quarta-feira, março 31, 2004

Provavelmente o melhor central do mundo ( 30 Março 2004)

1 Bastou-me ver jogar o Ricardo Carvalho a primeira vez para perceber que estava ali um digno sucessor do inesquecível Aloísio na defesa do FC Porto e um futuro central de dimensão europeia. Empurrado por umerro cometido no seu jogo de estreia a titular e também tapado por Aloísio e Jorge Costa, Ricardo viria ser, talvez injustamente, emprestado para rodar no Setúbal. A reforma de Aloísio (antes de tempo, quanto a mim), trouxe-o de regresso ao FC Porto e, de então para cá, Ricardo Carvalho cresceu a cada jogo que passou, melhorando sempre, mesmo quando já não parecia haver mais campo por onde melhorar, ao ponto de hoje ter atingido o mais próximo possível daquilo que alguém, na sua esfera de competência própria, pode estar da perfeição. Terçafeira passada vi-o encher o campo, no jogo contra o Lyon, controlando todas as manobras defensivas da equipa com classe, autoridade, estilo e eficácia tremendas, dando-se ainda ao luxo de marcar o golo porventura decisivo da eliminatória. De facto, como alguém já escreveu, esgotam- se os adjectivos, semana a semana, para classificar as exibições de Ricardo Carvalho. Não vejo ninguém, entre todas as equipas europeias de topo, que tenha um central ao seu nível. Desconheço o que se passa no resto do planeta, mas não é muito arriscado dizer que ele é provavelmente o melhor central do mundo na actualidade. Pelo menos, a «Gazzetta dello Sport» classificou-o como o melhor europeu, nesta fase da Liga dos Campeões. Como se sabe, Ricardo Carvalho esteve fora das convocatórias de Scolari até ter constado com insistência que o mesmo jogador que o selecionador português desprezava , a benefício de Fernando Couto, Jorge Andrade, Beto ou Fernando Meira, estava nos planos do super-Real Madrid. A partir daí, Ricardo começou finalmente a ser convocado, mas como suplente de Couto e Jorge Andrade. Para mim, como portista, até é melhor que Scolari o poupe no Europeu, para ele estar mais fresco na próxima época (se continuar no FC Porto). Agora, como português, como alguém que gosta de futebol e como alguém a quem incomodam injustiças gritantes, considero inqualificável deixar Ricardo Carvalho no banco de suplentes durante o Europeu.

2 A talho de fouce, vem também a já tão falada exclusão de Vítor Baía – também ele distinguido pela «Gazzetta dello Sport» como o melhor guarda- redes desta fase da Liga dos Campeões. Baía está a realizar uma época simplesmente brilhante, exibindo classe, calma e confiança em todos os jogos e todos os ambientes, por mais difíceis que sejam.Opaís inteiro sabe e vê semanalmente que Baía é actualmente o guarda-redes português em melhor forma, seguido do Moreira. Ele é, além disso e desde sempre, o único que temos que domina por completo o jogo aéreo, com um tempo de saída perfeito e uma calma que chega a parecer arrogância aos adversários. Como tudo o indica, Baía vai ser excluído do Europeu, por razões pessoais do seleccionador, que nunca ninguém entendeu, mas que obviamente não têm que ver com ele mas com o clube que representa – como o provou a célebre provocação de chamar à Selecção o terceiro guarda-redes do FC Porto, para o fazer jogar um minuto e evidentemente desaparecer das convocatórias desde então e para todo o sempre. Scolari vai portanto, mantendo a sua soberba, optar por Ricardo e Quim – qualquer deles com quase o dobro de golos sofridos no campeonato em relação a Baía. Apesar de ser de bom e patrioteiro tom prestar tributo, se não mesmo vassalagem a Scolari, é necessário ter a coragem de dizer que a exclusão de Baía é um acto determinado por exclusivas razões pessoais, que seguramente não são recomendáveis. Vítor Baía tem uma longa e prestigiosa carreira ao serviço do futebol e da Selecção de Portugal. Scolari, ao fim de mais de um ano – veremos o que consegue amanhã, contra a Itália – tem apenas no currículo ao serviço da Selecção, além de uma histórica derrota com a Espanha, uma série de jogos inconsequentes, alguns piores, outros menos maus.

3 Algúem, já não recordo quem, atacou-me há dias, por eu ter escrito que nas competições europeias há uma tendência das arbitragens para favorecerem, sobretudo nas fases decisivas, os clubes dos países mais ricos – Inglaterra, Espanha, Itália. Penso que o crítico terá metido a viola ao saco, quando viu o árbitro e o juiz-de-linha do Inter- Benfica fazerem vista grossa a uma entrada de Toldo sobre Sokota a pontapé, que teria ditado obrigatoriamente penalty e expulsão do guarda-redes italiano e, muito provavelmente, outro desfecho na eliminatória. Embora o Benfica se possa queixar e com razão e lhe fosse legítimo esperar outro resultado, não fosse esse clamoroso erro de arbitragem, a verdade também é que não foi por causa disso que morreu na praia, depois de ter conseguido o mais dificil que foi começar a ganhar e marcar três golos em S. Siro. E não foi, primeiro porque o gesto totalmente inesperado de Toldo não resultou de nenhuma jogada de perigo do Benfica, foi sim totalmente gratuito e sem sentido algum: diferente seria, por exemplo, um erro de arbitragem que tivesse deixado pormarcar um penalty. E não foi, em segundo lugar, porque, como se tornou visivel para todos, o Benfica entrou a segunda parte remetido à defesa, de onde não saiu durante mais de 15 minutos, com um meio-campo claramente fora da luta e a equipa sem reação, parecendo esperar apenas que o tempo passasse. Vi o jogo na companhia de dois amigos benfiquistas, um defensor de Camacho, o outro seu crítico.Mas o que nos pareceu evidente a todos é que Camacho durou uma eternidade a dar-se conta de que tinha de fazer alguma coisa -–nem sequer a entrada do Recoba pareceu incomodá- lo – e acabou por só reagir quando já tinha o jogo perdido. Eu registei a ironia dele, afirmando que isso são coisas que só os «entendidos vêm, um treinador, quando perde, não entende nada». Talvez que, como se diz no «bridge », quem está de fora vê sempre melhor, mas a verdade é que eu me habituei a distinguir os treinadores pela forma como eles reagem aos acontecimentos de um jogo: os bons reagem antes que o mal aconteça, os outros reagem só depois e vão sempre atrás do prejuízo.

4 Sporting e FC Porto ganharam esta semana os seus jogos caseiros in-extremis e graças a um erro de arbitragem. Aparentemente as duas situações são idênticas, pelo menos nas suas consequências: provavelmente nenhum dos dois teria ganho sem os erros de que beneficiaram. Mas, apesar de tudo, há diferenças que não são de detalhe. No erro que beneficiou o Sporting foi o próprio golo que foi irregular, por off-side de posição do seu autor; no erro a favor do FC Porto, o golo não foi irregular (foi, aliás, lindo), o que não existiu foi a falta que lhe deu origem. Mas não basta que um árbitro marque um livre perigoso por falta inexistente: é ainda necessário convertê- lo – que o diga o Deco, que este ano já deve ir em mais de uma centena de tentativas falhadas e que, se tem ficado em campo até final, no domingo, ainda a esta hora estaria a tentar converter o livre que o Carlos Alberto converteu. Ou seja, há erros de arbitragem que são consequência directa e necessária de golos e há outros que são apenas consequência indirecta. Digo isto, porque vi o destaque que alguma imprensa desportiva se apressou a dar ao erro que favoreceu o FC Porto, que alguns chamaram mesmo para título da notícia do jogo. Curiosamente, porém, não os vi, no último FC Porto-Manchester, dar idêntico destaque ao livre erradamente assinalado pelo árbitro e que proporcionou o único golo do Manchester. Critérios... Mas há ainda outra diferença: aqui está um portista a reconhecer que o meu clube ganhou um jogo graças a um livre mal assinalado. Não estou nem a pretender que o erro não existiu, nem a queixar-me de uma arbitragem sem razões para queixa, nem a pedir que façam uma investigação ao árbitro porque ele prejudicou o Porto – quando, por exemplo, não expulsou o guarda-redes do Moreirense que derrubou o Maciel quando este ia isolado para o golo (é, aliás regra com que eu não concordo – penalty e expulsão- porque me parece castigo excessivo.Mas a verdade é que a regra existe e uns árbitros aplicam-na e outros não, abrindo espaço para toda a discricionaridade de critérios).

sábado, março 27, 2004

O jogo da época ( 25 Março 2004)

