segunda-feira, junho 16, 2008

OS INSULTOS DE PLATINI (10 JUNHO 2008)

1- Com aquela má educação e sobranceria que caracteriza a raça francesa, Michel Platini, presidente da UEFA, resolveu insultar o FC Porto perante uma plateia de jornalistas do mundo inteiro. Nas suas palavras, (logo entusiasticamente aplaudidas pelo presidente do Benfica, sem se dar conta de que foi todo o futebol português que foi ofendido e que, mais tarde ou mais cedo, pagará a factura…), o FC Porto é «batoteiro» e não tem lugar numa competição onde se quer «jogo limpo».

Platini que, enquanto jogador abrilhantou os quadros da equipa europeia historicamente mais ligada a jogadas de batota — a Juventus — extravasou claramente as suas funções e perdeu uma excelente ocasião de estar calado. Pois que:

- primeiro, a decisão do Comité de Disciplina da UEFA está pendente de recurso apresentado pelo FC Porto e não pode o presidente da UEFA antecipar-se ao órgão de justiça próprio, para proclamar a sua sentença pessoal aos quatro ventos;

- segundo, porque a própria decisão do órgão de disciplina da Liga portuguesa — que está na origem da decisão da UEFA — corre recurso quanto à matéria de facto: a culpabilidade do presidente do FC Porto, e, por arrasto, a do clube;

- terceiro, porque o FC Porto não foi internamente (e provisoriamente) condenado por «corrupção», como ele disse, mas sim por «tentativa de corrupção», o que faz a sua diferença;

- quarto, porque batoteira foi a UEFA, que, na sua ânsia de encontrar um bode expiatório acessível para testar a sua nova legislação, não teve pudor em fazer dela uma aplicação sancionatória retroactiva contra o FC Porto e descriminatória contra um clube português, que não tem a força política de um AC Milan ou uma Juventus — que, esses, escaparam incólumes à sanção em causa, com expressa referência do Comité de Disciplina da UEFA de que não havia, à data dos factos praticados, lei que os punisse. A lei é de 2007; os factos cometidos pelo Milan e Juventus no âmbito do «Totocalcio» são de 2006, e a suposta tentativa de corrupção do FC Porto foi cometida em 2004…

Com isto está tudo dito sobre os critérios de justiça da UEFA e, se conseguisse ver para além do ódio que lhe tolhe o raciocínio, o presidente do Benfica, em lugar de se indignar porque o presidente da Federação Portuguesa de Futebol cumpriu a sua obrigação ao tentar defender um clube português alvo de um critério descriminatório, deveria é ficar preocupado por constatar que, no futebol, também há regras para os ricos da Europa e regras para os outros.

2- Com razão ou sem ela, porém, o facto é que o presidente da UEFA — numa conferência de imprensa de abertura do Euro, onde estavam jornalistas do mundo inteiro — arrastou pela lama o nome do FC Porto. E o que fica é o facto último: os jornalistas presentes divulgaram para o mundo inteiro que o FC Porto, vencedor da Champions há quatro anos atrás, foi expulso da competição por ser «batoteiro». Foi a maior ofensa jamais feita ao clube — a todos os seus atletas, sócios, adeptos. Uma direcção que tivesse sabido desde o princípio defender o bom-nome do clube em toda esta trampa, em lugar de meter a cabeça na areia a ver se a tempestade passava por si, já teria, a esta hora, respondido à letra ao Sr. Platini e tê-lo-ia processado por ofensa grave.

Mas, como se viu na tristíssima entrevista na SIC, Pinto da Costa está à deriva e não sabe o que fazer. Desde o princípio do «Apito Dourado» que ele acumulou os erros de avaliação. Antes de mais, e como várias vezes o tenho escrito, misturou a sua vida pessoal com a vida do clube, sem tratar de ver com quem se metia e acautelar os interesses do clube que lhe cabia defender, acima de tudo; depois, continuou a confundir a sua defesa pessoal com a defesa do clube e imaginou que o grupo de amigos que o rodeia chegava para a encomenda, confiando a defesa do clube a esse vice-presidente que só tem causado danos ao FC Porto, chamado Adelino Caldeira, que tem o desplante de ainda se manter em funções; juntos, tomaram depois a «sábia» decisão de não recorrer do castigo do CD da Liga, por estritas razões de oportunismo competitivo, não alcançando que estava em causa, sobretudo, a honra do clube, que não é negociável, e não antecipando, por absoluta incompetência, as consequências jurídicas e desportivas que essa decisão poderia acarretar.

Basta ter ouvido Platini para perceber que, a menos que aconteça um milagre, a decisão definitiva já está tomada e é política, conforme seria de temer. Bem pode Pinto da Costa agitar, desesperado, os quatro pareceres dos «mestres» de direito a defender que as escutas em processo disciplinar são inconstitucionais. É claro que são, mas é notável que ele não tenha percebido que isso não interessa nem ao Menino Jesus. Que não tenha percebido desde logo que o desfecho, tanto interno como externo, do «Apito Dourado» iria ser político e, por isso, a defesa, para além dos aspectos jurídicos, deveria ter sido política desde o princípio. Com revolta, com combatividade, com contra-ataques dirigidos ao Benfica — o mentor de todo o processo — e não com silêncios, piadinhas deslocadas, e espertezas saloias.

Longe de mim a ingratidão. Sei tudo o que o FC Porto deve a Pinto da Costa e sei que é por isso mesmo que ele é, de há muito, um alvo a abater pelos que não conseguem ganhar em campo nem sabem perder fora a dele. Mas, no momento mais importante da vida do clube, Pinto da Costa falhou em toda a linha e expôs o FC Porto a danos desportivos, financeiros e de prestígio devastadores. Deve tirar daí as consequências que se impõem: a vida não é a feijões e o cargo de presidente do FC Porto não é uma prateleira dourada de irresponsabilidade. Primeiro, deve demitir os incompetentes e “yesmen” que o rodeiam e procurar quem possa servir o clube sem ter de lhe prestar vassalagem pessoal; e, a seguir, deve pensar seriamente, se a sua própria continuidade à frente do clube e da SAD se tornou, a partir de agora, boa para ambas as partes ou apenas para si mesmo.

