quinta-feira, julho 21, 2011

VERDADES QUE TEMOS COMO EVIDENTES (12 OUTUBRO 2010)

1- Constituição americana — até hoje considerada como um dos melhores textos jurídicos jamais escritos — enumera o que os Founding Fathers chamaram de «verdades que temos como evidentes». Essas verdades são as absolutamente necessárias para se definir o que é uma sociedade democrática e um país livre. Nós, portugueses, aprendemo-las também, e de duas formas opostas: primeiro, vivendo cinquenta anos desprovidos delas; depois, vivendo há 36 anos em democracia, onde essas verdades que temos como certas se transformaram em direitos.

Indo directo ao assunto — a nova edição das escutas do Apito Dourado—o que está em causa são algumas verdades tidas como evidentes.

A saber: que, em democracia, vigora o Estado de Direito, o que significa que só os tribunais podem fazer justiça e fazem-na em obediência à lei, que é aprovada por um parlamento ou por um Governo legitimado pelo voto; que, em democracia todos têm direito à privacidade das suas comunicações, excepto se a sua intercepção for autorizada por um juiz, no âmbito de um processo-crime (e apenas nos crimes mais graves, previstos na lei) e com os estritos fins e procedimentos regulados legalmente. Ora, quer queiram quer não, o Apito Dourado foi julgado em vários tribunais e por diversos juizes e transitou em julgado sem que os principais réus fossem condenados: ou porque as escutas foram julgadas meio não admissível de prova ou meio insuficiente para fazer prova das acusações ou suspeitas. Nunca tive uma dúvida de que as escutas recolhidas nos processos, e apenas para eles, viriam a ser depois libertas aos poucos e em ocasiões escolhidas a dedo: é o Ministério Público que temos e cuja actuação neste caso me levou, aliás, a escrever que, se houvesse responsabilização ou pudor, o Procurador-Geral e a procuradora Maria José Morgado deveriam demitir-se quando chegou ao fim e se conheceram os nulos resultados processuais do seu tão estimado Apito Dourado, no qual gastaram, para nada, dezenas ou centenas de milhares de euros nossos. Se fosse nos Estados Unidos — onde os procuradores são eleitos e não são inamovíveis nem irresponsáveis — a sua obsessão litigante contra Pinto da Costa, sem fundamento de facto que o justificasse (conforme decidiram os tribunais), ter-lhes-ia provavelmente custado o lugar.
Mas isto é Portugal. Em Portugal, um caso julgado na justiça com a absolvição do réu pode continuar livremente a ser julgado nos jornais, com o fim de conduzir a uma sentença pré-determinada de condenação, em obediência aos interesses clubistas do futebol e como se nada tivesse acontecido no tribunal. Em Portugal, e com expressa violação da lei, divulga-se o teor de conversas telefónicas privadas gravadas para recolha de indícios em processo entretanto já terminado com a absolvição do escutado. E há gente que, mesmo sabendo que isto é crime, mesmo declarando-se democratas, não têm simples nojo de ir escutar as conversas alheias no Youtube, porque acham que assim é que se faz justiça — e não num tribunal com contra — prova, defesa, testemunhas e juizes de direito para julgar a causa.
Já sei que vão dizer que eu não oiço as conversas porque é mais prudente não as ouvir. Estão enganados: não as oiço porque, nos dois meses que trabalhei na Comissão de Extinção da PIDE, tive, por obrigação profissional, de ler várias transcrições de escutas telefónicas feitas pela PIDE a opositores políticos da ditadura. E o que vi deixou-me para sempre com uma sensação terrível de estar a entrar na intimidade alheia, percebendo logo aí que não há nenhum de nós que não se sentisse revoltado ao saber que as suas conversas telefónicas eram escutadas por outros — e já nem digo divulgadas depois na Internet ou jornais. Tenho a certeza de que os que para aí andam alegremente a fazer publicidade às escutas e a emitir juízos de valor públicos sustentados por elas — o António Pedro Vasconcelos, o José Manuel Delgado ou a Leonor Pinhão — não gostariam, certamente de ver as suas conversas privadas (por exemplo, com dirigentes do Benfica) divulgadas no Youtube. Sim, eu sei, vão-me dizer: «Mas nós não cometemos nenhum crime!» Pois, aí é que está: Pinto da Costa também não. Foi suspeito em quatro processos, acusado apenas num e absolvido. Quem diz que ele cometeu um crime não é, pois, a justiça, mas sim o Benfica, cujo presidente ainda há dias mostrou o respeito que tinha pela justiça...quando esta não vem de acordo aos seus desejos. Mas, até prova em contrário, o Benfica e os tribunais são entidades diferentes, com funções diferentes e acreditação diferente naquilo que fazem. Um pratica futebol e outros desportos, os outros aplicam a justiça. Não estou a ver o Supremo Tribunal de Justiça a disputar o campeonato de futebol da primeira divisão...
Admitindo que haja gente séria metida nisto, permito sugerir-lhes que pensem melhor no assunto: o problema, quando se aceita (sempre «excepcionalmente» ou por «interesse público», é claro), entreabrir a porta à violação de direitos fundamentais das pessoas, é que depois a porta já não fecha mais. Acham que estou a defender o FC Porto, mas não, estou a defender coisas bem mais importantes do que o futebol e as paixões clubistas. Dou um exemplo : Armando Vara pôs - me um pro -cesso cível (em que acabo de ser absolvido em primeira instância), onde reclama 250 000 euros de indemnização porque eu teria ofendido o seu «bom nome». Quando, em pleno decurso do processo, apareceram escutas altamente comprometedoras feitas a Armando Vara, no âmbito do caso Face Oculta/TVI, e, entre outros, o jornal Sol invocou o «interesse público» para divulgar ilegalmente as escutas, chegando mesmo a ignorar uma ordem de proibição do tribunal, eu não tive dúvida alguma em condenar veementemente essa divulgação. Porque nunca acredito em meios canalhas para atingir fins superiores e continuo a achar que o 25 de Abril se fez e a PIDE se extinguiu para que nunca mais se repetíssemos abusos sobre as pessoas que eram a marca da ditadura, de todas as ditaduras. Eu sei, infelizmente, que haverá sempre quem não resista, ou encontre prazer ou justificação, em espreitar pelo buraco da fechadura, escutar conversas alheias, divulgar boatos e infâmias sobre outros, enfim, 7a-var-se no bidé, para utilizar a imagem feliz do Rui Oliveira e Costa. E, pior ainda, sei que haverá sempre quem o faça com pretextos tão fúteis como a militância clubista, ou tão abjectos como a necessidade de prestar vassalagem à direcção de um clube de futebol. Não há nada a fazer: não é por vivermos em liberdade que todos aspiram a ser homens livres.

E, se escrevo este texto, sem esperança de convencer um só dos ayatoilas que por aí há, é para que, apesar de tudo, fique registada uma diferença: a causa deles não presta, não tem qualquer valor moral ou cívico. E, se tivesse, se realmente o que os preocupa é a «verdade desportiva» e é para isso que gostam de ouvir e divulgar escutas, eles que peçam à central que comanda estas operações que ponha on Une a mais reveladora e silenciada de todas as escutas do Apito Dourado: aquela em que a PJ, escutando o telefone de Valentim Loureiro, se deparou inesperadamente com um telefonema em que o seu então aliado, Luís Filipe Viera, combinava com ele o árbitro que deveria apitar um Belenenses-Benfica e culminando com essa enigmática (e jamais investigada) frase do presidente do Benfica: «Como sabe, tenho outros meios de resolver o assunto».