1. Para todos os clubes e todos os anos, costuma-se dizer que há um «jogo da época », que é aquele em que se joga o tudo ou nada. Para o FC Porto, por exemplo, no ano passado, o jogo da época foi – visto agora à distância – a final de Sevilha, que lhe permitiu trazer para Portugal, pela primeira vez, a Taça UEFA. Mas a verdade é que não há apenas um jogo da época, há vários, à medida que se vai progredindo no caminho da vitória. Nesse sentido, antes do jogo de Sevilha, houve vários outros jogos da época para o FC Porto, nomeadamente, os que lhe permitiram abrir caminho para Sevilha e, em particular, os jogos das meias-finais contra a Lazio, que conduziram directamente ao Olímpico de Sevilha. Por isso, o «jogo da época» que o FC Porto joga esta noite contra o Lyon, só o é porque, antes disso, enfrentou e venceu outros jogos da época, como o foram os jogos contra o Manchester e antes contra o Marselha, que permitiram ultrapassar a fase de grupos da Liga dos Campeões. E se, como tantos desejamos, a partir desta noite, o FC Porto desbravar o caminho para a eliminação do Lyon, seguir-se-ão dois novos jogos que significarão essa possibilidade incrível de atingir a final de Geselkirchen. Mas não nos precipitemos: o Lyon vai se um obstáculo tremendo e, muito embora eu mantenha que o sorteio foi feliz com o FC Porto, uma coisa é a teoria, outra a prática. Olhando para o que mudou em 15 dias, no panorama europeu, hoje, por exemplo, talvez fosse melhor que tivesse saído ao Porto um Real Madrid em crise de nítido cansaço, do que este Lyon carregado de ambição e de uma falsa humildade que assusta. A verdade é que só um grande Porto, o Porto da noite contra o Manchester, poderá levar de vencida a equipa surpresa desta edição da Liga dos Campeões. Ambição por ambição, ambas as equipes se equivalem (esse é um dos maiores méritos de José Mourinho, ter construído uma equipa insaciável, que nunca parece cansada de querer ganhar). Pena é que estes 15 dias, desde Manchester, não tenham sido suficientes para recuperar jogadores importantes como Jorge Costa e Pedro Mendes, e que o rol de indisponíveis do FC Porto para esta fase decisiva da época continue a ser tão extenso e tão importante. Desde Manchester, o FC Porto disputou dois jogos, ambos decisivos no desenrolar das respectivas competições: a vitória contra o Boavista, no Dragão, representou, em minha opinião, a machadada decisiva na questão do título – com consequências imediatas na desmoralização revelada pelo Sporting; e a vitória em Braga foi o passaporte que faltava para a final da Taça, depois da vitória também contra o Boavista e da vitória em Vila do Conde, onde o Sporting agora tropeçou com estrondo. Volto a dizer que, ao contrário do Benfica, não foi fácil o percurso do FC Porto até à final da Taça e, por isso, e porque foi trilhado em plena época de decisão do Campeonato e da Liga dos Campeões, tem um valor acrescido e raro. Muito poucas seriam as equipas que, na situação do FC Porto não caíssem na tentação de descurar ou abandonar a menos importante das competições em disputa, como forma de salvaguardar as outras. A grande imagem de marca deste FC Porto é nunca abrir mão de nada. Entretanto, e como já foi referido por outros, estranhei a dureza, a roçar a violência, com que o Braga encarou o jogo. Uma coisa era o desejo intenso de ganhar, de ser o primeiro a vergar o Porto este ano e de chegar à final e garantir a Europa. Outra coisa foi a atitude adoptada para tal que, sabendo-se que os jogadores portistas se queriam logicamente precaver de mais lesões antes do jogo com o Lyon, chegou a revestir aspectos de estratégia de intimidação, pensada friamente. De novo, só uma grande equipa, capaz de se alhear dos ambientes, conseguiria resistir àquela fúria competitiva que, por vezes, como disse Mourinho, esteve «além dos limites», com uma complacente arbitragem. Foi das vitórias do Porto que mais gozo me deram este ano.

2. O Benfica apanhará ainda o Sporting? Eis uma pergunta impensável há umas semanas atrás. No trio da frente, o que era lógico é que Benfica e Porto, sobrecarregados de jogos, fossem perdendo pontos paulatinamente para um Sporting limitado à obrigação de jogar uma vez por semana. Ainda por cima, um Sporting que tem melhor equipa que o Benfica e que, como tantas vezes tem sido recordado, já leva mais pontos esta época do que nas doze ou quinze anteriores. Mas o monumental estoiro do Sporting em Vila do Conde pode vir a ter efeitos psicológicos imprevistos e que, aliados a um calendário final que é tudo menos fácil, ainda é capaz de proporcionar um volte-face nos lugares de honra que poucos ou nenhuns ousavam prever. Tinha graça, uma infinita graça, que, depois de tantos anos a ouvir dizer que a amizade com o FC Porto significava o abraço da morte – triunfos para os portistas e derrotas para os amigos de ocasião – agora se constatasse que a súbita aliança de Dias da Cunha com Filipe Vieira, unidos contra o «sistema» e o FC Porto, conduzisse no curto prazo ao afundamento do Sporting. E se os leões terminarem em terceiro lugar, afastados da possibilidade de qualificação para a Liga dos Campeões, e a dez ou doze pontos do FC Porto, vão precisar de um saco muito grande para lá enfiarem várias violas. Os «roubos» de Barcelos ou do Funchal, o «sistema no seu esplendor», a camisola rasgada do Mourinho, «fatwa» sobre o Rui Jorge, tudo isso se tornará fatalmente, aos olhos dos sportinguistas, o que já era aos olhos dos outros: ridículas desculpas de maus perdedores. Eis um bom motivo para que o Sporting não perca a motivação daqui até final do Campeonato.

3. José Veiga na administração da SAD ou à frente do futebol do Benfica, coloca, de facto, questões interessantes. Sabendo-se que Camacho prefere os jogadores que vêm através do seu empresário espanhol e que José Veiga prefere, logicamente, os seus próprios jogadores, como se entenderão os dois – haverá um Tordesilhas entre ambos? E os que não forem jogadores nem de um nem de outro empresário, que destino terão: serão obrigados a assinar por José Veiga ou terão de seguir (com vantagens pessoais óbvias) o mesmo caminho de Maniche? Eis o tipo de coisa que, na gestão de João Vale e Azevedo, teria já dado direito a uma longa série de interpelações de «notáveis» do Benfica...

A hora das decisões que restam ( 16 Março 2004)

1- Esta noite em Braga e amanhã na Luz decidem-se os finalistas da Taça de Portugal. Mais difíceis as tarefas de Braga e Porto — o quarto classificado do campeonato recebe o indiscutível primeiro mas contrabalança o seu menor poderio com as vantagens de jogar em casa e a muito maior frescura física que tem obrigação de mostrar (afinal de contas, os jogadores podem ser melhores ou piores mas a preparação física, essa depende apenas da capacidade de trabalho e sofrimento). E algum dia há-de ser, algum dia o FC Porto — que este ano ainda só foi batido no Mónaco pelo Milan e nas Antas por um inatingível Real Madrid—há-de tropeçar intramuros. Porque, por maior que sejam a vontade e a capacidade de resistência física, a concentração e a falta de lucidez hão-de falhar em alguma ocasião. Neste momento, em que já se pede a lua ao FC Porto, chegar à final da Taça com um percurso que não foi fácil, ganhar o campeonato e atingir as meias-finais da Liga dos Campeões, a somar à vitória inicial na Supertaça, é um resultado global que não fica aquém da época de ouro do ano que passou. A tarefa do Belenenses, que caminha a passos largos para a segunda divisão e, curiosamente, parece ter piorado substancialmente com os oito (!) reforços de Inverno que adquiriu, essa parece impossível, muito embora também possa e deve atrever-se a explorar o maior cansaço do Benfica. Quanto aos encarnados, esforço continuado à parte, saiu-lhe, no sorteio das meias-finais da Taça, a melhor das seis hipóteses possíveis, culminando um percurso de uma felicidade quase irrepetível, que lhe permitiu estar a um pequeno passo do Jamor sem nunca ter saído da Luz durante as eliminatórias. Mas, fora a sobrecarga de jogos, esta meia-final contra o Beleneneses vem na melhor altura para o Benfica, que finalmente começa a mostrar algum banco (Geovanni, Manuel Fernandes, João Pereira) e que frente ao Inter, e mesmo a espaços contra o Marítimo, mostrou o melhor futebol que se lhe viu este ano. Na Luz, contra o Inter, aconteceu ao Benfica o que havia acontecido uma semana antes ao Rosenborg: encontrou pela frente um guarda-redes que tudo defendeu. Mas o Inter, que já vai em três jogos consecutivos sem marcar um golo, não é forçosamente inultrapassável em San Siro e mesmo já com Vieri. É preciso que o Benfica jogue sem medo, como jogou na Luz, e seja capaz, pelo menos, de marcar um golo. Era bonito e era uma compensação merecida para o grande exército de adeptos benfiquistas, há tanto tempo afastados da emoção e do prazer das grandes noites europeias, como a de quinta-feira passada.

2- No sorteio da Liga dos Campeões o FC Porto, em minha opinião, também acertou na mouche, saindo-lhe a menos difícil das sete alternativas em jogo. E, de repente, da quase certa hipótese de não ir além dos oitavos-de-final—face à má sorte de um sorteio que lhe reservou o Manchester e simultaneamente a lesão do Derlei — o FC Porto passou para uma forte probabilidade de atingir as meias-finais. Mas falta passar o Lyon, que vai ser um obstáculo tremendo, e espero bem que a Liga não deixe de aceder ao pedido de ambos os clubes para adiar o Nacional-FC Porto, permitindo algum descanso aos portistas. Seria absolutamente impensável e injustificável que o não fizesse e, por isso, nem vale a pena especular sobre o assunto, cujo desfecho já deve ser conhecido hoje, quando este jornal sair para a rua.

