segunda-feira, junho 16, 2008

CONTAS FINAIS: OS PARTAGONISTAS (13 MAIO 2008)

Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Comecemos pelo fim a ronda pelos principais protagonistas desta Liga.

Rui Costa

Só não saiu em grande, como merecia, porque saiu a carregar aos ombros a tristeza do futebol do seu Benfica. Mas todos, correlegionários e adversários, só podem prestar-lhe uma homenagem muito sincera pelo grande jogador que foi e pelo grande senhor que sempre soube ser no futebol. Numa época em que há tanto mercenarismo e tão pouco amor à camisola, em que qualquer miúdo acabado de chegar e recém-tatuado, que faz dois bons jogos, desata logo a suspirar por um «grande da Europa», o exemplo de dedicação de Rui Costa ao seu clube do coração cala fundo em todos, mesmo nos que não são benfiquistas. Que diferença para o suposto amor de Figo ao Sporting! Ao Rui Costa nunca lhe ocorreu acabar num Al Qualquer Coisa, a jogar petro-futebol. Preferiu acabar de bem consigo, mais rico por dentro e menos rico no banco. Chapeau!

Jesualdo Ferreira

Foi o grande vencedor do campeonato. Depois de uma dúzia de contratações quase todas falhadas (e cuja responsabilidade permanece incerta), meteu mãos à obra com o mesmíssimo onze do ano passado, mas desfalcado de Pepe e Anderson. Tratou da condição fisica da equipa, devolveu-os ao espírito de vitória e conquista que se tornou imagem de marca dos dragões, fez de Bruno Alves um inimaginável central de luxo, reinventou Lucho González e inventou Lisandro como ponta-de-lança devastador. E os resultados foram incomparavelmente melhores. Ganhou, nesta Liga, tudo o que havia para ganhar: o equivalente em pontos a sete vitórias de avanço sobre o segundo classificado, melhor registo em casa e fora, melhor resultado em casa e fora, maior número de vitórias, maior número de golos marcados e menor número de sofridos, melhor marcador, melhor jogador, Copa Bes, equipa mais disciplinada. Com absoluta limpeza e autoridade dentro do campo e com elegância e desportivismo como ninguém mais.

Manuel Cajuda

Não faço parte do clube dos seus fãs, mas factos são factos: trouxe o Guimarães da segunda divisão e entregou-o no terceiro lugar da Liga. Melhor era impossível.

Carlos Carvalhal

Tacticamente, julgo que foi, a par de Jesualdo, o melhor treinador deste campeonato. Com o orçamento mais baixo da Liga e o plantel menos numeroso, pegou num clube à deriva e condenado a descer e deixou-o no 5º lugar, a somar à vitória na Taça da Liga e às meias-finais da Taça de Portugal. E isto, mesmo depois de lhe terem levado dois dos únicos três avançados que tinha, a meio do campeonato.

Lucho González, Lisandro López e Ricardo Quaresma

Para mim, constituíram o trio dos melhores jogadores deste campeonato. Como sou portista, dá para desconfiar, mas 20 pontos de avanço (vinte, sim, conquistados em campo e não nos caberets!) justificam a escolha. Lucho (que diferença para a época anterior!) foi puro perfume destilado em doses industriais nos relvados: com ele o futebol flui, em perpétuo movimento ascendente e cadenciado, feito de linhas de passe tão lógicas quanto inimagináveis. Lisandro foi o seu perfeito escudeiro e matador, aparecendo onde o pensamento de Lucho estava e sempre com uma fome de bola que só merece uma qualificação: que grande profissional! Enfim, o por vezes mal-amado Quaresma, digam o que disserem, contem mais ou menos golos e assistências, é o único que eu vejo hoje, a par de Cristiano Ronaldo, capaz de inventar com uma bola nos pés coisas que desafiam todas as leis da física e da geometria. Pode, até, muitas vezes, não servir para nada: mas eu pago bilhete para ver. Sempre.

