quarta-feira, dezembro 31, 2008

NÃO HÁ AZAR! (23 DEZEMBRO 2008)

1 - Por pouco, por muito pouco, tinha sido uma semana em cheio para o FC Porto. Vitória convincente sobre o Estrela da Amadora, a meio da semana, no jogo que tinha em atraso para a Liga, conseguida com a atitude de conquista desde o apito inicial que eu aqui tinha desejado. Mesmo levando em conta que estava a jogar contra adversários que não recebem um salário desde que a época começou (!), mas que nem assim deixaram de se bater com toda a dignidade e força, o FC Porto, como lhe competia, não facilitou. E soube enfrentar tudo, erros do árbitro e falta gritante de sorte no jogo, para procurar e chegar à vitória sem fazer caso dos contratempos inesperados - o que é a marca dos campeões. Há os que parecem mais preocupados em encontrar, ao longo do jogo, razões para se desculparem dos insucessos, e há os que por mais razões de queixa que tenham, do árbitro ou da sorte, continuam a lutar até conseguirem o que querem. Há muitos anos que as equipas portistas nos habituaram já a fazer parte da segunda categoria e, só por isso, é que ganham mais vezes que os outros.

Depois da vitória na Amadora, vieram os felizes sorteios da Taça e da Champions. Não menosprezo o Leixões, mas jogar no Dragão representa uma inestimável vantagem, até porque não acredito que Braga seja capaz de voltar a repetir aquele fantástico e feliz pontapé que deu o segundo golo ao Leixões no jogo da Liga e não estarei a desvalorizá-lo se disser que provavelmente nunca mais na sua carreira terá dois pontapés tão certeiros e felizes no mesmo jogo como aqueles que deram a vitória ao Leixões no Dragão. Quanto ao sorteio da Champions, basta olhar para a ilustríssima lista dos segundos classificados de grupo que poderiam ter calhado aos portistas, para concluir que melhor era quase impossível. O Atlético de Madrid, de Simão, Maniche, Diego Fórlan e Máxi Rodriguez (e Paulo Assunção...), até é capaz de, jogador por jogador, ser melhor equipa que o F.C.Porto e certamente não será pêra doce. Mas falta-lhe a experiência europeia dos portistas, a capacidade de se superar nos grandes momentos e falta-lhe «alma de campeão» - condenados como estão a fazer eternamente figura de simples animadores do campeonato espanhol. Tudo ponderado, e se o FC Porto jogar ao seu melhor nível, ao nível a que já jogou esta época em Istambul ou Kiev, o favoritismo é seu.

Assim, para a semana ser perfeita faltava apenas esse «pequeno» obstáculo de vencer em casa um Marítimo que vinha de duas sovas consecutivas contra «grandes». Mesmo descontando o cansaço acumulado por sete jogos em três semanas, a ansiedade das mini-férias à saída do jogo e a pressa de chegar lá à frente, ao seu lugar natural na classificação, a tarefa não se afigurava de especial dificuldade. Mas razão tinha Jesualdo Ferreira para avisar que o Marítimo era a tal equipa que ainda só tinha sofrido um golo fora em cinco partidas da Liga. Marcos voltou à baliza dos madeirenses, o autocarro recuou, o Marítimo deixou-se de veleidades de jogar o jogo em todo o campo e Lucho e Bruno Alves falharam as duas primeiras opurtunidades de baliza escancarada. E tudo se foi complicando até ao 0-0 final, que até podia ter sido bem pior, se os dois estoiros do Marítimo às madeiras da baliza de Helton tivessem entrado. Estes dois jogos vieram confirmar as principais dificuldades conjunturais desta equipa, que, insisto, me parece desiquilibrada no valor das suas unidades: Lucho González prolonga o seu momento de crise e a sua «ausência» do jogo deixa a equipa amputada da capacidade de usar a sua principal arma, que é a da passagem rápida de uma situação defensiva para uma ofensiva, através dos passes a rasgar do argentino. Por outro lado, falta gritantemente um defesa esquerdo completo: o que mais garantias dá a atacar (Lino), não as dá a defender; e o que melhor defende (Pedro Emanuel), é inexistente em termos de ataque - uma característica cuja falta se faz notar sobretudo contra equipas que defendem atrás, com muitos jogadores.

De presente de Natal, queremos um defesa-esquerdo e dois médios ofensivos (não, não é preciso ir comprá-los à América do Sul, temos vários emprestados por aí e os tempos não vão para gastos sumptuários). Mas se não houver presente de Natal, também não há azar: apesar dos pontos mal perdidos aqui e ali e apesar da sobrecarga de ser a única equipa nacional que continua a lutar pela vitória em todas as frentes, o tri-campeão FC Porto é ainda o mais sério candidato a vencer a Liga.


2 - Como vem sendo hábito, Quique Flores safou-se de mais uma humilhação europeia do Benfica mandando as culpas para cima dos jogadores. Eu até acho o espanhol simpático, sério na maneira como encara o trabalho e civilizado - o que já não é nada pouco, no futebol português. Mas esta arte que ele tem (ou melhor, que lhe propicia a imprensa) de alijar responsabilidades quando perde, não me parece muito católica. Foi Quique Flores quem começou por desdenhar o jogo com o Metalist - nas declarações que fez previamente e na equipa que pôs a jogar. E fez mal. O jogo não era a feijões. Embora o tão louvado «prestígio internacional do nome Benfica» já nada diga à geração que tem menos de trinta anos e hoje só exista para uma coisa chamada Federação Internacional das Estatísticas de Futebol e para a imprensa benfiquista, a verdade é que perder com o Metalist em casa e ser varrido da UEFA, ficando em último lugar num grupo mais do que acessível, com três derrotas e um empate, dois golos marcados e nove sofridos, só serve para colocar esse saudoso prestígio internacional ao nível dos delírios. Por outro lado, o Benfica - que tudo tentou para entrar na Champions pela porta das traseiras e à custa do FC Porto - é capaz de ser a equipa portuguesa que nos últimos vinte anos mais beneficiou e menos fez pelas participações europeias. Se, de vez em quando, o Benfica vai às eliminatórias da Champions ou à UEFA deve-o, sobretudo aos pontos que o FC Porto, e em menor grau o Sporting, têm acumulado. Acontece que, mesmo não contando já para o apuramento, o jogo com o Metalist valia os mesmos pontos no ranking da UEFA - onde, justamente somos precedidos pela Ucrânia, país do Metalist. Havia um «interesse nacional» em jogo: era uma excelente oportunidade para recuperar pontos ao nosso mais directo competidor no ranking - não para os perder, jogando com uma equipa de circunstância, para poupar vedetas, já tão poupadas como Aimar ou Reyes. Escolhendo a equipa que escolheu, Quique Flores pensou apenas nos seus interesses imediatos, esquecendo o mais que estava em jogo. Não vejo como se pode descartar de responsabilidades, consolando-se com o título «ad hoc» de «campeão de Inverno» - depois de já ter perdido, sem glória, tudo o que até aqui, havia para perder: UEFA, Taça de Portugal e até o chamado «Torneio do Guadiana» e o chamado «Troféu Eusébio».