3- Com a vitória sobre o Boavista — que era um dificílimo teste de resistência física e anímica depois da jornada histórica de Manchester — o FC Porto parece ter garantido definitivamente o título. Esperava muito mais do Boavista, não só pelo suposto factor de mobilização extra que representava o regresso de Jaime Pacheco mas também porque o Boavista não tinha nada a perder e tudo a ganhar. Mas afinal o que se viu foi o mesmo Boavista de sempre, o Boavista com a marca indelével de Jaime Pacheco. Um futebol feito de faltas sistemáticas, lesões simuladas e perdas de tempo, nenhuma apetência atacante e uma defesa do castelo assumida como única estratégia. Enfim, o futebol mais feio do campeonato. Só não se percebe é porque foi despedido Sanchez se ele se limitou, afinal, a herdar e repetir a fórmula de Pacheco, com ligeiramente piores resultados correspondentes a uma pior equipa recebida. E também não entendo porquê só recentemente é que alguns comentadores deram pelo tipo de futebol do Boavista e passaram a embirrar com ele: é o mesmo futebol de há anos para cá. Quando o Boavista foi campeão, há quatro anos atrás, escrevi aqui que tinha sido bom para o clube e mau para quem gosta de futebol. Mas como, nesse ano, o Sporting e o Benfica cedo ficaram afastados da luta pelo título e foi o FC Porto que amanteve até à penúltima jornada, terminando o campeonato a um ponto de distância e com uma vitória por 4-0 sobre o novo campeão, soltou-se um coro geral de elogios ao Boavista, que certamente teria desafinado se os vencidos tivessem sido outros.

4- E, se o FC Porto parece ter garantido o bicampeonato, o Sporting parece ter igualmente firme o segundo lugar e o correspondente acesso directo à Liga dos Campeões na próxima época. Apesar disso, e apesar de uma pontuação que, em várias épocas, seria suficiente para lhe garantir a liderança, é indisfarçável um sentimento de frustração entre o povo leonino. Porque um bom Sporting não chegou para fazer sombra ao FC Porto no campeonato, porque nas Antas foi claramente batido pelos portistas e em Alvalade só o não foi graças a um penalty inexistente e à célebre jogada que o antecedeu, porque na Taça foi eliminado em casa por uma equipa da 2.ª divisão e na UEFA por uma equipa que, embora estando a ser a surpresa da prova, não consta nem da terceira divisão europeia. E, sobretudo, porque neste Março de todas as decisões, enquanto portistas e benfiquistas mantêm em aberto as três frentes de competição e a adrenalina dos adeptos permanentemente carregada, os sportinguistas arrastam-se no único terreno de luta que lhes resta, sem outro objectivo aparente que não o de cumprirem as oito jornadas que restam, mantendo um olho vagamente vigilante sobre o Benfica e uma esperança mais que remota em sucessivos tropeções do FC Porto. Abaixo do terceiro lugar — também ele praticamente garantido ao Benfica—a luta pelo que resta de espaço europeu aparenta igualmente estar já decidida a favor do Braga e do Nacional, com o consequente afastamento de outros que tanto prometeram de início e rapidamente se deslumbraram: Beira-Mar e Marítimo e o tropeçante Boavista. O que resta por decidir resume-se assim aos lugares do inferno, onde existem quatro candidatos a ocuparem as duas vagas de despromação, além da já reservada ao Estrela da Amadora: Guimarães, Paços de Ferreira, Académica e, mais remotamente, o Alverca. Tirando este último caso (é aliás um milagre e um contra-senso a presença de uma equipa sem qualquer sustentação institucional como o Alverca na primeira divisão), todos os outros ameaçados estão na situação em que estão essencialmente por má gestão dos clubes. Não é um problema de treinadores nem de jogadores mas de gestões amadorísticas e incompetentes. Particularmente no caso do Vitória de Guimarães, é evidente que o problema principal chama-se Pimenta Machado e a solução tem de passar, mais tarde ou mais cedo, com descida ou sem descida, pelo fim do seu longo e exaurido reinado. Só o próprio ainda o não percebeu.

Esta noite em Manchester ( 9 Março 2004)

«Hoje à noite namorar, sem ter medo da saudade, sem vontade de casar...»
ELIS REGINA

1 Que hipóteses tem o FC Porto esta noite em Manchester? Sejamos realistas: poucas, quase nenhumas.OManchester é um potentado do futebolmundial, tem jogadores de outro mundo, um banco de suplentes que, só para o ataque, dispõe de Cristiano Ronaldo, Solskjaer e Diego Forlan, um orçamento que é dez vezes superior ao do FC Porto e 30 por cento superior à soma dos orçamentos de todos os clubes da I Divisão portuguesa, um estádio com 60.000 pessoas debruçadas sobre o relvado garantindo um ambiente infernal, onde é quase impossível manter a calma e a concentração, e, como se isso tudo não bastasse, esta noite, como habitualmente, o Manchester United vai ter ainda a seu favor os ventos da UEFA e umtimoneiro ao seu dispor. Para ter alguma remota hipótese de se opor a tudo isso, umFC Porto, ainda para mais desfalcado de algumas peças decisivas (ai, Derlei, malfadado jogo de Alverca...!), vai precisar de três coisas o tempo todo: frieza, coragem e sorte. Frieza para aguentar o ambiente, os cânticos e gritos constantes, a tentativa de pressão e de intimidação que os red devils, apoiados pela sua gente, vão tentar desde o primeiro minuto.OFC Porto lembra-se da experiência, desde a última vez que aqui esteve, emque, atordoado pelo ambiente, foi cilindrado antes mesmo de ter conseguido pegar na bola e mostrar que não era assim tão pior que o Manchester. Mas, quando o fez, já o destino estava indelevelmente traçado. Esta noite, e desde o primeiro minuto, o FC Porto vai ter de se lançar num combate de vida e morte contra a fatalidade do destino. Para tal, vai precisar de uma frieza de icebergue, como se fosse uma equipe de surdos tratados a Xanax, de olhos postos num objectivo que nada e ninguém conseguirá distrair. Depois, vai precisar de imensa coragem. Coragem para não recuar sistematicamente, para defender longe da área e do jogo aéreo, tipo rolo compressor do Manchester, e coragem para atacar sempre que puder, atacar sem descanso o lado fraco dos ingleses, que é o centro da defesa, e atacar com o único tipo de jogo que os desnorteia — os passes curtos e tabelinhas, os improvisos e malabarismos, o futebol de rodeio e imaginação, o samba e o vira. E não ter medo de provocar, investir, ferir o monstro. Enfim, vai precisar de muita sorte. Do tipo de sorte que o Manchester teve no Porto, ao perder apenas por 2-1 tendo feito umúnico remate à baliza e esse através de um livre. Mas também do outro tipo de sorte: é preciso que o árbitro não ofereça ao Manchester, como no Porto, um livre inexistente, ou um penalty já adivinhado, ou uma expulsão sem motivo ouumgolo anulado ao ataque do Porto sem razão. É preciso que o árbitro se esqueça de que oManchester vale infinitamente mais nos quartos-de-final da Liga dos Campeões do que uma simpática, mas pobre, equipa portuguesa. No ano passado, quando estive em Sevilha para a final da UEFA, tive ocasião de ver como se tratavam os funcionários do organismo: era oHotel Afonso XIII, um dos mais luxuosos de Espanha, posto por conta da comitiva uefeira, todas as salas de reuniões reservadas até três dias depois do jogo, salas de refeições exclusivas para as meninas e meninos da UEFA, um batalhão de carros e limousines estacionados por conta cá fora, enfim, uma panóplia de mordomias dignas de uma reunião dos sheiks da OPEP. Quem paga tudo isto, mais os seus magníficos ordenados? As transmissões televisivas. E pagam com que critério? Bom, pagam vinte vezes mais por um jogo doManchester do que por um jogo do FC Porto. Ora, é aqui que a questão se torna séria: para poder continuar a garantir os ordenados e o «train de vie» do pessoal da UEFA, é necessário, imperioso mesmo, que não haja muitos Davides a fazerem frente aos Golias. Sob pena de todo o negócio ficar comprometido. Digamos que, na Europa do futebol, existem uns sete magníficos, que integram o primeiro escalão e são, por si sós, a garantia da prosperidade do negócio: Real Madrid e Barcelona, Manchester e Arsenal, Juventus e Milan e Bayern de Munique. Depois, vem uma segunda divisão composta por Chelsea e Liverpool, Valência e Corunha, Inter, Roma e Lazio, PSG,Mónaco e Ajax. Depois, vem uma terceira divisão onde está o FC Porto, o Celtic, o PSV, o Lyon e o Bordéus, o Werder Bremen e o Eintracht de Frankfurt, o Galatasaray e o Spartak de Moscovo e mais algum clube «flutuante», que pode ser belga, sueco, checo, suíço ou austríaco. A segunda e terceira divisões europeias são essenciais para comporem a fase de grupos da Liga dos Campeões, mas a partir daí são despiciendas ou até prejudiciais e a UEFA deseja, ou recomenda mesmo, que tratem de desaparecer de cena a partir dos oitavos-de-final.Umclube da terceira divisão, como o FC Porto, conseguir chegar aos quartosde- final é uma proeza só repetível cada seis anos; conseguir chegar lá afastando um dos monstros sagrados, como o Milan, o Real ou o Manchester, é praticamente uma impossibilidade. É essa impossibilidade que esta noite se pede ao FC Porto.

2 Não deixa de ser notável que José Veiga, o ex da Casa do FC Porto no Luxemburgo, e o homem que jurou um dia que iria conseguir apear Pinto da Costa da Direcção do FC Porto para se vingar por ele ter vendido o Zahovic para o Valência, por iniciativa própria e em condições muitomais vantajosas para o clube, possa agora vir a ocupar-se institucionalmente do futebol doBenfica. Depois de um sportinguista a tratar da imagem, teremos agora um portista arrependido a tratar do futebol do Benfica!

3 A mesma agência que agora se ocupa da imagem do Benfica, vai-se ocupar também da imagem do Euro. E a mesma empresa que faz a imagem a Santana Lopes e à Câmara de Lisboa, a Durão Barroso e ao PSD para as eleições europeias, ganhou o concurso para a produção dos espectáculos de abertura e fecho do Euro-2004, apesar de, segundo o Expresso, o seu preço ser substancialmente superior a todos os apresentados pelos outros doze concorrentes. Para quem ainda se lembra da indecorosa cena do estado- maior do Benfica a apresentar- se, pela mão de Santana Lopes, a prestar vassalagem ao PSD, num jantar de campanha eleitoral para as legislativas, tudo isto cheira muito mal. Benfica- PSD-Câmara de Lisboa-Euro 2004: tudo a mesma luta?

