segunda-feira, novembro 30, 2009

Ó LABAREDAS, VOCÊ VIU AQUILO? (03 NOVEMBRO 2009)

1- O Labaredas é o anónimo 'jornalista' do site oficial do F.C.Porto que, à falta de melhor, gosta de implicar comigo. A semana passada, o Labaredas embirrou que eu não poderia ter escrito aqui, como escrevi, que esta é a mais fraca equipa do F.C.Porto dos últimos quatro anos. Manifestamente, e segundo ele, não é. Eu poderia responder-lhe, simplesmente, que ele não percebe nada de futebol e que nem esta sequência de três pungentes exibições em jogos caseiros de dificuldade mínima - APOEL, Académica e Belenenses - conseguiram fazer-lhe entender o que, todavia, entra pelos olhos adentro de qualquer um. Mas essa não seria a resposta adequada, porque o problema do Labaredas não é o facto de ele achar ou não achar que esta equipa é a mais fraca dos últimos anos - o problema é que ele acha que, mesmo que tal seja verdade, não é coisa que um portista escreva, sob pena de crime de lesa-Majestade. No mundo onde pantaneia o Labaredas, tudo o que Suas Infalíveis Majestades fazem está certo por definição: é para isso que lhe pagam, é por isso que ele é a voz do dono.

Muito deve incomodar o espírito acomodado e a espinha curvada do Labaredas que eu viva a escrever há vários anos que todas as épocas Suas Inafalíveis Majestades se dedicam a substituir dois ou três dos melhores por uma camioneta de sul-﷓americanos (dos quais apenas dois ou três têm valor), com isso aumentando o rol das várias dezenas de jogadores emprestados a quem o clube paga ordenados para jogarem por outros, com isso impedindo o aparecimento de valores novos produzidos nas escolas do clube com custos que também o clube paga, mas com isso não conseguindo nem tornar a gestão solvente, nem o passivo dissolvente.

Repare, Labaredas: Deco, Mc Carthy, Maniche, Derlei, Costinha, Carlos Alberto, Luís Fabiano, Alenitchev, Pedro Mendes, Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Nuno Valente, Paulo Ferreira, Diego, Ibson, Anderson, Bosingwa, Ricardo Quaresma, Pepe, Paulo Assunção, Lisandro, Lucho, Cissokho, etc, etc, já aqui vão 22 - duas equipas - sem sequer puxar muito pela memória. Imagine que equipa não teríamos agora, se apenas tivéssemos vendido metade ou mesmo dois terços deles! Ah, mas valeram milhões! Pois valeram: mas onde estão esses milhões, Labaredas? É essa a questão, percebe agora?


2- A boa notícia para logo à noite em Nicósia, é que, excepcionalmente, vamos entrar em campo onze contra onze: o Mariano González não joga porque está castigado. E, embora nos continuem a faltar extremos de categoria (ó SAD, por favor, peçam lá o Quaresma emprestado ao Mourinho!) e médios ofensivos que, entre outros atributos, sejam capazes, de vez em quando, de rematar de meia distância sem enfiar a bola na bancada, o facto de entramos de igual para igual já é uma substancial melhoria. O futebol fez-se para jogar com onze, e não com dez, mais o Mariano González.

Mas a questão é que, tirando o Labaredas, a confrangedora exibição frente ao Belenenses (seguramente a mais fraca equipa que passou pelo Dragão desde há muito) deixou-nos a todos, verdadeiros portistas, completamente deprimidos. E nem adianta o consolo que foi ver o Benfica encostar em Braga ou o Sporting, mais uma vez, encostar em Alvalade. Com o mal dos outros podemos nós bem, mas não é apenas o consumo interno que nos preocupa: somos nós e apenas nós que jogamos a Champions e que temos a missão de prestigiar o futebol português de clubes. Ora, pelo que se viu contra o Beleneneses, e antes contra a Académica, e antes contra o APOEL, a missão afigura-se mais do que problemática.