3 - Gilberto Madail explicou sabiamente porque é que a Federação nada pode fazer contra os salários em atraso: porque qualquer punição aos clubes, fosse financeira ou desportiva, acarretaria fatalmente a morte destes. Hermínio Loureiro, por seu lado, ainda não explicou o que pode a Liga fazer, mas o seu silêncio parece indicar que também ele acha que não pode, e não deve, fazer nada. Temos assim que a direcção do Estrela da Amadora acaba de descobrir um ovo de Colombo, em termos de gestão: como manter um clube a funcionar e na primeira divisão, sem pagar ordenados a jogadores e técnicos.

VOLTA, QUARESMA... (16 DEZEMBRO 2008)

1 - Em Maio ou Junho, quando se começou a falar na iminente ida de Ricardo Quaresma para Itália, escrevi aqui um texto intitulado «Fica, Quaresma», onde, sem grandes esperanças embora, tentava expor as razões pelas quais, em meu entender, o melhor jogador do FC Porto deveria ponderar muito bem o passo que ia dar. E, entre outras razões, antecipava que ele não iria encontrar em Itália e no Inter as facilidades que tinha no Porto; que teria de trabalhar o dobro e jogar bem, não na maioria dos jogos, mas em todos, se queria um lugar de titular; que o seu tipo de jogo teria muito menos sucesso face à capacidade defensiva do futebol italiano, sem paralelo no mundo; que lá a imprensa desportiva não era condescendente como aqui, mas muitíssimo mais exigente; que o custo de vida em Milão é o dobro do que é no Porto, pelo que, a menos que lhe pagassem o dobro do que recebia no FC Porto, não iria sequer ganhar financeiramente com a troca. Não acrescentei, mas podia tê-lo feito, outro tipo de argumento: o de que essa conversa de que a linguagem do futebol é universal é uma treta. Quem quer que emigre, não tem de se preocupar apenas com o trabalho que vai fazer: tem de se preocupar também com a vida que vai ter, porque a vida não é só trabalho. E é frequente ver-se jogadores portugueses, a maioria nos seus verdes anos, que emigram para países de cuja cultura e hábitos de vida tudo ignoram e depois têm dificuldades terríveis de adaptação, porque descobrem que não basta ter um Porsche e ser contratado por um grande clube mundial para ficar bem na vida: mais vale ser Princípe em Portugal, ainda que pior pago, do que valido no estrangeiro, coberto de ouro e de solidão.

A notícia de que Ricardo Quaresma, um talento do futebol mundial, foi considerado pela imprensa desportiva italiana a decepção da época, não me surpreendeu, pois. Assim como o facto de ele ter passado de titular a meio titular, de meio titular a suplente e de suplente a não convocado por Mourinho. E ainda tem a sorte de ter um treinador que fala a língua dele e conhece bem o seu futebol!

Não me surpreendeu, mas deixou-me triste, porque eu sei o que vale o Ricardo Quaresma e julgo saber as dificuldades de integração que ele experimenta — tanto na vida em Milão, como na própria equipa, pejada de vedetas à espreita de uma oportunidade e onde era manifesto, quando ele jogava, que os próprios colegas o deixavam de lado. E assim vegeta, sem utilidade alguma, um dos mais talentosos jogadores da sua geração, que não tem lugar na sua equipa nem, por arrasto, na Selecção portuguesa. E o FC Porto, cuja SAD tão desesperadamente tentou vendê-lo, que acabou por o fazer a preço de saldo, vive na saudade de Quaresma — entretanto substituído por Cristian Rodriguéz, que veio ganhar mais do que Quaresma e que, se houvesse prémio semelhante em Portugal, era o mais sério candidato a decepção do ano! Eis um negocio onde, até ver, todas as partes saíram a perder. Bem avisada andaria a SAD do FC Porto se tentasse agora com o Inter um negócio «tipo Suazo». Antes que o Benfica o faça...


2 - Para vencer a Taça de Portugal basta a qualquer um dos «grandes» fazer não mais do que dois bons jogos, em média: uma eliminatória difícil (normalmente contra um dos outros dois grandes) e depois a final. O FC Porto já teve o seu primeiro jogo difícil, que foi em Alvalade, e passou, pelo que já vai nos quartos-de-final. O Sporting teve o primeiro jogo difícil contra o FC Porto e ficou. O Benfica ficou pelos oitavos, sem ter chegado a ter nenhum jogo de dificuldade máxima — como, aliás, nunca tem tido nas recentes edições. Escapou uma vez nos penalties, na Luz e contra o modesto Penafiel, mas não aprendeu a lição e à segunda vez que foi aos penalties, os deuses da fortuna acharam que já era de mais.

Eu confesso que só vi parte do prolongamento da «final antecipada da Taça» (como, num acesso de fervor clubista lhe chamou Fernando Seara) pois que à mesma hora do Leixões-Benfica estava a dar o Barcelona-Real Madrid, e facilmente se adivinha para onde iria a atenção de um amante de futebol que não fosse adepto benfiquista ou leixonense...Mas o pouco que vi deu-me para desconfiar que o Benfica estava a contar demasiadamente com a sorte nos penalties e a não fazer tudo o que devia para resolver as coisas antes disso.

