quinta-feira, dezembro 22, 2005

Uma questão de "timing" ( 20 Dezembro 2005)

Norton de Matos ou se demitia antes da derrota no Funchal e de os jogadores terem começado a abandonar o barco ou segurava tudo mais uns dias e demitia-se depois de ter mostrado contra o Benfica o mesmo brio e empenho que mostrou, por exemplo, contra o FC Porto.

1- Há várias semanas que Luís Norton de Matos tinha previsto que a crise de desintegração iria ocorrer no Vitória de Setúbal. Há dois meses que a sua demissão estava por um fio. Aconteceu agora, após uma derrota que indicia, talvez, o fim de um ciclo lindo mas que não tinha sustentação. Depois de o primeiro jogador já ter abandonado o barco e quando se prefigura a debandada em série. E a três dias ' do Vitória-Benfica.

Foi pena. Luís Norton de Matos, ex-jogador do Benfica, ex-treinador do terceiro classificado do campeonato, ex-garante da unidade do grupo contra a irresponsabilidade dos dirigentes, deveria ter esperado mais uns dias, ter segurado os jogadores ainda mais um pouco, ter-se despedido em beleza, mostrando contra o Benfica o mestno espírito de luta e brio que o levou, por exemplo, a roubar dois pontos no Dragão, defendendo o 0-0 com tanto empenho e tenacidade que disso parecia depender o pagamento dos salários em atraso logo após o jogo. Ou então, se já não dava mesmo para segurar mais um dia que fosse o barco, deveria ter-se . demitido 48 horas antes - e não depois da derrota no Funchal, de os jogadores terem começado a abandonar e de se chegar às vésperas do jogo com o Benfica.

À parte a questão do timing da demissão do treinador; a crise do Vitória de Setúbal é exemplar de várias coisas, a saber: a mentira funcional em que vive o chamado futebol profissional em Portugal, mentira devidamente coberta e incentivada por uma Liga de clubes que se habituou a preferir a batota com o Fisco, a Segurança Social e os salários dos jogadores a uma reforma radical, cuja necessidade e contornos são hoje evidentes e consensuais para todos menos para aqueles que tinham obrigação de ser os primeiros a ver e a agir; exemplar da face oculta do futebol profissional português, muito mais comum do que se imagina e muito mais incontrolável do que se supõe (quando há jogos da Liga assistidos por 900 espectadores, podem crer que a tempestade apenas acabou de começar); e exemplar, finalmente, da natureza dos dirigentes do futebol português, regra geral chi-cos-espertos em busca de protago-nismo e acreditação social, que | acham que a gestão de um clube 1 profissional se limita ao acto de comprar e vender jogadores no defeso e despedir treinadores quando os seus brilhantes negócios não dão os resultados esperados. No caso do Vitória, é evidente que se chegou ao extremo absoluto - este Chumbi-ta vai ficar para a história dos malfeitores do futebol português - mas o que não falta por aí é Chum-bitas de ocasião a alimentar a mentira em que vivemos. O exemplo contrário e louvável é o de João Na-beiro, presidente do Campomaio-rense: sonhou em trazer o Alentejo de volta ao futebol de primeira e, do nada, ergueu um clube dotado de estruturas, de um belo campo e de regras de seriedade. Mas, quando percebeu que não havia público nem mercado que sustentasse o seu sonho, pagou as dívidas e fechou a porta, em lugar de continuar a tentar alimentar a mentira em negócios imobiliários com a autarquia ou em poupanças nos salários a pagar.

2- Em Agosto e Setembro, quando Co Adriaanse mostrou não contar com Qua^ resma para a sua equipa habitual e quando já se falava na inevitável venda do jogador em Janeiro, escrevi aqui por três vezes que o afastamento de Ricardo Quaresma seria um "acto de uma extrema irresponsabilidade e ignorância, pois que ele era, de longe, o melhor património desportivo do actual FC Porto. A generalidade dos comentadores, porém, dava razão a Adriaanse, argumentando que Quaresma era um indisciplinado, um individualista e um mau jogador de equipa. Contra-argu-mentei que ele era um miúdo e um génio: aos miúdos podem-se corrigir os defeitos e a missão de um treinador é essa e não a de os afastar liminarmente; e aos génios deve-se permitir a dose suficiente de individualismo que eles usam para fazer a diferença e resolver tantas vezes os jogos - como aliás o Quaresma mostrou na época passada e na Selecção de esperanças.

Em Outubro Adriaanse decidiu-se a meter o Quaresma no quarto de hora final de dois jogos consecutivos e ele resolveu-lhe os dois jogos: logo houve quem, esclareci-damente, viesse dizer que o Quaresma só servia para os últimos minutos. Mas o génio estava lá e mesmo Adriaanse não teve como evitar experimentá-lo mais do que, por exemplo,., o Hélder Postiga.

Hoje o resultado é evidente por si: o Ricardo Quaresma transformou-se não só no melhor jogador do FC Porto, não só no melhor jogador português da actualidade, mas no mais promissor e entu-siasmante jogador europeu do momento. Dizem os que ontem achavam que ele não tinha lugar na equipa que o mérito foi de Adriaanse, que, através de um notável (e fulgurante) trabalho psicológico, o transformou em jogador de equipa. Gostava de saber em que língua terá sido levado a cabo esse revolucionário trabalho psicológico: no inglês sem vocabulário de Adriaanse, que o Quaresma deve entender perfeitamente?

Não. O mérito não se deve a Adriaanse, deve-se ao próprio Ricardo Quaresma, que gosta tanto de jogar que até fez o favor de passar a vir atrás defender, percebendo que esse era o preço do bilhete para a titularidade. E que teve o talento e a sorte de resolver aqueles dois jogos nos 10 minutos de cada um deles que lhe foram concedidos: de outro modo, estaria agora na equipa B. De resto, limitou-se a continuar a dar asas ao seu génio e ele impôs-se por si. Todavia, há um mérito que reconheço a Adriaanse e foi já salientado por José Manuel Ribeiro, nas páginas de O Jogo: foi ter trocado o flanco a Quaresma, passando-o da direita para a esquerda, embora por vezes, e bem, com alternâncias. Não é a primeira vez que um destro é colocado como pon-ta-esquerda, hoje uma moda corrente (Simão Sabrosa é um bom exemplo). Mas Ricardo Quaresma está a revolucionar a moda e a função, porque não se limita a executar bem o movimento de sair da esquerda para o centro, como se espera de todos os destros actuando sobre a ponta esquerda. Ele consegue também cruzar com os dois pés, consegue fintar para dentro e para fora, mas sobretudo consegue aquele cruzamento exterior executado com o pé direito, a que chamam de trivela, e que é qualquer coisa de absolutamente novo e inesperado que, como ainda este sábado se viu, é capaz de abrir por completo uma defesa.

Espero bem que o prazer e a fome que ele tem de futebol sejam sempre suficientes para o manter longe do deslumbramento e dos tiques de vedeta que, por exemplo, já são hoje imagem de marca de Cristíano Ronaldo. O Barcelona há-de lamentar muito tê-lo deixado sair no negócio do Deco.

3- Jorge Sousa teve uma arbitragem infeliz, que valeu dois. pontos ao Benfica, no jogo contra o Nacional. Foi infeliz na falta que deu o golo, e que certamente não viu, mas foi mais infeliz ainda na duplicidade de critério disciplinar, essa sempre mais difícil de perceber. Mas seguramente que não está em perigo de jarra: não deve fazer parte da lista negra do senador Veiga.

4- Subitamente, Maciel tornou-se o jogador indispensável do União de Leiria. Alguém me sabe dizer quantos golos leva marcados o Maciel e porquê ele é assim tão indispensável?
A semana passada tive ocasião de explicar por que razão, ao arrepio do politicamente correcto, sou a favor dos acordos de cavalheiros sobre os jogadores emprestados. Mas a verdade é que estão proibidos pelo art.s 22 do Regulamento Disciplinar da Liga e punidos com uma multa pecuniária, que deve ser aplicada ao FC Porto e ao União de Leiria.

Custou-me um bocado a perceber, todavia, porque estaria o Ben-fica tão interessado em que o FC Porto fosse multado, ao ponto de ir fazer queixa à Liga. Mas depois li um delirante artigo pseudojurí-dico onde se explicava que à situação descrita no art.Q 22 se deveria aplicar, não a sanção aí prevista, mas sim a do art.e 54, salvo erro, que contempla o caso de resultados combinados entre as duas equipas, nomeadamente através da utilização por uma delas de um onze "notavelmente inferior" ao habitual. Essa sanção seria a de derrota ou três pontos perdidos - que os autores do parecer transformaram em três pontos a menos para o União de Leiria e seis para o FC Porto (os três da vitória, que eram perdidos, e mais três da pena). Justamente a diferença actual entre o FC Porto e o Benfica. Aí percebi tudo.

O Horizonte está vermelho ( 13 Dezembro 2005)

Tenho de reconhecer que me precipitei quando há semanas atrás, e depois de ter visto a triste exibição do Benfica contra o Li lie,comparei Koeman a Adriaanse, unindo FC Porto e Benfica na mesma "desgraça holandesa".

1- Semana de luxo para o Benfica, iniciada com a feliz e sofrida vitória no Funchal, continuada com a brilhante e justíssima vitória sobre o Manchester United e fechada com um triunfo merecido sobre um Boavista que pareceu mais cansado que o Benfica.

Tenho de reconhecer que me precipitei quando há semanas atrás, e depois de ter visto a triste exibição do Benfica contra o Lil-le, comparei Koeman a Adriaan-se, unindo FC Porto e Benfica na mesma "desgraça holandesa". A verdade é que, ao contrário do seu compatriota, Koeman mostrou nos últimos jogos que é capaz de definir uma estratégia coerente em função de cada jogo, de estudar bem os adversários e de tirar o melhor rendimento possível dos jogadores que tem ao dispor. E, tendo muito menos recursos humanos que Adriaanse, conseguiu que o Benfica ultrapassasse a fase de grupos da Liga dos Campeões, enquanto Adriaanse nem a Taça UEFA conseguiu.

2- São bem compreensíveis a alegria e o alívio que Co Adriaanse demonstrava no final do jogo de Leiria. Um novo resultado negativo seria dificilmente gerível, depois dos fiascos acumulados em todos os jogos importantes que até aqui teve de enfrentar: quatro da Liga dos Campeões, mais o Benfica e o Sporting no Dragão. A vitória em Leiria, categórica e determinada, foi um sopro de vida caído do céu. Mas nada, nada, nem o título, poderá fazer esquecer a hecatombe europeia, motivada exclusivamente por erros gritantes do treinador. Na semana em que o FC Porto disse adeus à Europa e adeus ao capitão Jorge Costa (chutado para canto por Adriaanse, como roupa velha) torna-se evidente que o treinador responsável por ambas as coisas está condenado a ficar eternamente sob suspeita. Não sei se por um, se por dois, se por três anos.