3- Dito isto, também quero acrescentar o seguinte: enquanto eu tiver memória, a atitude do Benfica não será esquecida nem perdoada. A sua participação em todo este processo, a sua meticulosa maquinação (de que ainda só conhecemos alguns detalhes), representam uma das mais eloquentes manifestações de mesquinhez, antidesportivismo, inveja e mediocridade que o futebol português jamais viu. Só mesmo por anedota é que alguém se disporá a acreditar que eles são uns anjinhos, que só estão interessados na «verdade» e na «moralização». Olha quem!

Cinco minutos depois de a rádio ter divulgado a decisão da UEFA, eu já tinha três mensagens exuberantes de benfiquistas no meu telemóvel. Nem lhes respondi: limitei-me a constatar como o seu gáudio os denunciava. Agora, oiço e leio por aí alguns benfiquistas, armados em cavalheiros, que defendem que o Benfica nem sequer deveria aproveitar a oferta da UEFA e deveria renunciar à pré-eliminatória da Champions. Pois, pois, grandes princípios, fraca convicção: se o pensam, porque não o fazem? Organizem um abaixo-assinado a propô-lo à direcção do clube…

PS- Só me restam umas linhas para dizer que também eu gostei francamente da estreia de Portugal no Euro. Não foi uma vitória histórica nem uma exibição sublime, como cheguei a ver escrito, mas foi, indiscutivelmente, uma exibição de equipa, que abre muitas esperanças para o que se vai seguir.

A CONSPIRAÇÃO CONTRA O CAMPEÃO (II) (04 JUNHO 2008)

6- A mais extraordinária acusação a Pinto da Costa constante do «livro» de Carolina Salgado era a de que ele lhe teria comanditado a execução do dr. Ricardo Bexiga, vereador da oposição na Câmara de Gondomar, a qual ela teria tentado levar a cabo em colaboração com alguns marginais das suas relações. Extraordinária, porque primeiro era preciso acreditar que Pinto da Costa seria capaz de encomendar a morte de alguém; depois, que se preocupasse em fazê-lo por solidariedade política ou pessoal para com Valentim Loureiro, a quem Ricardo Bexiga fazia frente em Gondomar — e logo na altura em que os dois dirigentes desportivos estavam de relações frias; e, enfim, porque quem lhe escreveu o texto não reparou que, com essa «revelação», ela se incriminava a si própria numa tentativa de homicídio. O Ministério Público resolveu não acreditar na história e arquivou sumariamente o assunto, até porque as contradições em que ela caíra (como a de contar que destruíra previamente as câmaras de vigilância do parque de estacionamento onde a agressão teve lugar e que, afinal, nunca existiram), revelaram que a senhora estava, pura e simplesmente, a inventar. O problema é a dualidade de critério: quando se incrimina a si própria, a testemunha Carolina Salgado não merece credibilidade alguma ao MP; quando incrimina Pinto da Costa, já merece toda.

7- O outro «testemunho» relevante de Carolina Salgado, e que, por si só, justificou a reabertura dos processos criminais arquivados e a punição da CD da Liga, foi a de que durante a cena do «cafezinho», Pinto da Costa teria passado um envelope com 500 contos ao árbitro Augusto Duarte — e este teria aceite. Aqui, é preciso acreditar em duas coisas: que o presidente do FC Porto acharia necessário comprar um árbitro para um jogo que já nada interessava (dirão que foi por serviços passados, mas acontece que, nessa época, Augusto Duarte não apitara ainda nenhum jogo do FC Porto: azar, outra vez…); depois, é preciso acreditar que Pinto da Costa, apesar da irresponsabilidade com que misturou a sua vida pessoal com a vida do clube, seria suficientemente estúpido para corromper árbitros diante da namorada conhecida no «Calor da Noite». Mas a dr.ª Maria José Morgado acreditou e o dr. Ricardo Costa também. Resta uma perplexidade jurídica: já vimos que faltava o nexo de causalidade para dar como provada a corrupção; mas resolver o problema através da esperteza da «tentativa de corrupção» é que não se percebe: se ele deu 500 contos ao árbitro e este os aceitou, porquê apenas a tentativa?

8- Agora, perguntar-me-ão: e as «meninas» para a equipa de Jacinto Paixão — não acredito também que Pinto da Costa tenha dado ordem para aceder ao pedido? Acredito, sim senhor: acredito nisso, não acredito na explicação que ele deu para a etimologia da palavra «fruta». Então se acredito, não acho que seja um caso de corrupção? Não, não acho. Primeiro, porque não havia necessidade alguma; segundo, porque era prática instalada e corrente.

Se para alguma coisa tem servido o julgamento de Gondomar é para demonstrar que, mesmo ao nível de uma terceira divisão, está instalada a tradição de o clube da casa presentear os árbitros com «lembranças». E as «lembranças», que começam por ser peças simples de ouro e refeições de borla nos restaurantes locais, vão subindo de importância à medida que sobe a importância e riqueza dos clubes anfitriões. Nos processos disciplinares instaurados a árbitros pela FPF e decorrentes das investigações do Apito Dourado, os acusados, segundo relatava o JN de 19.03.08, têm-se defendido com o que o ex-árbitro Jorge Coroado (um dos «peritos» usados pela justiça) revela a propósito no seu livro O último cartão: está lá tudo contado, incluindo os presentes que lhe davam e as «meninas» que lhe ofereceram num jogo internacional. E os jornalistas desportivos de Lisboa sabem muito bem quais são os cabarets da cidade onde era possível encontrar árbitros em companhia de «assessores» dos clubes da capital (normalmente, ex-árbitros), e o que lá estavam eles a fazer. Deixem-se, pois, de hipocrisias: se aquilo foi uma tentativa de corrupção, só não são todos arguidos porque o Apito Dourado resolveu escolher apenas dois alvos para investigação.

