quinta-feira, dezembro 27, 2007

NÃO HOUVE CRÓNICA (25 DEZEMBRO 2007)

Não houve crónica.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O QUE FAZER COM ESTE AVANÇO TODO (18 DEZEMBRO 2007)

É recorrente dizer-se e escrever-se que os portistas olham com desconfiança para Jesualdo Ferreira. Que desconfiam das suas capacidades para levar a nau a bom porto ou, na melhor das hipóteses, que se limitam a dar-lhe o benefício da dúvida. Ora, eu não faço parte dessa facção e acho, honestamente, que, mais de um ano decorrido, já é tempo de terminar com o benefício da dúvida.

Eu saudei a chegada de Jesualdo Ferreira ao FC Porto logo desde o início (embora, deva confessar, em grande parte por ver partir esse «louco» inaturável do Co Adriaanse). Saudei a chegada de alguém com senso-comum, sabendo, como sabia, que qualquer treinador com senso-comum é capaz de triunfar no FC Porto — onde a cultura do clube e o espírito do balneário estão, de há muito, vocacionados para uma atitude de conquista e de vitória como não há paralelo em Portugal. O que se pedia a Jesualdo Ferreira, em Agosto de 2006, é que ele não complicasse o que era simples, que tomasse as escolhas e fizesse as opções óbvias e que não tivesse tiques de autoridade ou de personalidade que quisesse impor a uma máquina de há muito mentalmente afinada e sabendo o que tinha a fazer.

E, com este caderno de encargos, só posso dizer que Jesualdo Ferreira tem cumprido, não apenas bem, mas muito além das expectativas. Em matéria de resultados, leva conquistados um campeonato e uma supertaça, vai a caminho de outro campeonato, tem a equipa nos oitavos-finais da Liga dos Campeões este ano e com o primeiro lugar no grupo e, no ano passado, fez o mesmo e só morreu nos oitavos, em Stanford Bridge, porque o Helton resolveu dar o «frango» do século. Quem teria feito melhor, com os meios e a equipa ao seu dispor?

A desfavor de Jesualdo Ferreira só tenho, como repetidamente venho escrevendo, a incompreensível lista de reforços para esta época. Se foi ele que os escolheu, errou por completo e errou de tal maneira que fica a dúvida se saberá distinguir um bom jogador de um mau; mas se, como eu penso que terá acontecido, se limitou a aceitar os negócios cozinhados acima dele, pecou por falta de coragem de se opor e impor, num domínio que é do treinador. Em contrapartida, são do seu mandato a transformação radical do Bruno Alves, a impensável ressurreição do Tarik Sektioui ou a notável adaptação do Lisandro López a ponta-de-lança.

E, sobre isto, que já não é pouco, Jesualdo Ferreira tem ainda a seu crédito uma atitude louvável, perante o jogo e os acontecimentos. Apenas uma vez, neste quase ano e meio, se queixou de um árbitro — quando, muito antes e depois, teve bastas razões para o fazer. Nunca pretendeu que a equipa tinha jogado bem, quando ela não o fez. Nunca adoptou uma atitude de «cagaço» ancestral antes dos grandes jogos (tão comum aos treinadores portugueses, que, nessas alturas, só pensam é em «reforçar o meio-campo»). Nunca se pôs em bicos-de-pés, como tantos outros, a pedir elogios para si próprio. Nunca se mostrou descrente, crispado, inchado ou vaidoso. Numa palavra, soube sempre ganhar e sempre soube perder, nas poucas vezes que isso lhe aconteceu.

Na semana finda, Jesualdo Ferreira viu a sua equipa ultrapassar, com grande autoridade e inteligência, dois obstáculos que não eram terríveis, mas que facilmente se poderiam tornar complicados: o Besiktas e o Vitória de Guimarães. Contra os turcos, o FC Porto jogava, sobretudo, contra si próprio e contra os nervos que o desenrolar do jogo poderia ocasionar: a equipa soube ir à procura do primeiro golo e depois matar o jogo no momento ideal. Contra o Vitória de Guimarães, que joga do melhor futebol da primeira Liga, o FC Porto foi prudente quanto baste e eficaz quanto necessário, num jogo jogado a um ritmo e com uma abertura raras de ver na nossa Liga. Agora, em pousio da Europa até Março, com dez pontos de avanço no campeonato, o FC Porto está na posição ideal para poder garantir um 2008 feliz. Gerir este avanço interno e poupar os mais desgastados para tê-los em forma quando regressar a Liga dos Campeões, são as tarefas principais que Jesualdo Ferreira vai ter pela frente, no futuro próximo.