Estes pseudo moralistas que vão dar uma volta ao bilhar grande. Todos sabemos porque razão aparecem agora mais escutas (aliás, já sobejamente conhecidas): por causa do FC Porto-Benfica, no Dragão, que pode sentenciar a época a um Benfica que a começou muito mal. A mais de um mês de distância, a direcção encarnada pôs em marcha um aturado plano de pressão e desestabilização, que começou com o charivari sobre as arbitragens, continuou com aquele patético comunicado sobre a «verdade desportiva» e um apelo aos adeptos para que não fossem ver a equipa jogar fora de casa, uma ameaça à Olive-desportos por causa dos comentários da Sport TV, a privilegiada audiência com sua excelência o ministro da Administração Interna (um benfiquista), a ameaça de não comparecer no Dragão se o autocarro fosse atacado, e culminou com a nova campanha das escutas e ressurreição do Apito Dourado, a cargo dos comentadores ao seu serviço. É disto que se trata e nada mais.
Há mais de dez anos que aqui escrevo e tenho orgulho em poder dizer que me mantive intransigentemente fiel ao meu caderno de encargos, enunciado no primeiro texto que escrevi: aqui, eu não seria isento, o que seria o mesmo que ser hipócrita, visto que tenho uma paixão clubista que nunca escondi e visto que me contrataram para fazer opinião e não jornalismo — e especificamente para representar a opinião de um portista (por isso é que a coluna se chama Nortada). Tento, claro, ser isento, mas não tenho ilusões de que muitas vezes o não consigo. Mas, em contrapartida, prometi que seria sempre independente, livre, sem ordens nem recados de ninguém. E, em mais de dez anos, não recebi um pedido, uma sugestão, um dossier informativo, uma ajuda, o que quer que fosse, do meu clube. Não participei em reuniões de estratégia mediática nem encontrarão telefonema algum com a direcção do FCP comprometedor da minha independência. Talvez a tentação lhes tenha ocorrido alguma vez, mas eles sabem qual seria a minha resposta. E, quando vou ao Dragão , não me sento na tribuna de honra: sento-me no meu lugar, pago por mim. Por isso, não me venham dar música: só conseguirão substituir o Rui Moreira no Trio d'Ataque por algum vendido em estado de necessidade.

domingo, julho 17, 2011

TUDO PREVISÍVEL (05 OUTUBRO 2010)

1- E, pronto, lá se foi a bela caminhada só de vitórias do FC Porto. Eu tinha avisado, mas parece que não entendo nada do assunto. Em Guimarães, num jogo facílimo de ganhar, a equipe voltou a interpretar mal a estratégia de André Villas Boas: descansar com bola não é o mesmo que desistir de correr e de jogar assim que se apanham a ganhar por um golo. Falta ali uma dose razoável de humildade e vontade: não se pode viver permanentemente à conta dos rasgos de génio de Hulk. Silvestre Varela parece que foi lá só mostrara camisola; Rodriguéz não fez melhor ; Belluschi não fez nada a não ser má cara quando foi substituído (está aprecisar urgentemente de banco de suplentes); e Fucile entregou os dois pontos. É verdade que Carlos Xistra fez uma arbitragem completamente desequilibrada contra o Porto e culminada com aquele incrível fora-de-jogo inventado a Falcão, quando só tinha o guarda-redes pela frente. Mas, como sempre disse, isso não pode servir de desculpas quando não se ganha por culpa própria. E o FC Porto não ganhou por culpa própria: por preguiça, por arrogância, por falta de atitude. André Villas Boas bem pode justificar-se com a arbitragem, mas ele que reveja a segunda parte do FC Porto e diga se gostou.

2- O duelo de sul-americanos entre Benfica e Braga foi fraquinho e resolveu-se com um belo golo de um i dos raros portugueses em campo. O Benfica ganhou porque tem melhores jogadores e jogou para ganhar 1- 0.0 Braga perdeu porque jogou para o 0-0 — e, quando assim é, acaba-se quase sempre a perder 0-1, com um golo marcado próximo do fim. Apesar de tudo, e como notou Domingos, à laia de consolação, o Benfica acabou a queimar tempo e a suspirar pelo final, perante o seu próprio público. O mesmo acontecera já na deslocação ao Marítimo, em que a histeria com que Jorge Jesus berrava com o árbitro para que acabasse o jogo diz muito da falta de confiança que ele tem no desempenho actual da sua equipa. O Braga, como já o havia feito contra Arsenal e Shakhtar, mostrou todas as suas limitações para poder jogar ao nível dos desafios de topo. O meio-campo, que Domingos tanto povoa de gente, tem jogadores claramente aquém do exigível para as suas ambições — casos de Vandinho, Andrés Madrid e, sobretudo, Luís Aguiar, que eu não consigo entender que justifique tanta insistência por parte de Domingos. E o ataque sem Matheus (que apenas entrou depois do golo do Benfica) é inofensivo. Até podia ter marcado primeiro, num pontapé fabuloso do lateral Elderson, que Roberto defendeu superiormente. Mas isso, tal como sucedeu com alguns dos golos de Sevilha ou com o segundo golo no Dragão, teria sido apenas um lance fortuito que serviria para disfarçar a evidência. Dir-se-á que o Braga se bateu quase até final e que obrigou o Benfica a recorrer a perdas de tempo para segurar a vitória tangencial. Que não foi, de forma alguma, humilhado e que caiu de cabeça levantada. É tudo verdade, mas, para a anunciada ambição, não chega. O Braga tem o orçamento que tem e que lhe permite ter estes jogadores e não outros. E não há milagres.

3- Uma bola de ressaca que bate no pé de Moisés e toma o rumo da própria baliza, só não acabando em auto-golo devido à atenção de Filipe, é transformada pelo «tribunal da Luz» num caso evidente de atraso indevido ao guarda-redes, não sancionado pelo árbitro e dando origem a um desvario de protestos vindos da bancada. É sinal que o Benfica não está forte, que não desdenha favores de arbitragem, e que o seu público o sente.

Na deslocação do FC Porto ao campo do Nacional (tranquila vitória por 2-0), quando o resultado já estava em 0-1, há um cruzamento alto do ataque do Nacional: o Rolando estica- se todo para o interceptar de cabeça, mas não chega lá e, à sétima repetição televisiva em slow-motion, parece (parece...) que a bola, raspando-lhe a cabeça, lhe vai a seguir raspar no braço. «Penalty», sentencia o comentador de serviço; «jogada de andebol» e «penalty impune», insurge-se a Instituição SLB, num dos seus frequentes comunicados à nação. Já aqui escrevi várias vezes sobre esta fatal doutrina estabelecida entre nós de que cada vez que uma bola bate no braço, tem de ser forçosamente penalty. É próprio de um futebol impotente para chegar habitualmente ao golo e próprio de doentes clubistas. Foi por isso que escrevi que, na minha doutrina alternativa, também o penalty que deu golo ao F.C.Porto na primeira jornada, contra a Naval, o não foi. O que não percebo é o desplante dos que gritam que esse não foi penalty, mas o do Funchal, contra o FCP, bem menos evidente, esse, sim, foi uma claríssima "jogada de andebol".Bem, pelo menos anteontem na Luz a "verdade desportiva" não foi incomodada: o único erro significativo da arbitragem foi cortar uma jogada em que o Alan ficaria isolado, assinalando fora-de-jogo a outro avançado, que não interferiu no lance. Parecido com o fora-de-jogo mal tirado ao Saviola em Guimarães e que tanta gritaria ocasionou. Desta vez, porém, é certo que não haverá comunicado da Instituição em defesa da verdade desportiva.. Como não houve quando, na Liga dos Milhões, o árbitro recusou um penalty claro ao Hapoel na Luz, quando havia 0-0, ou quando, também com 0-0, anulou um golo limpo ao Schalke e fez vista grossa a outro penalty da defensiva benfiquista. É preciso poupar nos comunicados...

4- A algumas semanas de distância, o Benfica já começou os jogos de pressão para preparar o FC Porto-Benfica da lO.3 jornada. Vamos ser sérios: o Benfica tem toda a razão em queixar-se e exigir medidas contra essa moda recente de o seu autocarro ser agredido por bolas de golfe, atiradas por cobardes emboscados, quando visita o norte. É absolutamente inqualificável e intolerável. Mas, nos últimos anos, nenhum clube tem um historial de violência tão grande por parte dos seus adeptos, como o Benfica. As investigações policiais e os julgamentos em curso mostram, aliás, que se trata de uma violência organizada, planeada e associada ao crime violento — como se viu no ataque ao carro particular do presidente do FC Porto, a caminho de um jogo no Estoril, no ano passado, e denunciando um planeamento e um conhecimento antecipado que são preocupantes (uma coisa é atacar um autocarro identificado, numa hora e num trajecto facilmente previsíveis; outra é atacar um carro não identificado, circulando sozinho numa auto-estrada). É claro que, felizmente, estamos a falar de minorias, de um lado e do outro: os atiradores de bolas de golfe também não representam os adeptos do FC Porto. Mas o que é extraordinário — aqui, como nas arbitragens— é a indecorosa dualidade de verdades e critérios da direcção do Benfica. Eu seria capaz de acreditar que eles são contra a violência desportiva se fossem os primeiros também a lamentar, condenar e tomar medidas contra a violência de alguns dos seus próprios adeptos. Seria capaz de acreditar que talvez fossem pela verdade desportiva se, em lugar de ameaçar não participara na Taça da Liga porque as arbitragens não lhes dão garantias de isenção, tivessem tido o gesto de grandes senhores de ter recusado receber a mesma Taça da liga conquistada há dois anos, nas condições que se sabe.