E se o FC Porto não perdeu em Bratislava e ganhou em Leiria, apenas três dias após aquele inferno, deve-se aos jogadores e à tal mística de que fala Vítor Baía e Jorge Costa tão bem simbolizava. O homem pode até vir a ser campeão, o que nem sequer é difícil, com a equipa e o orçamento que tem. Mas duvido que recupere a confiança e a simpatia do balneário e das bancadas. Aliás, não sei seja repararam mas esta época é a primeira, em 20 anos de presidência de Pinto da Costa, que não o vejo sentado ao lado do treinador nos jogos fora.

3- Como toda a gente já disse, não foi em Bratislava que o FC Porto se despediu da Liga dos Campeões mas apenas e também da Taça UEFA. Mas pergunto-me se por acaso fosse um dos tubarões europeus a jogar ali a continuidade na Liga a UEFA consentiria que o jogo se disputasse naquelas circunstâncias. Em mais de 40 anos a ver futebol nunca assisti a um jogo disputado num terreno assim - nem sequer na célebre final de Tóquio.

4- Não consigo entender a lógica ou a legitimidade moral de o Estádio da Luz assobiar o Cristiano Ronaldo ou o João Pinto. É verdade que o clu-bismo por vezes é cego mas podia ao menos ter algum pudor. É também verdade que nada disso desculpa os gestos de Cristiano, ao despedir-se do público da Luz. Mas o que mais me espantou ainda foi o espanto de tantos: por acaso não tinham ainda reparado que, de há uns tempos para cá, quer na Selecção quer no Manchester, o Cristiano tem dado sobejas demons-trações de um vedetismo insuportável? E, descrevendo todos e cada um dos jogos dele em Inglaterra e na Selecção como autênticas e únicas peças de arte, faça ele o que fizer, a imprensa não terá também alguma responsabilidade neste estatuto de semideus com que ele se pavoneia, como se o talento para jogar futebol não fosse apenas isso - talento para jogar futebol?

5- Grande alarido porque o Maciel, emprestado pelo FC Porto ao União de Leiria, ficou sentado na bancada, por imposição do acordo de cavalheiros vigente entre ambos os clubes. De repente toda a gente pareceu esquecer-se de que o mesmo tipo de acordo já vigorou este ano e nos anteriores a favor do Benfica e do Sporting. Aliás, e se não estou em erro, até foi esta a primeira vez que o FC Porto o impôs durante este campeonato. Pois eu, ao arrepio do politicamente correcto, devo dizer que sou a favor destes acordos.

Primeiro porque é um acordo privado, celebrado entre duas partes livremente e honrado pela palavra de cavalheiros, que ninguém tem legitimidade para exigir que seja quebrada; segundo porque, sendo, como é norma, o ordenado dos jogadores emprestados pago entre os dois clubes, custa-me entender que alguém possa servir simultaneamente dois amos; terceiro porque é melhor que os jogadores, apesar desta limitação em dois jogos por ano, possam rodar noutros clubes que estarem encostados, sem proveito para ninguém, nos clubes de origem; e quarto porque a sua utilização contra o clube de origem daria fatalmente azo a todas as suspeitas, em caso de azar. Por exemplo: o Bruno Vale, emprestado pelo FC Porto ao Estrela da Amadora, até jogou no Dragão e fez uma excelente exibição. Mas se, por acaso, tem encaixado um frango, quem acreditaria que tinha sido involuntário? E se o Maciel tem jogado no sábado e tem falhado umpenalty ou um golo de baliza aberta?

6- Depois da desastrada prestação no FC Porto-Spor-ting da última jornada, Lucílio Baptista reapareceu para o Benfica-Boavista e com uma irresistível tendência para só ver faltas para um dos lados. Constatei, curiosamente, que a sua nomeação não deu motivo a quaisquer críticas nem comentários. Nem sequer ouvi o sr. Veiga a falar na jarra ou nos árbitros envolvidos no Apito Dourado. Deve ter sido esquecimento...

7- Luiz Filipe Scolari é um homem de fé e um homem de sorte, como conheci raros na vida. Não sei se foi a fé na Senhora de Fátima ou a sorte que o persegue que mais uma vez o cumularam de benesses com o sorteio para o Mundial. Sei que melhor era impossível.

Para que a sorte fosse completa só era preciso que Vítor Baía não continuasse, semana após semana, do tapete do Dragão ao lamaçal de Bratislava, a demonstrar que não há melhor guarda-redes que ele em Portugal. E que Ricardo Quaresma não continuasse também a insistir em mostrar que actualmente é talvez o jogador português em melhor forma e o mais útil a uma equipa. Para que alguns de nós (também portugueses, se não se importam...) não ficássemos a pensar que, com eles, a Selecção do Sul de Portugal e Comunidades Emigrantes se poderia tornar finalmente a Selecção de Todos Nós.

«Offside» ( 6 Dezembro 2005)

Esta noite, em Bratislava, Adriaanse vai ter mais uma oportunidade para provar que não é um looser crónico, incapaz de ganhar um jogo decisivo, de não cometer erros indesculpáveis na formação da equipa, nas substituições feitas, na estratégia e na atitude durante o jogo.

1- Com erros de palmatória e golpes de sorte se escreveu a história desta 13.ª jornada da Liga. Um passe displicente e suicida de Pepe ofereceu o golo ao Sporting, no jogo do Dragão (pena que um jogador com tanto potencial reincida em deslizes fatais como este!). Um pontapé falhado do Jorginho, chutando no ar, proporcionou dois ressaltos consecutivos em jogadores do Sporting e o autogolo de Polga (e o Jorginho, à míngua de serviço para mostrar, ainda se permitiu festejar o golo como sendo seu...). No Funchal um falhanço de Mantorras a cabecear a bola, seguido de tremendo erro do defesa Valnei, proporcionou o único golo da sofrida vitória do Benfica sobre o Marítimo. No Restelo o primeiro golo consentido pelo Nacional em sete jogos fora resultou de um bambúrrio irrepetível e significou a vitória do Belenenses. Enfim, em Braga, onde se jogava o primeiro lugar, uma oferta do defesa local Nunes deu ao Vitória de Setúbal a possibilidade do seu único remate à baliza em todo o jogo e da conquista dos três pontos. Convenhamos que não há tácticas, nem estratégias, nem moral do jogo que resistam a factores aleatórios como estes. Quanto muito poderá dizer-se que as grandes equipas são aquelas que já contam com eles.

2- FC Porto-Benfica: Lucílio Baptista. FC Porto-Sporting: Lucílio Baptista. Últimos seis jogos FC Porto- Sporting ou vice-versa: cinco vezes Lucílio Baptista. Sendo que ele é hoje, provavelmente, o pior dos árbitros de primeira categoria e criou uma lenda, alicerçada em factos reais, de prejudicar sempre o FC Porto, convenhamos que há coincidências de um raio!
Apesar de tudo, sábado passado, no Dragão, Lucílio Baptista conteve-se — não nos erros cometidos mas na sua distribuição, mais ou menos equitativa. Perdoou um penalty a cada uma das equipas e anulou um golo a cada. Mas com subtis diferenças: o golo anulado ao Sporting é offside claro, embora por muito pouco e embora a jogada merecesse golo; o golo anulado ao FC Porto tem de merecer o benefício da dúvida, embora a pretensa falta só ele a tenha visto. O penalty perdoado ao Sporting é bem mais flagrante que o perdoado ao FC Porto e, sobretudo, aquele de que beneficiaria o FC Porto foi muito anterior, o que é sempre susceptível de ter mais influência no decurso do jogo.
Tudo isto foi consensual: houve um penalty perdoado a cada um, um golo anulado a cada um — o do Sporting por offside incontestado, o do FC Porto por falta que se admite que possa ter existido mas a televisão não demonstrou. Nem Adriaanse nem Paulo Bento vieram reclamar do árbitro e nenhum dirigente portista se pronunciou sobre a arbitragem ou até sobre a nova coincidência da escolha do árbitro. Toda a gente coincidiu nesta análise aos lances polémicos, assim como coincidiu na leitura de que o resultado foi bem mais lisonjeiro para o Sporting que para o FC Porto ( a estatística de A BOLA registou 13 remates à baliza por parte do FC Porto contra um do Sporting).
Mas há sempre gente que vê os jogos de outra maneira. O dirigente sportinguista Rui Meireles confessou-se «decepcionado », pois o Sporting «merecia mais que o empate». E isso só não aconteceu porque Lucílio Baptista «falhou num lance crucial: o golo de Deivid é mal anulado. Mas é o futebol que temos e já estamos habituados». Já o vice-presidente leonino, Meneses Rodrigues, resolveu puxar pela tradicional memória selectiva dos sportinguistas e concluiu que, «pela primeira vez, este senhor árbitro não prejudicou o Sporting». Se os dois me derem o prazer de vir a minha casa tomar um café, uma noite destas, eu passo-lhes uma prolongada sessão vídeo sobre as arbitragens deste árbitro nos últimos FC Porto-Sporting, arquivadas justamente para documentarem o futebol que temos e a que já estamos habituados. Seria um prazer.

3- Cada vez mais me convenço de que o futebol é feito de acasos e de evidências. Nada a fazer contra os primeiros: nenhum treinador pode planear um jogo partindo do princípio, por exemplo, de que o Pepe vai fazer um passe de morte ao Carlos Martins. Mas, já quanto às evidências, constato que há treinadores cuja carta de alforria parece consistir apenas ou principalmente em tornarem obscuro o que é claro e verem só mais tarde o que já todos viram. À 13.ª jornada Co Adriaanse pôs em campo, finalmente, uma equipa praticamente consensual, porque escolhida segundo razões evidentes do mérito de cada um. Ah, mas tinha de haver uma excepção! A insistência em continuar a jogar com Jorginho, isto é, com 10 jogadores na prática, é coisa que já ninguém consegue entender nem ele próprio explicar. Fala na «velocidade» do Jorginho mas o Jorginho nem se mexe, não corre, não se desmarca, não luta, não fura, não faz pela vida. Fala na falta de extremos mas tem o Alan, o Ivanildo ou o Lisandro para jogar descaído sobre o flanco.
Esta noite, em Bratislava, Adriaanse vai ter mais uma oportunidade para provar que não é um looser crónico, incapaz de ganhar um jogo decisivo, de não cometer erros indesculpáveis na formação da equipa, nas substituições feitas, na estratégia e na atitude durante o jogo. Pelo menos desta vez deu-se ao incómodo de ir pessoalmente espiar o adversário. Espero que não tenha voltado a concluir que o Jorginho é indispensável ou que a melhor maneira de vencer o jogo é alinhar sem ponta-de-lança de raiz.
O mínimo que lhe é exigível, neste momento, é colocar o FC Porto na Taça UEFA, o que será um cometimento pior que medíocre face ao plantel de que dispõe e ao grupo que lhe saiu em sorte na Champions. Um milagre colocá-lo-á nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Uma derrota ou um empate selarão definitivamente o divórcio entre as bancadas do Dragão e mister Adriaanse.

