quarta-feira, maio 27, 2009

FIM DE FESTA (19 MAIO 2009)

1- A uma jornada do fim, já só está por decidir quem desce à Liga Vitalis de um quarteto composto por Rio Ave, Vitória de Setúbal, Belenenses e Trofense. Destes, o Rio Ave é quem tem a tarefa mais facilitada, com 27 pontos e o último jogo em casa contra o Estrela da Amadora. Os outros três vão lutar para escapar aos dois lugares da despromoção - que o Vitória podia já ter evitado, se não tivesse perdido em casa com o Leixões: agora terá, ou de ganhar na Figueira da Foz, ou de esperar que o Belenenses não cometa a proeza de vencer na Luz. Quanto ao Trofense, só um milagre de conjugação de resultados poderá fazer com que a sua subida ao mundo dos grandes tenha sido tão histórica quanto curta. Porque, como era de prever, o F.C.Porto não descansou já com o título na mão e passeou na Trofa, sem facilitar coisa alguma, como alias é tradição da casa.

Decidido, sim, é o regresso do velhinho Olhanense à primeira divisão - uma proeza assinada por Jorge Costa, treinador em início de carreira, e que tem o imenso valor de trazer de volta o Algarve ao primeiro escalão do futebol português, fazendo o campeonato verdadeiramente mais nacional. Será desta que vamos ver o Estádio Algarve ter alguma utilidade prática para justificar o dinheiro dos contribuintes lá enterrados, ou a equipe de Olhão vai preferir continuar a jogar no seu modesto estádio? Quando vejo o presidente da Académica falar na hipotética construção de um novo estádio em Coimbra, já não digo nada…


2- Lá por fora, Mourinho cumpriu mais uma promessa e conseguiu a assinalável marca curricular de já ter sido campeão em três países: aposto que não descansará enquanto não o for também em Espanha. Posso achar que o futebol das equipas de Mourinho - Chelsea e Inter - é chato e previsível, mas lá que ele tem o toque de Midas, isso é indiscutível. Mourinho veio ao mundo para vencer e o resto é filosofia. Agora, a verdade é que nunca mais vi uma equipa de Mourinho jogar futebol como jogava aquela equipa do F.C.Porto que venceu a Taça UEFA na inesquecível final de Sevilha.


3- Grave, grave são as revelações da edição de ontem do Correio da Manhã, baseadas no acesso a um relatório policial que desvenda as relações perigosas entre o presidente do Benfica e os dirigentes da claque No Name Boys - muitos dos quais largamente referenciados no mundo do crime e da marginalidade. O que ali vem é suficientemente detalhado e alarmante para que tudo fique em águas de bacalhau, tanto mais que já era sabido que, ao contrário de Sporting e F.C.Porto, o Benfica consente e colabora com claques que se recusam a cumprir a lei - nomeadamente no registo e identificação dos seus dirigentes.

O problema das claques organizadas, não é um problema clubístico, mas um problema do futebol, como um todo, e um problema da sociedade. É inútil a discussão de quem tem as piores claques, porque todas elas são potencialmente perigosas, aqui e em toda a parte. Mas a necessidade de ter as claques no estádio, a apoiar a equipa, tem levado os nossos clubes a assobiar para o ar, deixando para a polícia a resolução dos problemas mais graves que elas colocam. E, a meu ver, isso é um erro: ir ao futebol, hoje em dia, é, muitas vezes, uma actividade de risco. E, se as coisas fogem de controle, se os clubes não conseguem garantir nos seus estádios a segurança de quem paga bilhete para ver um espectáculo, qualquer dia só restarão mesmo as claques. Não seria tempo de a Liga de Clubes tentar, aqui também, impor regras suficientemente claras e consensuais? Ou haverá quem não queira o consenso? E porquê?


4- E, pronto, está aberta a terceira época de competição, a nível do futebol. Aquela que, diz-se, mais jornais desportivos vende: a época do «defeso» e das transferências. Como se sabe, é também, desde há uns vinte anos, invariavelmente, a época em que o Benfica é crónico campeão: até já os benfiquistas gozam com a situação. O problema é que este ano não há grande margem nem para gozar nem para falhar, depois do imenso investimento feito no Verão passado e com resultados tão pífios.

