quinta-feira, fevereiro 17, 2005

O horizonte é vermelho (15 Fevereiro 2005

Só há dois jogadores que o Benfica tem razão de temer para o jogo do Dragão: o McCarthy, que marcou aquele golão na Luz, e o Ricardo Quaresma, que lhes roubou a Supertaça, com outro golaço. Do primeiro já se ocupou o CD da Liga. Do segundo, havendo o mínimo pretexto, alguém se vai ocupar daqui até lá.

1- Miguel Ribeiro Teles compreendeu o que Dias da Cunha não compreendeu: que, na sua ânsia de combater moinhos de vento, o presidente do Sporting acabou a selar um pacto contra o próprio inimigo por ele identificado— o tal de «sistema».

Em todas as 22 jornadas que a SuperLiga deste ano leva disputadas, o Benfica tem apenas uma eventual razão de queixa de um árbitro, e nem sequer se pode falar propriamente de um erro, mas de uma má visualização por parte do fiscal de linha: a célebre jogada contra o FC Porto, no jogo da Luz, em que a bola terá entrado por completo na baliza de Baía. E nada mais: todos os outros lances duvidosos ocorridos em jogos do Benfica, ao longo das restantes 21 jornadas, foram decididos a seu favor.

Quando Dias da Cunha se junta a Filipe Vieira para, entre outras coisas, reclamar da arbitragem, esquece que está a juntar-se ao maior beneficiário das arbitragens, esta época. E esquece-se que Benfica e Boavista — que, sem futebol para tal, são dois dos comandantes da SuperLiga — dominam de facto o «sistema», através do seu controlo a meias da Liga de Clubes e, correspondentemente, da arbitragem. E não apenas da arbitragem: também da disciplina. A ideia da introdução do castigo a jogadores a posteriori, através do vídeo e pela mão do Conselho de Disciplina da Liga, denuncia-se a si própria nos seus propósitos, através de uma simples leitura das estatísticas: dos 25 jogos de suspensão até agora aplicados pelo CD, doze foram-no a jogadores do FC Porto (incluo já a incrível e revoltante promessa de suspensão de Seitaridis por dois jogos, por pretensa agressão); dois contemplaram jogadores do Boavista e nenhum jogadores do Benfica (e, todavia, todos vimos, por exemplo, no jogo entre os dois clubes mandantes da Liga, o Petit a agredir com uma cotovelada o Tiago...). De todos os castigos aplicados, apenas os jogadores do FC Porto foram contemplados com mais de um jogo de suspensão — esticado, no caso mais recente do Mc Carthy, até três jogos, o suficiente para conseguir incluir o jogo contra o Benfica. A pergunta é simples: se quem domina a organização dos jogos, a arbitragem e a disciplina, não constitui o «sistema», o que é, afinal, o tal sistema de que tanto fala o presidente do Sporting?

Miguel Ribeiro Teles percebe infinitamente mais de futebol do que Dias da Cunha. Ele sabe que, para além do absurdo de o sistema ser dominado por quem está de fora e não por quem está dentro, não há sistema que possa transformar em campeão—e de Portugal, da Europa e do Mundo —uma equipa banal ou medíocre. E sabe que o FC Porto dos últimos anos nunca foi banal nem medíocre. Agora, o que a ele lhe deve parecer estranho é que o único dirigente de clube que anda a anunciar aos quatro ventos e desde o início da época que vai ser campeão e que até já tem a festa pensada, depois do último jogo (contra o Boavista, no Bessa...), é precisamente o presidente do Benfica — cuja equipa oscila entre o banal e o medíocre.

O que Miguel Ribeiro Teles percebeu e Dias da Cunha não, é que o pacto com o Benfica visou um adversário que neste momento, e devido à sua auto-implosão, tinha deixado de ser o inimigo a abater. E que, inversamente, levou o Sporting a entregar-se na boca do lobo. E, enquanto Dias da Cunha ficou muito contente porque julga ter neutralizado Pinto da Costa, Filipe Vieira ficou ainda mais contente porque neutralizou ambos e, ainda para mais, viu-se elevado à condição de parceiro moralizador na luta contra o «sistema»—ele, que declarou ser mais importante ganhar a Liga do que ter uma boa equipa de futebol.