4 Por falar em EURO-2004, vi esta semana uma entrevista com o coordenador da coisa, onde ele afirma que o Estado— entre comparticipação nos estádios, estacionamentos e acessibilidades— vai gastar «apenas» 180 milhões de euros (ou seja, 36 milhões de contos), com o Euro, os quais o Estado irá recuperar com o aumento do número de turistas e a promoção do País. Esperemos bem que recupere alguma coisa. Agora o que não deixa de ser extraordinário é que o senhor se esqueça de juntar às contas exactamente o dinheiro gasto em promoção do Euro, as despesas administrativas e de organização, as horas extras pagas à policia, aos médicos e a outros milhares de funcionários, e sobretudo, que tenha deixado de fora este dado eloquente: é que as verbas que cita referem-se à participação directa do Estado na construção dos estádios privados, que são quatro. Mas os outros seis estádios construídos ou reconstruídos para o Euro, são integralmente pagos pelas autarquias, mas, curiosamente, não entram nas suas contas. De onde virá, então, pergunto eu, o dinheiro das autarquias?

O orgulho da Nação( 2 Março 2004)

1. É nestas alturas que eu chego a ter dó de todos os arautos do «sistema», dos que vivem uma vida inteira a insinuar, a dizer, a repetir até à náusea, que são eles a melhor equipa, é deles o melhor futebol e só não são campeões crónicos porque o malfadado «sistema» está deturpado para desvirtuar a verdade e fazer do FC Porto um eterno «campeão de secretaria» - sem valor, nem mérito, nem categoria que o justifique. E tenho pena deles, porque em teoria podemos sempre continuar a discutir, sem jamais chegar a consenso algum, questões subjectivas como a de saber quem é habitualmente mais prejudicado pelas arbitragens e quem é mais beneficiado. Por absurdo, entre nós, até se conseguem discutir os factos estatísticos, como o de saber quem foi contemplado com mais penalties a favor, mais expulsões dos adversários, mais e mais longos castigos decretados pelo CD da Liga. Mas, quando chega a altura em que o FC Porto mostra que é capaz de jogar a um nível igual ou superior a uma Lazio, um Milan, um Celtic, um Marselha, um Real Madrid ou um Manchester United, quando mostra que é capaz de regularmente ultrapassar a primeira fase da Liga dos Campeões ou levar até ao fime até à glória a maratona da Taça UEFA, quando vemos os outros a baterem-se desesperadamente pelo segundo lugar no Campeonato porque ele, graças aos pontos conquistados pelo FC Porto, pode dar acesso à Liga dos Campeões, nessas alturas o que resta de argumentos às carpideiras de sempre? O que resta do «sistema», quando vemos o F C Porto reagir a um golo injusto do Manchester, resultante de um livre inexistente e, mesmo assim, continuar, como se nada fosse, a lutar com «coragem e alegria» pela vitória, como nenhuma outra equipa portuguesa seria capaz de fazer (este fim-de-semana, o «despudorado sistema» também fabricou um livre inexistente que permitiu ao Sporting vencer o Marítimo, mas isso é outra conversa...). Quem viu a exibição do FC Porto contra o Manchester e, mesmo assim, continua a insistir na nauseante explicação do sistema para justificar a superioridade interna do Porto, ou é desonesto intelectualmente ou é um caso patológico de inveja incurável. Quarta-feira passada, como tantas outras vezes ao longo dos últimos anos, o FC Porto foi o orgulho da nação futobolística e só os medíocres e os cegos de inveja é que o não reconhecem. Estamos a falar de um futebol a outro nível, ao nível mais alto, um futebol de uma galáxia que não tem nada a ver com as maledicências, as questiúnculas e as mediocridades armadas em grandes senhorias que por cá vegetam.

2. Há oito dias atrás, eu desejei e previ que, face à hecatombe de indisponíveis para o sector atacante, José Mourinho se atrevesse a romper com os cânones habituais da «escola táctica» portuguesa e ousasse apostar no «miúdo» Carlos Alberto. Felizmente, ele pensou o mesmo que eu e o resultado ficou à vista para todos, excepto para os comentadores da RTP, que não se cansaram de dizer que o Carlos Alberto estava a «emperrar todo o jogo ofensivo do FC Porto». Lá fora, porém, não se enganaram na análise: os ingleses escreveram que o Carlos Alberto pôs a cabeça em água à defesa do Manchester, o L’Équipe chamou-lhe «o prodígio brasileiro» e a Marca escreveu que ele «empurrou todo o jogo de ataque do FC Porto».Há coisas tão evidentes que até custa a compreender como é que «especialistas » as não vêem.

3. Outra coisa evidente, para mim, foi o empenho, o desejo, a esperança, que a nossa comunicação social pôs em que Mourinho castigasse «exemplarmente » o McCarthy pela sua noitada em Vigo. Queriam, porventura, um novo caso Jorge Costa, com o qual Octávio acabou de liquidar a então equipa do FC Porto. Tanta insistência no castigo interno a McCarthy não era inocente, mas Mourinho não se deixou ir na conversa, soube resolver o problema internamente e McCarthy mostrou contra o Manchester que valeu a pena não ceder ao canto das sereias. Com um simples jogo, mas visto por uns 200 milhões de pessoas no Mundo inteiro, ele e Carlos Alberto passaram de ilustres desconhecidos a apetecíveis troféus de caça dos tubarões mundiais.

4. O FC Porto-Manchester United, na RTP, fez 32,2 de audiência, 49,6 de share, esmagando tudo à volta. Durante a época em curso, aliás, dos seis jogos mais vistos na televisão portuguesa, cinco tiveram a participação do FC Porto. Dois tiveram a participação do Benfica - a inauguração do novo estádio e o jogo contra o FC Porto. E um, entre os vinte primeiros, teve a participação do Sporting - o jogo das Antas, contra o FC Porto... Aqui fica uma lição para quem, como a RTP ou a Sport TV, entendeu que a transmissão dos jogos caseiros do FC Porto durante a campanha empolgante da Taça UEFA (incluindo a meia-final contra a Lazio), não era serviço público ou não merecia o interesse do público... Pois, uns têm seis milhões de adeptos e outros são os Grandes Senhores do futebol português. Mas, quando chega a altura de ver futebol a sério, as audiências preferem o tal clube do «sistema». Seremos todos estúpidos?

5. Talvez um dia me ocupe a comentar o texto que, sem me nomear, Miguel Ribeiro Teles me dedicou no penúltimo número da revista Doze e que, francamente, me entristeceu. Por ora, limitar-me-ei a dizer que o «fanatismo » de que ele me acusa é sempre fatalmente fanático aos olhos de outro fanático. Quando, por exemplo, ele me lança a gravíssima acusação de usar esta coluna para «degradar ainda mais o ambiente no futebol português», eu - que tenho apenas responsabilidades de adepto, nem de jornalista, nem de dirigente-pergunto-lhe se ele acha que as declarações incontinentes do presidente do seu clube contribuem para dignificar o ambiente? E dou-lhe outro exemplo sobre a bilateralidade das coisas e o «fanatismo» encapotado: no mesmo número da revista em que ele escreve, topei com nada menos do que três textos quase a lamentar que o Benfica-FC Porto tinha sido «um jogo sem casos nem polémicas». Pois não: o único caso que houve, e que as imagens televisivas mostraram claramente, foi o Argel a agarrar o Jorge Costa dentro da área, impedindo-o de cabeçearà baliza - ou seja, um estúpido penaltizinho por marcar. Mas como o prejudicado foi o FC Porto, a coisa passou à categoria de fait-divers, não-notícia, de facto menor destinado ao desaparecimento definitivo dos arquivos da história. Portanto, de facto, não houve caso e não houve polémica, apenas porque o Benfica não tinha caso e o FC Porto, que o tinha, prescindiu da polémica e ainda bem. Mas, pergunto: e se tem sido ao contrário? (Ainda esta semana vi, no Benfica-Moreirense, duas jogadas eloquentes, dentro da área do Benfica: na primeira, o Argel- que, pelos vistos já se acha impune - a agarrar descaradamente pela cintura um avançado contrário, até que o Moreira segurasse a bola; na outra, o Manuel a fintar o Ricardo Rocha para ficar isolado e a ser rasteirado por ele. Comentários do comentador de serviço: «Empate na disputa entre Argel e Manuel» e «temos aqui um lance em que o pé de Ricardo Rocha prende o pé de Manuel». E nada mais, nem mais uma palavra sobre o assunto. Dois penaltizinhos por marcar, dois fait-divers. Fanatismo? Não, o jornalismo desportivo lisboeta na sua versão habitual. Mas quando são os portistas a chamar a atenção para estas coisas é fanatismo. Porque será, pergunto ainda, que todos, todos sem excepção - jogadores ou treinadores- que chegaram ao FC Porto depois de terem passado pelos grandes de Lisboa, afirmam unanimemente três coisas: que no FC Porto se trabalha mais e melhor; que a organização é incomparávelmente melhor; e que, apesar disso, é muito mais difícil ganhar campeonatos no FC Porto do que no Sporting e no Benfica?