Mas há coisas que não há como escapar-lhes, são tradições daquela casa: todos os anos, por esta altura, os jornais desportivos enchem-se de parangonas sobre as extraordinárias aquisições do Benfica que aí vêm. E há duas espécies delas: as verdadeiras vedetas internacionais (que a direcção gosta de apresentar aos adeptos como conquistas muito prováveis, para manter os espíritos em alta) e cujo folhetim de vem-não-vem ocupa umas semanas até desaparecer subitamente assim que a coisa chega a esse infame detalhe de discutir o valor da compra e dos salários a pagar. E depois, há as vedetas desconhecidas ou esquecidas, tipo Freddy Adu, que, uma vez que se noticia a possibilidade de virem para o Benfica, logo se transformam em foras-de-série que a perspicácia do gabinete de prospecção do Benfica detectou, antecipando-se a gigantes como o Real Madrid ou o Arsenal. E logo se desata a recolher depoimentos de todos os que possam atestar a genialidade do craque que aí vem: colegas de equipa, o treinador dos infantis, o cunhado e a sogra, os vizinhos e antigos companheiros dos jogos da rua. Depois, faz-se a fotografia inescapável do novo ídolo (que nunca ninguém viu jogar) com a camisola do Glorioso e são-lhe propostas, à escolha, três alternativas de primeiras declarações: ou que está radiante por vir para um dos maiores clubes do mundo, cuja fama vai da Patagónia ao Círculo Polar Ártico; ou que é um imenso orgulho sentir aquela camisola ao peito; ou que, desde pequenino que se sente benfiquista. E assim atravessamos o Verão e a «silly season» futobolística, com a previsibilidade de alguma coisa tão certa quão certa é a morte.


5-- Se bem os contei, chegou a haver oito candidatos auto-declarados à presidência do Sporting, assim que, para alívio de todos eles, Filipe Soares Franco declarou que não se recandidatava e Ribeiro Teles manteve-se na sua recusa de avançar. Afastados os candidatos ganhadores, saltaram todos os outros, como coelhos da toca, com tantas ou tão poucas credenciais que chegou a parecer que o poder no clube do visconde de Alvalade iria mesmo cair a rua, à mercê do primeiro que passasse. Mas, agora que os «notáveis» deram homem por si, na pessoa de José Eduardo Bettencourt, os candidatos de ocasião começam a bater em retirada, porque ganhar eleições por falta de comparência de verdadeiros candidatos é uma coisa, ganhá-las em concorrência a sério é outra bem diferente. É assim provável que, no final do processo, não restem aos sportinguistas mais do que duas alternativas de escolha. Excepto para Dias da Cunha, que esse jurou que Soares Franco iria a votos e ainda está à espera de ter razão.

segunda-feira, maio 18, 2009

11 CAMPEONATOS EM 15 ANOS (12 MAIO 2009)

1- E pronto, lá veio mais um tetra e agora o F.C.Porto já só está a sete títulos de campeão nacional do historial do Benfica e com seis de avanço sobre o Sporting. Coisa impensável há duas décadas, mas que confirma também internamente o estatuto ímpar, a nível internacional, que os portistas adquiriram e onde já têm larga vantagem sobre a história longínqua do Benfica. Nestes últimos 20 anos, o F.C.Porto foi campeão por 14 vezes e por 11 vezes nos últimos quinze: mudaram os treinadores, mudaram os jogadores, mudou o estádio, mudaram os heróis e símbolos do clube, mas o espírito de conquista manteve-se sempre inalterável. E, para felicidade nossa, os adversários directos, em lugar de tentar perceber as razões do êxito azul-e-﷓branco e tentar imitá-las, preferem, à boa maneira portuguesa, gastar a sua argumentação a tentar denegrir o mérito das vitórias, atribuindo-as sempre a factores estranhos. Nestes quatro anos do tetra, a única vez que o Benfica conseguiu incomodar o F.C.Porto foi quando, com a preciosa colaboração do Ministério Público e do Conselho de Disciplina da Liga, e contando com a ignorância arrogante do Sr. Platini, por pouco afastava o F.C.Porto da Liga dos Campeões - na secretaria e em benefício próprio. Olhando a campanha europeia que um e outro fizeram esta época, é caso para dizer que, felizmente para o futebol português, a golpada não passou.

Um dos principais, senão o principal, obreiro deste título, como dos dois anteriores, foi, indiscutivelmente, Jesualdo Ferreira. Foi um treinador campeão em tudo: não apenas pôs a sua equipa a jogar o futebol mais competitivo e com ideias mais claras entre os três grandes, como foi também aquele que foi sempre mais sereno e com mais atitude de campeão. No discurso da vitória, Jesualdo voltou a ser lúcido e comedido, sem ponta de arrogância ou vaidade, a que muito poucos resistiriam no seu lugar. Mas, ao contrário do que ele disse, esta não foi a sua melhor equipa dos últimos três anos, e o seu grande mérito consistiu, exactamente, em ter conseguido manter a equipa no topo da competitividade, depois de uma primeira época em que perdeu trunfos tão importantes como Anderson e Pepe, e uma segunda época em que perdeu Ricardo Quaresma, Paulo Assunção e Bosingwa. Quaresma - responsável directo ou indirecto por metade dos golos da equipa na época passada - não foi, de forma alguma, substituído por Cristian Rodriguez e, menos ainda, é claro, pelo trapalhão do Mariano Gonzalez; Bosingwa eclipsava Fucile, sobretudo nesta temporada tão fraca do uruguaio; e Paulo Assunção só agora, que Fernando começa a mostrar melhorias na qualidade de passe, é que parece encontrar substituto à altura. Em contrapartida, Hulk foi a revelação do ano e Cissokho uma grande descoberta do professor (embora, ele, que ainda há quatro meses estava em Setúbal sem receber ordenado, assim que começou a brilhar no Dragão e a falar-se do interesse de clubes estrangeiros, nunca mais voltou a deslumbrar…).