Registo, porém, que o Benfica queixa-se das arbitragens e logo o presidente da dita se dispõe a pedir desculpas e dar explicações. Que se queixa da violência e logo o ministro da Administração Interna se dispõe a receber a sua direcção para ouvir as queixas de viva-voz e prometer-lhes isto e aquilo. É isto a que o povo não-benfiquistas chama um clube do regime. E o regime vai mal...

5- Queria dizer ao André Villas Boas que ele é muito novo ainda e tem uma longa e promissora carreira pela frente. Se ao fim de alguns meses de treinador de topo, e menos de um ano de treinador tout-court, já não suporta criticas tão brandas como a de dizer que o futebol da equipa vence mas aborrece, então auguro-lhe uma carreira de constante sofrimento e irritação. Quando se exerce uma profissão pública, como a dele e a minha, está-se sujeito ao escrutínio e à critica. Carreira pública só com elogios, não conheço nem a de Jesus Cristo...

E, já agora também, queria avivar-lhe a memória. Ao contrário do que insinuou, eu não fui critico de todos os recentes treinadores portistas, designadamente Co Adriaanse, José Mourinho e Jesualdo Ferreira, como ele disse. Fui apoiante de Jesualdo desde a primeira à última hora e quase o único portista que se lembrou de lhe agradecer os serviços prestados quando saiu. Agora, é verdade que fui critico de decisões pontuais dele muitas vezes, mas isso é o que eu entendo por critica e é por isso que escrevo aqui e não na revista Dragões ou no Labaredas: papagaio de serviço não sou. O mesmo em relação a José Mourinho, que, sem abdicar de criticar algumas opções, defendi do primeiro dia que entrou nas Antas até ao último dia-a noite de Geselkirschen. E por isso é que ele me pediu que fizesse o prefácio para o livro biográfico sobre ele escrito pelo Luís Lourenço. Quanto a Adriaanse, sim, nunca me convenceu, mas parece que me limitei a ter razão antes de tempo: foi ele que arrumou antecipadamente a carreira de Vítor Baía; que saiu do clube de birra intempestiva, quando a época ia começar; e que, desde então, tem prosseguido uma carreira sempre descendente em direcção ao anonimato.

quinta-feira, julho 14, 2011

NOVE PONTOS E MAIS TUDO O QUE NOS SEPARA DO BENFICA (28 SETEMBRO 2010)

1- Soma e segue: seis jogos, seis vitórias no campeonato; dez jogos oficiais esta época, dez vitórias; e, com o acumulado da época anterior, vinte jogos oficiais desde que o Hulk regressou do túnel da verdade desportiva e... vinte vitórias. Realmente, Luís Filipe Vieira e Ricardo Araújo Pereira têm razão: o Hulk é uma banalidade . Deve ser por isso que tão empenhadamente manobraram para o tirar de jogo...

Sábado à noite no Dragão, Hulk resolveu o assunto, uma vez mais. A frequência com que o vem fazendo é um prazer para os portistas, mas também um factor de reflexão: sem o Hulk em campo, o FC Porto teria ganho ao modesto Olhanense? Contente, como não podia deixar de ser, com os resultados conseguidos por André Villas Boas neste arranque-canhão de temporada, renovo, todavia, as preocupações já aqui manifestadas. E, para ir direito ao assunto, digo isto de entrada: o FC Porto (mesmo o último) de Jesualdo Ferreira jogava mais, melhor e mais espectacular futebol — e tinha perdido o Lucho e o Lisandro e, durante grande parte da época, viu-se privado de Hulk e Varela. É verdade que o FC Porto aparece agora menos irregular, jogando sempre o necessário e o suficiente para ganhar, mas também é verdade que o único teste difícil que teve até à data foi o jogo com o Benfica na final da Supertaça (e, não sei se por acaso ou não, aquele em que melhor jogou). É verdade que tem muita posse de bola e controlo de jogo, mas desapareceram a velocidade e a profundidade das saídas para o ataque, que tornavam o seu jogo bem mais emocionante e perigoso.

Gosto muito de ir à frente, dos nove pontos de avanço, dos dez jogos oficiais só com vitórias. Mas aquele futebol aborrece-me. Lamento, mas é assim. Sei que os outros estão todos a jogar pior ainda (embora o Benfica já pareça em recuperação), mas isso não me interessa. Por ordem, o que eu gosto é: a)- bom futebol; b) - o FC Porto; c)— o Esperança de Lagos. Suponho que já seja tarde para mudar.
Deste último jogo, retirei a confirmação de alguns pontos fracos na equipa, quase todos ao arrepio dos elogios da crítica. O Rolando acusa em demasia a falta que lhe faz o Bruno Alves ao lado (felizmente, o Otamendi parece uma boa aposta). O Fernando prossegue a má época passada, sem confirmar a promissora época de estreia: tem pouca velocidade e pouca técnica a defender, o que o leva a uma infinidade de faltas, algumas em locais bem perigosos; é verdade que recebeu ordem de soltura e, finalmente e de vez em quando, se aventura a ir à frente, mas é patético vê-lo chegar às imediações da área contrária e entrar em desespero se não tem ninguém ao lado para se livrar da bola (e um trinco tem de ser bem mais do que isso: lembrem-se que já tivemos um Doriva, que, num só jogo contra o Sporting, chegou a marcar três golos!). O Belluschi, que parecia ir finalmente arrancar para uma época ao nível do potencial técnico que tem, já caiu outra vez no estilo peru de Natal, passeando-se, literalmente (isto é, a passo), pelo campo e pelo jogo todo, de crista levantada, em poses de grande maestro, que não é. E o Falcão evaporou-se, desapareceu, sumiu-se algures, na travessia do Atlântico. O melhor mesmo, enquanto isto não melhora, é não deixar mais o Hulk pôr pé num túnel. E inscrevê-lo num curso de meditação budista, para aprender a levar porrada sorrindo.

2- Vítor Pereira pôs-se ajeito, e o Benfica, claro, aproveitou e abusou. Enquanto ele veio dizer o mesmo que eu aqui escrevi acerca dos célebres quatro erros de arbitragem contra o Benfica em Guimarães (a saber: que só um dos penalties existiu, mas é compreensível que o árbitro tenha tido dúvidas, e só existiu também o off-side mal assinalado a Saviola, igual a tantos outros, todas as jornadas e em todos os jogos), logo o Benfica lhe pôs na boca o reconhecimento de quatro, e não dois erros, e a frase, que nunca lhe ouvi, de que a classificação do campeonato estava adulterada, mercê de erros de arbitragem. É o que acontece a quem resolve prestar vassalagem aos poderosos: nada lhes chega. Agora, vem Vítor Pereira tentar disfarçar a coisa, dizendo que passará a fazer um balanço da arbitragem a cada cinco jornadas. Pena que não o tenha dito antes.

3- 0 António Pedro Vasconcelos, um dos conjurados do célebre comunicado do SLB sobre a verdade desportiva — que ficará eternamente nos anais do despudor e do anedotário nacional —, achou que devia justificar a sua participação na coisa, escrevendo um artigo no Público. Infelizmente, para quem, como eu, de há muito se habituou a respeitá-lo e admirá-lo intelectualmente, o artigo é simplesmente lastimável. Diz ele, em suma, que o futebol português está há vinte anos viciado, por «um sistema de viciação de resultados» por parte dos que não respeitam «o primado da lei e da justiça». E isso só foi travado pela justiça desportiva, com os castigos aplicados no processo Apito Final. Porém, ó perfídia humana, esse louvável esforço do Dr. Ricardo Costa e seus pares foi destruído pela justiça comum, «que deixou impunes todos os envolvidos nos processos-crime», com isso «manchando a credibilidade dos juizes e dos tribunais». Não sei se o António Pedro já ouviu falar numa coisa chamada 'estado de direito' e se faz alguma ideia de como funciona um processo acusatório na justiça dos países civilizados. Mas recordo que os mesmos factos dados como provados contra o FCP e o seu presidente pelo tribunal sui-generis do Dr. Ricardo Costa (onde nem sequer um verdadeiro contraditório esteve assegurado), e que serviram para riscar o Boavista do mapa, retirar seis pontos ao FC Porto e condenar Pinto da Costa à pena, aliás inconstitucional, de dois anos de silêncio, foram também analisados por seis outros tribunais — e, estes sim, tribunais a sério e reconhecidos como tal: o tribunal desportivo da UEFA, três tribunais criminais de primeira instância e dois tribunais superiores de recurso. Goste ou não APV, todos os seis se pronunciaram pela improcedência das acusações e falta de veracidade das provas. Mais: a testemunha central de todo o processo, tão acarinhada pelo Benfica e pela Dr.-Maria José Morgado, acabou, ela própria a responder por uma extensa lista de suspeitas de crimes, dos quais o menor é o de perjúrio. E o APV acha que o que saiu manchado foi a credibilidade de quinze magistrados de carreira de seis diferentes tribunais que concluíram o contrário do que ele queria, e não a credibilidade dos juizes de opereta escolhidos pelo Benfica para essa paródia de justiça chamada Comissão Disciplinar da Liga! É isto, então, o que APV entende por o «primado da lei e da justiça»! Como seria um tribunal escolhido pelo APV? Como seria a justiça aplicada por ele?