6. Pela segunda vez, vejo uma excelente entrevista do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira - agora nas páginas deste jornal, a longa entrevista de sábado passado. Muitos falam e não cumprem, nomeadamente, quando apregoam a vontade de «dignificar» o futebol português. Ele mostra verdadeira vontade e cultura de cumprir. É impossível não acreditar na sua sinceridade, quando diz que o futebol tem de ser, e apenas, um espectáculo, um prazer, uma competição em que se perde e ganha e um local onde se pode levar a mulher e os filhos sem medo de se ser anavalhado. Em relação ao Benfica, a sua tarefa é gigantesca, imensa e longa. Mas não se vê outro caminho possível que não o da política dos pequenos passos. Sendo o futebol a chave de tudo, Vieira tem uma equipa profissional que, peço desculpa. mas volto a dizer que, excepção feita a Moreira e Simão, não tem categoria. Miguel ataca bem mas defende mal, o Tiago tem uns fogachos de vez em quando, o João Pereira é uma grande promessa mas que, por enquanto, ainda não é capaz de assegurar dois jogos bons de seguida, e o Mantorras é uma incógnita. Pelas minhas contas, para poder jogar a um nível verdadeiramente elevado, o Benfica precisa de outro guarda-redes que salvaguarde qualquer impedimento de Moreira, de três laterais, de um naipe completo de centrais - quatro -, de quatro médios, de um ala e de dois pontas-de-lança. Quinze jogadores. E quinze jogadores, muito bem prospectados (que é coisa que o Benfica, surpreendentemente, não tem sido capaz de fazer), custam, no mínimo uns seis milhões de euros ou doze milhões de contos. Dinheiro que o Benfica não tem, como não o tem qualquer outro clube português. Simplesmente, Porto e Sporting foram formando um núcleo duro de qualidade, gerindo as saídas e as entradas, alternando a idade com a juventude e as compras exteriores com o resultado das escolas de formação. E, enquanto o faziam, o Benfica perdia tempo e recursos a comprar jogadores de segundo plano ou em fim de carreira, esperando o milagre de conseguir fazer omeletas com ovos fora de prazo. Mas, como o mostra a entrevista de Vieira, ele sabe que os milagres não existem. Custam tempo, planeamento, organização, trabalho e dinheiro.

Missão impossível? ( 24 Fevereiro 2004)

1- O FC Porto, em minha opinião, ultrapassou brilhantemente a fase de consolidação do Campeonato que, entre outras dificuldades, envolvia as deslocações à Luz e a Alvalade, a par da manutenção em prova na Taça de Portugal. Tal como aqui escrevi há meses, para voltar a ser campeão, o FC Porto precisava de chegar aqui, ao jogo com o Manchester, com suficiente avanço no campeonato que lhe permitisse precaver-se contra eventuais percalços internos motivados pelo excesso de jogos, de competição e de stress. Nunca é de mais realçar o grau de exigência e de esforço totalmente diverso de uma equipa que, a par das competições internas, se bate simultaneamente ao mais alto nível europeu, face a concorrentes que apenas têm de se concentrar em jogos semanais e internos. E o facto é que o FC Porto conseguiu chegar a esta fase de todas as decisões com o Benfica afastado do título e a concorrência reduzida a um persistente Sporting que, mesmo assim, está a distância razoável embora não decisiva de sete pontos, que, na verdade, são oito. Ainda não é o título ao virar da esquina, mas é uma posição altamente confortável e o máximo humanamente exigível a quem, além do mais, sofreu a baixa insubstituível de Derlei — apenas o melhor jogador do campeonato — somada a uma onda de lesões que, como quase sempre, veio na pior altura.

2- Para o jogo de amanhã, de grau de exigência absoluto, José Mourinho depara-se com um cenário quase devastador. Com Derlei, Alenitchev e César Peixoto magoados, Maciel e Sérgio impedidos de jogar na Europa, Costinha castigado e Maniche eMarco Ferreira em dúvida, são sete ou oito baixas entre o «núcleo duro» dos 18/20 jogadores que constituem a estrutura habitual de uma equipa de alta competição. Isso, mais o facto de, entre as baixas, se contarem todos os flanqueadores da equipa, reduz claramente as opções de Mourinho e deixa-o sem soluções de recurso— ou acerta à primeira, ou não há emenda possível. E o que poderá fazer Mourinho? É manifesto que não tem alternativa senão jogar em 4x4x2. Mas um 4x4x2 que não deixa grandes ilusões quanto às possibilidades de contra-ataque, porque nem Jankauskas nem McCarthy são jogadores para assegurarem por si o contra-ataque, pelo contrário, ambos são pontas-de-lança clássicos para serem servidos a partir dos extremos... que não há. Assim sendo, parece que a única solução ofensiva háde ter que residir no meio-campo. Uma noite de inspiração de Deco e Maniche (este, se jogar) é essencial, mas pode não ser suficiente. Ontem, aqui em A BOLA, aventava-se a hipótese de Mourinho fazer entrar Ricardo Costa para defesa-direito e chegar Paulo Ferreira para o meio-campo. É uma solução que já tem sido testada e, a meu ver, sempre sem resultados eficazes, para além do facto de essa ser o oposto de uma solução que reforce a capacidade ofensiva e desequilibradora do meio-campo. Se aceitarmos que as hipóteses de chegar ao golo terão, por força das circunstâncias, de vir essencialmente do meio-campo, eu penso que, à primeira vista, a solução lógica será a oposta. Ou seja, o Carlos Alberto, um repentista e desequilibrador nato, o tipo de jogador que, quando em noite inspirada, mais mossas pode causar a equipas inglesas. Mas, com ou sem Carlos Alberto, o problema principal de Mourinho vai ser quando olhar para o banco e constatar que, além de defesas, só tem disponíveis jogadores que vêm de lesões, como Ricardo Fernandes e Bosingwa, ou jogadores pouco testados, como Bruno Morais — se a memória me não falha, o único avançado disponível, para além de Jankauskas e McCarthy. E se olharmos para o banco do Manchester United... Enfim, não há muito mais a fazer do que aquilo que Mourinho já disse: esquecer as contrariedades e jogar com coragem e alegria. A verdade é que, como ele também notou e todos sabemos, em condições normais, nenhuma grande equipa portuguesa se pode bater com uma grande equipa europeia. Quanto mais em condições anormais...

3- A Selecção de Scolari não me aquece nem me arrefece. Os jogos já disputados neste ano e meio não servem para estabelecer nenhum padrão, nem quanto a resultados, nem quanto a exibições, a não ser a mediania de uns e outros. Quando a Selecção entra em campo, seja contra quem for, não é previsível para ninguém que exibição irá realizar e que resultado irá obter. Tudo parece continuar eternamente dependente dos rasgos de inspiração de um Figo ou de um Pauleta, coisa que qualquer seleccionador de bancada é capaz de programar. Passado ano e meio, é difícil de perceber que progressos foram feitos em relação à liderança provisória de Agostinho Oliveira, assim como, em última análise, é difícil de entender para que serviram os treze ou catorze jogos de preparação já efectuados. Não há uma linha contínua de evolução e melhorias, não há sequer um esquema de jogo claro e definido. É evidente que a grande preparação será feita quando a Selecção se concentrar nos vinte dias antecedentes ao Euro, com todos os jogadores já libertos dos seus outros compromissos. Mas isso equivale a dizer que tudo poderia começar de novo, a partir daí, visto que em termos de qualidade de jogo adquirida não existe nada. Mas não é o caso: já todos mais ou menos podemos dizer quem são os 23 da escolha final de Scolari, o que significa que praticamente já não há lugares em aberto. Mesmo aquilo que poderia suscitar dúvidas parece já resolvido: Ricardo Carvalho não será titular, pelo menos de início, apesar de ser, à vista de todos, o melhor central português em acção. Vítor Baía não será chamado — devido a uma teimosia irracional de Scolari que talvez um dia se perceba — e apesar do manifesto e preocupante problema que os dois guarda-redes de Scolari têm com o jogo aéreo: Quim, porque é baixo de mais, e Ricardo porque, apesar de ser um enorme guarda-redes entre os postes, é um factor de permanente instabilidade no jogo aéreo, como ficou bem patente no último Gil Vicente-Sporting. Enfim, os comandados de Luiz Felipe Scolari, após um ano e meio de preparação que se afigura ter sido rigorosamente inútil, vão ter vinte dias para se porem em forma e justificarem as expectativas que quase toda uma nação deposita neles. Têm a seu favor o factor casa, que significa o apoio do público e arbitragens tradicionalmente amigas. Mas mesmo isso, por si só, não chega. Vão ter de mostrar muito mais valor e muito mais futebol do que têm feito até aqui.

Só futebol ( 17 Fevereiro 2004)

1-Não tivesse sido a ida de Dias da Cunha à RTP e a ida de Pinto da Costa a uma festa dos dragões de Espinho e esta teria sido uma semana anormalmente calma no futebol português, apesar do Benfica-FC Porto. Em matéria de bocas por fora estiveram irrepreensíveis os responsáveis do Benfica e, particularmente, o seu presidente, que parece não ter falado por falar quando disse, a quente, que a morte de Fehér o iria levar a reconsiderar muitas coisas. Antes, durante e após o jogo decisivo para o seu clube deixou todo o palco para os jogadores e para o verdadeiro espectáculo. É justo que se reconheça o exemplo.

2-Pinto da Costa foi muito infeliz, a meu ver, quando veio contar em público que Reinaldo Teles havia sido convidado para «ir beber um copo» por pessoas que estavam «chorosas» no velório de Fehér. Porque não há nada de mal em que amigos bebam um copo ou estejam juntos a seguir a um velório e, sobretudo, porque não se revelam conversas privadas entre amigos, ainda por cima se elas não envolvem a própria pessoa que as conta. Foi deslocado e gratuito. Acho, em contrapartida, forçado que o condenem por, em resposta à recente e surpreendente (ou talvez não...) aliança Benfica-Sporting, ter dito que ela era justificável pela constatação de que, sozinhos, nenhum deles conseguiria derrotar o FC Porto. Parece-me uma resposta normal a uma situação anormal e acho verdadeiramente rebuscado que alguém tenha tentado ver nessa declaração «uma forma de pressão» em vésperas do Benfica-FC Porto (e pressão sobre quem?).