Mas, como já n vezes o escrevi, onde esta equipa se revelou fraca foi no banco de suplentes. Jesualdo teve nove ou dez jogadores bons à disposição durante quase toda a época - e nem um só suplente à altura deles. Desdenhou de jogadores com provas dadas ou com promessas exibidas - Vieirinha, Léo Lima, Ibson, Luís Aguiar, Bruno Gama, Hélder Barbosa, Candeias, Pitbull - e construiu uma equipa só com dois médios ofensivos e um extremo de qualidade (Meireles, Lucho e Rodriguez, embora este irregularmente). Se, como diz Jesualdo e com razão, a equipa está manifestamente desgastada e presa por arames, é justamente porque o núcleo duro teve de chamar a si as despesas de uma época inteira. Ainda agora, no jogo do título, foi possível ver claramente como, para além do cansaço dos titulares habituais, a equipa teve ainda de se bater em inferioridade numérica contra a muito bem organizada equipa do Nacional, visto que, em termos práticos, foi como se jogasse com dez o jogo inteiro - porque tanto Tomás Costa, que jogou a primeira parte, como Farías, que o substituiu na segunda, produziram um jogo absolutamente nulo, conforme lhes é habitual e irreversível. Esse foi, pois, a meu ver, o grande mérito de Jesualdo Ferreira, em 2008/09: conseguir ser campeão, finalista da Taça e chegar aos quartos-de-final da Champions, quase a passar às meias, sem ninguém, absolutamente, capaz de render de vez em quando os nove ou dez jogadores com que ele contava sempre.

Se houver que escolher o jogador do título, para mim ele foi, indiscutivelmente, Bruno Alves. De há muito que venho chamando a atenção para ele, no meio de uma crítica doentiamente facciosa e clubística que insiste em ver em Bruno Alves apenas um caceteiro e um jogador supostamente desleal. Mas a verdade é que, como ainda anteontem se pôde observar contra o Nacional, ele é capaz de passar jogos inteiros sem cometer uma única falta - mesmo que pela frente tenha o melhor marcador do campeonato ou mesmo que tenha de enfrentar o Aguero ou o Forlán do Atlético de Madrid, ou o Tevez e o Rooney do MU. É hoje, em minha opinião, o segundo melhor jogador português, a seguir a Ronaldo, um dos melhores centrais da Europa e do Mundo, com um poder de impulsão que faz lembrar, para melhor, o Fernando Couto dos bons tempos. Corta sempre com calma e estilo, coloca bem a bola à distância, sai a jogar de cabeça erguida, entrega-se ao jogo como ninguém mais e ainda cobra livres e marca golos de cabeça. Neste campeonato, marcou até à data cinco golos, começando com o golo de livre em Alvalade, que foi o arranque para o título, e acabando com o golo de cabeça contra o Nacional, que confirmou o título. Em toda a época (em que não falhou um jogo europeu ou do campeonato), teve apenas um fatal deslize, e logo por azar em Manchester, oferecendo a Rooney um golo caído do céu. Mas, como é fácil de adivinhar, a SAD do F.C.Porto só tem que não se precipitar, na hora inevitável em que o vai vender no final da época, esperando tranquilamente sentada pela melhor oferta. Para mim, que me lembro da sua primeira e desastrada época ao serviço do clube, a evolução de Bruno Alves até se tornar um jogador de eleição é das coisas mais notáveis que vi nesse campo e, sem dúvida, um dos grandes méritos do trabalho de Jesualdo Ferreira. Se as pessoas gostassem verdadeiramente de futebol, podiam reconhecer isto, independentemente das simpatias clubísticas - assim como eu reconheço que não há ponta-de-lança como o Liedson no nosso campeonato, e há vários anos. Mas é certo e sabido que quando Bruno Alves estiver a jogar num dos grandes da Europa, já todos lhe irão reconhecer o estatuto.