Luís Filipe Viera

Foi o grande derrotado do campeonato. Anunciou a melhor equipa dos últimos dez anos (18 contratações!), e acabou em 4.º lugar, atrás de um clube vindo da segunda divisão. Escolheu e despediu treinadores, culpou os árbitros, o «sistema», o governo e Pinto da Costa por todos os erros próprios, declarou solenemente que os «resultados estão viciados» e apresentou supostas «provas», que, como de costume, nenhum jornalista teve coragem de lhe perguntar em que consistiam. Acabou desacreditado por todos, incluindo os próprios adeptos. Rui Costa pode ser a sua única aposta certa — se tiver a humildade suficiente para abandonar a frente do palco.

Valentim Loureiro

O outrora sócio e camarada de armas de Luís Filipe Vieira na direcção da Liga, o verdadeiro rosto do «sistema» viveu um ano de amargura. Julgado por causa dos seus empenhos telefónicos a favor… do Gondomar (coisas de um regente autárquico à moda caciqueira antiga), vê agora o seu Boavista arrastado pela lama: público ausente do estádio, equipa de recurso, ordenados em atraso, sentença preliminar de descida de divisão por «coacção sobre os árbitros», jogadores em debandada, direcção em fuga. Talvez mesmo, o fim de tudo. Ele, que até cumpriu a sua parte do acordo com Vieira, que ajudou a que o Benfica fosse campeão em 2004 sem jogar nada, ele que — como o revelou aquela escuta interceptada com o presidente do Benfica em que tanto se esforçava para arranjar um árbitro à medida dos desejos do parceiro (mandada arquivar pelo Ministério Público por não ter importância), ele, afinal, deve estar a pensar a esta hora de que serviu a parceria. Ah, onde estão, onde estão agora, major, os amigos de ontem? Os que diziam que era mais importante estar associado a si do que ter uma boa equipa de futebol?

Sporting

Acaba no segundo lugar, garante a Champions sem pré-eliminatória e até está na final do Jamor. Nada mau para quem tão pouco jogou. O paradigma da época do Sporting pode ser dado pelo jogo de Alvalade contra o FC Porto: foi massacrado desde o primeiro até ao último minuto, mas marcou um golo no primeiro remate à baliza graças a uma oferta imensa do Helton e um segundo, logo a seguir, em off-side. E ganhou o jogo sem saber como. O facto de, mais uma vez, ter sido, e de longe, a equipa que mais penalties teve assinalados a seu favor, é também apenas um dos lados de um fenómeno que aqui venho reportando paulatinamente: no meio desta tempestade dos Apitos Dourados e Finais, das eternas guerras contra o «sistema» e as arbitragens, o Sporting é o cavalheiro que passa entre os pingos da chuva sem se molhar. Mas, ano após ano, são eles os mais beneficiados pelas arbitragens. Não é o Porto nem o Benfica: é o Sporting. Isso não lhe tira nenhum dos seus méritos próprios, incluindo o de se bater contra os outros dois com armas desiguais. Mas é assim.

Ricardo Costa

Quase a terminar a contenda, o presidente da Comissão Disciplinar da Liga cumpriu a sua promessa de dar o veredicto sobre o «Apito Final». Sobre esse e o outro apito, pronunciar-me-ei em breve, com a atenção que toda essa fantochada justifica. Por ora, limito-me a registar a declaração do Dr. Ricardo Costa de que, já em Dezembro, o CD da Liga estava em condições de dar a sua sentença, faltando apenas elaborar a «fundamentação jurídica». Acontece, porém, que a nota de culpa foi enviada aos arguidos em Abril; eles contestaram, e a sentença saiu em 8 de Maio. Quer isto dizer que, confessado pelo próprio acusador e juiz, a sentença já estava estabelecida antes mesmo de haver acusação e defesa. Que tudo o que os arguidos apresentassem como contra-prova- documentos, testemunhos, etc — de nada serviria. Eu deixei de ser advogado no dia em que cheguei a um julgamento e o juiz, furioso por não haver acordo entre as partes e ambos os advogados insistirem que queriam fazer o julgamento, ter dito: «Querem o julgamento? Vamos a isso, mas olhem que a sentença já está dada!». Lembrei-me disso agora.

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