9- Acontece que, à excepção de uma breve aparição no julgamento de Gondomar — onde foi facilmente trucidada pelos advogados dos réus — Carolina Salgado nunca foi contraditada com a defesa do FC Porto. Protegida e, supõe-se, exaustivamente «trabalhada» pelo MP, nunca teve de se confrontar com perguntas incómodas num tribunal. E, embora as suas declarações ao MP tenham sido consideradas decisivas, nem sequer foi ouvida, menos ainda contraditada, pela CD da Liga, antes de condenar o FC Porto.

Apesar de, em minha opinião, o FC Porto ter sido sempre mal defendido em todo este processo — jurídica e mediaticamente — não é preciso ser adivinho para prever que uma investigação criminal que basicamente repousa só no testemunho de Carolina Salgado, está condenada ao absoluto fracasso no dia que chegar a julgamento. O Benfica não anda a dormir e também o percebeu. Daí que, ao longo de toda esta época, a sua estratégia se tenha desviado das imensas expectativas alimentadas com a nomeação do «dream team» da dr.ª Maria José Morgado para as expectativas da justiça desportiva. Passou a exigir que o CD da Liga se antecipasse aos tribunais e se encarregasse do julgamento, condenação e pena.

10- E o CD fez-lhe a vontade. Aliás, segundo o seu presidente, já em Janeiro eles estavam prontos a decidir o que decidiram em Maio — antes mesmo de deduzirem acusação e estudarem a defesa. Só que havia prazos a cumprir e os prazos baralharam tudo: quando o CD decidiu tirar seis pontos ao FC Porto, já o Benfica estava a vinte de distância e de nada lhe servia a «justiça».

11- Criou-se então a expectativa — devidamente alimentada pelos jornalistas engajados — de que o FC Porto não resistisse à tentação de recorrer da condenação do CD. Isso, mais a conjugação dos prazos do recurso, permitiria que eventual confirmação da pena remetesse o seu cumprimento para a época que vem e, assim, o FC Porto iniciaria a época com menos seis pontos que o «Glorioso». Sempre era alguma coisa…

Creio que eu e Rui Moreira fomos os únicos portistas a defender que, mesmo assim, o FC Porto deveria ter recorrido. Porque, mesmo quando o combate é desigual e o jogo está viciado, há alturas em que se deve ir a jogo, justamente para mostrar a diferença de carácter. Assim não o entendeu a direcção do FC Porto e logo lhe saltaram em cima os benfiquistas do jornalismo a concluir hipocritamente que, se o clube não tinha recorrido, era porque reconhecia a culpa. Olha que chicos-espertos!

12- Todavia, o Benfica mostrou que tinha a jogada muito bem arquitectada e pronta a ser executada. Assim que se soube que o FC Porto não recorrera, o Benfica passou ao plano B: queixinhas à FPF, para que as reencaminhasse à UEFA, a fim de excluir os portistas da Liga dos Campeões, em benefício do «glorioso» 4.º lugar dos encarnados. E também a FPF lhe fez a vontade: a forma como notifica a UEFA de que «ficou provado que o FC Porto cometeu infracção disciplinar muito grave — corrupção da equipa de arbitragem» (só muito mais à frente esclarecendo que foi «sob forma tentada» e nunca esclarecendo que, sobre os mesmo factos, existe um recurso pendente) — é absolutamente esclarecedora do fim pretendido.

13- Mas a verdade é que, aparentemente, este cenário não foi previsto pela, mais uma vez passiva, defesa do FC Porto. Juridicamente, uma hipotética decisão da UEFA, hoje, que venha de encontro à escabrosa pretensão benfiquista seria uma aberração e um abuso. Qualquer ignorante de Direito sabe que não há retroactividade da lei penal e que a tentativa de chamar a isto, não uma sanção, mas uma condição de inscrição ou coisa que o valha, não passa de um exercício de desonestidade intelectual.

Se a lei da UEFA de 2007 se pudesse aplicar a factos passados, o Milan não teria podido disputar a edição deste ano da Liga dos Campeões e a Juventus não poderia disputar a do ano que vem. O problema está em que todos sabem que as decisões da UEFA são jurídicas nuns casos e politicas noutros — e foi nisso que o Benfica apostou. O FC Porto reúne as condições ideais para uma decisão politica e servida como «exemplo»: é um grande clube em termos desportivos, um histórico da Liga dos Campeões, vencedor da prova há apenas quatro anos — mas é também representante de um país pequeno e de direitos comerciais de menor importância face aos tubarões da Europa. O alvo ideal.

14- Seja qual for a decisão da UEFA, o Apito Dourado está condenado à morte. Fez-se tudo o que se pôde, com um objectivo predeterminado e um alvo prefixado. E o resultado envergonha os seus promotores. Quando toda a poeira assentar, ficará para a história apenas como mais um momento em que a inveja dos medíocres ditou a sua lei. É, em grande parte, a história de Portugal.

A CONSPIRAÇÃO CONTRA O CAMPEÃO(I) (03 JUNHO 2008)

1- Com a entrada do século XXI, a direcção do Benfica tomou a decisão estratégica de lançar mão de todos os meios para impedir que a hegemonia do FC Porto, que se tinha afirmado com clareza nas duas décadas anteriores, se continuasse a prolongar. Por razões várias, mas essencialmente por falta de capacidade de gestão desportiva e falta de paciência para aguardar os resultados de uma mudança paulatina de atitude, o Benfica percebeu que tão cedo não conseguiria derrotar em campo o FC Porto e havia então que tentá-lo por outros meios.

A primeira medida estratégica foi a tomada de poder na Liga de Clubes, que Luis Filipe Vieira afirmou ser mais importante do que a formação de uma boa equipa de futebol. Para tal, Viera aliou-se a Valentim Loureiro, o verdadeiro dono do tão criticado «sistema» e então de más relações com Pinto da Costa. Juntos passaram a dominar a Direcção da Liga, a Comissão Disciplinar e a Comissão de Arbitragem. Muito embora o FC Porto tenha logo começado a sentir as consequências dessa aliança (foi a época em que só os jogadores do FC Porto é que tinham cotovelos e só a eles se aplicavam os célebres «sumaríssimos»), a verdade é que ela, por si só, não chegou para fazer ajoelhar os portistas. De positivo, para o Benfica, ficou a conquista do campeonato de 2004/05 - aquele que, nos últimos trinta anos, mais se deveu a favores de arbitragem.