O APV — que, em tempos, era um feroz crítico da actual Direcção do Benfica (por razões que nem eu entendia), e que hoje, por razões que só ele poderá explicar, é uma espécie de megafone da mesma Direcção e da verdade desportiva—, não teve pudor algum em defender a infâmia que foi o episódio da suspensão do Hulk. Não teve pudor em participar na concepção ou redacção e defesa de um comunicado onde, pela primeira vez na história, um clube apela aos seus adeptos para que o não vão ver jogar nos jogos fora, dizendo que a arbitragem não dá garantias de isenção (e na Luz, depois de atravessarem o túnel da verdade, os mesmos árbitros já dão garantias de isenção, é?). Não teve pudor em ser parte na concepção de um texto onde a Direcção do Benfica (que ganhou há dois anos a Taça da Liga da forma escandalosa que o país todo viu), declara que talvez não participe na mesma taça, visto que as arbitragens, por antecipação, também não lhe dão garantias. E agora sai-se com este texto no Público, onde vem declarar que o futebol português está viciado há vinte anos e só por isso, infere-se, é que o FC Porto ganhou tudo o que ganhou e queo mundo viu! E onde vem declarar que a justiça se cobriu de vergonha ao não acreditar na D. Carolina Salgado e não acompanhar o caminho da verdade desportiva tão exemplarmente apontado pelo absolutamente isento Dr. Ricardo Costa!

Tenho pena. É que o APV não é propriamente o Ricardo Araújo Pereira ou o Sílvio Cervan, que ainda na sexta-feira aqui escrevia que, não fossem as arbitragens adulterantes, e o Benfica estaria à frente deste campeonato (conforme todo o país reconhece que seria mais do que justo...). Dizem que o futebol cega, mas não acho que seja tanto assim. O futebol tem as costas largas.

4- Exemplo: A BOLA tem três cronistas portistas — o Francisco José Viegas, o Rui Moreira e eu próprio. E, fora os da casa, tem três benfiquistas: o RAP, o Sílvio Cervan e a Leonor Pinhão. Nós, os três portistas, todos aqui escrevemos que (apesar do túnel da verdade, de quase metade dos jogos terminados com superioridade numérica e tudo o resto), o campeonato do ano passado ganho pelo Benfica foi inteiramente justo, porque jogou o melhor futebol. Todos o escrevemos e não tenho a menor dúvida de que, repetindo-se a situação, escrevê-lo-emos novamente. Mas alguém já viu algum dos cronistas benfiquistas reconhecer mérito, já não digo a um campeonato, uma taça, uma Champions, mas apenas a uma vitória do FC Porto num simples jogo?

UM FUTEBOLZINHO (21 SETEMBRO 2010)

1- Vi um par de horas de grande futebol esta semana: a primeira parte do jogo do Barcelona na liga dos Campeões, com mais um festival desse deus do futebol que é Lionel Messi; a exuberante humilhação a que o Arsenal submeteu o Sp. Braga; e a primeira parte do Chelsea-Blackpool, em que essa máquina arrasadora de bom futebol e golos montada por Carlo Ancelotti mais uma vez deu festival e deve ter deixado José Mourinho com alguma azia retroactiva.


2- Depois, vi futebol nosso e a diferença foi esmagadora. Não apenas a diferença de qualidade — o que até se compreende, porque quem tem mais dinheiro tem melhores jogadores— mas a diferença de atitude, de respeito pelo espectáculo. O Sp. Braga, por exemplo, tentou consolo para o massacre de Londres com uma vitória, que não conseguiu, em Paços de Ferreira: campo com as dimensões mínimas (que insisto que deviam ser proibidos, se queremos evoluir alguma coisa), relva irregular, jogo sem espaços, a proporcionar choques, faltas constantes, ressaltos de bola; um espectáculo feio, que só prende pelo resultado. Não admira que, estreando-se no grande palco da Champions, e logo contra o Arsenal, o Sp. Braga, que aqui faz figura de quase grande, lá tenha feito figura de companhia de circo amadora.

3- Para quem ainda pudesse alimentar ilusões sobre a capacidade do Sp. Braga sobreviver, as primeiras imagens dos jogadores, ainda no túnel, dissipavam-nas por completo: enquanto os jogadores do Arsenal pareciam serenos e contentes por irem jogar, os do Sp. Braga só pareciam suplicar que o jogo passasse depressa. Cabisbaixos, sem falarem entre si, sem olharem as câmaras, envergonhados antes de tempo, eles entraram em campo a rezar entre dentes e a benzerem-se, como se se preparassem para um ataque de um navio pirata. Aos 2 minutos, já poderiam estar a perder, se o árbitro tivesse visto um penalty evidente, mas essa benesse só serviu para adiar o primeiro golo seis minutos mais. Depois, foi o que sabe e não adianta mais repisar: a descida à terra dos Guerreiros do Minho.

4- O grande derby de Lisboa teve um desfecho justo, num jogo sem qualidade, como é de tradição. O Benfica ganhou porque é realmente bom na velocidade e simplicidade de processos atacantes a partir de situações aparentemente mortas do jogo (as transições ofensivas, como é de bom tom dizer-se); porque Fábio Coentrão é um grande trunfo para várias funções; e porque Jorge Jesus superou facilmente qualquer plano estratégico que Paulo Sérgio pudesse ter para o jogo — e de cujo nunca me apercebi.

O Sporting perdeu por uma razão muito simples: porque não joga nada. Porque, e de há anos para cá, não tem nenhuma opção de jogoque não seja a do Liedson resolve. A defesa é totalmente inepta e amedrontada, mais parecendo um grupo de amigos que se juntou para jogar pela primeira vez; no meio-campo, só Maniche sabe vagamente o que anda a fazer; e, na frente, se não é Liedson, não é ninguém mais. Todas essas tretas do losango assim e assado servem apenas para disfarçar uma realidade que salta à vista: ali, não há qualquer ideia de jogo e não há, definitivamente, cultura de vitória. Ir à Luz para fazer o primeiro remate à baliza (onde mora um guarda-redes que não é propriamente fantástico) aos 55 minutos, diz tudo sobre as ambições e potencialidades da equipa. É verdade que, nesse minuto e nesse primeiro remate, liedson poderia ter marcado, mas, sinceramente, acho que com isso o Sporting se contentaria.

Escrevo muito pouco sobre o Sporting porque acho que o Sporting, como dizem os ingleses, is no match. Não vejo como, num futuro próximo, o Sporting há-de conseguir chegar ao título outra vez. Só se, de repente, saírem dois Cristianos Ronaldos ao mesmo tempo de Alcochete e a SAD os consiga manter em Alvalade, ao menos uns dois anos.