4- O terceiro lugar do Vitória de Setúbal e os três golos sofridos, sobretudo nas circunstâncias de trabalho indignas que se conhecem, são, de facto, uma proeza notável. Mas também não é preciso mitificar as coisas para realçar um mérito que ninguém contesta: o Vitória tem um grande guarda-redes e uma defesa em grande forma e com uma imensa capacidade de sofrimento e concentração. Mas tem tido também uma grande dose de sorte.
Honra lhe seja feita, Luís Norton de Matos não se furta a admitir essa sorte, ao contrário de muitos outros que, no lugar dele, estariam há muito em bicos de pés com medo que não lhes reconhecessem a devida estatura. Estreante na Liga, tem tido, na equipa e no jogo, a sorte que lhe faltou com os pobres dirigentes do Vitória. Só por isso, quanto mais não fosse, ele e a equipa bem merecem essa sorte. Mas de certeza que Luís Norton é o primeiro a saber as limitações que tem e que a sorte não dura para sempre. Os resultados têm sido o estimulante, o Prozac que mantém a equipa de pé e unida. Mas um dia o remate para golo vai bater na trave, o Moretto vai estar distraído ou o árbitro vai permitir o golo do adversário em offside. E tudo pode começar a desabar de repente. A grande proeza de Luís Norton é conseguir que esse momento só chegue quando o Vitória já estiver a salvo da despromoção. Mais que isso só podem prever e exigir-lhe aqueles que acham que é possível esperar resultados sem a contrapartida mínima, que é a de pagar o ordenado a quem trabalha.

terça-feira, dezembro 06, 2005

Unidos na desgraça (29 Novembro 2005)

BENFICA e FC Porto estão finalmente unidos: unidos na desgraça holandesa. Para quem esperava que a contratação de dois treinadores holandeses por parte dos dois maiores clubes portugueses viesse revolucionar o respectivo jogo, trazer ao nosso campeonato a versão moderna do tal «futebol total» que imortalizou a escola holandesa e pôr um e repor o outro no trilho da Europa de luxo, estes primeiros três meses da experiência holandesa têm sido frustrantes. Ambos estão à beira de ser implacavelmente afastados da Liga dos Campeões e em risco até de o serem também da Taça UEFA, desperdiçando a sorte que os colocou em dois grupos classificativos perfeitamente acessíveis, e depois de públicas e reiteradas demonstrações de medo, falta de ambição, de estratégia e de clarividência. E se, internamente, o Benfica caminha vários passos atrás do FC Porto, num impensável 6.º lugar, também é verdade que já venceu no Porto, onde Koeman deu uma lição de estratégia a Adriaanse. Ontem, mercê de uma vitória feliz em Barcelos — uma vez mais devida ao talento de Ricardo Quaresma e após mais uma exibição miserável, em que Adriaanse voltou amostrar todas as suas qualidades estáticas no banco — o FC Porto ganhou oito pontos de avanço sobre o Benfica. Mas tudo pode ficar mais nivelado entre ambos (nivelado por baixo), se, na próxima sexta-feira, conforme é de temer, também Paulo Bento for ao Dragão ensinar a Co Adriaanse como é que se ganha um jogo importante. Olhando para este primeiro terço de campeonato e para o que treinadores portugueses têm feito à frente de equipas como Nacional, Sp.Braga e Vitória de Setúbal, só podemos concluir que se Koeman e Adriaanse fossem portugueses já estariam despedidos.


Bem vistas as coisas, Koeman tem mais desculpa do que Adriaanse. O Benfica dispõe de pouco mais de metade do orçamento do FC Porto, tem tido menos apoio do público no seu estádio e tem, sobretudo, pior equipa e pior banco. Com a lesão de Simão tornou-se evidente, para quem ainda pudesse ter dúvidas, que todo o futebol de ataque do Benfica depende dele, passa por ele e conclui-se quase sempre com ele. Com a lesão dos dois guarda-redes principais foi a vez de abanar de alto a baixo toda a estrutura defensiva, remetendo o Benfica para uma série de seis jogos sem vencer e para uma atitude competitiva própria das equipes que tudo temem e nada arriscam. Isso não justifica todos os erros de Ronald Koeman—como a ideia de jogar com quatro centrais, dois laterais e dois trincos, em Paris, praticamente em «casa», contra uma equipa menor da cena europeia e num jogo em que só lhe podia interessar ganhar. Mas a verdade é que a actual equipa do Benfica é o resultado de uma penosa reestruturação, iniciada há dois anos atrás e a partir praticamente do nada. E, a menos que apareça um Abramovitch caído do céu, nenhuma equipa é capaz de passar de banal a bestial em dois anos. Independentemente dos erros cometidos, Koeman tem ao seu dispor o que tem—e o que tem é manifestamente pouco para as ambições alimentadas pelos seus dirigentes. Não é por acaso que estes já puseram em marcha a campanha de sensibilização dos árbitros e da Comissão de Arbitragem, aliás fundada em pretensas razões de queixa ridículas: quando não se tem cão, caça-se com gato.


Já no FC Porto, as coisas são radicalmente diferentes. O que não tem faltado ali são milhões ao desbarato para comprar jogadores em série—doze a quinze em cada ano que passa — e pagar salários de luxo ao primeiro que aparece ao virar da esquina.E se Adriaanse pode dizer que a equipa não é dele, mas do presidente (o que é verdade), também é duvidoso que fosse melhor ao contrário, a avaliar pelas estapafúrdias equipas que escala para pôr a jogar, ou até pelo único jogador por si escolhido — o turco Sonkaya, que conseguiu a proeza de fazer as bancadas do Dragão destilar saudades do Secretário. Adriaanse tem e teve tudo para conseguir estar hoje numa posição intocável perante os adeptos, a começar por um fulgurante início de época, unanimemente elogiado por todos.E tudo a sua teimosia e a sua soberba levou...O futebol de ataque, que deslumbrou ao ponto de levantar críticas pela sua ousadia, foi caindo, caindo, ao ponto de entrar a jogar em casa, num jogo em que só a vitória interessava, contra o medíocre Glasgow Rangers, desfalcado e em crise profunda, sem nenhum ponta- de-lança e reduzido na prática e 10 jogadores, pela teimosia em voltar a insistir no inútil Jorginho. Em cinco jogos da Liga dos Campeões, Adriaanse perdeu três, empatou um, equivalente a derrota, e só ganhou um, graças a dois ressaltos felizes.E, revendo o filme de cada um dos seus quatro desaires, é justo reconhecer que todos eles foram perdidos por influência directa do treinador—tal como sucedeu contra o Benfica. Em todos eles tornou-se gritantemente evidente que Adriaanse não estudara os adversários, não tinha nenhuma estratégia para os jogos, escalou equipas sem lógica visível, fez substituições sem nexo, e não conseguiu segurar nenhuma das situações de vantagem de que dispôs em todos eles. Tranquilamente, podia ter agora 11 pontos e o primeiro lugar garantido: tem quatro e fortes hipóteses de terminar o grupo em último lugar. É certo que ainda pode conseguir o milagre, mas, não só não o merece, como nada poderá já apagar a imagem repetida dos sucessivos erros de pura incompetência acumulados. Pinto da Costa bem pode — num acto que no passado deu frutos mas que agora surge como uma deslocada provocação aos adeptos—prolongar-lhe o contrato de dois para três anos, sem que os resultados ou o mérito o justifiquem. Mas, a continuar assim, o problema do presidente do FC Porto, para a próxima época e a seguinte, vai ser o de convencer os sócios de lugar cativo a renovarem os seus lugares. E, sem eles, não há público no Dragão nem dinheiro para o festival de compras do Verão.


Ontem à noite, contra o Gil Vicente, foram os gritos dos adeptos, por exemplo, que obrigaram Co Adriaanse a perceber, quase no fim, aquilo que qualquer adepto habitual de futebol já tinha percebido: que era preciso refrescar o ataque, tirar aquele estranho caso patológico em que se transformou o Jorginho e tirar o mais que desgastado Lisandro López. Se ficasse aqui a enumerar todas as situações gritantes, evidentes, em que o treinador do FC Porto foi a única pessoa no estádio a não perceber o que se estava a passar no jogo, nunca mais acabaria. Eu olho para ele e vejo-o sempre sem expressão, sem reacção, incapaz de comunicar com os jogadores, de transmitir ordens para dentro, de ver o jogo decorrer conforme uma estratégia planeada (como fazia Mourinho), ou, ao menos, de corrigir as coisas no decorrer do jogo (como fazia António Oliveira). Vejo-o sim dar asas aos jogadores e depois liquidá- los sem explicação; promover a indiscutíveis jogadores que nada provam e subitamente desprezar outros que toda a gente percebe que são mais-valias, como já sucedeu com Quaresma e agora sucede com McCarthy. Tudo sem nexo, sem critério, sem correspondência com o que se vê durante os jogos. Tudo aparentes caprichos de um vaidoso que não tem currículo para o ser. Adriaanse deveria ter aprendido a lição de Mourinho: não é vaidoso quem quer, mas quem pode.

Eles existem, os génios (22 Novembro 2005)

E, depois, existem os génios, os predestinados, aqueles que não nasceram para mais nada que não rigorosamente para jogar futebol. Este sábado vi dois génios do futebol em acção, um ao vivo no estádio e outro pela televisão: Ricardo Quaresma, no Dragão, e Ronaldinho Gaúcho, em Chamartin

COMO em todas as outras áreas da actividade humana, também no futebol existem várias espécies de praticantes: os maus e os medíocres, que, por pudor ridículo, nunca são classificados como tal; os banais e os razoáveis, muitas vezes confundidos com grandes jogadores; e os bons e muito bons, que mal tocam na bola se distinguem dos demais. E, depois, existem os génios, os predestinados, aqueles que não nasceram para mais nada que não rigorosamente para jogar futebol. O maior génio que alguma vez vi pisar um campo de futebol chamava-se Johan Cruyff, era holandês e deslumbrou no Ajax e no Barcelona. Nos tempos em que ele jogava em Espanha eu ia ao fim-de-semana de Lisboa a Monsaraz para o ver jogar na televisão espanhola, que se captava junta à fronteira. E valia a pena. Este sábado vi dois génios do futebol em acção, um ao vivo no estádio e outro pela televisão: Ricardo Quaresma, no Dragão, e Ronaldinho Gaúcho, em Chamartin. Mas vamos por partes.