A seguir veio a associação do Benfica com o poder político. Primeiro, descobrindo-se que o clube vivia à margem do cumprimento das obrigações fiscais que outros cumpriam e beneciando da complacência da comissão governamental encarregada de fiscalizar as contas dos clubes e que se «esqueceu» de fiscalizar o Benfica. A seguir veio a tremenda ajuda financeira dada pelo então presidente da Câmara de Lisboa, Santana Lopes, para a construção do novo Estádio da Luz. Enquanto a comunicação social se distraía a noticiar ninharias denunciadas por Rui Rio no Dragão, milhões e milhões eram dados ao Benfica de mão beijada, sem escândalo algum. E, para que não restassem dúvidas da dívida de gratidão contraída, viu-se a Direcção do Benfica, levada por Santana Lopes, a comparecer a um jantar de propaganda eleitoral do PSD durante a campanha legislativa de 2004, na mais descarada manifestação da tão falada promiscuidade entre o futebol e a politica alguma vez vista.

Mesmo assim, não chegou. Havia que fazer mais e foi então que surgiu o «Apito Dourado».

2- Diz o povo que o que nasce torto nunca se endireita e o «Apito Dourado» nasceu torto desde o princípio. Ao escolher colocar sob escuta apenas os telefones de Valentim Loureiro e Pinto da Costa, os investigadores mostraram desde logo ao que vinham e o que visavam com o seu método de «pesca de arrasto». Cabe perguntar, de facto, quem determinou e com que razões que uma investigação ao futebol português apenas se deveria concentar no FC Porto e no Boavista?

O mais eloquente telefonema de todas as escutas talvez seja aquele em que o presidente do Benfica tem o azar de ser gravado quando telefona para Valentim Loureiro. Aí se torna evidente o grau de cumplicidade entre ambos e a forma tranquila como discutem que árbitro convém ao Benfica para um jogo com o Belenenses. Mas esse processo foi devidamente arquivado, por se entender que não tinha interesse- mesmo em relação à enigmática frase de Luís Filipe Vieira para o major: «Como sabe, tenho outras maneiras de resolver o assunto.»

3- As escutas a Valentim concluíram que ele pressionava os árbitros dos jogos com o Gondomar- peixe mais do que míúdo- e que tentou pressionar árbitros em três jogos do Boavista, nos quais, para azar dos investigadores, o Boavista perdeu dois e empatou um.

Pior sorte tiveram ainda as escutas a Pinto da Costa. Dois anos de telefonemas interceptados concluíram que a equipa de arbitragem de um FC Porto-Estrela da Amadora, chefiada por Jacinto Paixão, pediu umas «meninas» a um intermediário que fez chegar o pedido ao presidente do FC Porto e terá obtido a anuência deste. E que o árbitro Augusto Duarte, na véspera de apitar um Beira-Mar-FC Porto, apareceu, na companhia de um empresário ligado aos portistas, em casa de Pinto da Costa, para tomar um «cafézinho». Mas, azar dos investigadores: os factos reportam-se à época de 2003/04, aquela em que o FC Porto treinado por Mourinho passeou uma tão ampla superioridade, que foi campeão nacional com doze pontos de avanço e campeão europeu; ambos os jogos foram já na parte final do campeonato e nenhum deles influia na classificação de qualquer das equipas envolvidas; e, finalmente, os «experts» consultados não conseguiram ver qualquer influência da arbitragem nos dois jogos, um ganho, outro empatado pelo FC Porto. Faltava assim um elemento jurídico essencial no direito punitivo e que tanto irritou alguns comentadores justiçeiros: o tal nexo de causalidade. Para haver corrupção tem de haver um resultado obtido com essa corrupção. Não havendo resultado, o que fazer? A Comissão Disciplinar da Liga, no seu recente e tão auto-elogiado acórdão, resolveria a questão pelo mal menor: tentativa de corrupção. Uma original tentativa de corrupção, em que é o corrompido que toma a iniciativa de abordar o corruptor…

4- Estava, pois, o apito encravado, para grande desespero da nação, quando entra em cena Carolina Salgado. Três anos antes, ela tinha estado na Luz, entre os Super-Dragões, com um cartaz mal-criado e provocatório que dizia «Ó Orelhas, estou aqui!». Fora de si, Luís Filipe Vieira protagonizaria no final uma insólita conferência de imprensa sobre a vida privada de Pinto da Costa, acusando-o de viver com uma usurpadora no lugar da mulher «legítima». Mas a vida é, sem dúvida, um espectáculo imprevisto e por vezes irónico: a «legítima»de Pinto da Costa, que Vieira protegia, passou a divorciada e voltou a ser «legítima», e a «usurpadora» passou da benção papal a proscrita e desaguou… nos braços do homem a quem chamara«Orelhas».

O presidente do Benfica chegou a participar em reuniões em hotéis com Carolina Salgado e os investigadores da PJ. Arranjaram-lhe quem lhe escrevesse um livro, quem do livro fizesse filme, e asseguraram-lhe meios de rendimento para que ela contasse «tudo o que sabia» ou que dizia saber. Mais tarde, com Maria José Morgado, passou a ser tratada como o tesouro mais precioso, acompanhada, dia e noite, por seguranças a soldo dos contribuintes, para assim se dar também a ideia de que é uma testemunha incómoda e ameaçada. E, graças a ela, o Apito Dourado ganhou um novo fôlego que já parecia perdido. Os processos arquivados por falta de provas ou de consistência foram reabertos, gastaram-se mais uns milhares ou milhões de euros em investigação e animaram-se as hostes justiçeiras.