3-Há pouco mais de um mês atrás Dias da Cunha recusou- se a acompanhar a sua equipa à Luz declarando que isso seria «hipócrita» da sua parte. O Benfica, como ele não se cansou de insinuar ao longo dos últimos anos, integrava o tal sistema que o Sporting combatia e combate em nome da moralização, da transparência e outras coisas grandiloquentes que tais. Mas eis que morre o Fehér e, como que por milagre, o Benfica deixa de fazer parte do sistema aos olhos de Dias da Cunha — que é assim uma espécie de ungido do Senhor, com a missão de, em cada momento, declarar quem são os bons e os maus, quem são aqueles que estão no recto caminho indicado pelo exemplo virtuoso do presidente do Sporting e quem são os indignos de o terem sentado a seu lado na tribuna de um estádio. Há um mês atrás Luís Filipe Vieira fazia parte desta última categoria dos infrequentáveis; agora, graças à morte de Fehér, Dias da Cunha perdoou-lhe os pecados passados e até, num golpe de prestidigitação, riscou-o do sistema ou da direcção e mando na Liga. O Benfica que, juntamente com o Boavista, tomou conta da Liga, chegando Vieira a declarar que isso era mais importante que comprar bons jogadores, vê-se agora, por concessão do príncipe, apagado desse currículo, desse estatuto e dessas benesses tão denunciadas pelo presidente do Sporting e substituído nessa ignomínia por Pinto da Costa e o FC Porto—que, por acaso, foi, juntamente com o Sporting, o único clube que votou contra o actual poder e que não dispõe de um só elemento em nenhum órgão de poder do futebol português. Hipocrisia, disse ele?

4-A ida de Dias da Cunha ao programa de Judite de Sousa foi, para resumir tudo em breves palavras, uma coisa pungente, patética, mesmo chocante. Até aqueles que poderiam, em circunstâncias normais, sentir-se atingidos ou ofendidos pelas suas afirmações sempre levianas desta vez apenas conseguiram ter dó. Diz ele que a sua «entrevista» foi recebida com «muito entusiasmo». Não haverá mesmo uma alma caridosa que lhe explique?

5-O amigo Valentim Loureiro, porém, resolveu levá- lo a sério e sentir-se ofendido, com queixa à Procuradoria e Comissão Disciplinar da Liga. É extraordinário que o presidente do Sporting possa passar toda a semana anterior ao Sporting-FC Porto a incendiar os ódios, insultando não apenas o seu adversário e os seus adeptos mas virtualmente todos os portuenses — e nada lhe suceda... Mas, se toca no presidente da Liga, aí já a coisa fia mais fino e há que tomar providências disciplinares para o responsabilizar pelo que diz.

6-Todavia, e como já sucedeu com a camisola rasgada do Mourinho, também agora o presidente do Sporting tratou de ir adiantando que não tem de provar o que diz. Ele «conhece casos de corrupção»mas não tem de os denunciar nem identificar. Aquele artigo do Código Penal sobre o crime de difamação, que se aplica a todos os cidadãos, Presidente da República incluído, não se aplica porém ao presidente do Sporting. Privilégios...

7-O Benfica-FC Porto não foi um grande jogo de futebol mas foi do melhor que se arranja por cá e do melhor que se tem visto este ano. Para começar, nem de um lado nem do outro houve provocações prévias nem tentativas de pressão sobre o árbitro. Não houve incidentes especiais entre adeptos, não houve artistas contratados para se atirarem para o chão em momentos críticos, nem lesões simuladas, nem perdas de tempo deliberadas, nem jogadas antidesportivas, nem uma arbitragem descaradamente caseira. Foi um derby onde se jogava o título, decidido sem penalties, nem golos duvidosos, nem expulsões, nem entradas para magoar. Por isso mesmo estranhei que, num jogo com tão poucas faltas e sem maldade, o Benfica tivesse acabado sem nenhum cartão amarelo, o que foi perfeitamente justificável, mas o FC Porto tivesse acabado com quatro, o que condiciona sempre os jogadores. Julgo que nenhum benfiquista de boa-fé conseguirá encontrar um só lance em que possa reclamar do árbitro. Já o FC Porto tem um offside nuito duvidoso arrancado ao Maciel em jogada de perigo iminente e um claro penalty do Argel sobre o Jorge Costa, que admito que o árbitro possa não ter visto mas que a televisão revelou claramente. Ora, sempre achei que não fica bem uma equipa reclamar de um erro do árbitro, mesmo que porventura decisivo, se em jogo jogado não demonstrou, como foi o caso, merecer ganhar. Isto é, por maior que seja a razão nesse particular, não se pode invocar um erro de arbitragem para justificar a não obtenção de um resultado que não se justificou. Essa é a tradicional postura do Sporting (apesar dos nove penalties que já leva assinalados a seu favor, contra três do Benfica e FC Porto). Mas as grandes equipas, como o FC Porto, habituadas a erros de arbitragem em alta competição europeia — onde os potentados são sempre favorecidos pela arbitragem dos monstros sagrados Collina ou Kim Nielsen, a benefício das receitas televisivas —, já sabem que muitas vezes é preciso jogar contra os erros dos árbitros, porque os jogos se ganham dentro de campo e não no flash interview. Repare-se como nem Jorge Costa nem nenhum outro jogador do FC Porto perdeu tempo, durante ou após o jogo, a reclamar do penalty que João Ferreira não viu. Eu louvo essa atitude mas não posso deixar em claro a atitude dos dois comentadores da RTP, esforçando- se desesperadamente por fingir não verem bem o que as imagens, repetidas e passadas em câmara lenta, mostravam com incontornável clareza. Um pouco mais de isenção só lhes ficaria bem. Detalhe à parte, o essencial é que o FC Porto não jogou o suficiente para merecer vencer um Benfica que foi do melhor que tenho visto esta época e que demonstrou coragem e atitude. Mas, antes que comecem as tiradas de consolação do género «demonstrámos que somos melhores que o Porto», convém recordar várias coisas. Primeiro, que o Benfica tinha de jogar neste jogo uma cartada final decisiva, enquanto o FC Porto tinha, sobretudo, de gerir a sua vantagem e o seu avanço, agora que está em pleno ciclo terrível da época. Depois, que a qualidade de uma equipa não se mede por um jogo, mas por uma época inteira, e, nesta, o FC Porto já leva mais jogos disputados e bastante mais jogos difíceis que os seus concorrentes directos. O Sporting está afastado de todas as competições, excepto o campeonato, o Benfica mantém-se na Taça e na UEFA, mas graças a uma irrepetível sorte nos sorteios; o FC Porto lidera o campeonato, está nas meias-finais da Taça, depois de ter afastado equipas da primeira Liga como o Boavista, venceu a Supertaça Cândido de Oliveira e esteve a um sopro de vencer a Supertaça Europeia contra o Milan e, acima de tudo, ultrapassou a primeira fase da Liga dos Campeões e, depois do Real Madrid, saiu-lhe pela frente nada menos que o Manchester United. Enfim, mesmo no campeonato, o FC Porto terminou na Luz todas as deslocações teoricamente mais difíceis (já foi ao Restelo, a Alvalade, à Luz, ao Funchal, a Leiria, a Guimarães, a Braga e ao Bessa, sem nunca conhecer a derrota) e tem mais um jogo disputado fora que o Benfica e mais dois que o Sporting. Last but not least, convém ainda não esquecer que o FC Porto que se apresentou na Luz estava desfalcado de Derlei, César Peixoto, Alenitchev e Marco Ferreira. Esperar que chegasse à Luz e passasse os 90 minutos em cima do Benfica era pura demagogia. O essencial é que, no espaço de duas semanas, Sporting e Benfica tiveram ambos a possibilidade de encurtar distâncias para o FC Porto e não o conseguiram.

"Factos, apenas factos ( 10 Fevereiro2004)

1. José Mourinho foi o bombo da festa de toda a imprensa lisboeta, sem excepções, durante a semana que passou. Até o director do «Público» achou que se justificava um editorial, atacando-o. Todos o crucificaram «pelo que disse e pelo que fez». O que disse e o que fez José Mourinho que tenhamos como seguro? Disse que se queria ir embora do futebol português, subentendendo que este não prestava devido aos jogos de bastidores. E, então, não dizem todos os articulistas da imprensa desportiva e da outra a mesma coisa, todos os dias?

2. Disse também José Mourinho que a célebre reposição da bola em jogo pelo Rui Jorge tinha sido uma jogada profundamente antidesportiva. E, então, é verdade ou não que ele não esperou que os adversários que tinham ido assistir o seu colega de equipa se recolocassem no jogo para lançar a bola e, pelo contrário, explorou essa ausência posicional para lançar a jogada que valeu o empate ao Sporting? Porque se indignaram tanto com a acusação de Mourinho e ninguém se indignou com a jogada do Rui Jorge e do árbitro? Se o F.C.Porto tem ganho o jogo com jogada semelhante (completada com um penalty de anedota) que sucederia nas bancadas de Alvalade e nos editoriais da imprensa? Dizem que Mourinho não tinha legitimidade para se indignar porque, no ano passado, durante o Lazio-Porto, ele impediu um jogador italiano de fazer um lançamento lateral. Pois impediu, mas como aqui explicou Cruz dos Santos, fê-lo deliberadamente e para impedir que a equipa italiana lançasse um ataque quando havia um defesa do Porto magoado no relvado. Em ambos os casos, o critério foi o mesmo: o jogo antidesportivo não devia valer.