Eu sei que, como diz Jesualdo Ferreira, vamos melhorar - aliás, só podemos melhorar. Mas, olhando para o actual nível exibicional da equipa, temo que, quando tal suceder, seja já tarde para evitar alguns danos produzidos. É que não é apenas a falta de extremos ou médios de ataque que dêem garantias, não é apenas a falta de um guarda-redes que não comprometa nos jogos mais importantes, ou a baixa de forma gritante de alguns jogadores em quem se confiava: é tudo o resto, também. A aparente deficiente condição fisica, a falta de atitude de conquista, que era a imagem de marca desta equipa nos anos anteriores, e até, estranhamente, a falta absoluta de ideias do que fazer contra equipas que se fecham todas atrás do seu muro, como este triste Belenenses (o Álvaro Pereita deve ter cruzado algumas 20 bolas para a área, 80% a despropósito, 90% mal cruzadas e 100% cruzadas do local errado, e da forma errada, de trás para a frente). Nos três jogos referidos - os últimos três disputados - o F.C.Porto, versão 2009/10 - começou sempre o jogo numa atitude de sobranceria, de descontração e falta de pressa em resolver as coisas. Passes displicentes transviados, remates à baliza dignos de amadores e assumidos como coisa naturalíssima, livres e cantos cobrados sem qualquer imaginação nem sombra de perigo, futebol a passo, sem rasgo nem génio: francamente, se lhes tivessem trocado as camisolas, eu acreditaria que estava a ver jogar o Sporting, sem ofensa.

O que fazer? Pois, começar a ganhar e já hoje. Depois, esperar que a longa e inexplicada ausência do Silvestre Varela chegue ao fim e que Jesualdo não demore mais um mês a integrá-lo, prolongando a penitência do Mariano e a nossa. E depois, se é que queremos bater-nos pelo campeonato e, vá lá, pelos quartos-finais da Champions, ir às compras em Dezembro. Sei que é contra tudo o que aqui venho defendendo há anos, em termos de gestão desportiva e financeira, mas visto que não há alternativa urgente, pois que tantos jogadores bons e úteis foram emprestados e nenhuma promessa dos juniores é aproveitada, não vejo outra saída a curto prazo.


3- Este ano fiz a mim mesmo uma promessa: não falar de arbitragens, enquanto me aguentar. Vamos quase a um terço do campeonato e tenho-me aguentado, não falando nem das arbitragens dos jogos do F.C.Porto nem das dos rivais. E tenho-me aguentado, sorrindo, mesmo quando (e é todas as semanas, sem falhar) leio os delirantes textos do ilustre trio de benfiquistas Leonor Pinhão-Sílvio Cervan-Ricardo Araújo Pereira (Fernando Seara é outro estilo). Eles começam a atacar os árbitros - os deles e os dos outros - antes dos jogos, continuam depois e nunca estão saciados. Tudo, rigorosamente tudo, lhes serve de motivo de suspeita e de tese de argumentação: se o árbitro é de Viana do Castelo, de Leça do Bailio ou de Reguengos de Monsaraz; se gosta de leitão à Bairrada ou de peixe grelhado; se, num anterior jogo de 2004 ou 1997, na opinião deles, não marcou um penalty a favor do Benfica, mas também se, pelo contrário, o marcou (o que significa que da próxima vez não marcará).

Eu leio, sorrio, às vezes apetece-me tremendamente responder-lhes igualzinho, mas depois lá me vou aguentando. Sempre achei e sempre o disse que, em minha opinião, as equipas verdadeiramente vencedoras não perdem tempo a discutir árbitros nem a queixar-se de arbitragens: devem jogar o suficiente para não estar à mercê de um erro do árbitro, que quase sempre acontece. E também acho que quem fala, grita e esbraceja quando se sente prejudicado e se cala muito caladinho quando toda a gente viu que foi beneficiado, quem se dá ao trabalho de fazer contabilidades de pontos 'roubados' pelos árbitros sem incluir nas contas os desfechos inversos ou os prejuízos dos rivais, não merece crédito algum.

Dou apenas um exemplo: já para aí ouvi muitos benfiquistas queixarem-se de terem sido roubados em Braga, devido ao golo do Luisão anulado. Bem, pese embora às explicações que li sobre a existência prévia de uma falta de outro jogador benfiquista na mesma jogada e que terá justificado a anulação do golo, eu, pela televisão, não vi falta alguma. Vamos admitir, então, que o golo foi mal anulado: quem poderia garantir que, se tem sido validado, o Benfica manteria o empate ou chegaria mesmo à vitória? Facto é este: o Braga ganhou 2-0; se o golo tem sido validado, teria ganho 2-1. O resto são contas à Sílvio Cervan.