2- O Boavista está à beira de cair na III divisão e, se isso acontecer, é o prenúncio do fim - com uma decisiva ajuda do CD da Liga, é verdade, mas também com culpas próprias por ter tido mais olhos que barriga. O Belenenses está também a um passo da segunda divisão e a queda pode também precipitar uma morte até hoje periclitantemente adiada. E serão dois campeões nacionais (dos cinco únicos que temos) a mergulhar nas profundezas de um abismo insondável. Talvez consiga ainda safar-se o histórico Vitória de Setúbal, mas também não vejo como é que poderá sobreviver a prazo um clube cuja única viabilidade económica depende de o governo lhe autorizar um negócio imobiliário ao pé do qual a aprovação do Freeport é perfeitamente banal. Valha-nos o também histórico Olhanense, que está quase à beira de regressar lá acima e voltar a pôr o Algarve no mapa do futebol português de I Divisão.

terça-feira, maio 12, 2009

FIM DE CONVERSA (05 MAIO 2009)

1- E pronto, acabaram-se as conversas e as discussões. Este campeonato já está resolvido. Como sempre ou quase sempre, o azeite veio à tona e, lá no fundo, ficaram as águas sulfurosas das eternas discussões sobre árbitros e apitos e jogadas suspeitas - esse folclore de inveja com que todos os anos os incompetentes tentam justificar a sua incompetência e deitar fumo para os olhos dos que não querem mesmo ver.

O campeonato de 2008/09 está resolvido e está resolvido como vem sendo hábito: o F.C.Porto em primeiro, destacado e apesar de acumular a liderança clara com uma infinitamente melhor e mais desgastante campanha europeia; o Sporting em segundo, no seu certinho papel de Calimero, sempre chorando-se com os árbitros, mas praticando um futebol tão curto (Liedson à parte) que o semi-vazio das bancadas de Alvalade canta «eu sei porque fiquei em casa»; e o Benfica, o eterno e auto-proclamado campeão da «verdade desportiva» e da excelência de gestão, o clube que, a fazer fé nos jornais, todos os jogadores do mundo ambicionam representar um dia, a perder mais um «campeonato da segunda circular» e a olhar para trás, apreensivo, para ver se não perde mesmo o último lugar do pódio. Vira o disco e toca o mesmo. Eu próprio já começo a achar monótono.

Mas o que se há-de fazer por quem faz tão pouco por si próprio? Mesmo sabendo o líder cansado, exausto de competição ao mais alto nível e desfalcado de dois jogadores de tremenda influência na equipa, os seus rivais - jogando antes e com a possibilidade de o colocar sob pressão, entregaram o ouro ao bandido, antes mesmo de ouvirem as palavras «isto é um assalto ao título!». O Sporting, jogando para o título e para a Champions, foi a Coimbra (onde mora uma equipa muito organizada mas com um poder ofensivo nulo) e, em lugar de se atirar desde o início para cima deles em busca de um só golo que seria suficiente, jogou em soberbo pousio durante noventa insuportáveis minutos. Ainda gostava que alguém me explicasse como é que haverá tantos clubes de fora interessados num Miguel Veloso ou algum disponível para dar 22 milhões pelo João Moutinho! É uma atitude louvável, e até de sobrevivência, ter uma Academia para formar jovens jogadores e integrá-los na equipa principal. Mas isso não quer dizer que tudo o que sai de lá é um Cristiano Ronaldo em potência e que lhe basta fazer meia dúzia ou nem tanto de bons jogos, para logo ter as portas da Europa abertas de par-em-par. Caramba, eles não verão as transmissões televisivas dos jogos em Espanha, em Inglaterra, em Itália? Aquele Sporting de Coimbra, a quem, na hora decisiva, se exigia ambição e risco, talento e trabalho, foi o que se viu: um candidato ao segundo lugar nos anos bons.

E, depois de o Sporting ter deixado dois pontos em Coimbra, foi a vez de o Benfica entrar em campo - teoricamente ainda a perseguir o título, mas muito realisticamente a perseguir, sim, o segundo lugar de acesso à pré-liminatória da Champions. Aqueles jogadores, pagos a peso de ouro, sabem com certeza a importância financeira que uma presença na Champions tem para o clube e para as suas próprias carreiras. Sabiam que tinham uma oportunidade de ouro para ficarem encostados ao Sporting. Há menos de duas semanas, foi jogar ao mesmo estádio o modesto Paços de Ferreira, que, em caso de vitória, conseguiria a proeza de levar o clube à final da Taça: e, contra todos os vatícinios, eles conseguiram-no, porque se bateram por isso. Bem, eu não vi o jogo do Benfica com o Nacional, porque há tempos que desisti de ver os jogos do Benfica, por absoluta falta de interesse. Mas rezam todas as crónicas que foi mais um jogo de revoltar adeptos. Agora, os benfiquistas estão na fase dos «culpados» e, claro que Quique Flores é o suspeito mais à mão. Mas a verdade é que, por mais que se simpatize com ele, como é o meu caso, o «culpado» principal este ano só pode ser Rui Costa. Agora, que Vieira se afastou do que não percebia e deixou o futebol à gestão de Rui Costa, é este que deve responder: foi ele que escolheu Quique e que, com Quique, escolheu os jogadores, o tal plantel de luxo que iria ofuscar tudo à volta. Mas, pelo que tenho lido, parece que Rui Costa gasta mais tempo nos túneis a falar ou a reclamar com os árbitros do que a reclamar com os jogadores no Seixal.