Quanto ao primeiro aspecto, há coisas no comportamento da equipa que precisam e podem ser melhoradas. O Helton tem de aprender a dominar o jogo aéreo, percebendo quais são as bolas a que tem de sair e qual é o tempo exacto de saída — porque nem todos têm a sorte do Ricardo, que sai sempre em falso e nunca lhe acontece nada. E tem de aprender também a jogar com os pés, deixando de causar os calafrios que causa na bancada e tentando dar um destino útil às bolas que manda a pontapé para a frente (contra o Besiktas, numa dúzia de reposições a pontapé, nem uma vez acertou com um colega de equipa…). O Raul Meireles tem de aprender a acertar de vez em quando com a baliza, o Lucho (que até remata bem), tem de perder o medo de rematar à baliza quando está em posição de o fazer, e o Quaresma tem de deixar de cobrar quase todos os livres e cantos a meia-altura, tornando inevitável o corte da primeira linha defensiva dos adversários. São pormenores a trabalhar e que se trabalham nos treinos.

Quanto ao segundo problema — o da gestão da equipa — e para alguém que acha, como eu, que não é com o Stepanov, o Mariano, o Farías, o Edgar ou o Lino que lá vamos, Jesualdo deveria meditar um pouco, por exemplo, nas lições deste fim-de-semana. Segundo as crónicas, o melhor jogador do Vitória de Setúbal foi, uma vez mais, o Cláudio Pittbull, o melhor do Vitória de Guimarães foi a Alan, o melhor da Académica foi o Helder Barbosa e o melhor do Leixões foi o Diogo Valente. Têm em comum serem todos avançados, poderem jogar todos nas alas e serem todos jogadores emprestados pelo FC Porto. Qualquer um deles poderia dar bastante jeito, agora, que uma invenção de Olegário Benquerença veio pôr o Ricardo Quaresma de fora no próximo jogo (é curioso como o mais criativo e espectacular jogador do campeonato e o que mais faltas sofre, continua, ano após ano, a ser considerado pelos nossos árbitros como um dos mais indisciplinados, numa equipa que é a segunda mais disciplinada…). Qualquer um deles, ou o Ibson — emprestado ao Flamengo e considerado um dos cinco melhores do campeonato brasileiro — seria um valor mais seguro no mercado de Inverno do que mais um qualquer sul-americano de ocasião, comprado por súbita inspiração da SAD.

PS: Um dos muitos jogadores que o FC Porto mantém emprestados é o jovem Rabiola, ao serviço do Vitória de Guimarães. Tendo jogado apenas 80 minutos neste campeonato, o FC Porto achou por bem mandá-lo apresentar-se em Dezembro no Dragão, na expectativa de que ele possa aí evoluir mais do que em Guimarães. Conhecida a notícia na semana passada, foi quanto bastou para que Sílvio Cervan tenha aproveitado para mais uma das suas manifestações habituais de desconfiança relativamente a tudo o que mexe. Segundo ele, o simples facto de Rabiola juntar-se a quem lhe paga, a partir do ano que vem, tornava desde logo fácil o jogo do FC Porto contra o Vitória de Guimarães — mesmo que ele, como habitualmente, não fizesse parte dos planos de Cajuda para o jogo no Dragão. E se o Alan não tem sido considerado o melhor em campo por parte do Guimarães, o que diria o dirigente benfiquista e colunista/«senador» Sílvio Cervan? Ai, senador, senador!

UM FIM-DE-SEMANA TRISTE (11 DEZEMBRO 2007)