Agora, atentem no golo que todos concordam ter sido mal anulado ao F.C.Porto, quando havia 0-0. Quem pode garantir que o Belenenses, a perder por 1-0 e com a consequente necessidade de desmontar o Muro de Belém em frente à sua baliza, chegaria ao empate, em lugar de encaixar mais um ou dois golos? Facto: o resultado foi 1-1; se o golo é validado, como deveria ter sido, o F.C.Porto teria ganho 2-1. Ou seja, o resultado da jornada, revisto à luz das arbitragens, acabou por ser excelente para o Benfica: uma eventual má decisão do árbitro que o prejudicou, não lhe roubou, todavia, ponto algum; já uma real decisão errada do árbitro roubou dois pontos ao F.C.Porto. Mas, como costumam dizer os treinadores, não vou por aí: o F.C.Porto perdeu dois pontos porque não jogou nada. E disso, o árbitro não tem culpa.

O F.C.PORTO MAIS FRACO DOS ÚLTIMOS ANOS (27 OUTUBRO 2009)

1- Não me entendam mal: eu não estou zangado com a equipa do meu clube. Sei que não se pode ganhar sempre e, se há alguém que não se pode queixar disso, é um portista. Também sei que o campeonato não nos está a correr propriamente mal - apenas tivemos o empate inicial em Paços de Ferreira e a derrota em Braga com a equipa-sensação desta época - e, na Liga dos Campeões, temos já, ao fim de apenas três jogos, a porta escancarada para os oitavos-de-final. Não estou, pois, zangado, limito-me a dar a minha opinião: este é, até ver, o F.C.Porto mais fraco dos últimos anos, a mais fraca das equipas de Jesualdo Ferreira, a que pior futebol pratica. Também sei que estamos desfalcados de uma série de jogadores, sobretudo Belluschi - que faz muita falta porque escasseiam médios ofensivos criativos - e Silvestre Varela, que estava a ser a revelação da equipa. E sei, claro, que, quando tomamos o termo de comparação óbvio - o Benfica, de Jorge Jesus - é preciso não esquecer que, enquanto eles gastaram mais de 50 milhões a comprar jogadores, nós facturámos 70 a vendê-los. E essas coisas têm de ter consequências. Mas, quando digo que este é o F.C.Porto mais fraco dos últimos anos, nem sequer estou a tomar o Benfica por termo de comparação: estou a comparar este F.C.Porto com o que ganhou os três últimos campeonatos.

Depois dos onze dias de interrupção para as Selecções, os portistas esperavam que essa interrupção servisse para sarar feridas e afinar estratégias, tanto mais que, logo de seguida, o F.C.Porto iria dispor de quatro jogos fáceis e todos eles em casa: contra o Sertanense para a Taça, o Apoel, a Académica, última da classificação, e o sempre-em-crise Belenenses. Afinal, três jogos disputados e quinze dias decorridos, nada disso tem acontecido: os lesionados não foram recuperados, os em baixo de forma (Raul Meireles e Cristian Rodriguéz) não melhoraram, e os dois primeiros dos três jogos fáceis (o Sertanense não conta) acabaram em vitórias tangenciais, desassossego inesperado e exibições confrangedoras.