5- Mas, de novo, verdadeiramente novo, não se apurou mais nada. Era exactamente o mesmo, os mesmo jogos, as mesmas meninas, o mesmo cafézinho. Apenas Carolina Salgado acrescentou dois dados novos: que Pinto da Costa terá recorrido aos seus serviços (!?) para tentar matar (!?) Ricardo Bexiga, vereador da oposição na Cãmara de Gondomar, e que, durante a tal cena do cafézinho, terá passado um envelope com 500 contos em moeda antiga ao árbitro Augusto Duarte. Tudo está pois, dependente, da credibilidade da testemunha Carolina Salgado. A qual, salvo melhor opinião, vale zero: pelo seu curriculum, pelas suas evidentes motivações e pelas suas contradições.

NÃO HOUVE CRÓNICA (27 MAIO 2008)

Não houve crónica.

NÃO HOUVE CRÓNICA (20 MAIO 2008)

Não houve crónica.

CONTAS FINAIS: OS PARTAGONISTAS (13 MAIO 2008)

Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Comecemos pelo fim a ronda pelos principais protagonistas desta Liga.

Rui Costa

Só não saiu em grande, como merecia, porque saiu a carregar aos ombros a tristeza do futebol do seu Benfica. Mas todos, correlegionários e adversários, só podem prestar-lhe uma homenagem muito sincera pelo grande jogador que foi e pelo grande senhor que sempre soube ser no futebol. Numa época em que há tanto mercenarismo e tão pouco amor à camisola, em que qualquer miúdo acabado de chegar e recém-tatuado, que faz dois bons jogos, desata logo a suspirar por um «grande da Europa», o exemplo de dedicação de Rui Costa ao seu clube do coração cala fundo em todos, mesmo nos que não são benfiquistas. Que diferença para o suposto amor de Figo ao Sporting! Ao Rui Costa nunca lhe ocorreu acabar num Al Qualquer Coisa, a jogar petro-futebol. Preferiu acabar de bem consigo, mais rico por dentro e menos rico no banco. Chapeau!

Jesualdo Ferreira

Foi o grande vencedor do campeonato. Depois de uma dúzia de contratações quase todas falhadas (e cuja responsabilidade permanece incerta), meteu mãos à obra com o mesmíssimo onze do ano passado, mas desfalcado de Pepe e Anderson. Tratou da condição fisica da equipa, devolveu-os ao espírito de vitória e conquista que se tornou imagem de marca dos dragões, fez de Bruno Alves um inimaginável central de luxo, reinventou Lucho González e inventou Lisandro como ponta-de-lança devastador. E os resultados foram incomparavelmente melhores. Ganhou, nesta Liga, tudo o que havia para ganhar: o equivalente em pontos a sete vitórias de avanço sobre o segundo classificado, melhor registo em casa e fora, melhor resultado em casa e fora, maior número de vitórias, maior número de golos marcados e menor número de sofridos, melhor marcador, melhor jogador, Copa Bes, equipa mais disciplinada. Com absoluta limpeza e autoridade dentro do campo e com elegância e desportivismo como ninguém mais.

Manuel Cajuda

Não faço parte do clube dos seus fãs, mas factos são factos: trouxe o Guimarães da segunda divisão e entregou-o no terceiro lugar da Liga. Melhor era impossível.

Carlos Carvalhal

Tacticamente, julgo que foi, a par de Jesualdo, o melhor treinador deste campeonato. Com o orçamento mais baixo da Liga e o plantel menos numeroso, pegou num clube à deriva e condenado a descer e deixou-o no 5º lugar, a somar à vitória na Taça da Liga e às meias-finais da Taça de Portugal. E isto, mesmo depois de lhe terem levado dois dos únicos três avançados que tinha, a meio do campeonato.

Lucho González, Lisandro López e Ricardo Quaresma

Para mim, constituíram o trio dos melhores jogadores deste campeonato. Como sou portista, dá para desconfiar, mas 20 pontos de avanço (vinte, sim, conquistados em campo e não nos caberets!) justificam a escolha. Lucho (que diferença para a época anterior!) foi puro perfume destilado em doses industriais nos relvados: com ele o futebol flui, em perpétuo movimento ascendente e cadenciado, feito de linhas de passe tão lógicas quanto inimagináveis. Lisandro foi o seu perfeito escudeiro e matador, aparecendo onde o pensamento de Lucho estava e sempre com uma fome de bola que só merece uma qualificação: que grande profissional! Enfim, o por vezes mal-amado Quaresma, digam o que disserem, contem mais ou menos golos e assistências, é o único que eu vejo hoje, a par de Cristiano Ronaldo, capaz de inventar com uma bola nos pés coisas que desafiam todas as leis da física e da geometria. Pode, até, muitas vezes, não servir para nada: mas eu pago bilhete para ver. Sempre.

Luís Filipe Viera

Foi o grande derrotado do campeonato. Anunciou a melhor equipa dos últimos dez anos (18 contratações!), e acabou em 4.º lugar, atrás de um clube vindo da segunda divisão. Escolheu e despediu treinadores, culpou os árbitros, o «sistema», o governo e Pinto da Costa por todos os erros próprios, declarou solenemente que os «resultados estão viciados» e apresentou supostas «provas», que, como de costume, nenhum jornalista teve coragem de lhe perguntar em que consistiam. Acabou desacreditado por todos, incluindo os próprios adeptos. Rui Costa pode ser a sua única aposta certa — se tiver a humildade suficiente para abandonar a frente do palco.