O mesmo espírito de «não nos preocupemos muito, que isto há-de se resolver por si» tinha eu visto horas antes no Cinfães-FC Porto. E nem o facto de o FC Porto estar a jogar com a segunda linha impede a comparação, porque o Cinfães, apesar do valor inesperado demonstrado em campo, não é propriamente o Leixões. É um clube da 3ª Divisão, ou seja, do quarto escalão do futebol português. E houve jogadores portistas que não demonstraram, ao longo de todo o jogo, qualquer superioridade técnica sobre os seus adversários. Pelo contrário, comparativamente com um jogador da casa, de seu nome Mauro, eu fiquei com a impressão de que há vários jogadores no plantel do FC Porto que estão longe de lhe chegar aos calcanhares.

Felizmente (e esta é uma das características de que eu gosto em Jesualdo Ferreira, que não diz, nem a quente, a primeira coisa que lhe vem à cabeça), o treinador do FC Porto disse, no final, exactamente o que eu estava a pensar e que deveria ser dito. Primeiro, louvando o comportamento do adversário, o estado do relvado a fazer vergonha a muitos clubes da 1ª Divisão, e a festa da Taça que se viveu no estádio e na vila de Cinfães (onde estava mais gente que na «final antecipada» de Matosinhos), com aquelas reconfortantes imagens de público sobrando para os morros, para as árvores, para as casas e varandas circundantes. E depois, louvando e bem o desempenho de Guarín (uma boa surpresa para mim), em contraste com a atitude, que não deixou de criticar com toda clareza, de alguns ditos profissionais que estiveram em campo com a camisola azul e branca. Esta é, aliás, uma atitude que já vem de trás, muito antes da era Jesualdo Ferreira. Há jogadores do FC Porto, «segundas linhas», que, quando são chamados a substituir os titulares e têm uma oportunidade para mostrar o que valem, optam antes por se comportar como se o clube não lhes pagasse para jogar na Taça ou enfrentar equipas tidas como «menores». E depois, às vezes, acontecem os desastres, como com os Fátimas ou Torreenses...Eu se fosse a Jesualdo Ferreira (que percebeu muito bem quem eles eram) punha-os a treinar esta semana de manhã e de tarde. Só lhes fazia bem, para eles aprenderem que a camisola do clube é para respeitar sempre e, já agora, aprenderem também a respeitar o público, que, arrostando com chuva e frio, paga bilhete para os ir ver jogar.


3 - Se ganhar amanhã na Amadora (e, para isso, é preciso entrar desde o início com atitude de conquista, de quem não tem tempo a perder), o FC Porto chega a Dezembro na posição confortável de ser o único dos grandes que se mantém em prova e bem lançado em todas as competições. No campeonato ficará em 2º lugar, ex-aequo com o Leixões e a dois pontos do Benfica, com a vantagem de já ter jogado na Luz e em Alvalade; na Taça de Portugal, está nos quartos e é agora o grande favorito à vitória no Jamor, lá mais para o Verão; na Champions, proporcionou uma sensacional inversão de marcha, acabando por terminar o grupo em 1º lugar — o que este ano, todavia, não é garantia de tarefa menos difícil nos oitavos.

Com uma equipa que todos reconhecem mais fraca do que a da época passada — sem Bosingwa, Paulo Assunção, Quaresma — com um onze que eu, pessoalmente, acho desequilibrado, com bons e fracos jogadores, com Lucho e Lisandro, dois dos melhores, longe dos níveis da temporada passada, o saldo é francamente positivo. E, sendo-o nestas circunstâncias, o principal responsável só pode ser Jesualdo Ferreira — eternamente desvalorizado pela crítica. Fosse ele treinador do Sporting e descarregasse nos árbitros de cada vez que as coisas corressem mal, teria todas as atenções e elogios; fosse ele treinador do Benfica e isso lhe bastaria para ser incensado como mestre entre os mestres. Mas ele não gosta de falar sem razão e é treinador do FC Porto...

Olhe, professor, aqui tem um adepto. Crítico, claro, e sempre que o entender justo, porque é a minha maneira. Mas adepto e reconhecido.

CR7, 3G E NÚMEROS 9 (09 DEZEMBRO 2008)

1 - Cristiano Ronaldo está de parabéns e nós com ele; não são todos os países que conseguem ter no mesmo ano o vencedor da Bola de Ouro e da Bota de Ouro. E quem anda lá por fora sabe o que a fama de um jogador como Cristiano Ronaldo acrescenta ao prestígio de Portugal e, às vezes até em circunstâncias difíceis, pode ajudar a facilitar a vida no estrangeiro.

Julgo que a consagração de Cristiano Ronaldo é merecida, acima de tudo, porque fica a sensação de que resulta de muito e muito trabalho e de uma abordagem completamente profissional à sua missão. Todos os relatos contam como, tanto no Sporting como no Manchester, Cristiano se treinava sempre mais do que os outros, ficando a fazer horas e exercícios extras quando os colegas já tinham ido para o duche ou para casa. Para disputar, ao nível que ele joga e no campeonato que ele joga, umas 60 partidas por ano é preciso ser-se um atleta de eleição e é isso, sobretudo, que eu acho que ele é. Se os zelotas do patriotismo me permitem a heresia, repito o que já escrevi: considero o Lionel Messi o melhor jogador do mundo — e, pelo menos, há uns três anos para cá que não vejo ninguém com génio comparável. Em minha opinião, Messi é melhor jogador, Cristiano é melhor atleta. Qualquer dos dois podia ter ganho a Bota de Ouro, mas ainda bem para nós que foi Cristiano.

Conta Marcelo Rebelo de Sousa, no ultimo número do Sol, que licitou num leilão uma bola dedicada e autografada por Cristiano. Rezava assim a dedicatória: «Do génio da bola, Cristiano Ronaldo». E dizia Marcelo: «Um grande jogador. E modesto…». Esse é o grande perigo que hoje em dia espreita Cristiano Ronaldo: o deslumbramento. Oxalá os prémios sirvam também para acalmar essa sede de protagonismo e de glória, para que, no fim de tudo, reste só o grande prazer de jogar futebol que é a marca dos verdadeiros génios.