Jesualdo Ferreira (que já elogiei tanta vez) tem a sua quota de responsabilidade. O seu conservadorismo, a sua aversão à inovação e à mudança, tornam-se especialmente notados e perniciosos nestas alturas em que o seu baralho com as mesmas cartas de sempre dá mostras de não funcionar. Nos últimos tempos, por força do número anormal de lesões e da duração anormal dessas lesões, Jesualdo tem sido obrigado a chamar uma quantidade de juniores aos treinos da equipa principal e até dispôs de uma oportunidade de ouro para os testar no jogo da Taça. Mas é apenas uma formalidade: todos sabemos que ele não aproveitará um único. Quantos juniores lançou Jesualdo na equipa principal nestes mais de três anos? E de quantos jovens que pareciam à beira de se tornarem em certezas já se desfez, mandando-os rodar para outras equipas e deixando a treinadores alheios a tarefa de os tentar transformar em jogadores de categoria? Com Jesualdo tudo é sempre prevísivel: são os mesmos de sempre, uma espécie de clube fechado, onde, em cada ano, não entram mais do que um ou dois dos onze reforços que Pinto da Costa todos os anos, infalívelmente, lhe fornece. É fácil, facílimo, adivinhar as equipas de Jesualdo Ferreira: são os onze óbvios de sempre e, se algum se magoa, avança o Mariano; se se magoam dois, avança também o Tomás Costa; se se magoam três, avança por fim o Guarin. Conclusão: como há sempre alguém castigado ou lesionado, o Mariano, para desespero meu, está sempre em campo, porque ele nunca se magoa. (Mas o Mariano tem a sorte dos inocentes: depois de mais uma desastrada exibição, culminada com expulsão contra o Apoel, lá estava ele, outra vez, no onze incial contra a Académica. Dei-me ao trabalho de anotar escrupulosamente tudo o que fez.

E eis o que fez: tocou na bola pela primeira vez aos 16'20'' (!), depois de ter entrado em jogo com a atitude de quem estava num garden-party. Daí até ao minuto 65, limitou-se a receber e atrasar bolas, a ensaiar algumas fintas falhadas e a conseguir uma boa jogada de envolvimento pela direita que terminou com um cruzamento para a bancada do lado oposto. Mas, ao minuto 65, ao meter uma bola de cabeça para dentro da área, viu esta acabar directa dentro da baliza, sem saber como; e, três minutos volvidos, cruxou rasteiro e direito a um adversário, que falhou o corte e permitiu o golo de Farias. Daí até final, voltou a nada mais fazer, mas foi quanto bastou para que se dissesse que «Mariano resolveu o jogo»). E sexta-feira, contra o Belenenses, lá estará outra vez.

Oh, sim, Lisandro faz muito falta e Lucho ainda mais! Belluschi, tem bons pés mas que não chegam aos calcanhares de Lucho, e Falcão é um excelente ponta-de-lança clássico, mas não um dinamitador de toda a frente de ataque, como Lisandro foi. E basta que Belluschi e Varela estejam lesionados e Meireles em sub-rendimento, para que não haja nem médios capazes de abrirem linhas de passe e de ruptura para a frente, nem extremos capazes de flanquearem jogo (Jesualdo deitou fora uma meia-dúzia deles, nos últimos anos). Se o génio de Hulk não está em dia de sair do frasco e o jeito de Falcão está sumido, acontecem estatísticas como a de o F.C.Porto, ao fim da primeira parte no Dragão, ter três remates à baliza da Académica, contra seis dos estudantes - que só queriam jogar para o 0-0…

2- E acontece ainda ( a verdade é para ser dita) que o Benfica está a jogar um grande futebol, que dá gosto ver. Não é apenas a impressionante média de 3,5 golos por jogo, ou a cadência de jogo ofensivo do quarteto sul-americano do ataque (Di Maria, Aimar, Saviola, Cardozo). É também uma coisa que há muito, muito tempo, não se via ao Benfica: o prazer de jogar, o respeito pelo público, a vontade de fazer cada vez mais e melhor e a sensação de que ali está a nascer uma verdadeira equipa e não apenas um lote de jogadores momentâneamente inspirados. Confesso que estava longe de esperar tanto do Benfica de Jorge Jesus. Não sei se isto é para durar e se continuará assim quando chegarem os jogos a doer - já no próximo fim-de-semana, em Braga. Mas, para já e por enquanto, caramba, que diferença para o Benfica dos últimos anos, que tanto reclamava e apregoava e tão pouco jogava!

3- A notícia de que Nuno Ribeiro, o vencedor oficial da última Volta a Portugal em Bicicleta, se transformou afinal no quinto vencedor a perder o título por posterior análise positiva de doping, já não consegue surpreender, infelizmente, ninguém. Desde há largos anos que o ciclismo se vem suicidando alegremente, por responsabilidade de corredores, directores desportivos e uns bandidos que usam o título de médicos. Mas também não venham depois com a hipocrisia de lançarem as culpas todas para cima dos médicos: quando um ciclista português, para correr a Volta a Portugal, recorre aos serviços de um médico colombiano, está tudo sub-entendido.