1- Um fim-de-semana sem futebol a sério é como ir à praia sem sol, comer num bom restaurante e depois não poder acender um charuto, ser sacudido e enjoado no Alfa Pendular e nem ao menos poder fumar um cigarrito durante as duas horas e quarenta minutos que dura a viagem Lisboa-Porto. Este fim-de-semana, para agravar as coisas, ao mesmo tempo que descobri que o Chaves-FC Porto não era transmitido pela televisão, descobri também que não tinha um simples rádio em casa. E assim fiquei duas horas sem saber de nada, até que a internet me trouxe, a seco, a feliz notícia: por uma vez, a segunda linha azul-e -branca tinha cumprido os mínimos e lá havia ultrapassado o Chaves na Taça de Portugal. Depois, li nos jornais que nem toda a segunda linha do FC Porto tinha estado à altura das responsabilidades que aquela lindíssima camisola exige. Consta, nomeadamente, que João Paulo e Lino se encarregaram de adensar o mistério das suas contratações e que Mariano Gonzalez voltou a arrastar o seu imenso talento pelo campo, com aquele seu jeito de quem tem um conflito sem solução com a bola. Melhor fez o Stepanov, que se mantém prudentemente «tocado», e o Farías, que arranjou maneira de se magoar num treino antes do jogo, de modo a não estragar a sua média de cerca de uma hora de jogo por cada seis meses e em troca de alguns 75.000 euros mensais.

2- Estes «reforços» portistas do Verão de 2007 fazem-me lembrar, pelo exemplo contrário, o mais extraordinário profissional estrangeiro que alguma vez vi jogar de azul-e-branco. Chamava-se Teófilo Cubillas, peruano comprado a preço de saldo ao Basileia, da Suíça, algures aí por meados dos anos 70 do século passado, e que era um príncipe e um profissional de eleição, dentro e fora do campo. Um número dez completo: defendia, organizava, atacava; fintava, passava, desmarcava, rematava e marcava. A ele devo o mais bonito golo que vi marcar ao vivo, num estádio: foi na Tapadinha, para o campeonato, quando ele arrancou com a bola a meio campo, deu três toques nela e fez duas simulações, até acabar cara-a-cara com o guarda-redes e com cinco adversários fintados e caídos no relvado. Então, quando se esperava que ele fuzilasse a baliza do Atlético, Cubillas marcou como se estivesse a cobrar um penalty em grande estilo: uma finta de corpo e guarda-redes caído para um lado e a bola a entrar suavemente pelo outro. Lembro-me que se fez um imenso silêncio no velho campo da Tapadinha e os primeiros a reagir foram os próprios jogadores do Atlético, que começaram a bater-lhe palmas. Em Alvalade vi-o marcar outro golo fantástico: sempre a direito, fintou três jogadores do Sporting e, no fim, o guarda-redes; mas, entretanto, estava na linha do fundo e sem ângulo para visar a baliza nem companheiro desmarcado a quem passar a bola; então, lançou-se no percurso inverso, desatando a fintar outra vez os mesmos até chegar à marca de penalty, voltar a virar-se para a baliza e daí fuzilar então as redes sportinguistas.
Recordo este último golo ainda por duas outras razões. A primeira é que, apesar do golo, que colocou o FC Porto a ganhar por 1-0 em Alvalade, o resultado final acabou em 5-1 a favor do Sporting! E a segunda razão é que esse jogo assinalou a minha primeira e única incursão no jornalismo desportivo, enquanto repórter. Jovem estagiário num jornal diário, eu tinha sido mandado substituir um colega da secção desportiva que tinha tido um impedimento de última hora. Radiante por ter oportunidade de ver o meu FC Porto à borla, parece que não estive à altura das circunstâncias: o meu relato do jogo foi julgado de tal maneira distorcido, digamos, que fui para sempre dispensado de fazer «ganchos» daqueles — com a minha inteira concordância, aliás.
Mas, voltando ao Cubillas, ele não era apenas o homem dos grandes golos e a estrela da equipa portista naqueles anos. Ele era ainda um profissional exemplar, correctíssimo e cavalheiro dentro do campo, simpático e simples fora dele, tão dedicado ao clube que lhe pagava que, em dois anos e meio com a camisola do FC Porto, não falhou um único jogo, fosse por castigo ou por lesão.

3- E já que não há actualidade suficiente com que me ocupar e prosseguindo nesta linha de revivalismo portista, lembrei-me de pensar quem foram os melhores estrangeiros que vi jogar pelo FC Porto. E depois de muito pensar, eis a minha lista:
1 – Madjer
2 – Cubillas
3 – Jardel
4 – Aloísio
5 – Kostadinov
6 – Drulovic
7 – Branco
8 – Geraldão
9 – Derlei
10 – Anderson