2 - Os três grandes (3G) ultrapassaram com uma perna às costas as deslocações desta jornada, mostrando que as coisas internamente estão a entrar na normalidade. O final dos jogos tem sido fatal para o Leixões, que viu o seu sonho lindo chegar a um fim natural, substituído pelo sonho, longamente adiado, do Benfica comandar o campeonato.

O Sporting ganhou sem grandes sustos na Amadora, mantendo o hábito e nem sequer chegando a asustar-se com o golo inaugural do Estrela.

O Benfica, como é de tradição, encontrou uma passadeira vermelha no Funchal, com direito a Alberto João Jardim nos Barreiros e tudo. Fiquei com algumas dúvidas na jogada determinante do primeiro golo (não no penalty, mas no que o antecedeu: o livre, a sua cobrança, a posição de Suazo), mas, embora essa jogada tenha praticamente traçado a sorte do jogo, não fiquei com dúvidas de que o Benfica chegaria sempre à vitória, porque o seu ataque, quando está completo e em dia sim, facilmente resolve estes jogos.

O FC Porto, cujas visitas a Setúbal são um verdadeiro pesadelo local, somou o 25.º jogo no campeonato no Bonfim sem perder e a 9ª vitória consecutiva.

O resultado de 0-3 pode enganar quem não viu o jogo de Setúbal: o FC Porto jogou mal e durante três quartas partes do jogo deu a sensação de que caminhava para um fiasco. Fico sempre apreensivo quando vejo o FC Porto começar o jogo a passo, jogando para trás e para os lados, fazendo passar a ideia de que os jogadores estão confiantes de que têm a eternidade diante deles para resolver os jogos com equipas mais fracas. O FC Porto passou os três primeiros minutos de jogo a trocar a bola no seu meio-campo, e os primeiros 66 minutos a jogar um futebol lento e sem ideias, criando apemas uma oportunidade de golo. Até que um canto e o superior poder de elevação de Bruno Alves abriram o caminho para a vitória, a seguir confirmado por um rasgo individual de Hulk. Mas ficaram vários sinais de preocupação, embora muito bem disfarçados por uma vitória anormalmente robusta.

Há dias estava a ler uma troca de argumentos entre leitores destas crónicas na net e havia um leitor portista que me acusava de incoerência por no passado ter criticado as exibições de Lucho González e depois ter passado a elogiá-las. Não sei se o leitor já terá reparado, mas Lucho é um jogador bipolar: tem fases de luz e fases de trevas. Nas primeiras, é um jogador que enche o campo e marca todo o ritmo da equipa, inventando espaços e linhas de passe, funcionando como um verdadeiro coração do onze; nas outras, que acontecem por vezes sem motivo lógico, é um jogador ausente e triste, que chega a parecer desinteressado do jogo. Quando escrevi essa crónica cuja memória o leitor guardou, foi a seguir a assistir a um jogo em que me dei ao trabalho de reparar que, nos primeiros 25 minutos, Lucho nem sequer tinha tocado na bola. Agora, infelizmente para a equipa, ele parece estar a atravessar outra vez uma fase de ofuscação, como já tinha sido patente no jogo com a Académica e voltou a ver-se em Setúbal, apesar do excelente golo final que facturou. Como, além dele, o FC Porto actual só dispõe de mais um bom médio de ataque, que é Meireles, as suas ausências mentais deixam o meio-campo portista tremendamente desfalcado. Para agravar as coisas, não há trinco de categoria: pese toda a promoção da imprensa, o Fernando está longe de me convencer; os dois últimos golos sofridos pelo FC Porto (contra o Fenerbaçhe e a Académica), para já não falar do golo contra o Sporting para a Taça, resultaram de passes falhados dele. E um trinco tem de ter uma segurança e qualidade de passe infalíveis.

Depois de muito insistir num 4x3x3 sem nenhum extremo de qualidade (excepto, talvez, Candeias, de que não gosta e não usa), Jesualdo tem vindo a derivar para um 4x1x3x2, assim ao menos terminando com o inexplicável ostracismo de Hulk. Até ele se convencer de que o Hulk era potencialmente o maior perigo de um FC Porto desfalcado de um desequilibrador como Quaresma, foi necessário insistir até à nausea no Mariano, experimentar o Tarik e tentar às vezes o Farias. Enfim, lá acabou por aceitar o que entrava pelos olhos dentro: que Hulk é, neste momento, a mais-valia ofensiva da equipa (os adversários, esses, sabem-no bem, que fazem dele um saco de pancada em todos os jogos). Não fosse Hulk, e o FC Porto, neste momento, não conseguiria disfarçar a crise de Lucho, o momento descrente de Lisandro e a absoluta inutilidade do jogo de Cristián Rodriguéz (também muito estimado pela critica, mas que não encontra um adepto na bancada).

Este FC Porto, mais ainda do que o do ano passado, é uma equipa desequilibrada: metade são grandes jogadores e outra metade são jogadores banalíssimos; falta o meio-termo. E bastaria, por exemplo, que no próximo mercado de Inverno fossem recuperados o Leandro Lima, o Ibson e o Luís Aguiar — todos emprestados a outros emblemas — e aquele meio-campo estaria aí para enfrentar a segunda metade da época com outros argumentos.


3 - Há qualquer coisa de semelhante no processo e na filosofia de jogo entre Hulk e Suazo. Ambos são atacantes do género não complicativo. Parecem perguntar «Qual é a finalidade disto? É marcar golos? Então vamos a isso!». O Hulk é mais forte, o Suazo é mais técnico, mas ambos trazem ao jogo das suas equipas uma simplicidade de ideias e uma escolha de trajectórias lineares para chegar ao golo que são raras, hoje em dia. Há pontas-de-lança que, apesar de às vezes parecerem e serem tidos como finalizadores e jogadores dotados, passam a vida a fugir da responsabilidade do golo. Procuram sempre a quem passar a bola lateralmente, mesmo quando têm espaço para o remate e a baliza à frente; recebem a bola de costas, com os centrais atrás, e tratam logo de a atrasar para de onde ela veio; em vez de se fixarem na zona de tiro, gostam de se desmarcar para zonas menos decisivas, colhendo os elogios dos críticos pela sua constante «mobilidade». Mas não resolvem jogos, não. Hulk e Suazo sim, esses resolvem. Como o Liedson, noutro estilo.

domingo, dezembro 14, 2008

A EUROPA DA VERDADE (02 DEZEMBRO 2008)

Só a bendita cegueira alheia é que pode ver nisso o resultado dos «apitos dourados» com que se vão entretendo e enganando. Deus os conserve assim por muitos anos!