Valentim Loureiro

O outrora sócio e camarada de armas de Luís Filipe Vieira na direcção da Liga, o verdadeiro rosto do «sistema» viveu um ano de amargura. Julgado por causa dos seus empenhos telefónicos a favor… do Gondomar (coisas de um regente autárquico à moda caciqueira antiga), vê agora o seu Boavista arrastado pela lama: público ausente do estádio, equipa de recurso, ordenados em atraso, sentença preliminar de descida de divisão por «coacção sobre os árbitros», jogadores em debandada, direcção em fuga. Talvez mesmo, o fim de tudo. Ele, que até cumpriu a sua parte do acordo com Vieira, que ajudou a que o Benfica fosse campeão em 2004 sem jogar nada, ele que — como o revelou aquela escuta interceptada com o presidente do Benfica em que tanto se esforçava para arranjar um árbitro à medida dos desejos do parceiro (mandada arquivar pelo Ministério Público por não ter importância), ele, afinal, deve estar a pensar a esta hora de que serviu a parceria. Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Sporting

Acaba no segundo lugar, garante a Champions sem pré-eliminatória e até está na final do Jamor. Nada mau para quem tão pouco jogou. O paradigma da época do Sporting pode ser dado pelo jogo de Alvalade contra o FC Porto: foi massacrado desde o primeiro até ao último minuto, mas marcou um golo no primeiro remate à baliza graças a uma oferta imensa do Helton e um segundo, logo a seguir, em off-side. E ganhou o jogo sem saber como. O facto de, mais uma vez, ter sido, e de longe, a equipa que mais penalties teve assinalados a seu favor, é também apenas um dos lados de um fenómeno que aqui venho reportando paulatinamente: no meio desta tempestade dos Apitos Dourados e Finais, das eternas guerras contra o «sistema» e as arbitragens, o Sporting é o cavalheiro que passa entre os pingos da chuva sem se molhar. Mas, ano após ano, são eles os mais beneficiados pelas arbitragens. Não é o Porto nem o Benfica: é o Sporting. Isso não lhe tira nenhum dos seus méritos próprios, incluindo o de se bater contra os outros dois com armas desiguais. Mas é assim.

Ricardo Costa

Quase a terminar a contenda, o presidente da Comissão Disciplinar da Liga cumpriu a sua promessa de dar o veredicto sobre o «Apito Final». Sobre esse e o outro apito, pronunciar-me-ei em breve, com a atenção que toda essa fantochada justifica. Por ora, limito-me a registar a declaração do Dr. Ricardo Costa de que, já em Dezembro, o CD da Liga estava em condições de dar a sua sentença, faltando apenas elaborar a «fundamentação jurídica». Acontece, porém, que a nota de culpa foi enviada aos arguidos em Abril; eles contestaram, e a sentença saiu em 8 de Maio. Quer isto dizer que, confessado pelo próprio acusador e juiz, a sentença já estava estabelecida antes mesmo de haver acusação e defesa. Que tudo o que os arguidos apresentassem como contra-prova- documentos, testemunhos, etc — de nada serviria. Eu deixei de ser advogado no dia em que cheguei a um julgamento e o juiz, furioso por não haver acordo entre as partes e ambos os advogados insistirem que queriam fazer o julgamento, ter dito: «Querem o julgamento? Vamos a isso, mas olhem que a sentença já está dada!». Lembrei-me disso agora.

COM MEDO DA CHAMPIONS (06 MAIO 2008)

Na Amadora, o Benfica terá sepultado, com toda a naturalidade e conformismo, o que lhe restava de hipóteses de um acesso directo à Champions. Vale-lhe que é tudo menos certo que o Vitória consiga estar à altura da responsabilidade de ter de vencer o último jogo.

1- Sporting, Vitória de Guimarães e Benfica vêm mantendo, de há longas jornadas para cá, uma luta ao sprint pelos dois lugares que podem dar acesso à Champions (um directo, o outro através da pré-eliminatória), e que só na derradeira jornada ficará resolvida. Entre os três têm sido múltiplas as ocasiões em que, de cada vez que um deles aparece em condições de dar um passo decisivo em frente e destacar-se dos outros dois, tropeça e por ali fica. O Sporting, que terá sido quem mais oportunidades dessas desperdiçou, veio a beneficiar, na arrancada final, da inestimável colaboração do FC Porto, vencedor em duas jornadas sucessivas de Benfica e Vitória. E, anteontem, na Mata Real, o Sporting viu-se, finalmente e pela primeira vez, em situação de depender apenas de si próprio para chegar ao segundo lugar e aos cerca de cinco milhões de euros garantidos pela participação na fase de grupos da Champions. O jogo era difícil, pois que o Paços de Ferreira lutava também pela manutenção e é equipa habituada a salvar-se in extremis. Sem Liedson, o Sporting conseguiu chegar ao golo sem nada ter então feito para tal e lá aguentou a preciosa vantagem até final. Venceu sem convencer e sem mostrar a dose necessária de ambição para quem quer figurar entre os 32 grandes da Europa, para o ano que vem. Mas, enfim, a verdade é que agora basta-lhe apenas empatar em casa com o Boavista e tem garantida a Champions. Isso, mais a vitória na Supertaça e a presença na final da Taça de Portugal, que poderá juntar como mais um título, farão desta uma época razoável. É claro que bom, como diz Paulo Bento, seria ter sido campeão, mas isso esta equipa do Sporting nunca demonstrou capacidade face à do FC Porto e, aliás, até é normal que assim seja olhando a desproporção dos respectivos orçamentos para o futebol.

O Vitória de Guimarães confirmou no Restelo que atingiu o seu patamar de Peter e que, se o campeonato durasse mais umas quatro jornadas, era provável que começasse a desabar na classificação. A equipa atingiu a notável posição que ocupa espremida até aos limites e graças a uma série de vitórias quase sempre tangenciais — e a prova disso é que apresenta um goal average totalmente incomum para um terceiro classificado: tantos golos sofridos como marcados. No Restelo, como já se vira na jornada anterior contra o FC Porto, o Vitória mostrou que não tem capacidade que justifique maior ambição do que o terceiro lugar — o que, aliás, continua a ser notável para quem veio da segunda divisão. Contra o Belenenses foi nítido que a equipa, os jogadores e o treinador se davam por satisfeitos com o empate, independentemente do que estivesse a suceder nos outros jogos dos seus rivais nesta luta. Mas, partindo do princípio que o Benfica vencerá o Vitória de Setúbal na Luz, está obrigado também a vencer o Estrela em Guimarães, para fechar as contas com o apuramento para a pré-eliminatória da Champions — onde é de prever que a sua falta de experiência, mais do que a sorte no sorteio, venha a ser decisiva e fatal.