E, estendida a passadeira vermelha pelos seus rivais, ao F.C.Porto bastou lançar mão da sua entranhada cultura de vitória para somar os três pontos contra o Marítimo e sentenciar de vez a coisa. Foi, claramente, um F.C.Porto esfarrapado e no limite das forças, desfalcado de Hulk e Lucho e que, quando cedo se viu sem Meireles, pareceu incapaz de segurar a vantagem conquistada logo a abrir, porque, como aqui escrevi desde o primeiro dia, Jesualdo Ferreira teve a desfaçatez de avançar para a época inteira apenas com dois médios de ataque - Lucho e Meireles - deitando fora Ibson, Luís Aguiar, Léo Lima, etc. Olhando para aquele meio campo com Guarín e Tomás Costa, chego a pensar que foi uma bênção não termos passado o Manchester United: é que assim, sempre mantivemos intacto um prestígio que, de outra forma, logo seria estilhaçado às mãos do Arsenal. No Funchal e a vencer, valeu que o Marítimo teve de vir para a frente e o F.C.Porto aproveitou, em momentos cirúrgicos, a sua sabida capacidade de ataque instantâneo contra equipas abertas. Assim matou o jogo e o campeonato. Daqui para frente, o objectivo único é arranjar três pontinhos onde der - de preferência já no próximo domingo e no Dragão - para poupar energias e recuperar algum jogador para o Jamor e a «dobradinha». E terá sido uma grande época!


2- O tipo que programou o Académica-Sporting para quase a mesma hora que o jogo do ano à escala planetária, devia ser fuzilado. Por dever de ofício, eu tive de dividir as atenções entre o concerto de música militar e a ópera de Milão, desesperando por não poder seguir integralmente cada suspiro desse fantástico Real Madrid-Barcelona. Dentro de dez anos ainda se falará em Espanha deste jogo, como durante muitos e muitos anos se falará, no mundo do futebol, desta fantástica equipa do Barcelona de Pepe Guardiola como uma das melhores de todos os tempos, em qualquer canto do mundo.

Quando, vai fazer três anos, antes do Mundial da Alemanha, A BOLA pediu aos seus colunistas que indicassem aquele que achavam que viria a emergir como o grande jogador desse Mundial, eu respondi Lionel Messi. Enganei-me, mas apenas por uma razão: porque o seleccionador argentino, Billardo, achou mais prudente deixar Messi no banco todo o Mundial, porque haverá sempre treinadores para acharem que os génios atrapalham as tácticas que eles tão genialmente conceberam. E este ano, quando, aqui também, se lançou uma espécie de campanha para que, em nome da Pátria, se declarasse, sem excepção, que o melhor jogador do mundo em 2008 tinha sido o Cristiano Ronaldo, eu respondi, quase a medo: «Pois, é um grande jogador sem dúvida, tem a imagem muito bem cuidada, as sobrancelhas muito bem depiladas, mas, quanto a ser o melhor do mundo, é uma chatice, mas há por aí um rapaz chamado Messi...»

Este sábado, em Chamartin, Lionel Messi, mais uma vez, mostrou àqueles que verdadeiramente gostam de futebol, independentemente de clubismos ou patriotismos idiotas, que o melhor jogador do mundo em 2006, 2007, 2008 e 2009, é ele e apenas ele. É certo que não ganhou ainda o respectivo troféu, mas daqui a vinte anos vos garanto que, quando se perguntar a alguém quem foram os cinco melhores jogadores do mundo de sempre, a resposta certa é: Pélé, Eusébio, Maradona, Cruyff e Messsi. Vou ficar a torcer para que amanhã, em Standford Bridge, esta espectacular equipa do Barcelona e o seu pequeno génio de Buenos Aires derrotem o futebol feio e deprimente do Chelsea. Para que haja alguma justiça, neste mundo onde há tão pouca.

segunda-feira, maio 04, 2009

CRÓNICA DE UM CRIME ANUNCIADO (28 ABRIL 2009)