5- Um estudo anglo-brasileiro, datado de 2003 e revelado na edição de sábado deste jornal, confirma uma vez mais, aquilo que a percepção comum de há muito já sabia: que o Sporting é, hoje, o terceiro, e não mais o segundo clube português, sob qualquer critério analisado: número de sócios, de espectadores no seu estádio, de adeptos, ou historial de títulos, nacionais e internacionais, conquistados.
O estudo também confirma que a lenda dos seis milhões de adeptos benfiquistas é apenas isso: uma lenda. Vão longe os tempos em que se proclamava que o Benfica tinha seis milhões, o Sporting três e o milhão que sobrava era para dividir entre os adeptos portistas e os de todos os outros emblemas. Vão longe os tempos em que eu dizia que ser portista em Lisboa era como ser muçulmano na Bósnia: hoje, em todo o lado onde vou, em Lisboa e no Sul do País, encontro adeptos do FC Porto em cada esquina, mesmo nas mais imprevistas. Felizmente, e graças ao seus êxitos além- fronteiras, Pinto da Costa falhou o seu projecto inicial, que eu tanto critiquei, de reduzir o FC Porto à dimensão de um clube regional. Esse estudo (e são estudos destes, não declarações propagandísticas para consumo de ignorantes, que servem para os patrocinadores saber quanto vale cada marca de clube), diz-nos que o Sporting tem 2,1 milhões de adeptos, o FC Porto 2,6 milhões e o Benflca 4,l milhões. Repito que o estudo é feito por brasileiros e ingleses, a fonte é insuspeita (este jornal), e a data é 2003. É de presumir, como escreveu A BOLA, que, de então para cá e tendo o FC Porto juntado ao seu curriculum mais cinco títulos de campeão português, um de campeão europeu e outro de campeão mundial de clubes, a sua distância para o Sporting tenha aumentado e a distância para o Benfica se tenha reduzido. Porque os novos adeptos nascem com as novas gerações, que adoptam os vencedores, e essa regra de que filho de benfiquista, benfiquista há-de ser e filho de portista, portista tem de ser, já não é o que era (e eu que o diga, que tenho de conviver com um fanático benfiquista na minha descendência directa!). Eu, se fosse ao Joaquim Oliveira, não me deixaria intimidar, de cada vez que o Benfica ameaça com a ruptura, em nome da suposta força invencível que tem a marca Benfica e os seus seis milhões de supostos adeptos. O mundo move-se devagar. Mas move-se.

6- Acho que A BOLA deve aos seus leitores uma explicação. Explicar como é que aquele inolvidável comunicado dos órgãos sociais do SL Benfica, que se arriscou a matar de ridículo a Instituição no pretérito dia 14 do corrente, supostamente só seria aprovado na noite desse dia pelo plenário dos órgãos sociais do clube, já estava, nessa mesma manhã, publicado, ponto por ponto, na edição deste jornal. Que os ditos órgãos socais do SLB se vejam assim enganados por serem chamados a decidir uma coisa que já estava decidida de véspera, é lá com eles; mas que os leitores de A BOLA se vejam confrontados de manhã com a notícia de decisões que o SLB só irá tomar à noite, isso, realmente, requer uma explicação.

p.s.: Circunstâncias profissionais obrigam-me a apenas ver o Nacional-Porto em gravação, tarde de mais para a hora limite de entrega deste texto. Espero e confio na nona vitória consecutiva da época, mas não estou excepcionalmente optimista. Não gostei do FC Porto-Rapid, apesar do resultado, e, em minha modesta opinião, Villas Boas tarda em experimentar soluções para soluções desgastadas: o caso mais evidente, já o escrevi, é o de Fernando.

terça-feira, julho 12, 2011

NOVA ÉPOCA, VELHOS COSTUMES (14 SETEMBRO 2010)

1- Para quem escreve sobre o futebol português todas as semanas, faz muito bem ao equilíbrio mental tirar quatro semanas de folga anualmente. As minhas chegaram agora ao fim e o que posso dizer é que, se já tinha saudades de ver futebol a sério — (o futebol de clubes, e não aquela tremenda e infindável chatice do Mundial de Selecções, com jogadores a arrastarem-se de cansaço e treinadores a borrarem-se de medo) — não tinha saudades nenhumas das querelas de sempre do nosso futebol de clubes.

2- Quando fui de férias, tinha acabado de ver o Benfica-FC Porto da final da Supertaça. Vi o FC Porto esmagar o Benfica em todos os aspectos e logo percebi que, mais uma vez levado ao engano pela nossa imprensa desportiva, tinha concluído, prematura e erradamente, que o Porto estava tão à toa e que o Benfica era a invencível máquina que a sua habitual imprensa desportiva descrevia. Regresso um mês depois e o que vejo? Que o FC Porto comanda com quatro vitórias em quatro jogos e já uma respeitável distância dos três outros candidatos e que, contando com a Supertaça e os dois jogos da Liga Europa, leva sete vitórias em sete jogos oficiais e que, desde que Hulk regressou do túnel nauseabundo onde o Dr. Costa o quis arrumar, de cilada, o tal jogador que, segundo o presidente do Benfica não fazia falta porque era o que mais bolas perdia em todo o campeonato, o FC Porto soma dezanove jogos oficiais onde só conheceu um desfecho: a vitória. De cada vez que Hulk abre o livro, não são só os defesas, como os do Sp. Braga, que se arrepiam de dores abdominais: são também Vieira e Costa que se devem contorcer de dores de estômago.

3- No extremo oposto (acontece...), o Benfica vai na quinta derrota nos últimos seis jogos, caminha num pouco glorioso 13. - lugar no Campeonato, já perdeu a Supertaça e está a impensáveis 9 pontos do FC Porto, em apenas quatro jornadas. Isto é admissível? Não, não é.

Luís Filipe Vieira tem inegáveis méritos na gestão do Benfica, que não me cabe a mini avaliar, mas apenas constatar. Mas, entre as suas qualidades de liderança, não se incluem duas: uma, a de reconhecer também mérito aos adversários, quando eles o têm, o de saber perder; outra, a de reconhecer culpas próprias, quando as coisas não correm bem ao Benfica. Por isso, na entrevista à SIC, ele foi logo dizendo que a culpa do desastrado arranque de época do Benfica era dos árbitros. Mas, ciente de que muita gente lá dentro acha também que é do tal guarda-redes que compraram por 8,5 milhões depois de estar à venda por 4, ele chutou logo a bola para canto: a responsabilidade aí é toda de Jorge Jesus.

Na véspera do jogo de Guimarães, enquanto Vieira dizia que o Benfica só não estava na frente por culpa dos árbitros, Jesus reafirmava que o Benfica era a melhor equipa portuguesa — sem necessidade de demonstração. Vieira deu o exemplo do jogo contra a Académica, que eu segui no Brasil, em transmissão da Sport TV-Bandeirante e cujas palavras finais do comentador brasileiro ficaram aqui gostosamente gravadas para sempre: «2-1, a Académica saindo por cima do Benfica. E muito justamente, embora tenha jogado toda a segunda metade com um jogador a menos». Ele, tal como eu, não viu mãozinha de árbitro alguma numa justíssima derrota de um desinspirado Benfica. Aliás, não li em lado algum que o Benfica tenha jogado bem e tenha merecido ganharem cada uma das suas cinco derrotas, contra Tottenham, FC Porto, Académica, Nacional e Guimarães. Vi que, neste último e tão falado jogo, em toda a segunda parte, quando era preciso decidir o jogo, o Benfica não acertou um só remate na baliza do Vitória. E, na sua única vitória, contra o Setúbal, devo dizer que fiquei impressionado sim com o tremendo empenho dos setubalenses em conseguirem perder aquele jogo.

4- Mas ontem de manhã, regressado ao trabalho, abro este jornal e pareceu-me que estávamos na iminência de uma guerra civil. Benfica fica vai dar murro na mesa-era o título garrafal, e eu estremeci de terror. Reunião urgente dos órgãos sociais. Caramba, pensei para comigo, Vão despedir o Jesus, vão emprestar o Roberto ao Guimarães?. Não, explicava este jornal, vão tomar medidas para penalizar uma competição que não garante as regras básicas da verdade desportiva e reagir contra um ataque concertado ao clube. Ora, afinal, é mais do mesmo de sempre: a verdade desportiva nunca está garantida quando o Benfica não vai à frente — por isso é que, na época passada, ninguém se queixou dessa imaculada virgem. E o ataque concertado à Instituição, como eles dizem, é indesmentível: que outra coisa significa cinco derrotas em seis jogos?