1- Sp. Braga-Benfica. Depois da paupérrima exibição contra o Marítimo, o Sp. Braga puxou dos galões de líder do campeonato e fez pela vida face a um Benfica que voltou a cometer o mesmo erro de Manchester: começar a defender o resultado ainda na infância do jogo. Pelo que se viu, apenas o Sp. Braga poderia e mereceu ter ganho; o Benfica, ao contrário do que havia feito no Dragão, limitou- se a esperar pela sorte grande. Dois minutos depois da hora pareceu repetir-se o fado do campeonato passado: João Ferreira resolveu ver um penalty que ninguém mais viu e nenhum jogador do Benfica se atreveu a reclamar. Foi uma machadada no benfiquismo das gentes de Braga e a demonstração do ditado que reza «amigos, amigos, negócios à parte». Mas, três minutos volvidos (dos oito de prolongamento dados pelo árbitro!), o Sp. Braga repôs a verdade, através de um golo obtido não em fora de jogo mas irregular, porque o seu marcador arrancou para a jogada em fora de jogo. Houve logo quem, pressurosamente, dissesse que um erro compensava o outro, uma interpretação muito bondosa: o offside foi daqueles que só se detectaram após visionamento em câmara lenta, um erro perfeitamente justificável do fiscal de linha; o penalty foi uma injustificável decisão do árbitro, aliás tardiamente assinalada. No mais, restou aquele gesto de Nuno Gomes, que as câmaras de televisão inadvertidamente captaram, após o golo da vitória do Sp. Braga, e em que ele insinuou que os adversários estariam dopados. Que fará do significado desse gesto a douta Comissão Disciplinar da Liga— vai investigar a veracidade da insinuação, vai obrigar o Nuno Gomes a fazer prova do que insinuou ou vai fingir que não viu? Aposto na última.

2- FC Porto-Académica. Passaram a semana inteira a jurar-nos que não restaria um único bilhete por vender no Sp. Braga-Benfica. Ia ser a maior assistência de sempre no sumptuoso palco desenhado por Souto Moura — os de Braga, eufóricos com a carreira da equipa local, mais as multidões que o Benfica sempre arrasta: 30.100 espectadores no total. Afinal, promoção à parte, foram 21.449 espectadores em Braga e 30.108 no Dragão, para um jogo banal. Desta vez o ataque azul funcionou, foram cinco golos, deveriam ter sido quatro, poderiam ter sido seis ou sete. Houve um golo invalidado ao FC Porto e outro (o terceiro da série, a 19 minutos do fim) validado sem a bola ter entrado. Mas tudo se resumiu a uma questão de números, mais um menos um, nada que tenha que ver com o desfecho ou a justiça do triunfo azul. Lamentável, por isso mesmo, que à saída, na rádio, tenha tido de ouvir Nelo Vingada a declarar que perdeu graças às «ajudas da arbitragem» de que o FC Porto terá beneficiado. Não é a primeira vez que o vejo lamentar-se nestes termos, e com a mesma falta de razão e sentido das coisas, após perder com o FC Porto. Será uma questão pessoal, uma aversão ao azul? Teria sido mais bonito se Nelo Vingada, por exemplo, tem justificado a derrota com o tremendo desconcerto que as arrancadas, os toques de calcanhar, os cruzamentos, os golpes de génio de Ricardo Quaresma lançaram na retaguarda coimbrã. Não é para isso, também, que os treinadores de futebol deveriam servir — para elogiarem e chamarem a atenção para o que o futebol tem de luminoso, de entusiasmante? Se o tem feito, além do mais, poderia ter contribuído com a sua parte para tentar evitar nova injustiça que o seleccionador nacional prepara: deixar Quaresma de fora do Mundial da Alemanha.

3- A 750 quilómetros dali, em Madrid, Vanderlei Luxemburgo, vergado ao peso de uma humilhante derrota caseira contra o rival de sempre, teve, mesmo assim, a nobreza de atitude de prestar homenagem ao homem que acabara de destroçar o Real: Ronaldinho Gaúcho, o melhor jogador do Mundo na actualidade. Há uns anos atrás assisti em Chamartin a outra noite em que outro prestidigitador ao serviço do Barcelona, de seu nome Rivaldo, liquidou o orgulho merengue a golpes de puro génio. A diferença é que, nessa noite de então, incapazes de reprimir o ódio visceral pelos da Catalunha, os espectadores do RealMadrid respondiam a cada golo do fabuloso n.º 10 dos rivais com gritos de «Rivaldo, hijo de puta!». E agora foi diferente: os dois golos finais de Ronaldinho, verdadeiras obras de arte de todos os tempos, receberam a homenagem de um estádio inteiro em silêncio e alguns mesmo a aplaudirem-no.

4- O futebol tem coisas verdadeiramente incompreensíveis. Entre nós talvez o maior motivo de espanto, ou pelo menos de admiração, é a notável carreira dos jogadores comandados por Norton de Matos e abandonados pela sua direcção: seis vitórias em onze jogos, quarto lugar ex æquo com o Sporting e com dois pontos a mais que o Benfica. Já no final do jogo do Dragão tinha-se visto o presidente que não paga salários a atender o telemóvel, em tom triunfante, como se o empate então obtido devesse, um átomo que fosse, à sua pessoa ou à sua linda gestão. Agora, após o triunfo por 3-0 na Figueira, o notável Chumbita Nunes afirmou que ele era «um prémio para o esforço que temos desenvolvido ». Que «temos»? É preciso ter lata!

«Lobbies» e outras coisas (15 Novembro 2005)

O «lobby contra o Ricardo», por mais que Scolari finja não perceber, não tem razões obscuras mas apenas aquilo que está à vista de todos. E já não se compõe só de amigos de Baía ou portistas mas agora também de benfiquistas, sportinguistas e todos quantos não tenham medo de ter opinião



1- Fui dos primeiríssimos a criticar a escolha definitiva de Ricardo para titular da baliza da Selecção por parte de Scolari. Escrevi então que, muito embora o considerasse um grande guarda-redes entre os postes, achava que lhe faltava em absoluto uma qualidade hoje fundamental num guarda-redes: dominar o jogo aéreo. Houve quem ripostasse que eu escrevia assim porque era portista e amigo do Baía — ambas as coisas são verdadeiras, e muito me honram, mas não me determinam. Hoje quase toda a gente reconhece que o que Scolari fez e vai fazendo com Vítor Baía (sem lugar entre os três guarda-redes portugueses escalados para o Europeu, no ano em que os treinadores europeus o elegeram o melhor guarda-redes do ano) não encontra qualquer justificação do ponto de vista desportivo ou humano. Para não ter de qualificar a atitude, direi simplesmente que ela é inqualificável e, embora muitos, a começar pelos colegas de Baía na Selecção, se mostrem dispostos a fingir que a coisa passou, eu não só não a esqueço como extraí dela conclusões, essas sim, definitivas acerca da pessoa do seleccionador nacional. Quanto ao que tinha escrito sobre Ricardo, bastou a forma como perdemos a final do Europeu contra a Grécia para que a justeza da minha observação ficasse à vista de todos. Depois disso nunca mais voltei ao assunto e fiquei deliberadamente calado quando, há uns tempos atrás, os sucessivos falhanços de Ricardo o remeteram para o banco de suplentes no Sporting e, de repente, pareceram ter despertado uma súbita unanimidade de críticas até aí nunca vistas. Não gosto de malhar em quem já está em baixo e, além disso, entendo que o principal responsável nem era Ricardo mas sim Scolari. Ricardo era muito melhor guarda-redes antes de Scolari o ter transformado no caso exemplar do seu autoritarismo. Teria ido então muito a tempo de corrigir ou melhorar o que estava mal no seu jogo aéreo (onde Baía continua a ser o melhor guarda-redes português, talvez de todos os tempos), em vez de, atiçado pelo seleccionador, ter revelado sempre uma falta de humildade tamanha que chegou a explicar que um «frango» não era um «frango» mas sim uma «questão técnica» muito complexa, cujo entendimento escapava aos leigos. Dois anos depois Ricardo vê-se forçado a continuar a tentar explicar atabalhoadamente por palavras o que não consegue explicar através dos jogos. E Baía continua a explicar, nos jogos e fora deles, que, além do mais, há uma coisa que o caracteriza e não lhe vem nem das convocatórias para a Selecção nem sequer dos 28 títulos que fazem dele o jogador em actividade que mais coisas conquistou em todo o mundo: classe. E, por esse ponto de vista, não pode restar a menor dúvida de que quem ganhou esta guerra mesquinha foi sempre e só Vítor Baía. E assim chegámos às vésperas da convocatória para o Mundial, tendo já toda a gente percebido que, independentemente da forma em que cada um está ou estiver daqui a uns meses, o Ricardo será convocado e titular e o Vítor Baía voltará a ser ignorado. Independentemente da injustiça gritante desta espécie de critério do seleccionador, agora há um facto novo e evidente: o povo da Selecção percebeu e teme que tudo possa ser deitado por água abaixo no Mundial por uma saída em falso do Ricardo — como ainda este fim-de-semana vimos, contra a Croácia. Daí os assobios, que são injustos para Ricardo, não para Scolari. O«lobby contra o Ricardo», por mais que Scolari finja não perceber, não tem razões obscuras mas apenas aquilo que está à vista de todos. E já não se compõe só de amigos de Baía ou portistas mas agora também de benfiquistas, sportinguistas e todos quantos não tenham medo de ter opinião.