Já o Benfica era, à partida para esta jornada, o que tinha tarefa mais fácil, pois que lhe cabia uma curtíssima deslocação no IC 19 a um campo onde os seus adeptos estariam em maioria e face a um Estrela que garantira na jornada anterior poder disputar este jogo sem necessidade de pontos. Ora, tirando as habituais e particularíssimas análises de Chalana (que vê sempre grandes exibições do Benfica e um sem-número de oportunidades de golo onde todos os outros só vêem banalidades), os encarnados mostraram mais uma vez uma falta de talento e de ambição que explicam bem o porquê de, dos três, serem os que se encontram em pior situação à entrada para a última jornada, arriscando-se a terminar a prova num impensável quarto lugar.

Na Amadora, o Benfica terá sepultado, com toda a naturalidade e conformismo, o que lhe restava de hipóteses de um acesso directo à Champions. Vale-lhe que é tudo menos certo que o Vitória consiga estar à altura da responsabilidade de ter de vencer o último jogo e que a experiência dos últimos anos conta que, terminando em terceiro lugar, o Benfica é sempre feliz no sorteio da pré-eliminatória da Champions. E, se há coisa que por ali abunda, é fé.

2- O campeão teve um apagão de todo inesperado e lá se foi o que teria sido um imbatível recorde: terminar a época com um golo apenas sofrido nos quinze jogos disputados em casa. Afinal, no último jogo sofreram o triplo dos golos sofridos em todos os outros catorze. E, não só sofreram três, como não conseguiram marcar nenhum, numa partida em que todos, absolutamente todos, estiveram como que narcotizados e ausentes do jogo. Foi um frustrante fim de festa para um título que tanto merecia ser festejado em grande. Mesmo assim, acho que os portistas devem ter estabelecido um outro recorde: o da equipa com menos faltas cometidas num jogo — seis!

3- Mesmo que as razões que os levam a reclamar estejam à vista de todos, o União de Leiria e o Paços de Ferreira não deixam de ter toda a razão quando reclamam contra a concorrência desleal dos clubes que têm ordenados de jogadores, impostos e contribuições à Segurança Social em atraso e continuam na primeira Liga, como se nada fosse e ao arrepio dos regulamentos. A coragem de Hermínio Loureiro é aqui que tem de se ver e não no gesto de seguir as instruções que lhe mandam de fora sobre o Apito Dourado. O presidente do Estrela da Amadora, por exemplo, que tanto se insurge contra a posição dos reclamantes, esteve semanas sem aparecer aos jogadores, a quem devia não um mas três meses de salários. E onde é que ele reapareceu, depois de desaparecido em parte incerta? No camarote do Dragão, ao lado de Pinto da Costa e quando sabia que iria ser filmado pelas câmaras de televisão. É essa a razão principal porque muita gente quer ser presidente de um clube. Mas ao menos que paguem: não há promoções grátis.

4- Por falar em camarote do Dragão, constato que, cada vez mais, a recente re-esposa do presidente do FC Porto vem assumindo o papel de primeira dama do clube — até já é escolhida para madrinha de sedes do FC Porto. Não é primeira vez que falo deste desagradável tema: no passado falei dele quando a primeira dama era então Carolina Salgado. Parece que não me enganei e isso dá-me legitimidade para insistir. Há aqui uma questão do foro pessoal e uma questão que tem que ver com o clube. Sobre a primeira não me pronuncio: cada um conduz a sua vida privada como entende, expõe-na ou não a expõe. Tenho, obviamente, a minha opinião sobre isso, mas guardo-a para mim e não tenho que a dar a propósito da vida alheia. Mas, acontece que não existe no FC Porto, estatutariamente, a figura de primeira dama, seja formal, seja informalmente. Não existe e não deve existir, sobretudo quando a experiência recente nos mostra que, se as coisas dão para o torto, quem paga é a imagem e o nome do clube e quem sofre em silêncio são os seus sócios e adeptos. O mínimo que Pinto da Costa deve aos sócios do clube é mostrar que aprendeu com a lição passada. E que, esteja inocente ou não, quando alguém que ele fez primeira dama do clube o senta no banco dos réus, acusado de todas as patifarias do mundo ou quase, não é apenas ele que lá está sentado: é o FC Porto e todos os portistas.

PS: Induzido em erro e de boa-fé por uma falsa notícia da TVI, e que levaram cinco dias a desmentir, escrevi aqui na semana passada que Jorge Mendes era sócio de Pinto da Costa na imobiliária deste em Cedofeita. Tal é falso e eu lamento ter, involuntariamente, veiculado essa falsa notícia. Peço desculpa por isso a Jorge Mendes, com quem, aliás, ainda fui injusto, escrevendo que é ele quem coloca quase todos os jogadores no FC Porto. Também não é assim: tem colocado quase todos os bons; a maioria daqueles que não se percebe como lá foram parar não são da sua responsabilidade, mas sim contas de outro rosário.

O MELHOR FUTEBOL DA EUROPA (29 ABRIL 2008)

Este FC Porto, de Abril de 2008, joga incomparavelmente melhor do que qualquer uma daquelas quatro equipas das meias-finais da Champions, supostamente as quatro melhores da época no futebol europeu e mundial.

1- Eu avisei aqui, na semana passada: se alguém esperava que o FC Porto fosse facilitar a Guimarães, podia tirar o cavalinho da chuva — aquela equipa e aquele clube são demasiado profissionais e têm demasiado brio para se prestarem a fretes desses. E o sr. Fernando Chalana, que tanto admirei como futebolista, se fez eco dessa insinuação que por aí andou no ar a semana toda, vindo dizer que esperava que houvesse flair play nos restantes jogos que ao Benfica interessavam, podia agora fazer eco das suas próprias palavras e louvar publicamente a atitude do FC Porto em Guimarães, contribuindo decisivamente para a verdade no campeonato que se disputa do 2.º ao 16.º lugar. Só lhe ficava bem, ele que se recusou a reconhecer o mérito do título portista.