Por mim, há muito que desisti de me interessar pelo ciclismo e de seguir as provas. Pelo menos, desde que o nosso ídolo Joaquim Agostinho (apanhado três ou quarto vezes em controlos positivos) teve esta afirmação imortal, numa entrevista dada aqui mesmo: «Eu nunca tomei doping. Mas também que ninguém imagine que se pode subir o Alpe d'Huez só com bife grelhado e Eau d'Evian!». Fiquei esclarecido.

segunda-feira, novembro 09, 2009

PESADELO AZUL (20 OUTUBRO 2009)

Leio sempre com atenção o que Fernando Guerra aqui escreve - e ele escreve bem e pensa bem. Mas, terça-feira passada, creio que ele derrapou e cometeu o erro clássico que, a meu ver, sempre cometem os que, de fora, escrevem sobre Pinto da Costa: ficarem-se pelas aparências, pelos sinais exteriores de qualquer coisa mais funda e que não querem ou não alcançam entender. Eu, que julgo ser insuspeito de alinhar junto dos «que o seguem até de olhos fechados», como escreveu Fernando Guerra, fico sempre admirado por constatar que, após mais de vinte anos de liderança destacada no futebol português, o «fenómeno Pinto da Costa» (porque se trata mesmo de um fenómeno), continue a não ser decifrado por analistas, adversários e rivais.

Confesso que não segui com atenção as tais declarações que o presidente do FC Porto terá feito algures e que levaram Fernando Guerra a classificá-las como «resquício da pequenez que sempre caracterizou a sua política de conflitualidade, avessa à serenidade, à sensatez e à clareza» e decerto motivadas por um «pesadelo vermelho» que esta época estará a perseguir o líder azul. Que eu tenha visto, apenas registei umas declarações, no tom de ironia de que tanto gosta, agradecendo ao Benfica a contratação de Falcao. Se é a isso a que se referia Fernando Guerra, não me parece que justifique tamanho alarido. Basta recordar que o presidente do Benfica, esse sim, gastou os últimos três anos a visitar casas do Benfica pelo país inteiro e em todas elas tinha sempre um discurso de escárnio e ódio contra o FC Porto - com o qual visava desviar as atenções dos sucessivos falhanços desportivos da sua gestão (é, aliás, sintomático que esta época, em que o Benfica desatou enfim a vencer e a jogar futebol, Luis Filipe Vieira se tenha remetido a um silêncio inabitual).

Fernando Guerra diz que «Pinto da Costa não autorizou que o FC Porto crescesse quanto podia, transformando-o de um grande clube de implantação regional num outro de dimensão verdadeiramente nacional». Extraordinária afirmação esta! Que todos os factos, todos os números e toda a realidade desmentem, ano após ano! É verdade que Pinto da Costa sempre viveu amarrado a um discurso de cariz regional e regionalista, que lhe serviu no início para aglutinar todas as gentes portistas e fazer do FC Porto o grande clube do norte do país, símbolo perfeito do desafio do resto do país à hegemonia de Lisboa - no futebol, como no resto. Mas, ou porque tenha mudado de visão quando percebeu a dimensão imensa que o clube foi adquirindo, ou porque a criatura escapou ao criador, o facto é que isso hoje está longe de ser verdade e chamar ao FC Porto um clube regional sem dimensão nacional não cabe na cabeça de ninguém. O FC Porto é, neste momento, tetracampeão de futebol, depois de ter sido pentacampeão há pouco tempo. Conquista regularmente títulos nacionais em todas as modalidades profissionais (um ano houve em que chegou a acumular o título nacional nas cinco modalidades profissionais); foi, nos últimos três anos, o clube com mais assistências no estádio e tem hoje adeptos e seguidores de norte a sul, ilhas e emigração. Se isto não é um clube de dimensão nacional, o que será tal coisa?

