. Uma parte fundamental da receita dos clubes ingleses (e que lhes permite, depois, comprar os tais artistas mundiais) está na exportação semanal desse espectáculo para os quatro cantos do mundo, via televisão. Não há hoje jogador de talento que não tenha acrescentado a Inglaterra aos seus destinos de sonho. Mas, atenção: o espectáculo é intenso, a fama corre mundo, os ordenados são fabulosos, mas ali trabalha-se a sério. O campeonato tem 38 jornadas, a Taça da Liga e a Taça de Inglaterra são disputadas em eliminatórias a duas mãos e todos os clubes de topo estão cronicamente envolvidos em jogos europeus e em digressões asiáticas ou americanas. Em Inglaterra, um profissional da primeira Liga de uma equipa da metade de cima da tabela joga, em média, mais do dobro dos jogos disputados anualmente por um profissional da primeira Liga portuguesa. É sempre com um sorriso irónico que eu vejo os treinadores dos nossos clubes de «dimensão Taça UEFA» queixarem-se que a «equipa está cansada», depois de disputar um jogo europeu a meio da semana. Sem dúvida que, mesmo aqui, a vida de futobolista profissional exige sacrifícios, sobretudo na parte pessoal. Mas não deixa de ser um emprego em part-time: o ciclo normal de um jogador da primeira Liga, entre nós, consta de um dia de jogo por semana, outro de folga, um e meio de estágio e três ou quatro de treino umas duas horas da parte da manhã — à hora de almoço já estão livres. Comparado com o que se passa em Inglaterra, são uns privilegiados.

Uma das diferenças tradicionais do futebol em Inglaterra é aquilo a que se convencionou chamar o «boxing day». De facto, não é um dia, mas sim vários. Enquanto parte da Europa goza férias de Natal (e, em Portugal, toda a imensa legião sul-americana parte para casa), em Inglaterra, em vez de parar, o campeonato acelera: joga-se no dia de Natal, no dia 28 de Dezembro e no dia de Ano Novo. E os estádios continuam cheios e não passa pela cabeça de ninguém que os jogadores se apresentem a jogar cansados, contrariados ou em regime de poupança de energias.

Eu, enquanto adepto, devo confessar que até aprecio e agradeço esta paragem natalícia, porque tudo na vida precisa de tréguas, sobretudo as emoções. Mas acho que a contrapartida dessas férias natalícias de que gozam os jogadores em Portugal é que, no regresso, eles não se apresentem cansados das férias ou das viagens, em ritmo de passeio, como se estivessem a regressar ao activo depois do «defeso». Este ano, mesmo depois de prudentemente reduzido o generosíssimo período de férias concedido no ano anterior, parece que os resultados não foram diferentes. A avaliar pelo desempenho daqueles que maiores responsabilidades têm — os chamados «grandes» — parece que o Natal lhes faz muito mal.

O Benfica em Setúbal, o Sporting no Bessa e o FC Porto no Dragão, todos entraram o ano com pernas que pareciam pesar chumbo, a inspiração a zero e um interesse e vontade que pareciam longe, muito longe, dos jogos que disputavam. Os adeptos ficaram com razões sobejas para lamentarem os espectáculos que os seus clubes lhes proporcionaram. Benfica e Sporting entregaram de vez o campeonato ao FC Porto, de nada lhes tendo servido a suposta moralização que o tropeção dos azuis no Funchal, mesmo antes das férias, lhes teria proporcionado. E o FC Porto, jogando já depois dos desaires dos dois principais rivais e sabendo que uma vitória significaria praticamente o fim das dúvidas por esta época, só lá chegou quase por acaso.

Em, Setúbal viu-se um Benfica completamente à toa, sem futebol nem ideias e uma vez mais à espera de uma vitória caída do céu sem esforço nem mérito. Por uma vez, os planos sairam-lhe furados à beira do fim e a única coisa coerente que se lhe viu foi o gesto de Camacho a mandar para os balneários duas vedetas mal-dispostas. Agora, anunciam aos benfiquistas, à laia de compensação, que «Vieira vai dar um murro na mesa». Mais valia dar um na cabeça, tantos e tão gritantes têm sido os erros por ele acumulados na gestão do futebol benfiquista - de que, não sei se se lembram, se proclamou ufanamente o único responsável, há mais de um ano. Depois do jogo de Setúbal, ouvi pela primeira vez adeptos benfiquistas a defenderem abertamente o fim da era-Vieira. Agora, que já não há Veigas, nem Fernando Santos, nem Apitos Dourados que possa usar como bodes expiatórios, Luís Filipe Viera vai inevitavelmente fazer o que melhor sabe: lançar-se numa campanha de promoção pessoal, a par de uma cruzada de ameaças e insinuações dirigida a inimigos ocultos e a moinhos de vento que a sua espada tarda em vergar. Um filme já visto e gasto.

Do lado do Sporting, o silêncio das tragédias sem remédio abateu-se sobre a paupérrima prestação do Bessa. Ninguém sabe a resposta à pergunta «o que fazer e com que meios?». A equipa tem alguns bons jogadores e alguns bons momentos. Mas daí não passa nem mostra capacidade ou categoria para passar e o choradinho habitual com as arbitragens já não convence ninguém, nem os próprios adeptos. O problema do Sporting é mais dramático, porque, ao contrário do do Benfica, não se resolve simplesmente com uma boa gestão do futebol. O problema é de fundo e parece inexorável: lentamente, o Sporting foi decaindo, decaindo, enquanto o FC Porto ia subindo, subindo. E hoje, sob qualquer prisma que se compare — resultados, assistências, receitas, adeptos, notoriedade e prestígio interno e externo — o Sporting instalou-se solidamente na posição de terceiro clube português. O que significa que, para ser campeão, precisa de, além de fazer uma grande época, que os outros dois falhem simultâneamente nessa mesma época. Pelo que a grande questão não é esta época nem sequer a próxima. É esta: conseguirá o Sporting voltar a ser campeão nos próximos dez anos?

Quanto ao FC Porto, como se sabe, as coisas vão bem e recomendam-se. Pelo menos, internamente e, até ver, na Europa. Mas é muito difícil ir mais além, pois como se viu no Funchal e mesmo agora contra a Naval, o problema da equipa está mais do que diagnosticado: tem seis bons jogadores e mais dois razoáveis. E nada mais — o que é pouco para acorrer às várias frentes. Se o Quaresma, o Bosingwa, o Bruno Alves, o Lisandro ou o Lucho se magoam, se são castigados ou se estão cansados ou em dia de desinspiração (o que é mais do que legítimo), não há ali ninguém que os possa subsituir com um mínimo de qualidade. Sem eles, e com os maravilhosos reforços desta época, o FC Porto estaria a lutar para não descer de divisão.

NÃO HOUVE CRÓNICA (01 JANEIRO 2008)

Não houve crónica.