2- Há vários anos que venho aqui insurgindo-me contra o CD da Liga e a sua reiterada actuação indisfarçadamente clubista. Este é um órgão, supostamente de justiça, cujas decisões são sistematicamente desautorizadas por outro órgão superior, o Conselho de Justiça, sem que esse facto leve os seus membros, como seria normal, a reverem o seu critério e a terem algum pudor e algum resquício de isenção. Este é o órgão que, no ano passado, numa decisão contra o Deco, chegou ao ponto de escrever que ele era «iníquo e indigno» — e hoje o Deco é universalmente tido como um dos melhores jogadores do Mundo, continuando, mesmo sendo apenas português naturalizado e a viver no estrangeiro, a dar o seu contributo voluntário à Selecção de Portugal. Ao contrário, quem se atreveria a apresentar o CD da Liga como órgão representativo do que de melhor há na justiça portuguesa? Só por anedota. Há muitos anos que o Conselho Superior da Magistratura vem pedindo aos juízes de carreira que se afastem do futebol, onde a sua actuação só tem servido para desprestigiar a magistratura. Eles fazem orelhas moucas mas, apesar de tudo, seria de esperar que não esticassem a corda até ao ponto de se mostrarem autores de uma paródia de justiça que, antes de mais, os enxovalha a si próprios. Esta sentença sobre o McCarthy ultrapassou todos os limites aceitáveis. Primeiro, a esperteza saloia, feita à vista de todos, de protelar a decisão durante quatorze dias, o suficiente para ela poder abranger o Porto-Benfica. Depois, a violação de um princípio universal da justiça penal — seja criminal, fiscal ou desportiva — que qualquer aluno de um 1.º ano de uma Faculdade de Direito conheçe e que estabelece que nenhuma pena poderá ser agravada se apenas o condenado recorreu dela. Conscientes de que o histórico da sua actuação mostra exuberantemente uma justiça selectiva dirigida contra o FC Porto, e desejosos de evitarem que o clube continue a apelar para o Conselho de Justiça que, uma a uma, vai desautorizando e desmascarando o sentido das sentenças do CD, os tristes membros deste órgão resolveram agora inventar um sistema que iniba o clube, no futuro, de recorrer das suas decisões. «Se recorres, agravamos-te préviamente a pena» — eis a mensagem passada por eles. Acontecesse isto com o Benfica, o Sporting ou o Boavista, e o que não iria por aí de escândalo e gritaria!

3- Nesta triste versão do FC Porto pós-Mourinho, só há dois jogadores que o Benfica tem razão de temer para o jogo do Dragão: o Mc Carthy, que marcou aquele golão na Luz, e o Ricardo Quaresma, que lhes roubou a Supertaça, com outro golaço. Do primeiro já se ocupou o CD da Liga. Do segundo, havendo o mínimo pretexto, alguém se vai ocupar daqui até lá: ou o árbitro do Restelo, no próximo sábado, ou o CD, posteriormente.

4- E esta triste versão do FC Porto pós-Mourinho também não merece o 1.º lugar que ocupa, de parceria com mais três (como vêem, a clubite não me cega...). Este domingo, bastaram-me os dois primeiros minutos de jogo contra o Guimarães (gastos com a bola a circular entre os centrais, os laterais e os trincos, jogando para trás, sem pressas, sem ideias e a medo), para confirmar que estamos perante o pior FC Porto desde há muito tempo. E, para além dos erros de «casting » com os treinadores, a grande razão do insucesso é que a equipe, pura e simplesmente, não presta. Dos quatorze jogadores(!) comprados esta época, apenas um —o Ricardo Quaresma—tem valor para a equipa. Todos os outros não caberiam em nenhuma equipe até ao 8.º lugar da SuperLiga. O Fabiano, o Diego, o Postiga, o Leo Lima, o Leandro, o Cláudio P., o Raul Meireles, etc. etc., são tudo jogadores para esquecer, sendo que não podem ser despedidos e o seu destino natural é transformarem-se num encargo sem retorno para o clube nos próximos três ou quatro anos. Os ditos «empresários», que sempre voltearam à roda do F C Porto, sobretudo quando lhes cheira a dinheiro fresco, devem ter-se fartado de facturar este ano. Mas o clube está tramado: gastou uma fortuna a renovar a equipa e falhou em toda a linha. E, de cada vez que tentou emendar a mão, foi pior a asneira. Dá que pensar que o F C Porto não se tenha lembrado de ir buscar o Nuno Assis ou o Jorginho, que estavam ali à espera de quem lhes deitasse a mão, e que se tenha lembrado de deitar fora o Carlos Alberto e o Rossato e de emprestar o Hugo Almeida ao Boavista, para se atestar de brasileiros sem categoria nem espírito de combatividade. Se os nossos adversários tivessem congeminado a maneira de liquidar a grande equipa que o F C Porto tinha, não teriam conseguido melhor.

Entre perdidos e achados ( 8 Fevereiro 2005)

O que acontece quando se fica com a ideia de que um jogador, por exemplo, dá uma cotovelada noutro mas não se pode ter a certeza porque o realizador não repetiu a jogada? Já se imaginou o extraordinário poder que passa a recair sobre os realizadores de TV— o de castigarem um jogador ou deixá-lo impune?