2- Eis uma coisa que, pelos vistos, não é nada apreciada pela actual direcção do Benfica: não ter medo de ter opinião. O presidente, esse, fala todos os dias sem parar e sempre com um microfone atento a qualquer suspiro ou murmúrio seu, de Fornos de Algodres a Toronto, Canadá. Nunca lhe falta incentivo, nunca lhe falta pretexto, nunca lhe falta assunto, nem que seja para denunciar a oposição interna como «jagunços» que cometem os crimes de «dizer mal da direcção» e «pensarem que me podem tirar do clube», ou para apelar ao banimento de alguns «que escrevem nos jornais» e que são «um lixo» que ele não tem paciência para comprar «pagando uns almoços e uns charutos ». Mas para os jogadores a lei é outra: a direcção do Benfica não admite que eles tenham qualquer opinião, nem que seja para falarem da família ou da sua vida fora do futebol. E, por isso, quem abre a boca é multado: Moreira, Mantorras, Ricardo Rocha, Simão. No tempo em que o Benfica era governado pelos «senhores de colarinho branco», para usar a expressão do actual presidente do clube, Portugal vivia em ditadura, onde ninguém podia também abrir a boca, e eu habituei-me a ver o Benfica como o símbolo dos que não se calavam —em contraste com o Sporting, que sempre foi tido como o «clube do regime» e dos «aristocratas ». O Benfica era presidido por um marquês mas era o clube do povo, o clube onde estavam os democratas e o grande Eusébio. Esse Benfica não há ninguém que não tenha respeitado e admirado. Hoje o Benfica é presidido por um homem que se autoclassifica como «humilde» e vê nos que o atacam «gente sem valores, sem família, sem animais para acarinhar, uns frustrados da vida». De facto, não estou a ver Duarte Borges Coutinho a dizer coisas destas ou a multar os jogadores por abrirem a boca. Outros tempos, outros estilos? Não, mais que isso: outra atitude, outro clube.

3- No final da época passada o benfiquista António Figueiredo, presidente do Estoril, viu-se confrontado com um terrível dilema: o seu Estoril precisava de pontos para se manter na I Divisão e o seu Benfica precisava de pontos para ser campeão. Optou por vender o jogo ao Benfica, aceitando disputar o desafio decisivo marcado para a Amoreira no estádio do Algarve, suposto campo neutro, onde estavam 29.782 adeptos do Benfica e 24 do Estoril. No final despediu o treinador, porque ele ousou criticar uma arbitragem que o País inteiro viu ter sido determinante para a vitória do Benfica. O Benfica foi campeão e o Estoril caiu na II Divisão. Mas tudo se justificava, do ponto de vista do presidente do Estoril, pelo facto de o jogo em Faro proporcionar receitas tão extraordinárias que permitiriam ao Estoril liquidar os ordenados em atraso aos jogadores. Agora, ainda a época vai no início, e já os jogadores do Estoril ameaçam ir-se todos embora porque o clube continua a não lhes pagar. Moral da história: mais vale uma águia a voar que um só pássaro na mão.

De cima para baixo (08 Novembro 2005)

Fica mal aos responsáveis do Benfica o recurso à eterna desculpa da arbitragem para justificar um resultado que, pelo futebol visto, acabou até por ser lisonjeiro


1- Vi o Braga jogar logo no início do campeonato, em casa contra o FC Porto, e o que vi foi a equipa defender, defender, defender, até sair como nulo que unicamente ambicionou. Este fim-de-semana, voltei a ver o Braga, em novo teste difícil, contra o Marítimo. E a história repetiu-se: defendeu, defendeu, defendeu, com dois fogachos inconsequentes apenas na segunda parte. Mas, desta vez, encaixou a primeira derrota do campeonato e sem que tivesse a menor razão para ashabituais queixas nestas circunstâncias de forças estranhas que não nos deixam ir mais longe — antes pelo contrário, deve à benevolência de Lucílio Baptista, o pior árbitro português em actividade, o facto de não ter tido de jogar 80 minutos com 10 jogadores. No final, ouvi Jesualdo Ferreira a queixar-se de ter perdido um jogo em que o adversário não fora superior e a jurar que o Braga tinha dominado toda a segunda parte e criado suficientes oportunidades para empatar ou ganhar. Concluí que vimos jogos diferentes, mas também que os restantes jogos do Braga, que eu não vi, não terão sido muito diferentes...

2- Ex aequo com o Sensacional da Madeira, na segunda posição, está o FC Porto, graças à vitória obtida em Paços de Ferreira, à custa de um bom quarto de hora inicial, mais um rasgo de inspiração de Quaresma, e depois mais de uma hora de futebol soporífero (e em que, diga-se em abono da verdade, o adversário conseguiu fazer ainda pior, não tendo criado uma única oportunidade de golo em todo o jogo). Com essa desmaiada vitória, Co Adriaanse saiu vivo, depois da inacreditável barracada que fez em Milão, onde não houve asneira que não tenha ensaiado, arrastando a equipa uma vezmais para a derrota e desmentindo todas as suas teses sobre o futebol de ataque. A grande verdade é que hoje ninguém é capaz de prever o que vai fazer o FC Porto, jogo a jogo. Ninguém é capaz de prever, sequer, qual vai ser o sistema de jogo, a estratégia, a equipa. Manifestamente, Adriaanse está à toa, com tiques de ditador desnorteado e perdido — como aliás vai sendo bem visível na própria expressão da sua cara, durante os jogos. Jogadores que eram indiscutíveis desaparecem de repente, como se excomungados no acto: já calhou a vez a Postiga, Ricardo Meireles, Paulo Assunção, Ricardo Quaresma, César Peixoto, Ibson, Lizandro López, Ricardo Costa, Bruno Alves, e agora, McCarthy e Diego. Em contrapartida, outros que acumulam desastre sobre desastre, como Bosingwa e Jorginho,mantêm-se de pedra e cal... até que ele acorde um dia maldisposto ou com um ataque de lucidez e os varra de imediato para a equipa B ou arredores. Nesta completa roleta-russa em que se transformou a definição de um onze-base (?), ninguém consegue entender os critérios das entradas e saídas, se o homem prefere jogar com dois pontas-de-lança ou só um, com dois extremos, um ou nenhum, com dois, três, quatro ou cinco médios, com dois ou com três centrais. A única coisa segura é que joga só com um guarda-redes, porque isso não pode evitar. Aos poucos, Adriaanse está a tornar-se no factor de perturbação da equipa. E eu que tanta esperança tinha nele...

3- Em quarto lugar, temos o Benfica, que escapou com danos graves de uma semana igualmente complicada. Depois do empate na Figueira e do balde de água gelada servido pelo Villarreal, teve o azar de apanhar um falso jogo fácil em casa, contra uma das equipas mais bem treinadas e que melhor futebol jogam. O Rio Ave dominou, de facto, o jogo da Luz, sem recorrer à táctica do autocarro, sem jogo faltoso, sem simulações de lesões nem perdas de tempo, antes ocupando o campo todo e nunca desistindo de atacar. Se o empate contra a Naval tinha sido injusto para o Benfica, o empate contra o Rio Ave foi feliz. Por isso, fica mal aos responsáveis do Benfica o recurso à eterna desculpa da arbitragem para justificar um resultado que, pelo futebol visto, acabou até por ser lisonjeiro. Mas o jogo da Luz suscitou-me, de facto, várias questões técnicas ao nível da arbitragem, de que desconheço a resposta e gostaria de ver esclarecidas. A primeira questão tem que ver com o segundo golo do Rio Ave, julgado offside pela generalidade da crítica, pois que, quando a bola é cruzada para a área do Benfica, Gaúcho, que estava deslocado, vai passá-la a Chidi, que faz o golo. Se o lance se tem passado assim, não há dúvida de que há offside. Mas, se bem vi e julgo que sim, há uma diferença, que faz toda a diferença: quando a bola é cruzada, Chidi está em jogo e Gaúcho está, de facto, adiantado. Mas a bola não vai para Gaúcho e sim para Chidi, que depois a passa àquele, que entretanto já estava em posição correcta. Gaúcho devolve a seguir a Chidi, que faz o golo. Ou seja: enquanto está deslocado, Gaúcho não tem interferência alguma na jogada, e quando a tem, já está em posição correcta. Deve ou não considerar-se que tirou vantagem da posição inicial? A segunda questão tem que ver com o primeiro golo do Benfica, resultante de um livre directo sobre o limite da área. Ficaram dúvidas na altura se a falta teria sido sobre a linha da área ou fora dela, e um dos comentadores da TVI afirmou que tinha sido sobre a linha e logo era penalty. A minha pergunta é simples: a linha limite da área faz parte da área ou é fora dela? A terceira dúvida tem que ver com o segundo golo do Benfica, igualmente resultante de um livre directo sobre o limite da área. Mas esse livre é ocasionado por uma emergência defensiva (ficou ainda a dúvida se com falta ou sem ela), motivada pela cobrança imediatamente anterior de um outro livre, quatro metros atrás, e que os jogadores do Benfica marcaram sem dar tempo à formação de barreira defensiva, sem apito do árbitro e até, pelo que me pareceu, sem a bola estar parada. Foi assim recordo, que há cinco anos, o Boavista venceu o FC Porto no Bessa e, com essa vitória, veio a ser campeão com um ponto de avanço sobre os portistas. Pergunto-me se nos livres frontais à baliza e próximos da área os árbitros devem ou não esperar que a barreira se forme e só consentir a cobrança após o seu apito? É que uns fazem uma coisa e outros fazem outra e até já vi, como nesse Boavista-Porto, o mesmo árbitro seguir critérios diferentes no mesmo jogo...

4- E em quinto lugar está o periclitante Sporting, que lá ganhou ao Leiria, sem que desta vez se tenham ouvido queixas contra a arbitragem... Mas querer comparar aquele golo não assinalado ao Leiria e em que todas as imagens mostram que a bola é sacada pelo menos uns 70 centímetros de dentro da baliza, com aquele suposto golo consentido pelo Baía na Luz no ano passado e que nenhuma imagem até hoje conseguiu comprovar, é, no mínimo, querer confundir as coisas deliberadamente.

5- As dúvidas levantadas por Alexandre Magalhães às contas divulgadas pela SAD do FC Porto são legítimas, pertinentes e demasiado sérias para serem tratadas nos termos displicentes em que o fez a comissão de vencimentos da SAD. Não defendo que os administradores das sociedades desportivas não devam ser remunerados, como os de quaisquer outras sociedades. Mas os números divulgados por Alexandre Magalhães são impressionantes e para mais acrescidos de participação nos lucros relativos ao exercício de 2003/04. Aqui cabe perguntar como é que um só exercício positivo, entre tantos negativos, confere direito a gratificação e como é que uma sociedade que jamais distribuiu ou distribuirá dividendos pelos seus accionistas e cujas acções valem metade do preço de subscrição, se permite distribuir gratificações pelos seus administradores— sobretudo quando tem um passivo acumulado de 122 milhões de euros. E também é legitimo perguntar como é que, após dois anos plenos de receitas extraordinárias, o passivo, em lugar de diminuir, aumentou. Esperam-se esclarecimentos.

Elogio dos «Grandes» ( 1 Novembro 2005)

Elogio dos «Grandes»

Quer o FC Porto-Vitória de Setúbal quer o Naval-Benfica mostraram à exuberância a pobreza em que o jogo pode cair quando uma das equipas luta apenas pelo «pontinho» e não pelos três pontos (e já nem digo pelo espectáculo...)