Em Julho passado viveu-se um episódio marcante no futebol português que eu, por mais anos que viva, hei-de lembrar sempre como um momento exemplar de anti-desportivismo: a tentativa consertada de Benfica e Vitória de Guimarães de impedirem o FC Porto de participar na edição deste ano da Liga dos Campeões. Mostrando exuberantemente o que entendem pela tal «verdade desportiva» que tanto apregoam, ambos os clubes tentaram usurpar, através de uma feroz batalha jurídica, o lugar que o FC Porto conquistara em campo, por mérito próprio e após um brilhante título de campeão, com mais de 20 pontos de avanço sobre aqueles que lhe queriam roubar o lugar.

Toda a argumentação se baseava numa condenação do CD da Liga, a qual, por sua vez, tinha, como sustentação principal e quase única, as declarações, à vista de todos determinadas por motivos de vingança pessoal da D.ª Carolina Salgado — cuja credibilidade é todas as semanas atestada pelos relatos das suas aventuras nas revistas sociais e pela denúncia de que já foi alvo, por parte de um juiz de instrução, de crime de falsas declarações. Mas esses detalhes não estavam, obviamente, ao alcance da informação e compreensão do Comité de Justiça da UEFA — o qual tinha apenas de se confrontar com uma condenação interna do FC Porto, de que a sua Direcção, avaliando mal os riscos, decidira não recorrer. E, não fosse o processo presente à UEFA mesmo assim aberrante do ponto de vista jurídico, Benfica e Guimarães teriam obtido na secretaria aquilo que tão pouco justificaram em campo. Estiveram quase a consegui-lo e, se isso tem sucedido, a injustiça seria dupla pois que, se a Liga portuguesa teve até este ano a faculdade de ver duas equipes entrarem directamente na Champions e uma terceira disputar a última pré-eliminatória, deve-o, principalmente, ao FC Porto, cuja carreira europeia nas últimas décadas tem acumulado pontos para tal.

Esta semana, depois de estrondosa derrota do Benfica em Atenas, antecedida da não menos demolidora derrota caseira com o Galatasaray — que praticamente o colocaram fora da Taça UEFA — tornou-se clara a que teria sido mais uma consequência da vitória jurídica na UEFA: o futebol português teria perdido o seu melhor representante na Europa, a benefício de duas equipas sem estaleca para tal.

O Vitória de Guimarães (que, no início da tentativa de cambalacho jurídico uefeiro, pareceu revelar alguma vergonha em acompanhar o Benfica), trocou uma amizade de muitos anos com os portistas e o prestígio que justamente adquirira no final de um campeonato em que lutou pelo segundo lugar europeu com o Sporting até à última jornada, por uma nova amizade com o Benfica, que se vem revelando uma espécie de «beijo da morte» — como se uma justiça divina se tivesse encarregado de castigar os novos ptolomeus. Perdeu para o modestíssimo Basileia a possibilidade de entrar na Champions e, logo a seguir, perdeu para o estreante europeu Portsmouth a qualificação para a Taça UEFA. E assim perdendo em campo a admissão numa e noutra competição, mostrou porquê que a batalha jurídica em que acabou por se lançar, na esteira do Benfica, era afinal tão importante: porque era a única hipótese de chegar à Europa. Por portas travessas. Mas a maldição continuou internamente, onde o futebol escorreito do Vitória do ano passado desapareceu para parte incerta, substituído por um futebol sem garra e sem chama, sem sombra de dimensão europeia. Ao fim de dez jogos no campeonato, o Vitória ocupa o 11.º lugar, a catorze pontos do primeiro e apenas a três da despromoção, sendo a única equipa sem vitórias caseiras. Pior ainda, vê-se na situação humilhante de ter de mendigar ao seu novo aliado benfiquista o favor de lhe ceder alguns jogadores de refugo, em nome da solidariedade anti-portista demonstrada em Julho passado. Podia ao menos ter perguntado a outros que já experimentaram o abraço benfiquista, como o Estoril, o que se ganha com isso...

Quanto ao Benfica, incensado em toda a imprensa desportiva lisboeta, com o seu treinador elevado a figura de referência (quando ganha, porque é bestial, quando perde porque não ficou satisfeito), cometeu o erro clássico de tomar os desejos e as louvaminhas por realidades. Na altura em que escrevo, ainda não jogou com o Vitória de Setúbal, mas prevejo que consiga enfim chegar ao primeiro lugar do campeonato, depois de três anos e meio de proclamações falhadas. Isso chegará, aparentemente, para reacender a esperança e a ilusão, fazendo os benfiquistas acreditar de novo que têm uma grande equipe — que, de facto, no papel e nos nomes dos jogadores, é bem melhor do que a do ano passado, mas que, na hora da verdade, tem mostrado sempre estar longe de ser uma grande equipa. O Olympiakos revelou antes uma equipa banal — como o Galatasaray e o FC Porto já o haviam revelado. Mas, quando não se quer ver nem ouvir, não se vê nem se ouve. O Benfica funciona como aqueles ditadores rodeados por uma corte de aduladores, sempre prontos a incensá-los. Se alguém destoa do coro e se atreve a dizer que o rei vai nu, sua majestade manda-os calar e ataca-os como inimigos a abater. E assim, quando chega o momento dos confrontos decisivos e o exército de sua majestade se revela incipiente e incapaz, fica tudo muito espantado, a gritar que foi batota ou a prometer que foi apenas um acidente de percurso.