1-Como disse José Mourinho, parece que a liderança desta SuperLiga queima.Com tanta incapacidade de fixação no topo, é de prever que quem consiga lá se aguentar durante três jornadas a fio fique embalado de vez para o título. Mas quem será? Este fim-de-semana começámos por assistir à queda do Sp. Braga, incapaz de segurar a liderança mais de uma simples semana mas já capaz de revelar tiques de grande, ao atribuir ao árbitro as culpas da sua derrota em Guimarães. Tenho as maiores dúvidas de que tenha mesmo existido penalty aos 94 minutos—pareceu-me, sim, que o jogador do Braga se desviou subtilmente para ir chocar com o seu adversário. Mas, com ou sem penalty, a verdade é que o Braga nunca demonstrou uma atitude de querer assumir os riscos que a continuação da liderança exigia. Quem quer ser campeão não pode jogar a contar com a sorte.

No dia seguinte foi a vez de o Sporting desabar, com estrondo, no Funchal. Sem desculpas nem atenuantes e revelando tamanha incapacidade que me começo a interrogar sobre o meu próprio diagnóstico de que o Sporting é (era?) o principal candidato à vitória final. Começa a instalar-se a ideia de que,tirando a táctica do «Liedson resolve» ou «Rochemback resolve », não há muito mais ideias, confiança ou estratégias de jogo por ali.

Não sabendo ainda o que terá feito ontem à noite o Boavista em Setúbal (estava capaz de apostar numa vitória...), temos que a sempre provisória liderança do campeonato está, para já e pelo menos, confiada a Benfica e FC Porto. Quem diria — a pior das cinco equipas da frente e a mais esfrangalhada delas todas!

2- Jogando num campo de que todos os portistas têm terror e enfrentando um árbitro que quase tornava impossível a vitória, José Couceiro conseguiu estrear-se com um imenso, um inimaginável, suspiro de alívio. Para quem conhece bem a química psicológica daquela equipa —mesmo descaracterizada, como está — um novo tropeção, nesta altura,teria provavelmente significado o fim de todas as ilusões. Couceiro conseguiu sobreviver a esta roleta russa, mesmo lançando mão (talvez
as circunstâncias ou diplomacia interna a isso o tenham obrigado...) a munições completamente ineficientes, como Costinha, Diego ou Hélder Postiga— este com a agravante de remeter McCarthy para outras zonas do campo, privando a equipa do único homem capaz de fazer golos lá na frente. Couceiro ficou a saber, caso ainda tivesse dúvidas, que esta equipa, todas as semanas acrescentada, só tem um extremo de raiz e só tem um ponta- de-lança digno desse nome. Muito samba e pouco
rock'n'roll.

3- Já há semanas aqui levantei a dúvida metafísica de saber como se resolve a desigualdade penal de castigar através do vídeo jogadores que não foram devidamente castigados em campo, quando uns têm todos os seus jogos televisionados e outros apenas alguns. Como é óbvio, não há solução para tal e daí as dúvidas que tal princípio levanta, aqui e lá fora. Mas, durante o jogo Guimarães- Braga, ao observar um lance concreto do jogo que o realizador televisivo não repetiu, ocorreu-me
também a dúvida sobre o que sucede em tais casos. O que acontece quando se fica com a ideia de que um jogador, por exemplo, dá uma cotovelada noutro mas não se pode ter a certeza porque o realizador não repetiu a jogada? Já se imaginou o extraordinário poder que passa a recair sobre os realizadores de TV —o de castigarem um jogador ou deixá-lo impune? E a nova fonte de suspeitas que daí pode surgir?

4- Uma das principais críticas que faço à arbitragem portuguesa é a da ausência de um critério disciplinar uniforme e lógico. Há, por exemplo, aqueles árbitros que acham que as entradas violentas e os respectivos cartões amarelos só são para levar em conta após meia hora de jogo e há equipas que se habituaram a fazer grande uso desse absurdo critério. Agora, nesta onda justiçeira — embora mais para uns que para outros—a que se assiste, é comum ver árbitros sacarem do amarelo por dá-cá-aquela- palha, muitas vezes parecendo que a exibição do cartão serve para acalmar os sobressaltos da própria consciência.
Dois exemplos da jornada: Pedro Proença mostrando o amarelo a César Peixoto, por um simples gesto de inconformismo, nem sequer de protesto,após uma decisão errada do árbitro; e João Ferreira mostrando o amarelo a Quaresma, culpado de nada: de ter sido rasteirado dentro da área pelo guarda- redes do Estoril, sem que o árbitro tivesse marcado o penalty e expulsado o infractor, como reza a lei. O resultado útil disto é que acabam por ser os jogadores a pagar os erros dos árbitros.
E o vídeo não serve para os despenalizar...