3. Que mais disse ou fez José Mourinho? Segundo José Eduardo Bettencourt, terá desejado a morte em campo de Rui Jorge. Disse-o Bettencourt por ouvir dizer e acredite quem quiser. Provas não há; testemunhos, a haver, serão todos por dever de ofício e fidelidade à entidade patronal. O mesmo em relação ao tão falado episódio da camisola rasgada, que Mourinho igualmente desmente como «absurdo».O único testemunho que temos é o de Bettencourt e, por ouvir dizer, até agora, não apareceu ninguém a dizer que tinha assistido ao acto. Os dois delegados ao jogo presentes começaram por nada ver e nada relatar. Depois houve um que acrescentou uma adenda a subentender que tinha visto, mas, logo no dia seguinte e antes ainda de Mourinho lhe ter chamado mentiroso, veio dizer que afinal não tinha visto, tinha apenas tomado conhecimento da ocorrência via José Eduardo Bettencourt.

4. O Sporting diz que tem um vídeo mas, estranhamente, não o mostra. Temos assim apenas um testemunho indirecto e outro, directo, que o contradiz. E nenhum testemunho independente ou qualquer outra prova. O que poderia fazer, se entendesse fazer alguma coisa, um órgão de disciplina que, ao contrário do CD da Liga, fosse um órgão isento e com pudor? Abrir um processo de averiguações para tentar saber se Mourinho tinha de facto rasgado a camisola e desejado a morte de Rui Jorge publicamente, ou se se tratava apenas de uma grave difamação de um alto responsável do Sporting, para mais susceptível de desencadear a ira dos adeptos sportinguistas sobre os 1200 portistas que ainda se mantinham dentro do estádio. O que fez o CD da Liga? Partiu do princípio de que Bettencourt dizia a verdade e Mourinho mentia e abriu um inquérito apenas contra este. Revelador.

5. A propósito, desafio os leitores a fazerem o mesmo exercício que eu tentei em vão: vejam se conseguem rasgar com as mãos uma camisola daquelas. E vejam ainda se conseguem que ela fique, não rasgada de lado ou pela gola, mas com um rasgão a meio, como se tivesse sido esfaqueada. Terá Mourinho sacado de uma faca? Sabem como é que se consegue rasgar uma camisola daquelas? Com um a puxar para um lado e outro a puxar ao contrário. Nesse caso, Mourinho terá puxado de um lado, e quem terá puxado do outro? E qual deles a rasgou? Estou ansioso por ver o vídeo do Sporting...

6. Que eu saiba, no mundo inteiro, os jogadores trocam de camisola dentro do campo, ou, pelo menos, antes de irem para os respectivos balneários. No Sporting parece que não: manda-se o roupeiro levar a camisola ao balneário do adversário. Curioso.

7. No Mundo inteiro, também, a camisola que se troca é aquela com que se jogou. Mas Rui Jorge jogou com uma de mangas compridas e a que apareceu rasgada tinha as mangas curtas. Explicação: no Sporting, os jogadores guardam uma camisola extra dentro dos cacifos exclusivamente para as trocarem depois dos jogos e via roupeiro. Adensam-se os indícios contra José Mourinho.

8. Se Mourinho não escapou à sanha justiçeira do CD da Liga, outros, para além de Bettencourt, escaparam. Liedson, por exemplo, que passou o jogo a fazer teatro, com uma encenação que passou despercebida a Lucílio Baptista, mas que num jogo internacional não lhe passaria, sob pena de não voltar a arbitrar sob a égide da UEFA. A Direcção do Sporting, que deliberada e abertamente violou a lei na repartição dos bilhetes para o público. O presidente da SAD do Sporting, acirrando convenientemente os ânimos, quatro dias antes do jogo, falando dos chaimites para receber «os novos vândalos», da instigação ao crime e outras atoardas que tais. Um gentleman.

9. O gentleman continuou a espalhar a sua visão moralista do futebol, mal desembarcou de uma semana ausente. Anote-se: os outros é que «perderam a cabeça, deram um festival de loucura». Provas? As provas «foram dadas publicamente» (seria a camisola exibida por Bettencourt?). E o videozinho, pergunta-se. «Não perguntem se temos provas. Temos as nossas provas mas vamos guardá-las» (para o museu, para recordação?) Mas o senhor continua muito zangado — agora contra a comunicação social. E porquê? Porque, apesar de ter estado ausente, ele acha, vejam lá, que a comunicação social «deu o mesmo tratamento ao Sporting que deu à posição do FC Porto, prestando um péssimo serviço ao País.» Se ele mandasse, está bom de se ver, no mínimo, o FC Porto, ou até a própria cidade, desapareciam do mapa, quanto mais das notícias.Saudades do antigamente, desse país do antigamente, em que um gentleman como ele não podia ter a mesma cobertura mediática que um vândalo como Pinto da Costa.

10. E Pinto da Costa? Em vão os jornalistas passaram uma semana inteira, antes e depois do jogo, a estender-lhe o microfone para ver se o incitavam a alguma declaração bombástica que depois pudesse ser pretexto para piedosos editoriais sobre o destempero verbal dos dirigentes. Mas o homem só abriu a boca para anunciar que o seu clube deixava de ter relações com os cavalheiros do Sporting. Li algures o texto de um indignado editorialista que perguntava como é que Pinto da Costa podia «continuar calado face a tais acontecimentos?» Fartei-me de rir.

11. Faço, de boa-fé e boa vontade, uma correcção de pormenor ao que aqui escrevi na semana passada. Eu escrevi que, quando o Rui Jorge relança a bola em jogo, na jogada crucial do encontro, o Jorge Costa ainda está fora de campo, a pedir ao árbitro autorização para entrar, e é exactamente pelo buraco que ele deixou desocupado que o Liedson se infiltra na área do Porto, para depois sacar o penalty que evitou que o Sporting esteja hoje a dez pontos do FC Porto e o campeonato talvez decidido (há que contar agora com o novo factor extra de dificuldade para os portistas que resultado estado inqualificável da relva do Dragão). Ora, quando escrevi, segunda-feira de manhã, eu tinha visto apenas duas repetições da jogada e só uma em câmara lenta. Depois, tive ocasião de ver várias outras e constatei que, de facto, o Jorge Costa já está para cá da lateral quando o Rui Jorge lança a bola, e que talvez o gesto dele não seja a pedir ao árbitro autorização para entrar, mas sim que retarde o lançamento até ele e Maniche se recolocarem em jogo. Isso, porém, só reforça o que eu escrevi: que o Jorge Costa teve consciência de que relançar o jogo assim era tirar partido da sua ausência. Enganei-me, pois, numa leitura visual que implicou, talvez, um segundo de diferença. Mas também me enganei noutra conclusão que tinha tirado e que as repetições depois vistas me levaram a alterar. Eu escrevi que a responsabilidade tinha sido do árbitro, que tinha mandado o Rui Jorge lançar a bola, e não deste, como acusou Mourinho. Ora, de facto, talvez (não se vê) o árbitro tenha dado a ordem. Mas o Rui Jorge foi lesto a cumpri-la e fê-lo exactamente para o local onde sabia que faltava o Jorge Costa e deliberadamente para tentar, como conseguiu, tirar vantagem desse facto. Foi um gesto de profundo antidesportivismo que só o calor do jogo pode justificar.

12. O sr. Daniel Reis, que aqui escreve como sportinguista, aproveitou o meu engano para me chamar mentiroso, aldrabão e manipulador e, para ensaiar, dar-me lições de ética jornalística. Obviamente, não ofende quem quer, mas quem pode, e o sr. Daniel Reis não é ninguém no jornalismo português para me conseguir ofender. Quanto à deontologia, o problema dele comigo foi eu aqui ter escrito que não entendia como é que alguém pode ser num jornal cronista com cor clubista assumida e noutro fingir-se de jornalista isento, assinando textos pseudofactuais onde repete a propaganda das razões do seu clube, induzindo os leitores em erro, ao confundir opinião com notícia. Por isso é que ele se mostra tão indignado por eu habitar também as páginas de A BOLA — onde sempre estive com expressa declaração de princípios de que aqui não faço jornalismo mas apenas opinião. É outro com saudades do antigamente. Saudades do tempo em que eles viviam a dois, no paraíso reservado da Segunda Circular, e todas as vozes incómodas estavam silenciadas."

"O incendiário, o artista, o daltónico e o cavalheiro"(3 Fevereiro 2004)

"Para que não haja lugar amal-entendidos, começo por dizer que considero justo o resultado do Sporting- FC Porto. Muito embora se me tenha tornado evidente que o Sporting não conseguiria marcar que não de penalty e não conseguiria evitar a derrota sem a decisiva ajuda do árbitro, a verdade é que os portistas já contavam com isso. Em Alvalade, desde há muitos anos para cá, o FC Porto enfrenta sempre o Sporting e a arbitragem.. Em Alvalade, de resto, é raro assistir-se a uma arbitragem que não seja descaradamente caseira, ver o adversário terminar com onze jogadores ou deixar de ser punido com penalty inexistente. A pressão sobre os árbitros, antes e durante os jogos, aliada ao choradinho de que ainda são prejudicados, é hoje um factor decisivo na competitividade do Sporting. Em dois jogos de título consecutivos, o Sporting beneficiou de quatro penalties, dois dos quais, pelo menos, falsos como Judas e decisivos. Mas, como disse, comisso já oPorto contava e cabia-lhe, mesmo assim, lutar pela vitória, o que manifestamente não fez. O resultado é, pois, justo, mas a história do jogo e do resultado fica indelevelmente ligada a quatro personagens: o incendiário, o artista, o daltónico e o cavalheiro.