É verdade que, infelizmente, também o meu FC Porto vem dando mostras crescentes de ter sucumbido à doutrina do despotismo iluminado na Direcção do clube — quem ousa criticar, mesmo o que é evidente, passa à condição de inimigo interno, antes de passar à de traidor, que é a antecâmara da condição de inimigo externo infiltrado. Quem apenas está habituado à liberdade própria, jamais entenderá o valor da liberdade alheia. E é tão mais fácil governar assim!

Todavia, e como não me tenho cansado de o repetir, há uma diferença essencial no FC Porto, mesmo que os seus métodos de gestão tendam perigosamente a aproximar-se dos de outros: a cultura de exigência desportiva que todos naquele clube — jogadores, técnicos, adeptos, gestores — praticam sem cedências. O FC Porto ganha mais que os rivais e bate-se na Europa do futebol como ninguém mais entre nós porque desde há muito que todos naquela casa sabem que, para ganhar, não basta querer e proclamar: é preciso trabalhar mais, saber sofrer mais, saber perder e saber ganhar. Foi assim que o FC Porto se transformou, de um clube de província, num campeão mundial. E isso, por muito que pontualmente o possa criticar, hei-de reconhecer sempre que foi obra de Pinto da Costa. Foi ele que trouxe essa cultura de exigência e de vitória para o FC Porto e que a fez passar, de geração em geração. Como aqui escreveu Vítor Serpa, sexta-feira passada, «o FC Porto é diferente porque a dimensão do seu futebol começa na cabeça dos seus jogadores e numa cultura de exigência interna, muito especialmente dos seus adeptos. No dia em que o FC Porto perder essa cultura de exigência será igual, no resultado e na falta de afirmação, aos seus tristes parceiros nacionais».

Foi por saber isso há muito tempo que eu pude prever aqui que o FC Porto em crise iria vencer em Kiev. E podia ter previsto também que iria vencer em Istambul, porque esse FC Porto que aparece cheio de personalidade e de coragem nos momentos da verdade não é fruto do acaso. Ano após anos, saem os melhores e a atitude mantém-se: só a bendita cegueira alheia é que pode ver nisso o resultado dos «apitos dourados» com que se vão entretendo e enganando. Deus os conserve assim por muitos anos!

sábado, dezembro 06, 2008

EXCURSÃO AO BRASIL (25 NOVEMBRO 2008)

1- Como sabemos e todos os dias nos repetem, vai para aí uma terrível crise, que ataca as economias das famílias portuguesas. Bem, nem tanto assim ou nem todas. A Euribor desceu acentuadamente e, com ela, desceram as taxas de juro que a população mais endividada do mundo paga mensalmente aos bancos; a gasolina começou a descer também (embora apenas uma pequena parte do que deveria descer, se houvesse transparência no mercado). E, com isso, parece que há por aí muitos portugueses oficialmente em crise, que já se esqueceram outra vez das preocupações: as viagens para o Brasil estão esgotadas até Janeiro e os bilhetes já custam a inacreditável quantia de dois mil euros!

Não admira que também Gilberto Madail e o seu homólogo da CBF tenham pensado em conjunto montar também uma excursão ao Brasil. Juntos, encheram um avião de vedetas de ambos os lados do Atlântico, que têm em comum o facto de quase todas estarem expatriadas na Europa milionária do futebol. Foi um voo histórico: talvez nunca um só avião tenha transportado uma carga humana tão valiosa. Afora essa curiosidade histórica e as sempre bem-vindas receitas para duas federações que se habituaram a viver no luxo, não consigo descortinar uma única vantagem nesta excursão de Novembro ao Brasil.

Como se sabe, o negócio das federações é feito toda à custa do esforço extra dos jogadores e, sobretudo, dos clubes que lhes pagam. Há qualquer coisa de «chulice» institucional neste negócio dos jogos particulares organizados para dar receita às federações. Compreendo, evidentemente, que se façam jogos de preparação antes das grandes competições — o Europeu e o Mundial — e que, de vez em quando, se faça um outro jogo dito «de apresentação». Mas aproveitar todos os buracos e buraquinhos do calendário competitivo dos clubes para encaixar jogos a feijões da Selecção Nacional é apenas um abuso de coisa alheia. Já Scolari — que, para justificar o ordenado de luxo da federação e os milhentos contratos publicitários que adorava, tinha de reunir a Selecção pelo menos uma vez por mês — confessava, todavia, que a única preparação que interessava era a que decorria nas duas ou três semanas anteriores às fases finais das competições, quando tinha os jogadores à sua disposição o tempo suficiente para treinar rotinas e esquemas de jogo. Agora, fazer um jogo de preparação com as Ilhas Feroé, dois meses depois outro com o Brasil, dois meses depois outro com as Bahamas, dois meses depois outro com a Itália, não serve para nada, rigorosamente. Só para prejudicar os clubes e cansar as vedetas.

O Brasil-Portugal, jogado a meio de uma semana de competições nacionais e entre competições europeias, num subúrbio de Brasília e num relvado que nem se sabia se iria estar em condições, foi uma excursão inútil e um desastre desportivo. Uma humilhação para todos nós, como era de prever, excepto para o Miguel Veloso, que não viu motivos para tal.

Repare-se, por exemplo, no caso de Danny, a mais recente aquisição da Selecção. Na penúltima jornada do campeonato russo, jogou em São Petersburgo, no domingo, dia 16; a 17, no dia seguinte, viajou para Lisboa, provavelmente via Frankfurt e talvez também com escala em Moscovo — um mínimo de oito horas de viagem, entre voos e aeroportos; nessa mesma noite, embarcou para um voo de dez horas até Brasília, saindo de uma temperatura de alguns dez graus negativos para as temperaturas do Verão brasileiro, a rondar os 35; no dia seguinte, treinou-se em Brasília e na noite seguinte, quarta-feira, a uma hora que para ele equivalia às 4 da manhã em S. Petersburgo, jogou contra o Brasil e até marcou o golo inaugural; terminado o jogo, seguiu-se hora e meia de autocarro e embarque para Lisboa, em novo voo de dez horas; desembarcado em Lisboa ao meio-dia de 5.ª feira, ei-lo a reembarcar para S. Petersburgo, via Frankfurt: mais oito horas de viagem, até chegar a casa, depois de ter percorrido 23 mil quilómetros em quatro dias; sexta-feira, acorda em S. Petersburgo e voa para Moscovo, onde, no dia seguinte, joga os 90 minutos no último e decisivo jogo do campeonato contra o Dínamo, em que o seu clube, o Zenit, disputava o 5.º lugar e a participação na Taça UEFA do próximo ano (o Zenit ganhou e Danny marcou dois golos e assistiu o terceiro); seguiu-se novo voo de regresso a S. Petersburgo e, enfim, o descanso. Imagine-se o entusiasmo com que ele irá receber no futuro novas convocatórias para jogos destes...