5- O Dínamo de Moscovo é o maior mistério do momento... ou talvez não.
Que um clube lá dos antípodas europeus desate, sem mais nem menos, a comprar jogadores portugueses já é coisa estranha.Um ou dois, ainda vá,agora seis ou sete, assim de repente, é esquisito. Que pague, sem discutir, oito milhões de euros pelo Derlei, em fim de carreira e em vazio de forma, é ainda mais estranho. Mas o negócio do Nuno Assis,esse, ultrapassa qualquer capacidade de compreensão: por que raio quererá um clube, russo ou marciano, comprar um jogador estrangeiro
para o emprestar durante quatro anos e meio (toda a duração do contrato) a outro clube do país de origem do jogador? O Dínamo de Moscovo terá algum interesse— comercial, desportivo ou filosófico — em ajudar o Benfica a conseguir ser campeão de Portugal? Constato,todavia, que esta minha ingénua perplexidade não encontra companhia alguma na nossa imprensa desportiva: aparentemente toda a gente acha isto muito normal. Ainda a ninguém ocorreu interrogar-se por que razão o patrão do Dínamo de Moscovo anda tão empenhado ematirar dinheiro à rua. E logo aqui, em Portugal. É mistério que a nossa curiosidade jornalística não acha digno de investigação, nem sequer de interrogação. Pelo contrário, até já vi escrito que é por mistérios destes que pode passar a salvação financeira dos clubes portugueses. Ó
bendita nação, em que o pobre já nem desconfia quando a esmola é grande!

6- As Câmaras Municipais de Loulé e Faro lançaram um apelo ao Governo para que as ajude a pagar os custos de manutenção do Estádio do Algarve — sem utilização alguma depois de um jogo da Selecção e dois do Euro, o que faz dele, até à data, o mais ruinoso estádio do Mundo: quatro milhões de contos por cada jogo lá disputado. O Tribunal de Contas arrasou o acordo de gestão feito entre a câmara de Leiria e o União, concluindo, como já se sabia, que ele consiste em a câmara pagar todas as despesas e o clube ainda receber um subsídio por lá jogar. O mesmo sucede em Aveiro, em Coimbra e em Braga —um estádio que custou duas vezes e meia ou três o orçamentado. Em Guimarães a câmara pagou a renovação e o clube ficou com a ajuda europeia para as obras.
Ou seja, em todos os estádios do Euro que (oficialmente...) foram construídos ou remodelados apenas com dinheiros públicos não há um só cuja manutenção seja assegurada pelos clubes que os utilizam. No Algarve não há sequer um clube utilizador e em Aveiro e Coimbra, para o ano, haverá, muito provavelmente, clubes de II Divisão a utilizá-los. É por estas e por outras que, quando oiço alguém reclamar o Mundial de futebol ou os Jogos Olímpicos para Portugal, já sei que estou perante alguém que foge ao fisco ou vive de cargos ou dinheiros públicos.

7-Não sabia que o Adriano Cerqueira dirigia o Jornal do Benfica. Nem sabia que estava gravemente doente. Imaginava- o retirado no seu monte alentejano, com a mesma discrição com que se retirou do activo e a mando o seu Benfica com esse sereno amor de sempre. Foi dos meus primeiros chefes na RTP. Tivemos algumas desavenças mas nunca por causa de futebol ou por mesquinhas questões. O Adriano era um senhor.

O naufrágio ( 1 Fevereiro 2005)

Seria uma completa distorção da verdade querer resumir os problemas ao desempenho de Fernandez e fazer dele o único ou principal culpado da destruição científica de uma grande equipa, consumada em apenas seis meses