O INCENDIÁRIO é, obviamente, o presidente do Sporting. Não foi preciso esperar nem quarenta e oito horas depois do enterro do Fehér para que todas aquelas bonitas palavras sobre solidariedade e paz no futebol tombassem com estrondo, quando Dias da Cunha abriu a boca e, como de costume, despejou ódio e irresponsabilidade. Pode sempre adoptar-se em relação a ele a atitude que se vem instalando de o tomar como inimputável, a quem basta estenderem um microfone para ele se passar de todo. Mas, apesar de tudo, desta vez, o seu comportamento excedeu os limites do anti desportivismo, do insulto e da provocação e só não há mortos e feridos a lamentar do incêndio que ele quis atear porque os adeptos mostraram bem mais categoria para estar no futebol do que o presidente do Sporting. Notável o descaramento com que ele enfrentou o problema criado com a atitude anti desportiva de limitar, contra a lei, a venda de bilhetes a adeptos doFCPorto (e, afinal, estavam dez mil lugares por preencher no estádio...), dizendo que tudo se resumia a uma multa que o Sporting pagaria «sem problemas ». Elucidativa das suas boas maneiras a forma como, tendo visto contrariada pelo MAI a tentativa de separar os adeptos portistas uns dos outros, de modo a que o seu apoio não se sentisse, e mesmo pondo em risco a sua segurança, ele reagiu acusando as autoridades de «terem baixado as calças» às ameaças portistas (respondeu-lhe e muito bem o Comando-Geral da PSP, dizendo que não estavam habituados a discutir «a esse nível»). Irresponsável a leviandade de incitar os ânimos e os ódios, quarenta e oito horas antes do jogo, chamando criminoso a Pinto da Costa, novos vândalos aos adeptos portistas e declarando que, se os houvesse no mercado, mandaria rodear o estádio de chaimites para receber os do Porto. Forte da coragem de saber que em Alvalade nada arriscava e fortalecido pelo abraço recebido na Luz, Dias da Cunha achou-se com a retaguarda suficientemente protegida para insultar tudo e todos, dentro do novo clima de desportivismo, transparência e apaziguamento de que se proclama arauto. Mas é certo e sabido que da próxima vez que o Sporting for às Antas, ele se vai quedar por um hotel no Porto, a ver o jogo pela televisão, declarando que não há ambiente para um senhor como ele ir ao estádio.

O ARTISTA foi, claro, Liedson. Pessoalmente, acho-o um grande jogador e um perigo à solta dentro da área, mas não sabia que, tal como o seu colega Silva, já tinha conseguido, em tão pouco tempo, assimilar as regras da escola de teatro da Academia de Alcochete e aprimorado o estilo de penalties à João Pinto. O primeiro penalty que sacou sábado passado é um clássico dentro do género: é só preciso chegar à bola primeiro que o guarda-redes, depois adianta-se a bola para onde não se consegue nem se pretende ir buscá-la, trava-se a corrida de modo a que uma perna «de arrasto» vá bater nas pernas do guarda-redes, que as não pode fazer desaparecer por magia, e pronto... é penalty. Do segundo penalty nem vale a pena falar, bem como das simulações de faltas sofridas e da forma inebriante como ele se atirava para o chão a rebolar sem parar, como se tivesse sido atingido por um cortador de relva. Agora, na memória de nós todos (excepto, claro, na da Comissão Disciplinar da Liga), há-de ficar aquela cena anedótica em que ele, reagindo ao retardador, se atira para o chão a rebolar e a gritar de dores pungentes, quando o Jorge Costa lhe encostou dois dedos à orelha. Juro que, no género tragicómico, nunca tinha visto igual. Melhor mesmo, só o inevitável Dias da Cunha, a declarar no final que era umapena que Lucílio Baptista não tivesse visto a agressão do Jorge Costa. Ele ver viu, viu exactamente o que se passou, mas até achou que um teatro daqueles até merecia aplausos. Beneficiando da compreensão do árbitro, o artista prosseguiria a sua performance ao longo do jogo e viria a revelar-se decisivo para o seu desfecho.

O DALTÓNICO é precisamente o grande internacional Lucílio Baptista, que esteve, uma vez mais, igual a si mesmo, isto é, sem pinga de isenção ou categoria. Para os artistas do Sporting era toda a compreensão do mundo, para os do FC Porto era dedo em riste, cara de mau, tom de ameaça, amarelos por dá cá aquela palha. Faltas contra o FC Porto eram todas e mais algumas, até assinaladas voltando atrás depois de ter dado a lei da vantagem. Contra o Sporting, foi uma inexplicável dificuldade em ver faltas evidentes: o Deco rasteirado à entrada da área, depois do 0-1, o Maciel agarrado pelo Rui Jorge quando se ia isolar, o Beto a defender em voo e como punho no limite exterior da área, o Pedro Mendes atropelado por dois jogadores do Sporting dentro da área do Porto, permitindo uma jogada de muito perigo do Sporting, etc, etc. Penalties, está tudo dito: viu o primeiro, todavia bem menos visível que os dois que, no ano passado, no mesmo jogo, deixou passar contra o Sporting; quanto ao segundo, conseguiu a proeza de, a trinta metros de distância e encoberto, ver uma pretensa falta cometida pelo Paulo Ferreira sobre o Liedson, quando os dois corriam de costas para o árbitro e lado a lado. Ainda e decisiva foi a sua ordem ao Rui Jorge para lançar a bola, na jogada do segundo penalty e quando estava a ver que na lateral ainda estavam o Maniche e o Jorge Costa junto do João Pinto. Se o Rui Jorge diz a verdade — e eu acredito que sim—o Mourinho cometeu uma injustiça para com ele. O responsável por aquele acto profundamente anti desportivo de recomeçar o jogo tirando vantagem de dois adversários se encontrarem de fora a assistir um colega magoado, foi do árbitro e não do defesa sportinguista. O que eu sei é que as imagens mostram o Jorge Costa a pedir ao árbitro autorização para reentrar em campo, já depois de o Rui Jorge ter lançado a bola, e sei que, não por acaso, foi exactamente pela zona do Jorge Costa e aproveitando a sua ausência, que o Liedson entrou para se atirar para o chão, ganhar um penalty e dois pontos. Foi feio, muito feio, ou, como disse o inevitável Dias da Cunha, uma «arbitragem corajosa» e «contra o sistema». É verdade que, como acrescentaram alguns sportinguistas, Fernando Santos incluído, faltou ainda expulsar o Vítor Baía no lance do primeiro penalty: os quatro ex-árbitros que funcionam como analistas da arbitragem em «O Jogo», explicavam na edição de domingo e unanimemente porque o Baía jamais poderia ter sido expulso e porque o segundo penalty foi inventado. Remeto para essa leitura os porventura de boa-fé.

O CAVALHEIRO é José Eduardo Bettencourt, uma pessoa por quem eu, à distância, sempre tive, e mantenho, consideração e respeito. Quando o vi, em tom solene e pungente, aparecer na sala de imprensa exibindo uma camisola rasgada do Rui Jorge, contando que ele a quis trocar pela do Vítor Baía e que José Mourinho, perante a concordância de Pinto da Costa, se opôs, rasgando a camisola e declarando que queria ver o Rui Jorge «morrer em campo», fiquei estarrecido. Imaginei a cena e não conseguia acreditar que o José Mourinho, ou quem quer que fosse, por mais nervoso e exaltado que estivesse, tivesse feito e dito coisa daquelas. Mas como era o José Eduardo Bettencourt a jurá-lo pelo seu cavalheirismo, pelo seu bom-nome e maneira «diferente» de estar no futebol, confesso que fiquei baralhado. Mas, afinal, e como relataram os jornais dos dias seguintes, tudo não passou de verdade «por ouvir dizer», visto que José Eduardo Bettencourt, ao contrário do que deixou crer, não assistiu a nada. Segundo o relato do roupeiro do Sporting, terá acontecido que, já na sua cabine (e porque não no campo?) o Rui Jorge terá querido trocar de camisola com o Baía. Mandou-a pelo roupeiro do Sporting, o qual a entregou ao do FC Porto, o qual regressou depois com ela rasgada e o recado que José Mourinho terá enviado, acrescentando que tinha a concordância de Pinto da Costa —ambos, pelos vistos, recolhidos à cabine dos jogadores. Então, o sr. Manuel levou de volta a camisola e a mensagem invocadamente recebidas do sr. Moreno, entregando-as a Rui Jorge, o qual as passou a Fernando Santos, o qual as passou a Bettencourt, o qual, indignado, exibiu camisola e história na conferência de imprensa.Eagora, pergunto, como irá o chefe do departamento de futebol do Sporting fazer prova em tribunal, recorrendo a testemunho em quinta mão, da gravidade das acusações que lançou sobre José Mourinho? E o tom em que o fez? Aquela insuportável postura de «somosum clube diferente, fundado por um Visconde, verdadeiro clube de cavalheiros e desportistas puros, integramos a elite do país, ministros, generais, presidentes, titulares, não nos confundimos nem misturamos nem com o povo benfiquista nem com esses marginais selvagens do Porto, essa gente que tem de comprar o que a nós nos é dado de graça — os favores da arbitragem?» Pois é, mas como pode um clube de gentlemen e fair play ter um presidente que fala a umnível que até a polícia recusa discutir ou ter um speaker de serviço no estádio que, quando a claque do Porto canta, proclama aos microfones que «vozes de burro não chegam ao céu»? Serão privilégios de berço? "

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