2- Se todos, brasileiros e portugueses, tinham razões para acusar cansaço, desmotivação e poupança, um houve que foi o pior em campo e não por essa razão: Cristiano Ronaldo. O homem que já virou griffe e que se faz tratar por CR7, perdeu-se no jogo apenas por culpa do vedetismo e vaidade de que vem dando mostras, em crescente descontrolo. Quando lhe perguntaram se era o melhor jogador do mundo e ele respondeu que era «o primeiro, o segundo e o terceiro», quando lhe perguntaram se era mais bonito que o Kaká e ele respondeu «gosto de mim», quando foi substituído no sábado, em Inglaterra, depois de mais uma exibição completamente apagada, e saiu com o dedo espetado a indicar que era o n.º 1, já dá para perceber que aquele rapaz precisa urgentemente de quem lhe explique coisas básicas sobre a vida e a maneira de estar no futebol, como em tudo o resto.

Em Brasília, ele não se perdeu por cansaço nem por falta de talento: perdeu-se por falta de humildade, incapacidade de pensar na equipa e não apenas em si próprio, parecendo uma barata tonta às voltas com fintas falhadas e rodriguinhos sem sentido para impressionar as meninas da plateia. O problema de se querer ser vedeta todos os dias é que não se pode falhar dia nenhum... Ele é o número 1 do mundo? Ponha os olhos no Messi ou no Ibrahimovic e vai ver que não. Ou então, que alguém o ponha a ver os vídeos de um senhor chamado Eusébio da Silva Ferreira, que ganhava um centésimo do que ele ganha, jogava bem mais do que ele e era capaz de chorar depois de perder um jogo pela Selecção.


3- Dei comigo, durante o Brasil-Portugal de triste memoria, a contar os ex-jogadores do FC Porto que actuavam pelos dois lados. Eram onze, uma equipa inteira! Quatro pelo Brasil — Thiago Silva, Diego, Anderson e Luís Fabiano — e sete por Portugal — Bosingwa, Pepe, Paulo Ferreira, Deco, Maniche, César Peixoto e Hugo Almeida. Por aqui se pode ver a dimensão do património que o FC Porto tem delapidado nos últimos anos.


4- Já não há saco para aguentar as eternas lamúrias dos sportinguistas contra as arbitragens, ainda para mais sem ponta de razão. Parece que, no espírito de um sportinguista, basta que um árbitro apite qualquer coisa contra o Sporting para já ser suspeito. Como toda a gente viu e comentou, Paulo Bento, mais uma vez, não teve a menor razão para se queixar da arbitragem de Artur Soares Dias, na Figueira da Foz. Na minha opinião, trata-se até, provavelmente, do melhor árbitro português do momento e, seguramente, muito melhor árbitro do que Paulo Bento é treinador. Com que legitimidade é que Paulo Bento acha que se pode permitir pôr em causa a seriedade dele? Tem algum mandado divino para decidir que não é penalty quando toda a gente viu que era? Ou tem andado a almoçar com o dr. Dias da Cunha e está contagiado pela asneira livre? Ele que ponha os olhos no Domingos Paciência, que interrogado sobre o penalty a favor do Benfica que resolveu o jogo em Coimbra — e quando já todos tínhamos visto que resultara de uma simulação de Reyes que enganou o árbitro — se limitou a dizer que estava longe de mais para poder ter visto em condições. Mais vale perder como um gentleman do que ganhar como um Dias da Cunha.


5- Olho para aqueles meninos dos No Name Boys e para o extenso rol das suas actividades «desportivas» e só espero que ninguém mais venha falar da selvajaria dos adeptos portistas — um dos mitos que alimentam as crónicas lisboetas desde há muito.

HERÓIS DO MAR (18 NOVEMBRO 2008)

1- O Leixões merece. Merece ter ganho em Alvalade, merece ter ganho no Dragão e merecia ter ganho ao Benfica, se a sorte não lhe tivesse voltado as costas. O Leixões merece as quatro vitórias obtidas fora de casa em outros tantos jogos. Merece o primeiro lugar isolado, os cinco pontos a mais que leva sobre o FC Porto e os seis que leva sobre o Sporting. O Leixões merece este regresso à 1ª Liga, depois de tantos anos de espera e de dois anos em que esteve quase a conseguir chegar, mas no fim fraquejou.

Durante toda a semana foi um «blitz» de entusiasmo da imprensa, antevendo a chegada do Benfica ao primeiro lugar, após quatro anos de ausência da posição cimeira do futebol português. Lendo os jornais, eram favas contadas: o Benfica vencia tranquilamente na Luz os sub-alimentados do Estrela da Amadora, e o Sporting, com uma «arbitragem imparcial», só podia vencer de forma igualmente tranquila o intruso de Matosinhos. Ah, mas o futebol ainda tem parte substancial que se decide no relvado, apesar de tanta conversa, tantas queixas e lamúrias, tantas pseudoverdades proclamadas para valerem como factos!

Facto é que o Benfica lá venceu o Estrela da Amadora, ao estilo tem-te não caias, que é a sua imagem de marca este ano. Foi uma exibição pífia, a fazer lembrar o Benfica de Trapattoni, que foi campeão sem convencer ninguém. Facto é que o Leixões chegou a Alvalade, levou meio tempo a perder o respeito ao Sporting e depois mostrou ao que vinha: jogar sem medo, jogar com qualidade, com classe, com alegria. Já é tempo de fazer justiça a José Mota: não sei se haverá, entre os treinadores portugueses em actividade aqui, quem se lhe possa comparar em termos de resultados. Que os há menos humildes, sempre em bicos de pés mal obtêm um bom resultado, bem-falantes, isso há. Mas que consigam, uma, duas, várias vezes, pegar em equipas sem esperança e pô--las a jogar mais do que seria legítimo exigir e chegar aonde ninguém pensava possível, como José Mota tem feito, isso não há muitos.