Em Guimarães, o FC Porto deu mais uma exemplar lição daquilo que é o futebol que vale a pena ver — «sério», como gosta de dizer Jesualdo Ferreira. Com 0-0 ainda, eu comentei com um camarada portista que comigo via o jogo que, ou o Vitória resolvia correr riscos, atirar-se para cima do FC Porto e estar à altura do seu encontro com a história e com a Champions, ou arriscava-se a sofrer um golo e, a seguir, a ser destroçado. Porque, quando se apanha a ganhar e quando os adversários são obrigados a abrir espaços, o FC Porto transforma-se num perigo público. Mesmo sem Lucho em campo, a velocidade e o aproveitamento de espaços na viragem para o contra-golpe deixam qualquer defesa à beira de um ataque de pânico. Isso, mais uma outra coisa, que, para mim, representa a grande diferença para melhor deste FC Porto em relação ao da época passada: uma condição física notável. Em 2006/07, vimos o FC Porto fazer grandes primeiras partes e rebentar, literalmente, nas segundas partes. E foi assim a época inteira, acabando por ser campeão no limite, desperdiçando aos poucos o folgadíssimo avanço que tinha conquistado em Dezembro. Este ano, tudo mudou nesse aspecto e o primeiro rosto da mudança foi Lucho González, que passou de uma época em que chegou várias vezes a arrastar-se em campo, para outra em que se tornou um jogador luminoso, parecendo fazer tudo sem esforço, como um regente de orquestra dirigindo de cor os seus músicos. Contra o Schalke, jogando mais de uma hora com dez, o FC Porto não deu descanso aos alemães, mais parecia que eram eles que estavam com um a menos; contra o Benfica, a ganhar por 1-0 ao intervalo e a jogar apenas pelo prestígio, encostou-o atrás toda a segunda parte, como se fosse o Benfica que não tinha nada a ganhar com o jogo; contra o Vitória, manteve-se a primeira parte a ver em que paravam as modas e, após o intervalo, como viu que os de Guimarães não se afoitavam, acabou por soltar os dragões e foi o que se viu. Pena que não haja mais nada para ganhar senão a final da Taça! Pena que a época esteja prestes a chegar ao fim com um futebol destes tão fresco ainda na retina!

Esta semana vi três jogos anunciados como do mais alto nível europeu. Vi as meias-finais da Champions entre o Liverpool e o Chelsea e o Barcelona-Manchester United e, no fim-de-semana, o jogo do título em Inglaterra, entre Chelsea e Manchester United. Concedo: são equipes saturadas já de jogos, desgastadas da constante pressão de dois campeonatos justamente tidos como os mais competitivos do planeta. Mas também são quatro equipas carregadas de vedetas, capazes de deixar no banco jogadores como Shevchenko, Thierry Henry, Ronaldinho, Kuyt, Joe Cole e até Cristiano Ronaldo. Quatro equipas do tipo daquelas que ganham porque são melhores ou ganham porque os adversários só de olhar para eles se borram de medo. E o que vi?

Vi três jogos chatérrimos (em especial, o intragável Barcelona- Manchester), com treinadores sempre à defesa, a jogar para o 0-0 ou para o 1-0, uma equipa carregada de foras-de-série, como o Barcelona, incapaz de congeminar uma simples jogada de ruptura no ataque, um futebol inglês dos velhos e patéticos tempos com a bola batida do guarda-redes directamente para o desamparado ponta-de-lança, jogadores de categoria mundial sem capacidade de passe e até parecendo tecnicamente incipientes (ó Deco, por onde andas tu?), enfim, um futebol lento, sem risco, sem alma, chato até ao bocejo. Este FC Porto, de Abril de 2008, joga incomparavelmente melhor do que qualquer uma daquelas quatro equipas das meias-finais da Champions, supostamente as quatro melhores da época no futebol europeu e mundial.

Que pena que aquele rapaz Neuer — que, no Arena e no Dragão, defendeu a baliza do Schalke como nunca antes fizera, nunca voltou a fazer e jamais voltará — tenha impedido esta grande equipa do FC Porto de seguir em frente, até ao lugar que merecia na Europa. Porque, não tenho uma dúvida de que, em condições normais, teria tombado a seguir o Barcelona (além do mais, então desfalcado de Henry, Deco e Messi), e hoje estaríamos a medir forças com o arrogante sir Alex Ferguson, e não sei, não sei…

2- O fair play que Chalana reclamou para a parte final do campeonato não passa só por esperar seriedade competitiva de terceiros cujos jogos possam influir em disputas alheias ou exigir arbitragens isentas de erros voluntários (porque, involuntários haverá sempre, enquanto o olho humano não for uma máquina infalível). Passa também, por exemplo e por razões óbvias, por não aliciar ou contratar jogadores na véspera de jogarem contra nós. Aliás, suponho que existirão regulamentos que expressamente o proíbem e, se não existem, deviam existir. Acham natural que, na semana em que vai defrontar o Boavista, se fique a saber que o Benfica — que passa a santa vida a dizer que conduz uma cruzada pela virtude desportiva — vai contratar o Jorge Ribeiro? E que, na semana em que vai defrontar o Belenenses, se fique a saber que contratou o Ruben Amorim? E que se fique a saber que, no auge da luta com o Guimarães por um lugar na Champions, está interessado em contratar o Geromel? Disseram fair quê?

3- Analisando a arbitragem de Lucílio Baptista em Alvalade, o anedótico penalty que deu o empate ao Sporting e a leitura da imprensa, também não se pode achar natural que a CA nomeie Lucílio Baptista para um jogo do Sporting nesta fase aguda (e, já agora, também para a final da Taça, como imagino que se esteja a congeminar). Ou que nomeie Bruno Paixão para o FC Porto-Benfica. Ou Lucílio para o Boavista-Benfica. São coincidências a mais ou uma falta de cuidado absoluta. E agora, que o suspeito habitual está longe, longíssimo (a 23 pontos…) destas guerras subterrâneas, teria graça desenterrar um «apito prateado» para entender o que se passa. Vítor Pereira deve uma explicação.

4- Continuando no domínio das coisas que não são naturais: perguntava-me há dias um amigo benfiquista se eu achava natural que Pinto da Costa fosse sócio numa imobiliária de Jorge Mendes — o agente que coloca quase todos os jogadores no FC Porto e que vende depois os melhores. Não, não acho natural. E, menos ainda, numa imobiliária.