1- Quando este texto sair para a rua é possível até que Victor Fernandez já não seja treinador do FC Porto. A derrota de anteontem com o Braga significou uma espécie de ponto de não retorno na confiança dos adeptos. !Basta ya! Já estamos fartos de ver cair recordes sobre recordes dos adversários do FC Porto, à custa desta patética equipa de Fernandez: o último foi obtido pelo Braga, que há 45 anos que não ganhava no Porto. Mas, hoje em dia, ir ao Dragão e ganhar tornou- se a coisa mais simples e mais banal do mundo. Eu sei que, mais uma vez Fernandez não teve sorte, mas ele também nunca tem sorte, talvez porque a não sabe procurar: o primeiro golo do Braga, aos 22 minutos, surgiu no primeiro remate feito à baliza do Porto (mas, mesmo isso já é um clássico); o segundo é marcado em off-side; e o terceiro, depois de 35 minutos em que o Braga não rematava à baliza do Porto e não ultrapassava, sequer, o meio campo, deveu-se a uma jogada de sorte ridícula e irrepetível. Isso é certo, mas também é certo que já antes do primeiro golo o Braga estava mais perigoso e que, a seguir ao terceiro, perdeu três oportunidades sucessivas de fechar com goleada o pesadelo azul. E, sobretudo, o que o silêncio reinante no Dragão ilustrava exuberantemente é que todos perceberam que o Sp. Braga tinha uma estratégia de jogo e jogadores para a servirem, enquanto o FC Porto, ensaiando mais uma vez um onze novo, entrou sem saber o que fazer e saiu à deriva. Jesualdo Ferreira mostrou conhecer bem o adversário; Fernandez, como habitualmente, pareceu desconhecer por completo o que iria enfrentar e apresentou uma equipa sem jogo, sem táctica, totalmente permeável pelo centro da defesa, com um meio-campo sem qualquer sentido de jogo e onde até começa a ser penoso ver jogar o Costinha, em crise gritante de forma, e um ataque absolutamente incapaz de construir jogadas de golo e em que o «Fabuloso » Fabiano (eu avisei antes para este grande barrete...) conseguiu a fabulosa proeza de estar 90 minutos em campo sem fazer um passe, um cruzamento, um drible, sem ganhar uma bola de cabeça e sem fazer um remate à baliza. E, para compor ainda mais o desnorte total desta caricatura de equipa, uma vezmais se assistiu à indisciplina dos jogadores, com cartões amarelos gratuitos, expulsões absurdas e as inevitáveis cotoveladas, que se tornaram uma imagem de marca desta equipa (será que Fernandez não lhes consegue ao menos explicar que os jogos são televisionados?). Nesta altura do campeonato, já todos percebemos que o simpático treinador aragonês, um verdadeiro gentleman no futebol, não faz a mínima ideia do que anda a fazer. No verdadeiro apeadeiro em que se transformou o clube nas últimas semanas, entre entradas e saídas constantes de jogadores, o facto é que o FC Porto joga em Fevereiro bem pior do que jogava em Outubro ouNovembro. Teve uma segunda parte de inspiração contra o Chelsea, que quase salvou a época, mas só por verdadeiro milagre é que escapará à eliminação frente ao Inter. E só outro milagre evitará que o Sporting vença tranquilamente este campeonato. De modo que, a continuar tudo na mesma, omais provável é que em Março o FC Porto esteja a lutar por um único objectivo: ficar entre os três primeiros do campeonato, para que não lhe aconteça a suprema ironia de não tirar partido da entrada de três clubes portugueses na Liga dos Campeões—uma conquista que se deve exclusivamente ao mérito portista. A saída de Victor Fernandez é assim a solução mais óbvia, mais fácil e mais popular. Mas seria uma completa distorção da verdade querer resumir os problemas ao desempenho de Fernandez e fazer dele o único ou principal culpado da destruição científica de uma grande equipa, consumada em apenas seis meses. É preciso dizer a outra parte da verdade. Primeiro que tudo, foi evidente que Pinto da Costa não soube prevenir e reagir à saída de Mourinho. Ninguém, de boafé, poderia esperar que, depois de Mourinho e depois de ter chegado ao topo do mundo, face a adversários infinitamente mais ricos e poderosos, o FC Porto lá se conseguisse manter. Mas, uma coisa é a descida natural e inevitável, outra a descida aos trambolhões e a destruição, em poucos meses, de umtrabalho de três anos. Regressou-se directamente de Mourinho a Octávio. A contratação de Del Neri foi um desastre, que logo deixou antever uma época de mal-entendidos sucessivos. Fernandez foi um remendo de emergência, que só por sorte poderia ter corrido bem: um treinador que nunca tinha ganho nada à frente da equipa campeã do Mundo. Sucedendo-se ao falhanço na escolha dos treinadores, veio a política de contratações. Como aqui escrevi na altura, as vendas foram compreensíveis e inatacáveis, em termos de gestão do clube. Com os milhões encaixados, Pinto da Costa tinha uma de três soluções: ou aproveitava uma contingência irrepetível e usava o dinheiro para pôr o passivo do clube a zero, o que seria um facto histórico no futebol português, apostando nos jogadores das escolas e em duas ou três contratações cirúrgicas e baratas; ou gastava o grosso do dinheiro a tentar reconstituir uma equipa de campeões, encontrando substitutos à altura para um Deco ou um Ricardo Carvalho; ou—solução intermédia— encaixava a maior parte dos lucros e investia o resto em três ou quatro grandes jogadores que dessem garantias de poder manter a equipa num padrão de qualidade europeu. Pinto da Costa pareceu, de início, privilegiar esta última solução, mas rapidamente se descontrolou nas compras e foi seguindo uma estratégia de sucessivas fugas em frente. ComMourinho, o FC Porto comprou pouco e escolhidos a dedo pelo treinador. Sem Mourinho, comprou muito, sem critério e escolhidos pelo presidente e pelos empresários que volteiam à sua roda. Resumindo uma longa e penosa história, foi assim: o FC Porto comprou, de Agosto até agora, 16 novos jogadores; depois da época iniciada, já se desfez, por venda ou por empréstimo, de 12—dos quais cinco dos que adquiriu para o plant e l p r i n c i p a l e que nem chegaram a tocar na bola; só brasileiros comprou quase uma equipa inteira — dez; defesasesquerdos comprou três, tendo dispensado o melhor deles sem sequer o experimentar; gastou uma fortuna em três grandes apostas, todas elas rotundamente falhadas, até ver: Diego, Luís Fabiano e Hélder Postiga; desfez-se do Carlos Alberto para mandar vir o Leo Lima, desfez-se do Derlei para mandar vir o Cláudio P., desfez-se do Hugo Almeida para ficar com o Postiga; e, depois de 16 compras, tem uma defesa vulnerável por todos os lados, um meio-campo inexistente e um ataque com umúnico extremo de raiz. Fernandez não tem culpa de tudo isto: ele já só suplica que não lhemandem mais ninguém e não lhe tirem mais ninguém. Pelo caminho ficou, entretanto, a parte substancial dos milhões ganhos com o Chelsea e com a Liga dos Campeões. E Pinto da Costa corre o risco de que venha a concluir-se, apressadamente, que os êxitos dos últimos anos se ficaram a dever exclusivamente a José Mourinho. O que não é verdade e seria profundamente injusto. O que é verdade é que, ao contrário de Mourinho, Pinto da Costa não soube, até agora, gerir o êxito.