Qual seria, então, o onze ideal de sempre de estrangeiros que actuaram pelo FC Porto? Aí vai a minha escolha:
— Na baliza, o Mlynarzick — aliás, não me lembro de mais nenhum bom, apenas da série de desastres retumbantes, quando se tratou de preencher o lugar do Baía, saído para o Barcelona. Na defesa, tivemos quatro grandes centrais: o Geraldão, o Aloísio, o Demol e, recentemente, o Pepe; um grande defesa-esquerdo, que foi o Branco; e nenhum defesa-direito — terei, pois, de escolher uma defesa só com três elementos. No meio-campo está a dificuldade maior: dois grandes «trincos», o Doriva e o Emerson; dois bons médios-direitos, o Duda e o Ademir; e vários excelentes médios-esquerdos, «números dez»: o Cubillas, o Deco, o Anderson, o Carlos Alberto. Enfim, no ataque, para além do «rei» Mário, que reina sem rival no lugar fulcral, tivemos dois génios à direita, o Madjer e o Kostadinov, e dois grandes jogadores à esquerda, o Drulovic e o Derlei. Cozinhando tudo isto, com as necessárias alterações, eis a equipa de sonho escalada com os imortais que vieram de fora para honrar a camisola azul e branca:
Que tal, portistas? Até fazíamos mais um estádio para os ver jogar juntos!

4- Entretanto, é preciso descer do sonho à realidade. E a realidade é que esta noite, no Dragão, o FC Porto não pode deixar escapar a possibilidade de ouro, não apenas de seguir para os oitavos-de-final da Champions, mas também de segurar o primeiro lugar e dar já meio passo… para os «quartos». Para isso, é necessário não jogar para o empate, mas sempre para a vitória. Até porque, deixando arrastar o empate ao longo do jogo, à medida que este for caminhando para o final, os jogadores vão começar a enervar-se, sabendo que o Besiktas precisa da vitória e que a derrota significa para o FC Porto até a possibilidade de nem à UEFA ir.
A equipa não tem nada que saber: Bosingwa, Pedro Emanuel, Bruno Alves e Fucile; Paulo Assunção, Raul Meireles e Lucho; Quaresma, Lisandro e Tarik. A única coisa diferente de Jesualdo Ferreira que eu faria era dar a baliza ao Nuno e não ao Helton.

E vamos lá então transformar este sonho em realidade!

NÃO ERA PRECISO TANTO! (04 DEZEMBRO 2007)

1- E à 12.ª jornada, Sporting e Benfica resolveram entregar de vez o campeonato ao FC Porto e ficarem a discutir entre si o segundo lugar. Agora, tudo está nas mãos dos azuis e, por isso, o único mal que lhes pode suceder é convencerem-se que, daqui até final, é apenas um passeio. O FC Porto não pode baixar a guarda, mas apenas por razões próprias e não pelo perigo alheio. Porque, como já aqui o disse várias vezes e como ainda na semana decorrida se viu em Liverpool e na Luz, a equipa não tem segunda linha.

As razões pelas quais de há já muitos anos para cá se vem repetindo esta situação de o FC Porto descolar precocemente dos seus dois rivais não são conjunturais e justificariam uma análise profunda. As «crises» de Benfica e Sporting vêm de trás e têm razões fundas e o motivo para a sua persistência, em minha opinião, tem que ver justamente com o facto de nunca serem assumidas como tal e, portanto, nunca se procurarem as causas verdadeiras. Ambos cometeram tremendos erros de gestão e de «cultura» e ambos os procuraram esconder atrás de «apitos dourados», sistemáticas queixas das arbitragens, pseudo-combates a uma coisa que baptizaram de «sistema», e por aí fora. E assim foram lançando fumo para os olhos dos crédulos e dos fanáticos, evitando que o juízo comum extraísse as conclusões lógicas de factos tão evidentes como o de o FC Porto ser sistematicamente o único dos três grandes que se bate na Europa muitas vezes de igual para igual com os tubarões financeiros do «Velho Continente». Se ele é o único dos grandes capaz de competir ao mais alto nível europeu com vontade, determinação e classe, por que estranha razão não seria igualmente o campeão habitual de Portugal?

Mas, enfim, cada um sabe de si, mesmo que se prefira o caminho da vaidade e da ilusão ao de enfrentar a realidade.