1- O próximo jogador do F.C.Porto a ser posto fora de combate vai ser o Lisandro López. Porquê? Ora, basta ter visto o F.C.Porto-Vitória de Setúbal de anteontem para o perceber: porque ele é, neste momento, o mais influente e decisivo jogador da equipa e porque, na ausência do Hulk - já devidamente arrumado - transformou-se agora no alvo a abater pelos defesas contrários. Como, ao contrário de comentadores de outras áreas clubísticas, não tenho uma visão sistematicamente conspirativa do que acontece no nosso campeonato, não digo nem penso que a pancadaria que o Hulk foi levando até ser posto fora do campeonato e a que o Lisandro já começou a levar seja um serviço encomendado. Mas o que sei é que faltam quatro jogos e, sem o Lucho, o Hulk e o Lisandro, os quatro pontos de vantagem do FC Porto sobre o Sporting parecem curtos e o campeonato pode ficar reaberto. E, pese à boa imprensa que alguns deles têm, eu - e as bancadas do Dragão - sabemos bem que aquele é o pior banco de suplentes de que há memória: Stepanov, Tomás Costa, Andrés Madrid, Guárin, Mariano, Fárias, todos juntos não valem um jogador médio. Por isso, e apesar de o F.C.Porto entrar agora num ritmo de competição em pé de igualdade com Benfica e Sporting, a coisa já esteve mais desanuviada.

Bem pode o Paulo Bento fazer-se de desentendido e dizer a aleivosia de que os árbitros não têm de estar mais atentos a que um grande jogador possa jogar do que um jogador banal (como se alguém se preocupasse em arrumar um mau jogador…). A verdade é que, se em lugar do Hulk, tem sido o Liedson a ser arrumado pelo Ney, a esta hora já ninguém suportava ouvir o Paulo Bento. Porque, como ainda este fim-de-﷓semana se viu contra o Estrela, não fosse o génio do Liedson, e o Paulo Bento estava a ver o título e a Liga dos Campeões por um canudo. Assim, confortado pelo facto de o Liedson, apesar de também decisivo, não ter sofrido uma única falta durante o jogo (assim como o Ney, não cometeu uma única falta…), confortado com três pontos muito pouco justificados no futebol apresentado, Paulo Bento lá se permitiu mais uma das suas cenas de histeria contra todos e contra o mundo em geral, porque o árbitro (bem ou mal, nunca percebi se há regra ou não), deixou que o Estrela cobrasse um livre sem apitar e da cobrança do livre - graças ao desatino do Rui Patrício e dos centrais - o Sporting esteve à beira de ver fugir dois pontos ao minuto 90. E o Paulo Bento lá saíu do campo, como é seu hábito, a esbracejar, a invectivar o juiz-de-linha e sem sequer olhar o treinador adversário enquanto o cumprimentava, a ver se assim disfarçava o constrangente facto de o Sporting ter acabado um jogo em Alvalade e contra os «amadores» do Estrela, enfiado na sua grande área, a defender de pontapé para a frente, a magra vantagem conseguida pelo talento de Liedson.

Aconteceu, aliás, em Alvalade, uma das melhores arbitragens a que já assisti neste campeonato, sem a menor razão de queixa, de parte a parte. Mas o público de Alvalade assobiou, de princípio a fim e como é seu hábito, todas e cada uma das decisões do árbitro contra o Sporting, e acabou a gritar «gatuno» por causa do tal livre que lançou o pânico na defesa do Sporting e nas bancadas do estádio. Como alguém escreveu há dias, o único árbitro que eles não contestariam era o próprio Paulo Bento. Não sei se é assim que esperam ganhar campeonatos, mas é assim que esperam ganhar a lenda: mentir, tantas e tantas vezes, até que se crie a ideia de que a mentira é verdade. Não inventaram nada.

Entretanto, o que eu sei é que uma comunicação social que foi capaz de passar uma semana a discutir como escândalo do mês a mão do Raul Meireles em Coimbra (numa vitória, todavia, dilatada e de mérito indiscutível do Porto), passou, como facto menor, sobre a maneira científica como o tal Ney mandou o Hulk para os balneários, no jogo da Taça, na Amadora, a meio da semana. E se houve crime anunciado foi este! Há meses que se percebia que o desfecho teria de ser assim: à medida que Hulk foi crescendo e explodindo, de jogo para jogo, à medida que a sua velocidade e o seu poder fisico começaram a encaixar na qualidade técnica, fazendo dele o «caso» do campeonato, tornou-se cada vez mais evidente que a fórmula pré-estabelecida de o travar era à pancada. E ele foi aguentando, aguentando, caindo e levantando-se, até chegarmos ao vergonhoso espectáculo de Guimarães, sobre o qual aqui escrevi então. Em Guimarães, logo ao minuto primeiro, o Hulk arrancou, deixou um, dois, três adversários para trás e, quando ia a isolar-se na área para o golo, levou uma trancada tamanha, que não era apenas para travar a jogada, era para intimidar e deixar marcas. Como era o minuto um, o árbitro nada fez, senão assinalar a falta. E os jogadores do Guimarães, claro, perceberam a mensagem: é fartar vilanagem! Seguiu-se uma autêntica, desenfreada e impune caça ao homem, até que Jesualdo Ferreira percebeu que mais valia tirar o desgraçado do Hulk do jogo do que perdê-﷓lo para o resto do campeonato. Mas apenas adiou a sentença quinze dias: na Amadora, repetiu-se o processo desde o princípio e bastaram dez minutos para que a época estivesse acabada para um dos melhores, se não o melhor jogador deste campeonato. E o árbitro, uma vez mais, magnânimo: nem vermelho, como se impunha, nem sequer amarelo - apenas uma ligeira advertência ao jogador, do tipo «é pá, não dês muitas mais dessas, se não tenho de te mostrar um cartão e eu detesto isso».