2- Três antigos árbitros internacionais vão colaborar directamente com os investigadores do Apito Dourado, analisando 40 jogos considerados de arbitragem «suspeita». Do ponto de vista da investigação criminal, a notícia é verdadeiramente de estarrecer: quer dizer que a acusação depende de opiniões subjectivas de terceiros para confirmar ou arquivar suspeitas. Temos, por exemplo, um penalty duvidoso, marcado por um árbitro: um dos «especialistas » acha que o penalty, de facto, existiu, mas os outros dois acham que não: o Ministério Público avança com a acusação de corrupção contra o árbitro. Mas se, ao contrário, dois são de opinião que o penalty existiu e só um acha que não, arquiva-se a acusação. Se é a este nível que se recolhem «provas» no Apito Dourado, estamos conversados... Põe-se ainda uma outra questão pertinente: qual o critério de escolha destes «especialistas»? Se é o de nunca terem, eles próprios errado, não serve, porque não há árbitro algum que nunca tenha errado. Peguemos no exemplo do Vítor Pereira, um dos «especialistas» nomeados e um árbitro que foi, de facto, o melhor da sua geração e de honestidade nunca questionada. Mas foi também autor de uma das arbitragens mais negativas e decisivas dos últimos anos. Sucedeu no Boavista-FC Porto de há quatro anos, quando consentiu que o Boavista cobrasse um livre enquanto ele estava de costas para a bola falando com os jogadores do Porto, sem que ele tivesse apitado e sem poder ver que o livre foi cobrado muito mais à frente e com a bola em andamento e os jogadores do Porto distraídos com o próprio árbitro — até porque, dez minutos antes, ele tinha ameaçado com um amarelo um jogador do Porto que cobrara um livre sem ele apitar. Acontece que do livre do Boavista nasceu o único golo do jogo, que valeu uma vitória —não apenas no jogo, mas no campeonato. Esse simples lance, somado a uma igual dualidade de critérios disciplinares que conduziu à expulsão do Deco ainda na primeira parte, seria suficiente, à luz do método adoptado pelos investigadores do Apito Dourado, para transformar o Vítor Pereira, de juiz dos erros alheios, em suspeito, ele próprio.

A verdade, dizem eles (25 Janeiro 2005)



Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o próximo governo, seja ele qual for, ponha fim à auto-regulação do futebol português, os declare a todos incapazes de se governarem e estabeleça, por decreto-lei, como é que o futebol deve ser organizado. É a nostalgia do antigamente que regressa em força.

