quinta-feira, dezembro 20, 2007

O GLORIOSO «PONTINHO» (27 NOVEMBRO 2007)

É altura de os treinadores das equipas chamadas «pequenas» fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza, é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas.


1- Leiria recebeu um dos dez novos estádios que os contribuintes portugueses construíram ou remodelaram para o Euro 2004 (a meias, a Suíça e a Áustria, países bem mais ricos que o nosso e que irão receber o Euro 2008, construíram ou remodelaram apenas oito — como já antes o haviam feito, em conjunto, a Bélgica e a Holanda). Mas já se sabe que em Portugal, onde os dinheiros do Estado parecem não vir de lado algum e são muito poucos os que pagam todos os impostos devidos, quando se faz obra pública tem de ser à grande e à portuguesa. Leiria ficou assim com um estádio novo com capacidade para 25.000 espectadores — que apenas encheu duas vezes em quatro anos e para ver jogar a Selecção — e cuja manutenção e amortização, na parte que cabe à autarquia, representam um garrote orçamental que impede que outras coisas bem mais necessárias possam ser feitas. Esta semana, para receber o Leiria-Braga, com bom tempo e excelentes condições, estiveram no estádio de Leiria 400 pessoas. Parece óbvio que a cidade não faz questão de ter futebol de 1ª. Sobretudo se é para ver duas equipas jogar para o zero-zero.

2- Subscrevo por inteiro a pertinente crónica de Vítor Queirós sobre o FC Porto-V. Setúbal. O Vitória de Setúbal entrou em campo com o estatuto de única equipa na Europa, além do Arsenal, que ainda não tinha sido derrotada esta época em jogos oficiais; ocupava o quarto lugar do campeonato, com tantos golos marcados como o seu anfitrião; e, ao contrário deste, que entrou em campo com seis jogadores que vinham de dois jogos em sete dias pelas respectivas Selecções, a equipa setubalense estava fresca, repousada e tinha tido dez dias para preparar o embate no Dragão.

Abóbora! O que se viu foi um Vitória que, mesmo a perder a partir dos seis minutos, nunca teve o mais pequeno arrebate de brio para tentar passar o meio-campo e chegar ao golo. Até ao fim, limitou-se a defender sempre no seu meio-campo, com dez homens atrás da linha da bola, e tudo o que conseguiu em 90 minutos foi dois remates inofensivos à baliza de Helton. A «táctica», se é que disso se pode falar, consistiu apenas em tentar, como sorte e vista grossa do árbitro a um penalty, manter o 0-1 até próximo do final e esperar que, tal como o Estrela conseguiu na jornada anterior, um bambúrrio de sorte ou uma oferta dos portistas, lhe permitisse sair do Dragão com um empate caído do céu.

Felizmente, isso não aconteceu, porque este ano consta que os milagres estão todos reservados para o Benfica. E ainda bem que não aconteceu. Não pelo FC Porto, que merecia ter ganho por quatro ou cinco. Mas pelo futebol.

3- No Restelo, para ver o Belenenses-Estrela da Amadora, estava um pouco mais de gente: perto de 2.000 pessoas. O Belenenses jogava em casa, tem melhor equipa, era favorito. Mas, interrogado segundos antes de começar o jogo sobre se o Belenenses iria jogar para ganhar, Jorge Jesus respondeu esta coisa extraordinária. «O empate é tão importante como a vitória». Do outro lado, Dauto Faquirá pensou o mesmo e o resultado, como não podia deixar de ser, foi mais um empate a zero, num jogo em que, segundo a crónica deste jornal, nenhum dos dois guarda-redes teve de se incomodar a fazer qualquer defesa. No final, consta que ambos os treinadores estavam satisfeitos. Parece também que alguns adeptos do Belenenses assobiaram o espectáculo no final, mas Jorge Jesus não se incomodou: «isso é normal».

Não, não é normal. É altura dos treinadores das equipas chamadas «pequenas» — e que são sempre tão apoiadas por uma crítica que as exime de qualquer responsabilidades nos espectáculos que proporcionam — fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza — e isto quando a maioria dos jogos é televisionada e os bilhetes são absurdamente caros — é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas. Não os incomoda entrar num estádio onde apenas 400 almas penadas, verdadeiros heróis, se deram ao trabalho de ir ver o pouco que eles estão dispostos a mostrar?

4- Acho que nunca, em tantos anos a ver futebol e a seguir campeonatos, vi uma equipa com tanta sorte como este Benfica de 2007/8. Domingo, em Coimbra, lá veio mais uma vitória arrancada nos últimos cinco minutos, num jogo em que o Benfica jogou muito pouco e bem menos que o adversário. Foi quase patético ver o esforço que o guarda-redes da Académica fez para facilitar o segundo e o terceiro golos do Benfica. Neste último, aliás, até vi uma coisa inédita: a bola, depois de passar por entre os braços do guarda-redes, seguiu devagarinho para o poste, daí ressaltou para o terreno e depois, subitamente, inverteu a marcha e desandou para dentro da baliza. Tal qual uma bola de bilhar «puxada» por baixo!

Para sábado, dou a Jesulado Ferreira um conselho de amigo: faça tudo para ganhar o jogo até aos 85 minutos e, se chegar aí em posição de vencedor ou com um empate julgado útil, mande recuar todos, todos os dez para dentro da área; proíba-os terminantemente de cometer qualquer falta, nem que seja com um sopro de ar; nos lançamentos laterais do Benfica (a jogada mais perigosa deles), ponha dois jogadores a saltar sobre a linha, em frente ao lançador. E depois reze, reze muito para que a taluda não saia pela sétima vez ao mesmo.

5- Como era de prever, Pepe teve uma entrada em grande na Selecção Nacional. A ele, à sua eficácia e à segurança que transmite, ficámos a dever parte importante do empate contra a Finlândia, que significou o apuramento para o Europeu. Com Pepe e Deco, sobe para dois o número de naturalizados na Selecção — e se não contarmos com Makukula e Bosingwa, nascidos no Congo. Todos eles são casos especiais, e mesmo Pepe e Deco, ambos brasileiros, vieram para Portugal muito jovens, jogaram aqui cinco ou seis anos, mantêm aqui laços de residência e familiares e sempre mostraram vontade de jogar por Portugal e não pelo Brasil.

Mas isso não impede que as reflexões de Joseph Blatter, presidente da FIFA, tenham toda a razão de ser. A profusão de brasileiros naturalizados que hoje jogam por várias Selecções está a atingir proporções de alarme. Como ele diz e com razão, há 60 milhões de potenciais jogadores de futebol no Brasil, mas só onze é que podem jogar pela sua Selecção. Isso, mais a insistência dos zelotas da União Europeia em não quererem ver que a especificidade do desporto não se compadece com a absoluta liberdade de circulação e trabalho no espaço europeu que vigora para as outras profissões, está a descaracterizar rapidamente, primeiro os clubes e depois as Selecções. Que sentido faz, por exemplo, celebrar uma vitória do Arsenal na Champions como uma vitória do futebol inglês, quando bastas vezes não há um só inglês na equipa titular do Arsenal? E que sentido fará amanhã celebrar um título mundial de um país cuja Selecção seja maioritariamente composta por estrangeiros naturalizados?

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