2- Não me lembro de um Benfica-FC Porto tão consensual e tão pacífico de controvérsias. A demonstração de poder e de superioridade que o FC Porto deu na Luz foi uma espécie de duche escocês que se abateu sobre os benfiquistas de todos os meios, de todas as idades, de todos os lados. Não encontrei ainda um único benfiquista capaz de contestar a justiça da vitória azul e branca. Encontrei, sim, foi uma profunda depressão instalada entre benfiquistas e sportinguistas, na justa medida em que se viram resignados a reconhecer a grande distância que ainda existe entre o seu futebol e as suas pretensões e a realidade chamada FC Porto.

Corrigidos alguns erros de «casting» evidentes em Liverpool, o FC Porto desceu à Luz com uma determinação e uma autoridade tais que parecia estar a executar um plano cientifico, estudado ao pormenor, de como vencer o jogo sem espinhas. Não houve desequilíbrio evidente em posse de bola, iniciativas de ataque ou oportunidades de golo. Mas houve uma diferença abissal entre a qualidade do futebol jogado, a atitude de conquista e os valores individuais. Numa palavra, aquilo que Pedroto imortalizou como «o estofo de campeão». O FC Porto mostrou que o tinha e o Benfica que não.

Quaresma foi genial no golo da vitória e não só, mostrando uma vez mais porque é que aos génios tem de ser reconhecido, de vez em quando, o direito à desinspiração; Lisandro foi o melhor em campo, um gigante atrás, à frente, aos lados; Lucho, jogador de grandes jogos, esteve imperial; Paulo Assunção foi a formiga que trabalha para as cigarras, sem descanso nem exibicionismo; Pedro Emanuel foi estóico e firme, num dia em que estranhamente quem oscilou foi Bruno Alves; Helton ofereceu um golo, com mais uma saída em falso, mas depois teve duas boas defesas a guardar a vitória; Fucile e Bosingwa chegaram tranquilamente para as encomendas, Meireles foi regular e Tarik, enquanto pôde, ajudou a lançar o pânico na defesa do Benfica. No todo, foram uma equipa a sério, «competente», como gostam de dizer os treinadores, determinada até chegar ao golo, inabalável a defendê-lo. Deixaram atrás de si, no relvado da Luz e perante 60 mil pessoas, um rasto de temor e respeito que tão cedo não se desvanecerá.

3- Há coisas cujo entendimento me escapa e uma delas é as razões pelas quais Miguel Veloso será tão desejado — pelas «passerelles» e supostamente pelo Manchester United e outros grandes dessa Europa. Mas, enfim, gostos não se discutem.

Já me parece que Carlos Queirós não disse nada de tão extraordinário e que pudesse motivar tanta indignação ao presidente do Sporting. Disse que o Manchester seguia Miguel Veloso, como segue outros jogadores portugueses, entre os quais Bosingwa e Bruno Alves. Toda a gente sabe que os grandes clubes seguem todos os potenciais bons jogadores e todos os presidentes dos clubes portugueses, que estão habituados a receber os seus «olheiros» nos estádios e que nunca se furtam a ouvir propostas, sabem-no melhor do que ninguém. Só o Liverpool tem um banco de dados de jogadores sob observação que abrange 6 mil nomes!

Claro que eu também sei que notícias destas complicam as relações entre um clube e os seus profissionais e servem para dar a volta a cabeças mais frágeis. Também sei que muitas vezes estas notícias são «plantadas» pelos agentes dos jogadores para tentarem melhorar os contratos, às vezes ainda mal acabados de assinar. Há para aí meninos que acham que lhes basta fazer meia dúzia de bons jogos cá dentro para logo baterem à porta da direcção a gritar que o mundo inteiro os cobiça e que é altura de os seus contratos serem melhorados, se não querem ir-se embora — basta ler as declarações de Miguel Veloso, anteontem, para o perceber. Mas Filipe Soares Franco também sabe que o facto de o Manchester cobiçar jogadores do Sporting e seduzi-los a meio dos seus contratos tem sido o balão de oxigénio financeiro que tem permitido a sobrevivência das direcções sportinguistas. Pelo que deveria ter tido mais pudor ao indignar-se com a revelação do suposto ou real interesse do Manchester em Veloso.