1- Dois jogos, vistos televisivamente este fim-de-semana, serviram para reforçar a ideia que há muitos, muitos anos, defendo, antes de ter virado quase consensual: a necessidade e enorme vantagem competitiva que resultaria de reduzir a I Liga a 12 clubes.

Quer o FC Porto-Vitória de Setúbal quer o Naval-Benfica mostraram à exuberância a pobreza em que o jogo pode cair, quando uma das equipas luta apenas pelo pontinho e não pelos três pontos (e já nem digo pelo espectáculo...). É claro que, do ponto de vista das equipas pequenas, a atitude é legítima e compreensível: quando não se tem armas para atacar, defende-se. Mas, apesar de tudo, há uma diferença entre uma equipa se ver, no decurso do jogo, forçada a recuar e apenas defender por pressão do adversário, ou entrar já em campo deliberadamente disposta a renunciar a qualquer veleidade de vitória e se limitar à táctica que José Mourinho baptizou de «autocarro estacionado em frente da baliza».

No Dragão, embora Norton de Matos tenha dito que o que sucedeu é que o FC Porto empurrou o Vitória para trás durante o jogo inteiro, a mim o que me pareceu é que os seus jogadores não se importaram nada de ser empurrados para trás e não foi, seguramente, por força do vento ou do adversário que o Vitória disputou o jogo com nove, e às vezes, dez jogadores, sempre à espera da bola e do adversário na zona da sua grande área. E a prova que poderiam ter feito diferente é que, nos cinco minutos finais e como forma inteligente de aliviar uma pressão insuportável, escolheram finalmente abrir-se um pouco em todo o campo, tendo conseguido até o seu único remate à baliza... ao minuto 93!

É evidente que, mesmo assim, o FC Porto poderia ter ganho o encontro: bastaria que o árbitro tivesse visto um de dois penalties a favor não assinalados (ó contabilistas selectivos: anotem estes dois pontos...), ou que um dos 17 cantos ou dos 16 remates tivesse dado golo. Ou, melhor ainda: que o F C Porto não voltasse a mostrar quão distante anda daquele futebol feito de técnica em velocidade permanente, aquele carrossel ofensivo do princípio da época que tanto me empolgou. Nenhuma dúvida que esse futebol que gerou tanta admiração e tanta controvérsia, parece, pelo menos momentaneamente, perdido pelas sucessivas traições defensivas, que obrigaram a tudo rever e tudo acautelar. Mas também há que ser justo e reconhecer que é bastante mais difícil atacar um jogo inteiro contra o autocarro do que defender um jogo inteiro instalado dentro do autocarro. Para resultar em golos o futebol precisa de espaços e, paradoxalmente, com a táctica do autocarro a única equipa que dispõe sempre de espaço para atacar... é a dona da viatura.

Na Figueira da Foz, o enredo foi o mesmo, com a agravante de o Benfica ter de fazer as despesas todas do jogo num campo de dimensões reduzidas e transformado em qualquer coisa de intermédio entre um prado e um batatal. E, por aqui justamente, se começa a ver os malefícios de haver demasiadas equipas na I Liga e de o seu critério de selecção ser apenas o da classificação. A Naval não tem um campo com condições para a I Liga. Daí não vem mal ao mundo: ninguém deve ter vergonha por ser pobre. Só que também não é possível defender o futebol, o espectáculo e a presença de público nas bancadas quando se tem para oferecer um campo de dimensões reduzidas, com um relvado onde é impossível jogar bem e que, por vezes, chega a parecer que é maltratado de propósito para defender o mau futebol contra o bom (há dias, um treinador de uma equipa pequena que recebeu um grande dizia que nem sequer tinha estragado deliberadamente o relvado durante a semana: registe-se o seu desportivismo e a confissão de que há tácticas ocultas para além daquelas que se vêem em jogo...).

Tanto a Federação como a Liga sempre foram avessas à diminuição do número de clubes no escalão superior e dito profissional. Porque cada clube é um voto e, quanto mais clubes pequenos houver a votar, maior a possibilidade de aliciar o seu voto. Por isso é que há clubes a disputar a I Liga sem dinheiro para pagar salários, por isso é que há clubes que não cumprem sistematicamente as suas obrigações fiscais, com a íntima colaboração da Liga, por isso é que há campos sem condições para jogar futebol de primeira, por isso é que se permite escandalosamente que o preço de um bilhete para uma bancada coberta na Luz ou no Dragão custe o mesmo que para uma bancada onde chove, no campo da Naval. E por isso é que, mesmo um clube como a Naval, em ano de estreia na I Liga, e mesmo contra Benfica e FCPorto, não consegue encher nem metade das bancadas.

Para a história fica o sagrado pontinho sacado por Setúbal e Naval ao F C Porto e Benfica e dois empates injustos que estes tiveram de encaixar. Mas fica também a certeza de que, à vista de todos, quem deveria estar atento e colher as lições de casos como a da irresponsável gestão do Vitória de Setúbal, vai assistindo, tranquilamente, à programada liquidação do futebol profissional como espectáculo de massas.

2- Ainda sobre a Naval- Benfica, há outro tema que dá que pensar: como se justifica que a Naval, que nem sequer tinha jogado para a Taça a meio da semana, tenha dado o estoiro a vinte minutos do fim, e o Benfica, que tem a Taça e a Liga dos Campeões, não? Quando Jaime Pacheco explica a derrota caseira do Guimarães às mãos do Paços de Ferreira como cansaço do jogo europeu de dez dias atrás, fica por explicar porquê o cansaço não é igual para todos. Porquê equipas como o Benfica e o FC Porto, que estão a jogar ao mais alto nível europeu, que têm sistematicamente os seus jogadores mais influentes a jogar nas Selecções, ainda aguentam fazer jogos inteiros a pressionar e a atacar, e os pequenos, que não têm essa sobrecarga e cujo tipo de jogo é muito mais descansativo, dão o berro quando jogam contra os grandes?

Manuel Cajuda, que tanto gosta de se ouvir falar, poderia falar sobre isto. É que, se todos compreendemos que, quem não tem grandes jogadores na equipa não se pode bater tecnicamente de igual para igual com os grandes, já não se percebe porquê também fisicamente não se conseguem bater. Que eu saiba, a preparação física não depende da qualidade futebolística dos atletas: depende sim da quantidade e aplicação no esforço dispendido durante a semana.

(Já agora, gostava também que Manuel Cajuda, que, no final, quase pedia desculpa à «Instituição» por lhe ter roubado dois pontos — ele que se confessou benfiquista de coração, assim como toda a família e o próprio cão — explicasse como é que conseguiu não ver que o grande perigo do Benfica, na última meia hora, vinha da liberdade concedida a Nélson, que corria livremente pelo corredor direito fora, ali mesmo, junto ao banco do treinador da Naval? Que tal ter posto al i alguém , naquela auto-estrada desguarnecida, para travar o Nélson ou ameaçar o flanco aberto pelas suas subidas?).

3- Carlos Freitas, novo director do futebol do Sporting, viu mãozinha do árbitro no empate conquistado no Bessa. Diz ele que poderiam ter chegado ao 0-3 se o árbitro tem assinalado um muito discutível penalty na área do Boavista. Mas esqueceu-se de dizer que nunca teriam chegado ao 0-2 se o árbitro não tem assinalado um canto que não existiu e não tivesse depois deixado de ver a falta atacante que precedeu o golo na cobrança do canto.Vira o disco e toca o mesmo.

Havia necessidade? ( 25 Outubro 2005)

Dou comigo a pensar se às vezes o ideal não seria pôr os adeptos a escolher, por votação, a equipa para cada jogo, ficando o treinador apenas com o encargo de a treinar durante a semana e com a responsabilidade de fazer as alterações que entendesse adequadas durante os jogos?

1-Na semana passada falei aqui dos «três erros fatais de um teimoso», cometidos por Co Adriaanse no jogo contra oBenfica e responsáveis directos pela derrota inapelável encaixada. Uma semana depois, com dois jogos tremendos pelo meio, Adriaanse corrigiu dois desses três erros e safou- se com duas vitórias preciosas daquela que poderia ter sido uma catastrófica semana de ressaca.

Começou por substituir a insustentável dupla de centrais Ricardo Costa/Bruno Alves—responsável por sete golos sofridosemtrês jogos —pela muitomais tranquila e «normal » duplaPedro Emanuel/Pepe, a que acrescentou a estreia do checo Marek Ceh, em detrimento de César Peixoto. Com a sorte que tanto lhe faltara em jogos anteriores finalmente do seu lado no jogo contra o Inter, a defesa portista escapou incólume a Recoba, Figo, Adriano, Júlio Cruz e companhia. E, apesar de dois sustos sofridos no Funchal, escapou também virgem no complicado campodaquela equipa estrangeira que dá pelo curioso nome de Nacional. Com essas alterações, oFCPorto não passou a ter umadefesa segura (até porque resta o problema de Bosingwa na posição de defesa-direito, para que lhe falta emabsoluto o jeito).Mas passou a terumadefesa capaz, pelo menos, de não comprometer irremediavelmente a equipa em todos os jogos. Pena que Adriaanse só o tenha compreendido depois de ver a equipa praticamente afastada da Liga dos Campeões e batida pelo Benfica noPorto, pela primeira vez em dezasseis anos.

No ataque, o holandês pôs termo ao verdadeiro crime cometido contra oBenfica e que consistiu em deixar de fora esse talento furioso que é o Ricardo Quaresma.Quanto mais não seja, a persistência neste erro tratava-se uma atitude incompreensível para quem, como Adriaanse, tanto fala no seu amor ao futebol-espectáculo. E espectáculo, além de soluções de golo únicas, foi o que Quaresma forneceu, quer contra o Inter quer contra o Nacional.

Já não foi nada mau, para quem se obstina emser sempre o último a ver o que já todos viram. Restalhe agora compreender o terceiro erro em que caiu no jogo contra o Benfica e ver aquilo que também salta à vista: que Lucho González precisa de descansar, quanto mais não seja, meias partes dos jogos, e que Jorginho, tal como está a jogar, não tem lugar na equipa e é bom que saia para meditar, antes que, como ia sucedendo contra o Inter, a sua displicência, quase deite tudo a perder.
Mas havia necessidade de tanto sofrimento e tantos danos até que Co Adriaanse se rendesse ao óbvio? Pergunto-me muitas vezes se a teimosia dos treinadores em tomar os seus desejos por realidades, contra toda a evidência e senso-comum, será apenas uma forma de mostrarem autoridade e competência namatéria. E dou comigo a pensar se às vezes o ideal não seria pôr os adeptos a escolher, por votação, a equipa para cada jogo, ficando o treinador apenas com o encargo de a treinar durante a semana e com a responsabilidade de fazer as alterações que entendesse adequadas durante os jogos? Uma coisa eu era capaz de apostar: com Pedro Emanuel e Pepe nos lugares de Ricardo Costa e Bruno Alves, e Ricardo Quaresma de início, o Benfica não teria ganho no Porto com o à vontade que ganhou...