5- 01egário Benquerença, como aqui escrevi a época passada, anda há anos a pagar a dívida que os benfiquistas lhe cobram por não ter visto a suposta bola dentro da baliza de Baía, há quatro ou cinco anos — (e que, até hoje, ninguém conseguiu provar que tivesse entrado e, menos ainda que o árbitro a pudesse ter visto dentro, de onde estava). Em Guimarães, ele e o fiscal de Unha cometeram, não quatro, mas sim dois erros e um deles discutível. O primeiro fora de jogo assinalado a Saviola, de facto, não existe, mas é apele: acontece todos os dias, aconteceu em benefício do Benfica várias vezes no ano passado. Estava muito longe da baliza mas talvez dali pudesse ter nascido um golo, não sei, ninguém sabe, mas sei que foi assim que, na época passada, foram tirados quatro golos (golos, e não hipóteses de golo) a Falcão, e foi assim que lhe foi roubado o mais que merecido título de melhor marcador da Liga. O primeiro penalty reclamado não existe — abola é afastada primeiro e, quando o jogador do Benfica é atingido, já não está lá. O segundo off-side também não existe, como se vê claramente nas imagens e foi explicado por Pedro Henriques (no, diga-se já agora, excelente programa de domingo da TVI, bem estruturado e pensado e bem executado, com comentários certos, claros e simples de Ricardo Sá Pinto, João Pinto e Pedro Henriques). O segundo penalty, admito que se reclame e se marque, mas não é incontroverso: fiquei na dúvida se Carlos Martins é abalroado ou se se põe a jeito para ser abalroado.

6- Admito que o Benfica tenha sido prejudicado em Guimarães, como tantas ou mais vezes é beneficiado-ele e os outros. O problema é o mesmo de sempre: só se reclama quando se é prejudicado; quando, por exemplo, o árbitro lhes consente um festival da sarrafada, sem expulsar ninguém, como fez João Ferreira na final da Supertaça, aí os benfiquistas ficam todos muito caladinhos e a verdade desportiva não está em causa. Também digo que, para mim, o penalty do FC Porto que dá vitória na Figueira da Foz, não é penalty. Mas acontece que eu continuo a distinguir a bola na mão da mão na bola — e, entre nós, todos os comentadores e árbitros têm por doutrina que qualquer contacto entre a bola e o braço é sempre penalty. E ainda me lembro da última época do Simão Sabrosa no Benfica e dos inúmeros livres à entrada da área e penalties que ele arrancou, especializando-se em cruzar bolas direitas aos braços dos adversários. Se bem me recordo, isso valeu, aliás, um campeonato.

7- Ninguém poderia desejar melhor arranque de carreira à frente de um grande do que o que tem tido André Villas Boas. Estou contente, mas não estou deslumbrado: acho que ele tem erros de casting que denunciam grande conservadorismo: Beto é melhor do que Helton (que sofreu dois golos defensáveis contra o Braga); Souza é infinitamente melhor jogador do que Fernando (que lá cometeu mais um dos seus inúmeros fatais livres à entrada da área, dando o primeiro golo ao Sp. Braga); João Moutinho não justifica a titularidade obrigatória, excepto pelos impensáveis 11 milhões que custou, mais o Nuno André Coelho (cuja saída obrigou a ir buscar o Otamendi por mais outros 6,5 milhões por metade do passe), e Fucile é, obviamente, muito melhor do que Sapunaru.

8- Quanto mais não fosse pelos 3 milhões assim sacados ao Benfica, fiquei verdadeiramente feliz com a qualificação do Sp. Braga para a fase final da Champions — na qual, confesso, que nunca acreditei. Para mim, 90% do mérito é de Domingos, que se está a revelar um grande treinador, assim desmentindo as pitonisas benfiquistas. Em Sevilha, fizeram um grande jogo, mas também, há que reconhecê-lo, um jogo de sorte, em que, tal como no Dragão, cada tiro era um melro. Apenas lamento que não se possa dizer que é mais uma equipe portuguesa a chegar à fase de grupos da Champions. Não é: é, sim, mais um clube português, mas com uma equipa estrangeira ao seu serviço-dos 14 utilizados em Sevilha, apenas 1 (o meteórico Sílvio) era português.

9- E a Selecção lá vai arrastando a sua penosa cruz. Entre saídas a empurrão (Queiroz), lapas agarradas à rocha (Madail e toda a sua paralisada direcção, a começar por esse dinossauro de Saltilho chamado Amândio de Carvalho) e deserções já previsíveis (Deco, Paulo Ferreira, Simão), é de louvar, apesar de tudo, a resistência dos jogadores que ainda se dispõem a dar a cara e o corpo por aquela triste equipe em piloto automático.

terça-feira, julho 05, 2011

NA HORA EXACTA (10 AGOSTO 2010)

1- Escrevi na semana passada que, pelo que me tinha sido dado ver do jogo do FC Porto contra o Bordéus e pelo que ia lendo das crónicas dos jogos de pré-época do Benfica, me parecia que os portistas não estavam preparados para se baterem contra os encarnados ao nível mais alto e que só um milagre os conseguiria fazer recuperar o atraso numa semana. Na verdade, toda a gente pensava o mesmo, mas eu até nem pensava exactamente assim: tratou-se também de uma provocaçãozinha à equipa, para ajudar a despertar o Dragão e apelar ao espírito de conquista e de brio que é uma das imagens de marca das equipas do FC Porto, venha quem vier, saia quem sair.
Mas nem eu, claro, nem ninguém, estava à espera de tamanha demonstração de superioridade dos azuis sobre os vermelhos. Já em Abril passado, no final do campeonato e com tudo já decidido, o Benfica também fora sovado no Dragão (apesar de jogar metade do jogo contra dez), em outra demonstração de raça e brio dos azuis e brancos. Razão teve o Sílvio Cervan para escrever que estava apreensivo com o jogo de sábado, porque via os portistas descrentes e os benfiquistas eufóricos, para não dizer arrogantes (que ele não diria nunca, claro). Foi, de facto, mais e muito melhor do que se poderia esperar: muito mais futebol, muito melhor qualidade. Até aos 28 minutos, assistiu-se a um massacre dos portistas e, na segunda parte, quando se antevia uma reacção do Benfica e o cansaço dos portistas, aconteceu afinal nova e prolongada demonstração de superioridade azul, com o Benfica a conseguir a sua única oportunidade de golo em todo o jogo a cinco minutos do fim. 2-0 foi pouco, demasiado pouco.

A vitória clara dos portistas significou mais do que a conquista de mais uma Supertaça — a competição em que o FC Porto é o grande açambarcador. Como todos terão percebido, ela funcionou como uma espécie de carta de alforria de André Villas Boas e, simultaneamente, um aviso sério ao excesso de confiança dos benfiquistas e de Jorge Jesus (que teve o fairplay de reconhecer o mérito da vitória do adversário). Depois de uma semana em que foi alvo de muitas dúvidas e das palavras, no mínimo deselegantes, de Mourinho, Villas Boas precisava deste triunfo quase desesperadamente. Ele foi absolutamente decisivo para estabelecer uma base de confiança indispensável entre os adeptos e os jogadores para com o treinador e deste consigo próprio. Ao mesmo tempo, mostrou que as notícias sobre o esplendor benfiquista eram, como de costume, exageradas, e que este Benfica, por melhor que seja (e é, relativamente a épocas passadas), continua ao alcance de um FC Porto a jogar à dragão. Já se tinha visto no final da época passada e voltou a ver-se agora, no início desta. O Benfica ficou a saber que tem adversário no Porto. Pode começar o campeonato e que ganhe o melhor.

2- André Villas Boas derrotou o Benfica com uma equipe em que o único elemento novo era João Moutinho. E de fora ainda ficaram Rúben Micael e os dois jogadores em situação de vai-não-vai: Raul Meireles e Fucile. Dito assim, até parece que o neófito treinador conseguiu já melhor do que Jesualdo Ferreira, mas a observação é injusta. Jesualdo jogou longo tempo sem jogadores como Rodríguez, Hulk, Rúben e, sobretudo, Silvestre Varela, a grande estrela do jogo de Aveiro.

Para mim, aliás, João Moutinho foi, juntamente com Hulk, o mais fraco elemento da equipa. Terei de ser convencido de que a sua compra não foi, de facto, um mau negócio, pois que o seu futebol nunca me convenceu por aí alem. Escreveu-se aqui em A BOLA que, no jogo de Aveiro, ele «foi incansável a jogar sem bola». Tratando-se de um médio, jogando numa zona por onde passa quase todo o jogo obrigatoriamente, aquela frase certeira, para mim, quer apenas dizer que ele foi incansável sem bola, talvez, mas inexistente com ela — e, até ver, o futebol joga-se prioritariamente com bola. É verdade que os adeptos o adoram e que ele já fala à dragão. Peço desculpa para dizer que isso é o que menos me convence: sobre a lealdade dos jogadores aos clubes que lhes pagam e às cores que representam, já todos conhecemos a verdade dos sentimentos. E o João Moutinho é um bom exemplo disso. Se ele falar menos à dragão e for menos incansável a jogar sem bola, eu começarei a ficar mais convencido. Até lá, continuo a pensar isto: que falta que nos faz agora o Nuno André Coelho!