Dito isto, resta acrescentar que nada justifica a profunda falta de educação de Carlos Queirós a responder a Soares Franco. Tantos anos a viver em Inglaterra e a conviver de perto com Sir Alex Ferguson, pelos vistos não lhe ensinaram ainda a ter maneiras. Aliás, também compreendo mal de onde vem esta arrogância com que Queirós fala habitualmente dos outros e de si próprio. Tenho para mim, desde há muito, que Queirós é um dos bluffs mais bem cultivados do futebol português. É verdade que foi campeão do mundo de juniores em Riad, mas teve ao seu dispor uma geração de oiro — a melhor de sempre do futebol português — e ainda com idades e num tempo em que os meninos talentosos não se imaginavam vedetas mundiais aos 17 e 18 anos. Mas, depois disso, o que fez Queirós que justifique tanto inchaço? Falhou no Sporting, falhou na Selecção Nacional, falhou na África do Sul e falhou no Real Madrid — e em todos os lados saiu sempre a acusar outros da responsabilidade do falhanço. Desde aí que vive na posição cómoda de n.º 2 de Ferguson, compartilhando os seus triunfos e sendo irresponsável pelos seus desaires. Daí é fácil cantar de galo, sobretudo quando se tem 50 milhões de euros para ir às compras todos os Verões. O «professor» faria melhor em guardar as suas lições para reflexão interna.

4- Os sorteios da qualificação para o Mundial e para a fase final do Europeu vieram confirmar o que já aqui escrevi: nunca vi ninguém com tanta sorte como Scolari.

PS: Teria sido interessante e eloquente que os repórteres televisivos, em vez de fugirem da notícia e do acontecimento quando lhes cheira a esturro, como habitualmente fazem, nos tivessem deixado ver o incidente entre Nuno Gomes e Jesualdo Ferreira. Nunca hei-de perceber este jornalismo que consiste em virar a câmara para o lado e fingir que nada se está a passar!

O GLORIOSO «PONTINHO» (27 NOVEMBRO 2007)

É altura de os treinadores das equipas chamadas «pequenas» fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza, é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas.


1- Leiria recebeu um dos dez novos estádios que os contribuintes portugueses construíram ou remodelaram para o Euro 2004 (a meias, a Suíça e a Áustria, países bem mais ricos que o nosso e que irão receber o Euro 2008, construíram ou remodelaram apenas oito — como já antes o haviam feito, em conjunto, a Bélgica e a Holanda). Mas já se sabe que em Portugal, onde os dinheiros do Estado parecem não vir de lado algum e são muito poucos os que pagam todos os impostos devidos, quando se faz obra pública tem de ser à grande e à portuguesa. Leiria ficou assim com um estádio novo com capacidade para 25.000 espectadores — que apenas encheu duas vezes em quatro anos e para ver jogar a Selecção — e cuja manutenção e amortização, na parte que cabe à autarquia, representam um garrote orçamental que impede que outras coisas bem mais necessárias possam ser feitas. Esta semana, para receber o Leiria-Braga, com bom tempo e excelentes condições, estiveram no estádio de Leiria 400 pessoas. Parece óbvio que a cidade não faz questão de ter futebol de 1ª. Sobretudo se é para ver duas equipas jogar para o zero-zero.

2- Subscrevo por inteiro a pertinente crónica de Vítor Queirós sobre o FC Porto-V. Setúbal. O Vitória de Setúbal entrou em campo com o estatuto de única equipa na Europa, além do Arsenal, que ainda não tinha sido derrotada esta época em jogos oficiais; ocupava o quarto lugar do campeonato, com tantos golos marcados como o seu anfitrião; e, ao contrário deste, que entrou em campo com seis jogadores que vinham de dois jogos em sete dias pelas respectivas Selecções, a equipa setubalense estava fresca, repousada e tinha tido dez dias para preparar o embate no Dragão.

Abóbora! O que se viu foi um Vitória que, mesmo a perder a partir dos seis minutos, nunca teve o mais pequeno arrebate de brio para tentar passar o meio-campo e chegar ao golo. Até ao fim, limitou-se a defender sempre no seu meio-campo, com dez homens atrás da linha da bola, e tudo o que conseguiu em 90 minutos foi dois remates inofensivos à baliza de Helton. A «táctica», se é que disso se pode falar, consistiu apenas em tentar, como sorte e vista grossa do árbitro a um penalty, manter o 0-1 até próximo do final e esperar que, tal como o Estrela conseguiu na jornada anterior, um bambúrrio de sorte ou uma oferta dos portistas, lhe permitisse sair do Dragão com um empate caído do céu.

Felizmente, isso não aconteceu, porque este ano consta que os milagres estão todos reservados para o Benfica. E ainda bem que não aconteceu. Não pelo FC Porto, que merecia ter ganho por quatro ou cinco. Mas pelo futebol.