Mas, nos últimos vinte anos, o FC Porto fez mais, bem mais do que isso: transformou-se no único clube português de dimensão internacional, duas vezes campeão europeu e campeão do mundo, segundo clube com mais presenças na Champions, fundador do G-14, onde sediavam os maiores da Europa, conhecido no mundo inteiro e com os seus principais jogadores cobiçados todos os anos pelos potentados europeus. Atendendo à dimensão crítica do nosso futebol, o que o FC Porto conseguiu é um verdadeiro «case study»: não conheço nenhuma empresa portuguesa que tenha adquirido uma dimensão além-fronteiras comparavel à do FC Porto. Que outra empresa portuguesa já foi considerada a melhor da Europa ou a melhor do mundo no seu ramo de negócio? Que outra levou o nome de Portugal aos confins do planeta, como o FC Porto o fez e faz?

Não ver isto, insistir em que tudo foi conseguido pela «pequenez» ou «conflitualidade» (ou por batota, como diz o disco rachado dos rivais vencidos) ou é cegueira em adiantado estado ou é má-fé. Não querer perceber que um êxito continuado só acontece a quem é melhor no planeamento, na organização, no profissionalismo e na motivação, a quem tem como filosofia de vida um grau de exigência e de competitividade acima dos demais, é uma caracteristica bem portuguesa. O sucesso que se destaca é sempre muito mal visto pelo comum dos portugueses e a reacção habitual não é a de tentar perceber as razões do sucesso e imitá-las, mas sim tentar destruí-lo, insinuando razões obscuras para o triunfo. Desde Alfarrobeira que essa é a nossa história. E a razão do nosso atraso sem remédio.

Muito na linha dos adversários portistas, Fernando Guerra acha que tudo foi obra de um homem só e profetiza tranquilamente que tudo se há-de desmoronar, no dia em que Pinto da Costa passar à reforma. Pois, quem viver, verá. Mas se espera, como escreveu, que o resultado das últimas autárquicas (ou das anteriores) na cidade do Porto já é um prenúncio seguro do fim iminente de Pinto da Costa e da hegemonia nacional dos portistas no futebol, o melhor é esperar sentado, porque de novo não percebeu. Não deixa, aliás, de ser eloquente que, enquanto que os cidadãos do Porto distinguem bem o voto muncipal do voto clubistico, sejam os analistas a proceder entusiasticamente a essa confusão. Segundo eles, se Rui Rio, inimigo confesso do FC Porto, ganha as eleições no Porto, é porque o clube está a perder adeptos na sua própria cidade. Do mesmo modo que quando os sportinguistas Jorge Sampaio e Pedro Santana Lopes ganharam a Câmara de Lisboa, isso só podia significar que o Benfica estava a perder adeptos na capital…É certo que eles não hostilizaram o Benfica, como Rui Rio, numa atitude de arrogância gratuita e ridícula, resolveu fazer com o FC Porto. E se também é certo que Rui Rio tem vencido as eleições apesar da sua hostilidade declarada ao maior clube e maior símbolo da cidade, também o F.C.Porto tem vivido muito bem com essa hostilidade: tem ganho títulos nacionais e internacionais e a única consequência é que agora não os festeja frente aos Paços do Concelho, conforme era tradição.

Enfim, para acabar e em abono da verdade histórica, é preciso dizer que não é verdade que o clube (isto é, Pinto da Costa), ao vencer a Liga dos Campeões, «em lugar de festejar com a exuberância justificada… tenha optado por destapar desavenças internas com o objectivo de desvalorizar o trabalho do treinador, José Mourinho, o qual, no regresso da Alemanha, abandonou o aeroporto pela porta do lado, por forma a evitar encontros indesejáveis com a facção mais descontrolada da obediente claque». Não é verdade, simplesmente. Eu estava lá e vi - no estádio, no avião, no aeroporto. Não havia ninguém, do presidente ao mais simples adepto, que quisesse desvalorizar o trabalho de Mourinho e que não quisesse a sua continuação: foi ele que, legitimamente aliás, quis voar outros voos. E foi ele quem optou por não festejar exuberantemente o título europeu - nem no estádio, nem no avião, nem depois, no Dragão. Conforme é mais do que sabido, Mourinho teve um problema de natureza pessoal com parte da claque portista e foi por isso que escolheu sair por uma porta lateral e desaparecer dos festejos. Não discuto se tinha ou não razão para proceder assim: limito-te a corrigir a versão de Fernando Guerra porque ela não é verdadeira e não serve de exemplo à sua tese.