2-E, depois do Porto, também o Benfica teve uma semana bem proveitosa, com o empate fora com o Villarreal e a vitória caseira contra oEstrela.Aequipa está a melhorar e a ganhar confiança e atitude a olhos vistos, com a revelação do lateral Nélson a empurrar tudo para a frente.Peço desculpa de insistir, mas parece-me que apenas o seu presidente não consegue entender que uma conjuntura favorável não pode ser imediatamente aproveitada para um triunfalismo deslumbrado e umespírito de révanche que corre o risco de, mais tarde, se virar contra o seu autor. A persistência nas declarações provocatórias após o jogo do Dragão, inventando incidentes que não existiram ou até intenções de provocação na ausência dela, faz lembrar exactamente aquilo de que se acusava Pinto da Costa há uns anos atrás. E aquela picardia final de declarar que foimais fácil ganhar ao Porto do que ao Guimarães merecia que lhe recordassem que há mais marés do que marinheiros.

Opresidente doBenfica temrazão para andar satisfeito, depois de oito dias triunfais e depois de ter visto, ao cabo deles, 38.000 espectadores acorrerem à Luz, na que foi amaior assistência da época.Mas, apesar de tudo, o presidente do «maior clube do mundo», com 200.000 «sócios» declarados, deveria ficar curioso pelo facto de a maior assistência da época na Luz ser inferior à pior assistência da época no Dragão...

3-Alguns benfiquistas, muito ingénuos ou muito pouco ingénuos, apressaram-se amanifestar o seu espanto pela brandura da pena aplicada pelo Comissão Disciplinar daLiga aBruno Alves: dois jogos. Realmente, para quem não segue atentamente os meandros da subtil política disciplinar destes doutos conselheiros, é de espantar que Bruno Alves não tenha apanhado, como devia, cinco ou seis jogos.Mas estes juízes são tudo menos ingénuos: se Bruno Alves beneficiou agora da sua generosidade é porque eles sabem que, com castigo ou sem ele, Bruno Alves, depois do que mostrouemcampo, não voltaria tão cedo à titularidade noFCPorto. E, assim sendo, a generosidade gratuita de agora permitirá aos senhores conselheiros fazerem a devida compensação, quando descobriremumcotovelo de McCarthy ou um joelho do Quaresma fora do sítio. A CD não perde argumentos a ser duro com quem não interessa. No FC Porto. Porque, já no caso do Benfica, como se viu agora com a anedótica sequência do processo a Petit, a política é toda outra e o objectivo final dela saltou à vista, sem subterfúgios.

4- Dias da Cunha entrou no futebol de leão e saiu de sendeiro, nada mais deixando de memória do que um rasto de confusas boas intenções e trapalhada mental. Disse que vinha para combater o «sistema» e acabou de braço dado com Luís Filipe Viera, que representa o poder actual no «sistema»,emassociação com Valentim Loureiro—denunciado por Dias da Cunha comoum dos dois chefes do mal. E, se finalmente acabou a reconhecer que «o Benfica é levado ao colo», foi ele quem o levou de braço dado até ao beijo da morte. Debalde procurou vilanias do lado de Pinto da Costa e, embora as visse vir do outro lado da Segunda Circular, não conseguiu estabelecer uma simples associação entre causa e efeito. De facto, para o final, já só conseguia meter os pés pelas mãos e fiel aos seus moinhos de vento e à sua inútil zaragata permanente, acabou a substituir o «sistema» pelos jornalistas, como origem de todos os males penados pelo Sporting. Mas havia uma luz ao fundo do túnel e, cambaleante, ele enfiou por lá: era a porta da saída.

OS TRÊS ERROS FATAIS DE UM TEIMOSO ( 18 Outubro 2005)

Eu sei que o mister Co Adriaanse, para além da sua teimosia flamenga,também não fala e não lê português, o que muito contribui para o autismo em que vive. Talvez seja altura de Pinto da Costa começar a aprender holandês, antes que, por delicadeza, como disse o Rimbaud, tudo esteja perdido.

1 - Poucas vezes uma derrota com o Benfica, mesmo que no Porto, me causou tão pouco abalo como a de sábado passado. Primeiro que tudo porque eu troquei uma ida ao Dragão por um fabuloso fim-de-semana de caçada às perdizes, na zona beira do Tejo Internacional. E, quando se está a caçar perdizes, entre amigos e naquela paisagem despojada e selvagem, tudo o resto toma uma importância relativa: como escreveu Shakespeare no Hamlet, com aplicação directa à paixão futebolística, «há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que a tua vã sabedoria supõe». Segundo, porque eu percebi, ao minuto zero do jogo e quando vi a equipa escalada por Adriaanse, que as coisas não iam correr bem, e logo me preparei para o pior; e percebi, por volta do minuto 20, que só o Benfica poderia ganhar aquele jogo. Em terceiro lugar, porque aquilo que verdadeiramente me faz sofrer é quando o FC Porto joga bem e perde, ou quando factores externos conduzem à derrota, sem mérito para o adversário. Mas, desta vez, nem a criteriosa escolha de Lucílio Baptista (just in case...) se revelou necessária: a defesa portista, as asneiras de Adriaanse e o mérito do Benfica foram mais que suficientes para um desfecho que se revelou perfeitamente natural. E, para que conste, justíssimo e sem contestação possível.

2 - Mas, tomem nota, também: numa semana em que, como habitualmente, a minha estimulante colega de coluna, Leonor Pinhão, fez questão de relembrar acidentes passados da última vez que o Benfica ganhou no Porto, revelando que o seu presidente de então, Jorge de Brito, teve de sair do estádio de ambulância e disfarçado de doente (estaria mesmo disfarçado ou estaria mesmo doente?), desta vez os selvagens do Porto receberam o Benfica sem a mínima razão de reclamações, excepto as de má-fé. Parece que, no hotel onde a equipe lisboeta dormiu, dois petardos (e não «três ou quatro», como disse o presidente benfiquista) foram lançados na rua por energúmenos de passagem, que existem infelizmente em todas as cidades e todos os clubes. E nada mais. Nem as provocações lançadas em Gaia no próprio dia do jogo por Luís Filipe Vieira encontraram qualquer eco ou qualquer resposta de dirigentes ou gentes portistas, que se mantiveram alheios ao ambiente toda a semana e assim continuaram depois. Nem o aparato policial requisitado pelo Benfica para se deslocar ao estádio encontrou qualquer justificação no ambiente vivido. Os adeptos benfiquistas compraram todos os bilhetes a que tinham direito e não os 1008 que a direcção benfiquista quis instituir para os adeptos portistas na Luz. Viram o jogo tranquilamente e sem quaisquer incidentes, antes, durante ou depois, e festejaram pacificamente a vitória com os seus jogadores, mesmo apesar da atitude desafiadora de um tal José Veiga, que consegue a proeza de, tendo servido dois clubes rivais, ser igualmente detestado pelos adeptos de ambos. E, tal como anunciara previamente, o presidente do Benfica viu o jogo no camarote presidencial, sem direito a insultos, a cartazes ofensivos, a cânticos hostis ensaiados ou a conferências de imprensa improvisadas no final para o ofender pessoalmente. Para que conste, também. E para comparação futura.

3 - Ronald Koeman derrotou Co Adriaanse em toda a linha e com laivos de maquiavelismo. Koeman estudou bem o FC Porto e montou uma estratégia para vencer. Adriaanse, tal como já sucedeu outras vezes esta época, deu ideia de não conhecer o adversário e limitou-se a mandar 11 lá para dentro e esperar até ao 0-2 que eles resolvessem o assunto a golpes vadios de inspiração. Depois de ver como um e outro encararam o jogo, não me admira que Koeman esteja a ganhar 7-0 nos confrontos com Adriaanse.

Mas não esperem de mim que, por causa de uma derrota, ainda que exemplar, venha desdizer tudo o que de bom já disse sobre Co Adriaanse. O meu lenço branco continua no bolso. E eu continuo a pensar que ele tem razão em privilegiar o jogo ofensivo - não apenas em teoria mas no concreto, atendendo aos jogadores que tem, para atacar e para defender. Continuo a pensar que ele tem razão em ser um dis-ciplinador e muitas das suas ideias têm toda a lógica e fazem todo o sentido. Mas também não posso deixar de reforçar as críticas que já lhe fiz e cujo único erro de que me penitencio foi ter pensado que eram detalhes corrigíveis e afinal estarem-se a revelar problemas de fundo. Adriaanse é teimoso até ao absurdo, é autoritarista até ao ponto de isso prejudicar as suas boas ideias em matéria de disciplina e tem um excesso de autoconfiança e um défice de humildade que facilmente se transformam em autismo e arrogância, com evidente prejuízo da equipa. Dá que pensar e é matéria de séria preocupação que só o treinador não consiga ver o que qualquer um vê à vista desarmada. Os três erros fatais cometidos por Adriaanse no jogo contra o Benfica foram demasiado gritantes para serem desculpáveis e foram causa decisiva da derrota. Poucas vezes se poderá dizer com tamanha segurança que uma equipa foi derrotada pelos erros do seu treinador.

O primeiro erro fatal de Adriaanse foi, obviamente, a defesa. Talvez ele não tenha a culpa toda pelo facto de o FC Porto não ter um único grande central e jogar com dois laterais adaptados: ou seja, de não ter um único bom defesa de raiz. Mas, se prefere jogar com Bosingwa adaptado que com Sonkaya, por ele indicado para a função, então tem de explicar a Bosingwa o mínimo que é de esperar de um lateral - por exemplo, que, se o avançado contrário pode cabecear a bola para golo e ele está por ali, é de esperar que tente também cabecear a bola, em lugar de ficar a olhar. Depois, tem de dizer aos centrais que não podem subir os dois nos cantos, proporcionando contra-ataques como o que deu a vitória ao Artmedia e o que ia dando o 3-0 ao Benfica. E, finalmente, não pode, sob pena de suicídio continuado, insistir nos dois piores centrais dos cinco que tem ao seu dispor. Ricardo Costa já teve sobejas oportunidades para mostrar o que valia e já deu suficientes provas de que a sua vontade e a sua ambição não têm correspondência no seu valor. Quanto a Bruno Alves, esse só pode ser um caso evidente de erro na origem: se realmente tem talento para jogar futebol, de certeza que não é a defesa-central. E, depois daquela vergonhosa atitude para com Nuno Gomes, a questão é a de saber se pode voltar a ter lugar na equipa principal do FC Porto. Como quer que seja, os factos falam por si: esta dupla de centrais em que Adriaanse se fixou encaixou sete golos nos três jogos que fez, dois dos quais jogados em casa. Tremo só de pensar que lhe estará reservada a tarefa de amanhã enfrentar Adriano e companhia.