3- No Restelo, para ver o Belenenses-Estrela da Amadora, estava um pouco mais de gente: perto de 2.000 pessoas. O Belenenses jogava em casa, tem melhor equipa, era favorito. Mas, interrogado segundos antes de começar o jogo sobre se o Belenenses iria jogar para ganhar, Jorge Jesus respondeu esta coisa extraordinária. «O empate é tão importante como a vitória». Do outro lado, Dauto Faquirá pensou o mesmo e o resultado, como não podia deixar de ser, foi mais um empate a zero, num jogo em que, segundo a crónica deste jornal, nenhum dos dois guarda-redes teve de se incomodar a fazer qualquer defesa. No final, consta que ambos os treinadores estavam satisfeitos. Parece também que alguns adeptos do Belenenses assobiaram o espectáculo no final, mas Jorge Jesus não se incomodou: «isso é normal».

Não, não é normal. É altura dos treinadores das equipas chamadas «pequenas» — e que são sempre tão apoiadas por uma crítica que as exime de qualquer responsabilidades nos espectáculos que proporcionam — fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza — e isto quando a maioria dos jogos é televisionada e os bilhetes são absurdamente caros — é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas. Não os incomoda entrar num estádio onde apenas 400 almas penadas, verdadeiros heróis, se deram ao trabalho de ir ver o pouco que eles estão dispostos a mostrar?

4- Acho que nunca, em tantos anos a ver futebol e a seguir campeonatos, vi uma equipa com tanta sorte como este Benfica de 2007/8. Domingo, em Coimbra, lá veio mais uma vitória arrancada nos últimos cinco minutos, num jogo em que o Benfica jogou muito pouco e bem menos que o adversário. Foi quase patético ver o esforço que o guarda-redes da Académica fez para facilitar o segundo e o terceiro golos do Benfica. Neste último, aliás, até vi uma coisa inédita: a bola, depois de passar por entre os braços do guarda-redes, seguiu devagarinho para o poste, daí ressaltou para o terreno e depois, subitamente, inverteu a marcha e desandou para dentro da baliza. Tal qual uma bola de bilhar «puxada» por baixo!

Para sábado, dou a Jesulado Ferreira um conselho de amigo: faça tudo para ganhar o jogo até aos 85 minutos e, se chegar aí em posição de vencedor ou com um empate julgado útil, mande recuar todos, todos os dez para dentro da área; proíba-os terminantemente de cometer qualquer falta, nem que seja com um sopro de ar; nos lançamentos laterais do Benfica (a jogada mais perigosa deles), ponha dois jogadores a saltar sobre a linha, em frente ao lançador. E depois reze, reze muito para que a taluda não saia pela sétima vez ao mesmo.

5- Como era de prever, Pepe teve uma entrada em grande na Selecção Nacional. A ele, à sua eficácia e à segurança que transmite, ficámos a dever parte importante do empate contra a Finlândia, que significou o apuramento para o Europeu. Com Pepe e Deco, sobe para dois o número de naturalizados na Selecção — e se não contarmos com Makukula e Bosingwa, nascidos no Congo. Todos eles são casos especiais, e mesmo Pepe e Deco, ambos brasileiros, vieram para Portugal muito jovens, jogaram aqui cinco ou seis anos, mantêm aqui laços de residência e familiares e sempre mostraram vontade de jogar por Portugal e não pelo Brasil.

Mas isso não impede que as reflexões de Joseph Blatter, presidente da FIFA, tenham toda a razão de ser. A profusão de brasileiros naturalizados que hoje jogam por várias Selecções está a atingir proporções de alarme. Como ele diz e com razão, há 60 milhões de potenciais jogadores de futebol no Brasil, mas só onze é que podem jogar pela sua Selecção. Isso, mais a insistência dos zelotas da União Europeia em não quererem ver que a especificidade do desporto não se compadece com a absoluta liberdade de circulação e trabalho no espaço europeu que vigora para as outras profissões, está a descaracterizar rapidamente, primeiro os clubes e depois as Selecções. Que sentido faz, por exemplo, celebrar uma vitória do Arsenal na Champions como uma vitória do futebol inglês, quando bastas vezes não há um só inglês na equipa titular do Arsenal? E que sentido fará amanhã celebrar um título mundial de um país cuja Selecção seja maioritariamente composta por estrangeiros naturalizados?