Em Alvalade e no Dragão, a prestação do Leixões confirmou uma coisa que há muito penso: que uma equipa pequena, bem treinada e bem motivada, não precisa de jogar naqueles «quintais» onde se disputam tantos jogos da 1.ª Liga para fazer frente aos grandes. O que mais tenho gostado de ver no Leixões é o aproveitamento que a equipa faz do campo todo. As dimensões do relvado dos grandes não a intimidam, antes pelo contrario: é nesse espaço todo que o Leixões mostra que sabe jogar futebol. Bater o pé aos grandes em campos como o de Paços de Ferreira, Nacional, Naval, Amadora, não é tão difícil como parece: porque a falta de espaço prejudica o melhor futebol e beneficia quem quer, acima de tudo, defender e apostar na confusão e na sorte. Não é por acaso que os jogos dos campeonatos inglês, espanhol, italiano, francês ou alemão, são sempre bem disputados, mesmo com equipas fracas. Porque ninguém vê, nas Ligas desses países, campos como aqueles. Se eu mandasse, havia dois tipos de clubes que seriam excluídos do primeiro escalão: os que não pagam os salários, a Segurança Social ou o fisco, e os que não dispõem de relvados com a dimensão máxima.


2- Já aqui escrevi algumas vezes que tenho todo o respeito por Paulo Bento. Acho que ele faz o melhor possível com a equipa que tem e, para todos os efeitos, é uma proeza ter que disputar o campeonato de igual para igual com dois rivais que gastam o dobro ou o triplo do que o Sporting gasta em jogadores. Mas Paulo Bento, de facto, não tem o dom da palavra e parece achar que isso não é importante. Está errado: um treinador é um líder, um condutor de homens, e um líder tem de saber falar para que o entendam, para que as suas razões sejam escutadas. Mesmo falando «a quente», não pode dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça, não pode anunciar como verdades indiscutíveis coisas que não resistem ao senso-comum de quem o ouve e também vê os jogos, não pode adoptar uma linguagem sem freio, ao nível do adepto de bancada.

Durante toda a semana, foi montada uma fortíssima campanha, e não apenas interna, de lavagem das declarações incendiárias de Paulo Bento, no final do Sporting-FC Porto. Ao ler algumas das opiniões expressas a propósito disso, fiquei a pensar se os tais que se intitulam cavalheiros do futebol acham mesmo que é admissível que um treinador diga o que Paulo Bento disse, no final daquele jogo.

Mas também fiquei a pensar porque razão não se atrevem os nossos jornalistas a contraditar treinadores ou dirigentes, quando eles dizem a primeira coisa que lhes apetece e anunciam como verdades inquestionáveis coisas que não resistiriam a um simples escrutínio de facto. Porque razão, quando ouvem Paulo Bento ou Dias da Cunha a falarem daquela arbitragem como se o Sporting tivesse sido roubado, não se atrevem a dizer-lhes: «E a cotovelada do Liedson no Fucile, que passou impune? E o descarado penalty do Rui Patricio sobre o Hulk, que acabou com cartão amarelo ao Hulk, por ter sido derrubado por um e pisado no chão por outro? E a gravata dentro da área do Rochemback ao Rolando, que acabou em livre contra o Porto? O que tem a dizer sobre isso?» Será precisa assim tanta coragem para fazer perguntas destas, as perguntas pertinentes?

Se as tivessem feito, e logo ali, no flash-interwiew, a Paulo Bento, ter-se-iam evitado muitas asneiras subsequentes, dele e de outros. Assim, foi necessário esperar que o Leixões fosse a Alvalade e tratasse de demonstrar que a desculpa das arbitragens não serve sempre. Apesar de, na sequência do apelo de Paulo Bento, o público de Alvalade ter recebido os árbitros com a dose de intimidação recomendada. Aliás, o apelo de Paulo Bento nem sequer faz sentido: de há muito que Alvalade é o estádio que mais pressiona os árbitros- e por isso é que o Sporting é cronicamente o clube com mais penalties a favor e mais adversários expulsos nos jogos disputados em sua casa. Mas como ninguém se atreve a lembrar-lhes as estatísticas nem os muitos e muitos casos em que a arbitragem os favorece, eles conseguiram fazer das suas verdades doutrina. Enfim, daí não vem grande mal ao mundo. Nem verdade ao futebol...


3- Estávamos três a ver o FC Porto-Vitória de Guimarães e, de princípio ao fim, o que a todos mais impressionou foi a exibição de Cristian Rodriguéz. Acho que não exagero muito (é ver o vídeo...), se disser que ele não ganhou nem 10% dos lances disputados. Não fez uma assistência para golo, um cruzamento de jeito, um remate digno desse nome, não acabou ou deu sequência a uma jogada que fosse. Foi absolutamente impressionante a quantidade de jogo que ele estragou à equipa. E isto repete-se, jogo após jogo, desde o início da época, fazendo-me crer que o Cristian Rodriguéz é o último de uma série de fiascos resultantes da irresistível tentação de Pinto da Costa de roubar jogadores ao Benfica - na esteira, por exemplo, dos inesquecíveis Iuran e Sokota. Mas, afinal, li aqui, no relato do jogo, que dois jornalistas de A Bola tinham considerado o Cristian Rodriguéz como dos melhores portistas em campo. Ou não vimos o mesmo jogo ou só me resta render-me à evidência de que não percebo nada de futebol. Mas lá que gostava de ver Jesualdo experimentar o Candeias, de vez em quando, isso gostava. Mas não vou ter sorte, porque, como disse Carlos Azenha, na excelente entrevista que deu ao Diário de Notícias de 6.ª feira, para Jesualdo Ferreira há sempre titulares indiscutíveis. E já é uma sorte que Mariano González não seja sempre um deles.