3- Se o FC Porto jogou muito e bem, o Benfica jogou pouco, mal e feio. E este último aspecto merece algumas considerações. Para começar, o antidesportivismo: julgo que a Luz teria vindo abaixo se alguma equipa adversária tivesse lá jogado com a falta de desportivismo com que os benfiquistas jogaram em Aveiro. É difícil entender, por exemplo, como é que a dois minutos do fim e com o jogo decidido, os jogadores do Benfica não põem a bola fora, vendo o Falcão no chão, torcendo-se de dores com uma cãibra. Fizeram o mesmo duas outras vezes antes, pelo que o público da Luz fica já a saber que esta é a regra da sua equipa e não tem que se admirar ou protestar se os adversários lhe fizerem o mesmo.

Feio também foi o festival de pancadaria protagonizado pelo Benfica, perante a complacência de João Ferreira, o árbitro do túnel da Luz. O mesmo indivíduo que, na confusão do túnel da Luz conseguiu descortinar uma pseudo - agressão do Hulk a um segurança, tão grave que justificou uma suspensão de três meses, não conseguiu ver ali, à frente dele, nem a cotovelada do Cardozo no Sapunaru, nem o pontapé do Armar no Belluschi, nem o pontapé por trás do David Luiz no Sapunaru, com o jogo parado, nem a pisadela voluntária do César Peixoto num adversário caído. Mas, sobretudo, não conseguiu ver nada, absolutamente nada, que justificasse um amarelo em todo o jogo ao Carlos Martins, que passou 90 minutos a distribuir pancada por todos os adversários que se cruzavam com ele (sete entradas para amarelo, contei eu!). Se este fosse um jogo do Mundial, o Benfica teria acabado com sete jogadores em campo, aqui acabou com os onze. Mas o mais irónico é que estamos a falar de um campeão nacional que terminou quase metade dos seus jogos na época passada contra equipas em inferioridade numérica, por expulsão de jogadores. A Luz viria abaixo se o critério disciplinar de João Ferreira se aplicasse aos adversários do Benfica, à vista do seu público. Mas a procissão vai ainda antes do adro e, por isso, convém que se pergunte desde já: esta arbitragem foi apenas um erro individual que será devidamente castigado ou pretende fixar um padrão de conduta de todas as arbitragens para os jogos do Benfica? Acho que Vítor Pereira tem obrigação de esclarecer desde já as coisas. A ver se podemos esperar uma época mais tranquila e com menos casos. É que uma coisa é certa: uma arbitragem como a que João Ferreira protagonizou na final da Supertaça não é admissível. E só não está toda a imprensa aos berros com isso porque o beneficiado foi o Benfica.

4- Pouco mais de um mês passado sobre a sua prestação ao serviço do Uruguai no Mundial, e pouco menos de duas semanas depois de se apresentarem ao serviço no Porto, Fucile e Álvaro Pereira, acompanhados por Cristián Rodríguez, já partiram novamente ao serviço da selecção uruguaia— suponho que para um jogo particular. A isto chama-se explorar os clubes, e um dia a FIFA terá de olhar com atenção para o problema, sob pena de um dia os clubes falirem e acabarem as selecções, tal como as conhecemos.

segunda-feira, julho 04, 2011

A FALTA QUE BRUNO E BAÍA FAZEM (03 AGOSTO 2010)

1- Finalmente, tive um primeiro relance sobre o FC Porto 2010/11, de André Villas Boas: vi a última hora do jogo com o Bordéus, em Paris. E o que vi deixou-me naturalmente preocupado: este FC Porto, que acumulou duas derrotas nos dois jogos do Torneio de Paris, ao contrário do que diz o seu treinador, não está minimamente preparado para enfrentar o Benfica, daqui a cinco dias. E muito me espantaria que em cinco dias conseguisse recuperar o atraso para a equipa de Jorge Jesus, que arrancou esta pré-época com a mesma pedalada da anterior e com a vantagem de apenas ter perdido dois elementos: o intermitente Di Maria e o incansável Dr. Ricardo Costa, da Comissão Disciplinar da Liga. Diferentemente da equipa de Jorge Jesus, o FC Porto volta a arrancar com a necessidade de começar muita coisa de novo — agora e sobretudo, a necessidade de se habituar a novo treinador. Como aqui escrevi no final da época passada, era de prever que Pinto da Costa desse ao novo, jovem e iniciado treinador melhores e mais armas do que as que concedeu a Jesualdo Ferreira no ano passado. Porque, sendo a escolha de Villas Boas uma aposta pessoalíssima do presidente portista, o falhanço dele seria visto sobretudo como o falhanço de Pinto da Costa. E, pelo que vi do jogo com o Bordéus, isso parece ter acontecido para já. A equipa está ainda completamente perra, desarticulada e sem ideias assumidas (e não me parece que a aposta na rotação permanente de todos os jogadores ao fim de meia dúzia de jogos de preparação — ao contrário do que Jesus tem feito no Benfica — seja o caminho mais rápido para dar à equipa um fio de jogo). Mas, apesar de não funcionar para já, enquanto conjunto, há ali elementos novos que revelam valor para poderem vir a ser úteis: do pouco que vi, foi o caso de Souza, uma excelente alternativa a um Fernando que passou a época anterior descansado e sonolento, o caso de Castro também, e de Ukra e James Rodriguéz. Não há dúvida de que Villas Boas tem ali mais e melhor matéria prima para fazer melhor do que Jesualdo na época passada (em que ainda teve de enfrentar as lesões prolongadas de Rodriguéz, Varela e Ruben Micael e o castigo de prisão quase perpétua cozinhado para Hulk).

Mas há um problema grave chamado Bruno Alves e que salta à vista de qualquer um. Como se sabe e aqui escrevi a semana passada, a direcção da SAD está desesperada para vender Bruno Alves e também Raul Meireles, talvez igualmente Fucile. Por razões que me escapam, apenas apareceu para Bruno uma proposta do Zenit e ele estará receptivo a aceitá-la: será mais um português a deixar-se iludir pelos dólares russos, sem perceber que vai para um país inóspito, longe de tudo a que está habituado, a fazer deslocações de avião permanentes (só para ir jogar a Vladivostock, no Pacífico, são doze horas de avião!), e que daqui a um ano, fatalmente, estará a suspirar para que alguém o resgate ao campeonato russo. Logicamente que André Villas Boas, confrontado com as notícias diárias que dão conta da iminente venda de Bruno Alves e Raul Meireles, optou por deixar ambos de fora dos jogos de preparação, pois que não faria sentido estar a preparar uma nova equipa para começar a época com jogadores que amanhã podem já não estar ali. E o que tem sido visto e abundantemente comentado deste FC Porto sem Bruno Alves é que toda aquela defesa estremece ao menor sopro. Maicon e Sereno, com muito trabalho, talvez possam vir a ser razoáveis suplentes, mas daí não passarão; e Rolando, que vem de uma época em que regrediu, em lugar de progredir, com várias falhas decisivas, vale metade do habitual sem Bruno Alves ao lado. Ora, vendendo o seu capitão e referência, não apenas defensiva, o FC Porto não irá, por certo, encontrar substituto à altura — a menos que quisesse gastar o mesmo dinheiro que vai ganhar com a venda, o que seria absurdo. E um grande central para futuro precisará de dois, três anos para se afirmar — como sucedeu com o próprio Bruno Alves. Isto quer dizer que, pela primeira vez desde há muitos anos, o FC Porto prepara-se para enfrentar uma época sem nenhum grande central. Foram anos e anos em que esse era um sector sempre bem preenchido entre os azuis e brancos, fosse com dois ou, ao menos, com um grande jogador: Geraldão, Demol, Aloísio, Jorge Andrade, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Pepe, Bruno Alves, enfim, toda uma sequência de grandes centrais que contribuíram decisivamente para duas décadas de domínio inquestionável no futebol português.

Villas Boas poderá, assim, vir a ter mais e melhores soluções que Jesualdo Ferreira, mas com essa imensa e irresolúvel diferença negativa que é não ter um central à altura das aspirações da equipa. E seria milagre que isso não começasse já a pagar um preço no jogo com o Benfica para a Supertaça.