E este fim-de-semana, lá estava o árbitro em actividade e o Ney a jogar em Alvalade e a portar-se como um cordeirinho. Só o Hulk é que, azar, só volta para o ano! Já vi este filme há dois anos, no Dragão, quando o Katsouranis teve uma entrada assassina sobre o Anderson, partiu-lhe a tíbia e o peróneo, rompeu-lhe os ligamentos do joelho, arrumou com ele seis meses, e o inefável Lucílio Baptista assistiu a tudo a dois metros de distância e achou que aquilo não valia nem um amarelo. E a seguir foi o Lisandro e a história repetiu-se, tal qual. Mas, desde que os «azarados» sejam jogadores do F.C.Porto, a quem é que isso incomoda? Preferem é continuar a alimentar a lenda de que jogador violento só há o Bruno Alves. Pois, mas o Bruno Alves fez agora quatro jogos de seguida na Liga dos Campeões sem cometer uma única falta e, não sei porquê, está na lista de compras dos principais clubes europeus, à frente de qualquer outro jogador português (deve ser por ser violento…).

Já aqui elogiei o Paulo Bento, como treinador, e, por isso estou à vontade para dizer que as suas declarações a propósito da lesão do Hulk foram lamentáveis. Lamento que alguém que faz carreira no futebol e que foi jogador muitos anos, quando, confrontado com a lesão do Hulk, em lugar de se fazer de desentendido e aproveitar para, mais uma vez, investir contra moinhos de vento, não tenha tido o fair-play de dizer isto. «É uma vantagem para nós, que não desejávamos. Um dos melhores jogadores do campeonato foi afastado por uma entrada de um adversário, que não é admíssivel. Se tivesse sido com um jogador meu, eu estaria justamente indignado». Mas parece, infelizmente, que esse espírito é demais para certos espíritos. E depois queixam-se os sportinguistas de que não há público em Alvalade nem militância no clube. E, se amanhã partirem uma perna ao Liedson, ainda haverá menos. Mas, olhem, no Dragão há público. Mesmo que a gente saiba que, por cada um que é abatido em combate, não há , nesta equipa, nenhum suplente minimamente capaz de lhe tomar o lugar.

A RESSACA (21 ABRIL 2009)

1- No F.C.Porto, há muito tempo que não há vitórias morais. Ali, joga-se sempre para ganhar e, quando se perde, perde-se: ninguém fica a consolar-se com a injustiça, a falta de sorte ou os erros de arbitragem. É este espírito, antes de tudo o mais, que marca a diferença de resultados entre os «azuis e brancos» e a restante concorrência a nível nacional. E é por isso que a eliminação às mãos do Manchester United - por mais injusto que o desfecho nos pareça, atendendo ao que se passou nos dois jogos - é uma derrota e ponto final. Não é o fim de um «sonho», como se escreveu, porque, verdadeiramente, o sonho nunca existiu. Mas foi o fim de uma hipótese, ténue e incrível, de ter afastado da mais importante competição mundial de clubes o campeão em título e mais rico clube do mundo. Para que isso acontecesse, era preciso, porém, dois momentos, dois jogos, de absoluta perfeição de todos, de uma tamanha competição e eficácia competitiva que as mais valias individuais do todo poderoso MU não conseguissem sobrepor-se a um jogo de equipa perfeito. Era preciso que o guarda-redes não falhasse nada que pudesse ser defendido, que a defesa fosse quase impenetrável, o meio-campo incansável e que o ataque não desperdiçasse golos possíveis. Isso não aconteceu, nem lá nem cá: lá, o F.C.Porto teve o adversário aos pés, mas, erros próprios (um golo oferecido e dois falhados, daqueles que não se podem desperdiçar) impediram uma vitória que teria resolvido logo a eliminatória; e cá, um fantástico pontapé de Ronaldo (que não deixou de ser um golo consentido por Helton, no primeiro remate à baliza dos ingleses), mais um desperdício de Lisandro e outro de Rolando, a par do «síndroma de Mamede» e dos efeitos devastadores da ausência de Jesualdo no banco e de Lucho no campo, ditaram uma vitória «científica» do MU, com um amargo sabor a «quase». Viu-se uma equipa absolutamente impecável na defesa (face a um ataque de meter terror), um grande meio-campo, mas depois falhou o ataque, jogador por jogador, e, uma vez mais, se demonstrou como a ausência de um guarda-redes fiável limita a equipa nos grandes jogos (não foi só o golo de Ronaldo, foi também a única outra oportunidade do Manchester, num pontapé dentro da pequena área e na sequência de um canto, com uma bola a pingar a um metro da baliza, que nenhum guarda-redes pode deixar de interceptar).