A semana passada foi dominada, desportivamente, pela palpitante conspiração a dois, entre os presidentes do Benfica e do Sporting.
Sentindo que o FC Porto, o inimigo comum, está este ano, como nunca, ao alcance de ser derrotado, os dois autodesignados «moralizadores » do futebol português juntaram forças para tentar assegurar que essa derrota se consuma, de facto - seja quem for, de ambos, o beneficiário dela.
Mais importante do que assegurar que o seu clube seja campeão, os presidentes do Benfica e do Sporting querem é assegurar que o FC Porto seja finalmente derrotado. Para tal, aqueles cavalheiros lembraram-se de recorrer ao auxílio do poder político. Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o próximo governo, seja ele qual for, ponha fim à auto-regulação do futebol português, os declare a todos incapazes de se
governarem e estabeleça, por decreto-lei, como é que o futebol deve ser organizado. É a nostalgia do antigamente que regressa em força, a saudosa memória dos tempos da Outra Senhora, em que as conveniências políticas do regime de ditadura nacional tinham fixado uma lei não escrita que determinava que, em cada quatro anos, o Benfica era campeão três vezes- para manter o povo sossegado e distraído - o Sporting era campeão um ano - para manter a nomenclatura do regime satisfeita-e o FC Porto fazia o papel de pacóvio da província. Dias da Cunha e Luís Filipe Viera estão bem colocados para o desígnio que prosseguem: o primeiro é tido
como influente entre os socialistas, o segundo é quem levou toda a Direcção do Benfica, pela mão de Santana Lopes, a um inesquecível acto de vassalagem ao PSD, na véspera das últimas eleições legislativas.
Juntos, eles esperam assim conseguir fazer-se ouvir no chamado «arco do poder». É a isto, meus caros leitores, que os estudiosos chamam um lobby. E porque reclamam eles a intervenção política no futebol? Em nome da «verdade desportiva». A verdade desportiva é aquele conceito, muito teorizado por Dias da Cunha, de que, não fosse o «sistema » (leia-se as arbitragens) e o FC Porto nada ganharia cá, ficando as vitórias reservadas aos grandes de Lisboa. É um conceito que dá muito jeito para
explicar coisas como a vitória do Beira-Mar na Luz, tentando distrair os benfiquistas de evidências como a notória incompetência de alguns dirigentes, justificada, isso sim, pelo «sistema» e pela falta de «verdade desportiva». É também um conceito difícil de resistir a algumas contradições inexplicáveis-e daí, certamente, as notórias dificuldades de expressão, na matéria, do presidente do Sporting. Como explicar, por exemplo, que a carreira internacional do FC Porto seja aquilo que é, e as carreiras internacionais de Benfica e Sporting, na última década, sejam uma permanente humilhação, se lá fora não funciona o longo braço do «sistema» e da arbitragem portuguesa? Mas vamos, então, à verdade desportiva e a alguns exemplos concretos da mesma.

a) Arbitragens

O FC Porto é o grande beneficiado- dizem os arautos da «verdade desportiva». Verdade? Não, mentira. Um curisoso estudo publicado, no passado dia 21, pelo Diário de Notícias - insuspeitíssimo de ser pró-portista - conclui, após analisar todas as crónicas dos três jornais desportivos e as opiniões publicadas dos especialistas em arbitragem aos 306 jogos da 1.ª volta da SuperLiga, que o clube mais prejudicado pelas arbitragens é... o FC Porto. Entre outras coisas, escreve o DN, o FC Porto encabeça a lista dos penalties não assinalados a seu favor - cinco, dos quais dois no jogo contra o Sporting, dois em jogos que terminaram empatados, e um no jogo que perdeu contra o Boavista, «cujo golo da vitória foi, aliás, obtido em fora-de-jogo». E quem comanda a lista dos beneficiados? Pois, justamente o Boavista, que é também, de parceria com o Benfica, quem comanda os destinos da Liga - o tal «sistema» denunciado porDias da Cunha, que comanda a organização dos jogos, a arbitragem e a disciplina e do qual o FC Porto está, por inteiro excluído (foi aliás, salvo erro, o nóvel parceiro de Dias da Cunha, o actual presidente do Benfica, ou um seu antecessor, quem declarou que era mais importante ganhar a Liga do que o campeonato).