O segundo erro do homem que disse que não iria mudar nada por se tratar do Benfica foi ter mudado o que não devia e não ter mudado o que devia. Não mudou a defesa, que tão más provas vinha dando, e ela enterrou a equipa. Não deu descanso ao Lucho González, que grita desesperadamente por alguns dias de repouso, ao fim de um ano inteiro a jogar sem pausas, e que regressara 24 horas antes do Uruguai, depois de dois jogos e duas viagens intercontinentais em sete dias. Tirou o Diego, que estava a jogar bem, e meteu finalmente o Jorginho na sua verdadeira posição, só que tarde e a más horas, porque salta à vista que o Jorginho atravessa uma crise de forma a pedir banco urgente. E, finalmente, mexeu no ataque, que era a sua melhor defesa face à incompetência larvar da defesa, e, fazendo-o, quebrou as rotinas adquiridas, sem que a alternativa tivesse mostrado um mínimo de inspiração ou trabalho de casa.

O terceiro erro já é um clássico e um mimetismo típico de treinador português, que Co Adriaanse parece ter assimilado até ao âmago: quando o jogo é complicado olha-se para a lista de jogadores e tira-se o mais criativo deles, o desequilibrador nato, aquele que o adversário mais teme, a benefício da suposta consistência da equipa. Ganhei, infelizmente, duas apostas feitas com um amigo: uma, que Adriaanse iria deixar o Ricardo Quaresma de fora da equipa inicial; outra, que o meteria à pressa, assim que estivesse a perder, porque também isso é um clássico: os génios não servem para ganhar jogos, só servem para salvar jogos perdidos. Só não esperava é que a sua parcimónia fosse tamanha que, quando finalmente meteu o Quaresma em jogo, depois de longos minutos a dar-lhe instruções inúteis, já houvesse 2-0 e nada a fazer.

Eu sei que o mister Co Adriaanse, para além da sua teimosia flamenga, também não fala e não lê português, o que muito contribui para o autismo em que vive. Talvez seja altura de Pinto da Costa começar a aprender holandês, antes que, por delicadeza, como disse o Rimbaud, tudo esteja perdido.

Desmancha-prazeres (11 Outubro 2005)

É apenas uma sugestão ou uma opinião contracorrente: mas talvez não nos ficasse mal, na perspectiva do Alemanha-2006, um pouco mais de humildade entre os já eleitos e um pouco mais de exigência entre os arautos.

1- Parece que Luiz Felipe Scolari não terá gostado muito de uns comentários de Gilberto Madail, criticando a prestação da Selecção contra o Liechtenstein, e deixou no ar a ameaça (ou a promessa...) velada de se poder ir embora, antes ainda do Mundial. Pode ser que não tenha passado de um arrufo de quem não está habituado a que ponham em causa os seus méritos, ou pode ter-se tratado de mais qualquer coisa, que ainda não sabemos: a verdade é que, há tempos atrás, vi uma entrevista do seleccionador a uma televisão brasileira onde ele afirmava que tinha convites de outras selecções ou clubes do Sul da Europa e era coisa que o poderia vir a interessar. Nessa entrevista Scolari só descartava a possibilidade de regressar ao Brasil, explicando que aqui recebia no dia 1 de cada mês e lá recebia quando calhava...

Mas esse ordenado pontualmente pago vem dos cofres da Federação e estes, por sua vez, são alimentados em parte pelo público que, como o de Aveiro sábado passado, enche os estádios para ver jogar a Selecção. Só abona a favor de Gilberto Madail que o presidente da Federação dê eco à frustração de 30 mil espectadores que tinham acabado de assistir a um jogo que roçou o limite do suportável - e já não era o primeiro nem o segundo.

Verdade se diga que o próprio Scolari não estava muito contente com aquela exibição, embora só no final o tenhamos percebido - ele que foi o primeiro a afirmar que um empate ou uma vitória por "meio a zero" já chegava: teve o que pediu. Há várias coisas em que Scolari só se pode queixar de si próprio, a primeira das quais é a sensação que ele transmitiu, desde que chegou, que a Selecção é praticamente imutável: são os mesmos de sempre, por pior que estejam ou por melhor que estejam os seus concorrentes. Recordo que, contra a opinião de toda a gente de bom senso, ele passou seis meses a treinar para o Europeu uma equipa onde não havia ninguém do FC Porto no meio-campo, apesar de esse meio-campo ser campeão europeu. E foi só após a derrota inaugural contra a Grécia, e na iminência de ver a equipa escandalosamente afastada da qualificação para os quartos-de-final, que ele se rendeu, enfim, à evidência. Nos tempos mais recentes, com sucessivas exibições medíocres dos intocáveis, só o seleccionador é que parece não ver a desinspiração continuada de algumas vedetas encartadas ou outras de recente extracção. E já nem falo do caso do Ricardo, porque, tendo sido o primeiro a falar disso, já me saturei do assunto e é tão evidente a razão que então tinha, e hoje salta à vista de todos, que a única coisa que posso dizer sobre isto, agora, é que a teimosia do seleccionador, que ele confunde com autoridade, é a pior ajuda que podia prestar ao guarda-redes do Sporting. Está a ser friamente lançado às feras para servir de instrumento ingénuo dos tiques de autoridade do seleccionador.

O mais notável e eloquente desta postura foi o facto de o seleccionador, após reconhecer a paupérrima exibição contra o Liechtenstein, afirmar tranquilamente que, dos 23 jogadores a levar ao Mundial, 20 já estavam escolhidos e, entre esses, dois dos três guarda-redes. A nove meses de distância, o que isto significa é que em nada adianta que os que estão de fora façam uma grande época ou que os que estão dentro se afundem na Selecção ou nos seus clubes: os lugares cativos mantêm-se intocáveis. Imagine-se a motivação que daqui deve resultar, para uns e para outros.

Não sei se o Presidente da República faz tenções de voltar a condecorar os heróis que agora asseguraram a qualificação portuguesa para o Mundial da Alemanha-depois de ter achado mais pertinente condecorar a Selecção que perdeu o Europeu para a Grécia, jogando em casa, que o FC Porto, campeão europeu e mundial de clubes. Mas eu, sinceramente, não vejo grande proeza em ter obtido a qualificação num grupo tão fácil como o que nos calhou em sorte, onde a única selecção com algum historial, a russa, atravessa o pior momento das últimas décadas. Já sei que é a primeira vez que nos qualificamos para dois Mundiais consecutivos e, entre Mundiais e Europeus, vamos em não sei quantas qualificações sucessivas. Convém porém não esquecer que anteriormente se qualificavam 16 selecções (e, depois, 24) para o Mundial e agora 32, e 8 para o Europeu e agora 16 (e, para o último, quem nos qualificou foram os portugueses que pagam impostos e pagaram o Euro-2004).

Não sei, é apenas uma sugestão ou uma opinião contracorrente: mas talvez não nos ficasse mal, na perspectiva do Alemanha-2006, um pouco mais de humildade entre os já eleitos e um pouco mais de exigência entre os arautos.

2- É suposto igualmente sentirmos uma profunda e lusófona alegria pela qualificação de Angola. É estranho: não consigo senti-la. Quando penso em Angola penso nos milhares de crianças estropiadas de guerra para quem não há dinheiro para as próteses, nos outros milhares que vagueiam pelas cidades em busca de comida nos contentores de lixo, e penso num país imensamente rico onde uns vivem no luxo e nas mordomias do poder e a grande maioria vive na miséria. E lembro-me do texto que Pepetela aqui escreveu no sábado, desejando, enquanto angolano, que Angola se não qualificasse, para que isso não servisse de pretexto a mais umas quantas despesas sumptuárias de uns tantos privilegiados e a desviar as atenções daquilo que verdadeiramente interessa. Infelizmente, há alturas em que o futebol serve a quem não deve.

3- É seguro que não vão faltar os comentadores lisboetas a verem na vitória eleitoral de Rui Rio a derrota do FC Porto e de Pinto da Costa. Se Rio, que governou de costas voltadas para o FC Porto, teve 46% de votos, é porque o Porto-cidade lhe deu razão nessa atitude. Mas como se explica então que, do outro lado do rio, o grande apoiante do FC Porto - Luís Filipe Meneses - tenha tido 58%?


É inútil tentar explicar que uma e outra coisa não estão ligadas e a vitória de Rui Rio teve que ver com outras coisas e não foi conquistada contra o FC Porto mas apesar disso. E, se é verdade que ele tem o mérito de ter ganho sem precisar do FC Porto, também este ganhou - no País, na Europa e no Mundo - sem precisar do presidente da câmara do Porto. E uma coisa eu vos posso garantir: é que, se no Mundo inteiro não há quem saiba quem é o presidente da câmara do Porto, também não há quem hoje não saiba que fica em Portugal uma cidade chamada Porto, onde joga o FC Porto.


Quanto mais não fosse, bastaria esse simples facto para que devesse ser tido como uma anormalidade o desprezo a que o presidente da câmara do Porto vota a instituição que até hoje mais fez pelo nome e pelo prestígio da cidade - mais até que o vinho do Porto. Em Lisboa tal facto é tido como motivo de louvor e exemplo da saudável separação entre o futebol e a política. Curioso é que não tenham nunca uma palavra a dizer sobre os apoios constantes que as sucessivas vereações camarárias de Lisboa dão ao Benfica, ao Sporting ou ao Belenenses. Não há nada mais confortável que pregar moralidade no quintal do vizinho...

P. S. - Não sei se repararam numa notícia saída nos jornais que dizia que o arquitecto Manuel Salgado, autor do célebre Plano de Pormenor das Antas, iria processar a vereação de Rui Rio por violação de direito de autor. Em causa estará, segundo ele, a alteração feita pela câmara no seu projecto, permitindo maior volume de construção no centro comercial e nos edifícios anexos ao Estádio do Dragão. Lembram-se quais eram as críticas que, uma vez eleito há quatro anos, Rui Rio fez ao Plano de Pormenor das Antas ? O excesso de volumetria dos edifícios e a dimensão do centro comercial, que iria liquidar os comerciantes da Baixa...