É verdade que a festa que os campeões do mundo fizeram no final e o ar de evidente alívio de sir Alex ficaram como sinal do respeito e temor que o F.C.Porto conseguiu impor ao gigante europeu. Mas isso é uma vitória moral. Saímos com honra, sim, caímos de pé, sim; mas saímos e caímos. Apenas com a convicção de que a equipa foi tão longe, ou mais ainda, do que era legítimo exigir-lhe. Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal: vender o Anderson ao Manchester e depois ficarmo-nos a lamentar da sua decisiva acção a travar o nosso jogo a meio-campo. As coisas são como são.


2- De regresso à vidinha de todos os dias, aí temos o nosso campeonato, com as suas eternas discussões sobre arbitragem - que, ao que parece, é aquilo a que se reduz a apreciação do mérito do futebol que se vê. É verdade, sim, que ficou um penalty por marcar a favor da Académica, quando havia 0-0, no jogo contra o F.C.Porto. Mas também é verdade que um jogador da Académica, depois da mão na bola do Raul Meireles, ficou completamente isolado perante o Helton, com todas as condições para fazer golo e falhou: se tivesse marcado, conforme lhe competia, não havia discussão sobre o penalty. E também é verdade que o liner cortou uma jogada de golo do F.C.Porto por offside absolutamente inexistente e é verdade, sobretudo e para quem viu o jogo, que o F.C.Porto poderia ter vencido por cinco ou seis, se o Hulk, por exemplo, não estivesse a atravessar uma crise de forma e de crescimento. Só quem não entende nada de futebol ou quem esteja de má fé é que poderá sustentar que, sem aquele penalty não marcado, o F.C.Porto não teria vencido em Coimbra.

A ressaca da noite de quarta-feira não deve ter sido fácil de gerir, mas, com mais ou menos limitações e cansaço, mais ou menos inspiração e motivação, Jesualdo Ferreira conseguiu o suficiente para reerguer a equipa no caminho do que resta conquistar: o campeonato e a Taça de Portugal. Mais uma jornada passou e faltam só quatro vitórias até ao título de tetracampeão nacional.


3- O Vitória de Setúbal caminha para a segunda divisão e o Boavista caminha para a terceira. Não há milagres sem pão: não é possível manter a motivação dos jogadores nem o equilíbrio psicológico de uma equipa se os jogadores jogam sem receber e sem saber o que é o dia de amanhã. A excepção do Estrela da Amadora não passa disso mesmo e o que é preocupante é que possa haver dirigentes de clubes que olhem para o caso do Estrela como um exemplo de viabilidade desportiva dentro da anormalidade. É urgente que Hermínio Loureiro se defina na anunciada nova regra a entrar em vigor em Maio: ou é para ser finalmente a sério e sem olhar a quem, ou é para ser aplicada com «compreensão» e prolongar por mais um ano este indecente cenário dos clubes que competem sem pagar aos jogadores nem ao Fisco e Segurança Social. Afinal, isto é uma competição profissional ou uma quermesse?


4- Já começaram as notícias dos jogadores que desejam ardentemente ver-se com a camisola do Benfica para o ano que vem. Das extraordinárias vedetas que aí vêm rumo à Luz, tipo Fredy Adu ou Pablo Aimar. Já se preparam as manchetes de Verão, já se faz por esquecer os fiascos desta época com os anunciados triunfos da próxima. Nos «grandes» de Lisboa preparam-se eleições e, enquanto que no Sporting, o actual presidente se jura farto de desconsiderações e a mal resolvida oposição consta que prepara a candidatura de um ex-polícia a contas com a justiça, no Benfica o actual presidente já vai investindo forte e feio contra uns eternos e não nomeados ambiciosos que podem ter o desplante de lhe querer disputar o lugar. Eis um problema que não se põe no F.C.Porto.

Enfim, já cheira a «defeso», já há espuma e maresia no ar, já se anuncia o Verão. Mais um ano que acaba, mais sonhos que morrem e se enterram e outros que nascem e se alimentam de novas ilusões. O ciclo do futebol segue ao lado e próximo do ciclo da vida. E sempre gostei disso.