b) Disciplina

Pela segunda vez esta época, a Comissão Disciplinar da Liga prepara-se para aplicar a McCarthy dois jogos de suspensão, através do recurso ao vídeo, por ele ter dado uma cotovelada a um adversário. Até posso concordar com o princípio, o problema é que ou ele é de aplicação universal e exaustiva, ou então é, como tem sido, selectivo e criteriosamente dirigido a jogadores do FC Porto. Vejemos. Primeiro que tudo, é necessário que os jogos sejam transmitidos pela televisão. Ora,enquanto os 34 jogos dos três grandes são todos transmitidos, clubes há que só têm seis jogos transmitidos por época- justamente os jogos contra os «grandes ». Logicamente, quem tem mais jogos transmitidos sujeita-se a ter jogadores castigados, com recurso ao vídeo, muitas mais vezes: como é que os eruditos juízes do CD resolvem este problema elementar de igualdade penal? Em segundo lugar, devemos perguntar-nos porque é que só as cotoveladas são punidas? A entrada amatar de Tõnito, doBoavista,
sobre Derlei, em jogo de pré-época, arrumando-o durante longas semanas, ou a entrada, igualmente para arrumar, de um jogador do Boavista sobre outro do FC Porto, aos 3minutos do jogo do Dragão, ambas perante a complacência dos árbitros, não foram punidas depois, através do vídeo, porquê? E, já agora, as duas cotoveladas do McCarthy foram ambas precedidas de idêntico gesto provocatório dos seus adversários, só que ele respondeu com mais fúria: ele leva dois jogos e os provocadores
nada? Finalmente: porque é que o critério não se aplica aos outros? Uma semana antes da última cotovelada do McCarthy, o Rochembach enfiou uma cotovelada no Petit, durante o Sporting-Benfica. Um dia depois, o Petit enfiou uma cotovelada na cara do Tiago, durante o Benfica-Boavista: a imagem foi vista e repetida, perante o silêncio dos comentadores de serviço à televisão. A diferença é que em nenhum destes dois casos houve uma provocação prévia do adversário, como houve com o McCarthy, e não houve artigos na imprensa a apelar explicitamente ao castigo do «cotoveleiro ». Recordo: o Boavistamandana Liga, a meias com o Benfica e oSporting é o «grande moralizador».

c) Os apoios públicos

Com grande alarido público (agravado pela desastrada defesa do próprio),foi noticiado que o eng. Nuno Cardoso foi constituído arguido em processo-crime pelo Ministério Público, na sequência de queixa da Inspecção-Geral de Finanças. E isto, porque: -é suspeito de ter beneficiado o FC Porto no processo de construção do Estádio do Dragão, - prejudicando a CM Porto numa quantia entre 3 e 4 milhões de euros,-através de um sistema de permutas e de terrenos, em que terão sido
sobreavaliados os terrenos cedidos pelo FC Porto para troca com os da CMP. Ora, se me permitem voltar ao assunto, eu recordo que, por comparação, o antigo (e dizem que futuro) presidente da CML, dr. Santana Lopes: - não é suspeito, mas sim autor confesso, de dois contratos,celebrados com Benfica e Sporting, relativos à construção dos seus novos estádios, - em que ajudou o Benfica numa quantia entre 55 e 65 milhões de euros, e o Sporting numa quantia entre 20 e 30milhões de euros, - através de recompra em dinheiro de terrenos anteriormente cedidos pela CML, cedência de capacidade construtiva em circunstâncias excepcionais, cedência de terreno e direitos de exploração de bombas de gasolina e participação em negócio conjunto de urbanização, no qual a CML realiza todas as despesas e divide os lucros a meias com os clubes. Lembro ainda que o actual e provável futuro ex-presidente da CML, eng. Carmona Rodrigues, se prepara para autorizar o Belenenses a urbanizar terrenos que a Câmara lhe cedeu para fins desportivos, naquele que será um dos maiores crimes urbanísticos da cidade de Lisboa, destinado apenas a beneficiar um clube que já recebeu gratuitamente o seu estádio da Câmara e que não tema justificação «de interesse nacional» de ter feito um estádio novo para oEuro-2004.Eque o presidente da CML justificou tal acto com a necessidade de «compensar o Belenenses» face aos apoios camarários recebidos por Benfica e Sporting. Pergunto, em nome da «verdade desportiva» ou outra qualquer: porque é que a Inspecção-Geral de Finanças nunca investigou o assunto, porque é que o Ministério Público nunca se incomodou com ele, porque é que os jornais e televisões nunca lhe deram importância?

PS1-Visto ter-se tornado manifesto que o treinador do FC Porto não consegue exercer disciplina sobre os jogadores, dentro ou fora do campo, é urgente que o presidente ou odirector do futebol se reúnacom eles e lhes explique que o circo tem de acabar.

PS 2-Alguns espíritos expeditos tentaram fazer-nos crer que o juiz de linha Luís Tavares perdeu as insígnias da FIFA por não ter visto a bola dentro da baliza do Porto, no último Benfica-Porto. O presidente do Benfica até já citou essa «informação» como «prova» dos atentados à «verdade desportiva». Amim pareceu-me sempre a coisa muito estranha: não estou a ver a FIFA a seguir intimamente todos os jogos nacionais em que actuam as centenas de árbitros e juízes de linha por ela acreditados e a
puni-los em função disso. Lógico me parecia, sim, que tivesse desprovido o «liner » em questão depois de ter apreciado negativamente a sua actuação em jogos internacionais. E, depois de o ter visto actuar no Leiria-Porto, mais firmei a minha convicção: o senhor é totalmente incompetente para a função.