2- Acho que nunca ou quase nunca um tão grande jogador deu tanto a um clube e saiu tão mal tratado dele como Vítor Baía. O acto final do afastamento progressivo de Baía — primeiro, da baliza; depois, do balneário e, finalmente, do clube — viveu-se esta semana, a sós entre ele e Pinto da Costa. Poucos elementos, dos que lá passaram nos últimos vinte anos, foram tão fiéis ao presidente, como o Vítor Baía foi. Não sei, pois, o que terá passado pela cabeça (e pela memória e pela gratidão) de Pinto da Costa, para sacrificar Baía às guerras internas de poder dentro do clube e a personagens incomparavelmente menores — em termos de antiguidade, de lealdade, de dignidade e, sobretudo, de serviço prestado ao clube. Nem sequer é este o padrão de conduta habitual naquela casa: pelo contrário, o reconhecimento do valor dos serviços prestados ao clube foi sempre uma das imagens de marca da gestão de Pinto da Costa. O poder solitário é um mau conselheiro; o poder solitário envelhecido é um péssimo conselheiro.

Acredito, como escreveu Rui Moreira, que um dia Vítor Baía há-de voltar ao clube que é seu e onde foi e é estimado como raríssimos outros. Mas, na hora desta sua saída, que se espera e deseja provisória, só tenho duas palavras para ele: «Obrigado, Vítor!».

3- Já disse que Carlos Queiroz não teria sido a minha escolha para seleccionador. Já disse que achei o seu desempenho na África do Sul medroso e medíocre. Já disse que acho escandaloso, quer o prémio pela prestação, quer a indemnização devida em caso de despedimento. Mas o incidente disciplinar agora suscitado contra ele tem todo o ar de ser um pretexto, coxo e preparado, para se verem livres do homem que escolheram livremente, sem ter de lhe pagar, pelo menos, a totalidade do que contrataram com ele. E sem a coragem de lho dizer na cara.

sexta-feira, julho 01, 2011

À ESPERA DO FUTEBOL A SÉRIO (27 JULHO 2010)

1- Arrastamo-nos até 7 de Agosto, dia em que o futebol tem seu pontapé de saída oficial com o Benfica-Porto da Supertaça. Daqui até lá, é a época de todas as esperanças e ilusões, em que tudo é lícito esperar, sem temer as desilusões. Cansado da barrigada de futebol do Mundial, eu confesso que não tenho saudades de futebol e, dos jogos da pré-época, não vi mais do que quinze minutos do Benfica-Mónaco. Foram quinze minutos nos quais o Benfica virou o resultado de 1-2 para 3-2 e que bastaram para ver que os encarnados mantêm a sua impressionante capacidade de futebol ofensivo em pressão constante, que foi a sua arma decisiva no título da época passada. Dizem que sofre muitos golos, que tem um problema sério com o novo guarda-redes, mas as equipas que têm facilidade em chegar ao golo e em manter uma atitude de ataque regular, podem-se permitir abanar cá atrás, porque vão ganhar muitas mais vezes do que perder. Saber defender não é muito difícil; saber atacar, isso sim, já é mais complicado.

O Sporting, estranhamente para mim (que tenho sempre dificuldade em levar a sério as suas crónicas candidaturas a campeão) , anda por aí a acumular, ao que escrevem, bons jogos e bons resultados contra equipas de primeiro plano europeu, como o são indiscutivelmente o Manchester City e o Tottenham. E até conquistaram um torneio internacional de Verão, coisa rara nos últimos anos. Óptimo, tem mais graça uma luta a três do que a dois — ou ao menos, um começo de luta a três. E digo a três e não a quatro, porque, pelas indicações lidas e por experiência adquirida, não me parece que oSporting de Braga este ano consiga repetir o bom desempenho da época passada. Tive ocasião de lamentar aqui que, independentemente do mérito tido nessa campanha, fosse o Sp. Braga e não o FC Porto a disputar um lugar na Champions. Porque o FC Porto já todos sabemos que, em qualquer circunstância, tem capacidade para o fazer e seguir em frente, enquanto que o Braga, oxalá me engane, mas não o estou a ver a conseguir entrar no quadro final da Champions — e assim se desperdiçará a oportunidade de ter duas equipas nacionais entre as 32 principais da Europa.

Quanto ao FC Porto, pois apenas sei o que leio nos jornais, visto que a SAD portista não quis deixar transmitir nenhum dos jogos de preparação que a equipa fez até aqui. Mas, nas entrelinhas do que leio, julgo ter percebido que o grau de preparação da equipa, de habituação aos métodos do novo treinador e de entrosamento dos novos jogadores está numa fase mais atrasada do que a dos seus rivais de Lisboa. Parece também que dos oito novos reforços apenas João Moutinho conquistou de entrada um lugar no onze com mais probabilidades de vir a ser o titular. Mas o principal problema de André Villas-Boas é a indefinição do plantel com que irá ter de trabalhar. Uma coisa é preparar a equipa contando com todos, outra coisa é prepará-la na expectativa de poder ficar sem o Fucile, o Bruno Alves ou o Raul Meireles.

O arrastar desta indefinição tem reflexos de vária ordem e não deve ser estranho ao facto de nada se consumar também nas tão anunciadas transferências de Kleber e Walter— que, em circunstâncias normais, de há muito que a SAD teria resolvido, de uma maneira ou de outra. A SAD tem um problema real entre mãos: precisa de vender, não um, mas dois jogadores, pelo menos. Precisa de realizar 40 milhões de euros em vendas: 20 para repor o investimento já feito na compra daqueles oito jogadores e mais os que ainda quer comprar, e 20 para salvaguardar a cobertura financeira dos crónicos défices de gestão, sempre cobertos pela venda de alguns dos melhores jogadores. Como aqui o escrevi há dias, esta espera por ofertas de compra comporta dois riscos efectivos: que acabe por vender algum daqueles jogadores a preço de saldo, em desespero de causa; ou que, confrontada com uma proposta envolvendo algum dos jogadores cuja venda não estava prevista (Álvaro Pereira, Hulk, Falcão), acabe por ter de os vender para realizar dinheiro de alguma maneira.

Entretanto, o braço-de-ferro com o presidente do Marítimo, a propósito de Kleber, tem sido o mais inexplicável folhetim deste defeso. Ainda não consegui perceber ao certo o que anda a emperrar o negócio, mas parece-me que ele tem três perspectivas pelas quais pode ser analisado: a perspectiva de facto, a perspectiva de direito e a perspectiva moral. Sobre a perspectiva de direito, as coisas afiguram-se claras: o Marítimo recebeu o jogador de empréstimo do Cruzeiro por um período de dois anos, que podia ser interrompido contra indemnização a favor do Marítimo Sendo essa a vontade do Cruzeiro e do jogador, não há dúvida de que o Marítimo tem direito a essa indemnização. Surge então a questão de facto, verdadeiramente misteriosa: o Cruzeiro diz que já pagou essa verba e o Marítimo diz que não a recebeu. Um dos dois está a mentir e não deve ser difícil aos brasileiros provarem que pagaram, se, de facto, o fizeram. Sob a perspectiva moral, porém, aposição do Marítimo, mesmo que juridicamente coberta, é insustentável. Se um amigo me emprestar um carro por dois anos mas, ao fim de um ano, mo pedir de volta antecipadamente porque tem um comprador para ele, eu devolvo-lho, agradecendo o empréstimo. O Marítimo, porém, só devolve contra dinheiro, não se envergonhando de fazer dinheiro com a generosidade alheia. Porque o Marítimo não comprou o jogador, não o formou: limitou-se a recebê-lo de graça durante um ano. E é um bocado chocante que mantenha cativo um jogador que não é seu, contra a vontade de quem lho emprestou e, sobretudo, contra a vontade do próprio jogador, que não lhe pertence. Espero que, quando tudo isto terminar, de uma forma ou de outra, a SAD do FC Porto tenha aprendido a lição: empréstimos de jogadores ao Marítimo ou relações privilegiadas, nunca mais.

2- Alberto Contador ganhou o Tour de França, Fernando Alonso ganhou o Grande Prémio da Alemanha em Fórmula 1. A Espanha prossegue a sua incrível colheita de triunfos planetários em diversas modalidades desportivas, muito para além do que a sua capitação normal, em função da população e do PIB, lhe reservaria. Decerto que isto tem um segredo e talvez fosse bom descobri-lo e tentar imitá-lo.