terça-feira, outubro 18, 2011

O PIRÓMANO, O QUEIMADO E OS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS (01 FEVEREIRO 2011)

1- “Vieira aquece o clássico”, titulava A BOLA na edição de domingo, acrescentando a abrir o texto:”Filipe Vieira ao ataque, a poucos dias do Benfica visitar o Dragão.” Ora, se não estou enganado, este é o terceiro Benfica-Porto consecutivo que é antecedido por declarações do presidente do Benfica, destinadas a aquecer o clássico – e que, felizmente, têm sempre encontrado do outro lado, por parte de Pinto da Costa, uma resposta de absoluto silêncio.

Salvo melhor opinião, o clássico não precisa de ser aquecido, previamente e fora do estádio, e os resultados do voluntarismo térmico do presidente do Benfica têm sido, aliás, contraproducentes para as suas cores: 1-3, para o campeonato na época passada; 0-2 na Supertaça, já esta época; e 0-5, para o campeonato deste ano. Os únicos resultados previsíveis e visíveis dos ataques prévios do presidente do Benfica são as reacções correspondentes de alguns adeptos do Porto, que acham que atacando à pedrada o autocarro do Benfica ou atirando bolas de golfe ao seu guarda-redes, também estão a contribuir saudavelmente para aquecer o espectáculo. Mas a verdade é que quem chega o fósforo à palha, não pode depois vir queixar-se do incêndio.

Luís Filipe Vieira não é nenhum incendiário: é uma pessoa normal, civilizada e cordata. Não tem de comprar guerras extra-futebol, que nada de bom trazem ao futebol ou até ao seu clube. Nunca é de mais lembrar o exemplo do seu antecessor Vale e Azevedo, que chegou a presidente do Benfica apenas com um programa de governo: o ódio ao FC Porto. E o que conseguiu ele? Títulos, zero. Prestígio para o clube, zero. Conseguiu sim, um ódio generalizado ao Benfica da parte de todos os não benfiquistas, o encobrimento que precisava para as suas manobras de esbulho ao próprio clube e a divisão interna.

Vieira não tem nada a ver com isso e devia fugir das semelhanças de atitude. Não tem de se queixar da hipocrisia da Comissão Disciplinar da Liga, mandando instaurar um inquérito ao treinador do Benfica e ao jogador do Nacional, porque ele sabe que o País inteiro viu o murro de Jorge Jesus a Luís Alberto, enquanto Hulk e Sapunaru, emboscados no túnel da Luz, foram logo previamente suspensos por agressões que, até hoje, ninguém viu claramente. E estou à vontade para dizer isto, porque ainda a semana passada aqui defendi, e mantenho, que o assunto deve ser passado adiante, com um aviso ou uma multa simbólica. Mas não deve nem pode ser alvo do tratamento, esse sim hipócrita, que defende que o presidente do Benfica: como, se todos vimos? Uma coisa é defender, como eu defendo, que o incidente, ocorrido a quente, não deve ser tratado como uma falta disciplinar gravíssima; outra coisa é passar da posição de réu à de acusador, como se o Benfica estivesse acima e fora da tão invocada justiça desportiva.

E também não entendo, francamente, como é que Vieira pode falar, sem concretizar, no “aliciamento de um jogador” por parte de “um clube”, queixando-se que a CD da Liga nada fez. De quem estaria ele a falar? Com certeza que não era dos recentes e inqulificáveis aliciamentos levados a cabo pelo Benfica, junto do jogador Nuno Coelho, da Académica, poucos dias antes do jogo entre ambos, ou do aliciamento de Jardel, do Olhanense, no próprio dia do jogo entre os dois clubes. Aí, sim, é que o silêncio e a passividade da CD se tornaram ensurdecedores e escandalosos.

Curioso é que, na época passada, Luís Filipe Vieira usou de uma inabitual continência nos seus habitualmente tumultuosos discursos, de cada vez que visita uma casa do Benfica (como se o povo lhe pedisse sangue e ele não conseguisse resistir. E, enquanto ele ficava calado, o Benfica ia ganhando e jogando bem, à vista de todos. Pelo que, seria talvez digno de estudo perceber se é por ele se calar que o Benfica ganha ou se é por o Benfica não ganhar que ele não se cala. Seja qual for a verdadeira relação de causa-efeito, o que eu sei é que, se amanhã o Benfica se calar no Dragão, como eu tanto desejo, Vieira ficará a falar sozinho. E isso é sempre triste.

2- José António Camacho voltou a ser desmancha-prazeres de José Mourinho e, desta vez, deixou o português metido num sarilho – para o qual, reconheça-se, ele próprio muito contribuiu. Com a derrota em Navarra, Mourinho ficou a sete pontos do Barça e, pior ainda, com a dificuldade de explicar como é que um ataque que dispõe de Ronaldo, Di Maria, Ozil, Benzema, e, no banco, Kaká (e agora o tão exigido segundo ponta-de-lança, Adebayor) não consegue marcar um golo ao 16º do campeonato espanhol e só consegue marcar dois golos nos últimos três jogos. Vamos ser imparciais – (coisa que muito poucos portugueses conseguem, tratando-se de José Mourinho): ganhar um campeonato a esta equipa do Barcelona, talvez a melhor da história do futebol de todos os tempos, é missão praticamente impossível, com ou sem Hihuaín. É certo que Mourinho conseguiu, no ano passado, não ganhar-lhes o campeonato, mas afastá-los nas meias-finais da Champions, e por isso Florentino Pérez o foi buscar, deitando fora um treinador que, todavia, havia feito um notável campeonato à frente do Madrid. Mas, se bem que se vá tornando uma obsessão madrilista derrotar o Barça, põr-lhe fim ao reinado, os reais pergaminhos do Real também não consentem que, para tal, Mourinho aplique ali a receita de sucesso usada no Inter. Valdano viu o jogo de Camp Nou, onde um Inter menor afastou a melhor equipa do mundo da Champions: viu e, como milhões de adeptos do futebol no mundo inteiro, não gostou do que viu e disse-o. Mourinho jamais lhe perdoou isso, viu em Valdano o potencial chefe dos críticos ao tipo de futebol a que, para ganhar, ele sabia que um dia teria de recorrer. Mourinho foi contratado para fazer aquilo que ele faz melhor que ninguém: ganhar, ganhar sempre. Só que ganhar sempre, sempre, é impossível: nenhum treinador do mundo ganharia um campeonato a este Barcelona. Pode haver sorte, ciência, circunstâncias momentâneas, que permitam derrotar o Barça num ou dois jogos a eliminar; mas, numa competição de fundo, como um campeonato, é impossível.

Tendo esticado a corda contra tudo e contra todos – Valdano, Benzema, os árbitros, os jornalistas, os outros treinadores -, José Mourinho lançou-se ao arrepio das tradições majestáticas do grande Real Madrid, semeando uma floresta de inimigos a perder de vista. E, nesse combate desesperado, só lhe resta uma saída, que é ganhar sozinho, contra todos. A partir de domingo, com a derrota frente ao Osasuna, tornou-se quase inevitável não o conseguir. E o que fará ele se, pela primeira vez na vida, experimentar o amargo sabor da derrota?

3- Confesso que tenho lido distraidamente a infindável e insondável querela da renovação dos estatutos da Federação. Do que percebi, o politicamente correcto está do lado dos renovadores, que tentam impor a modernidade a umas velhas carcassas do norte, que, francamente, já há muito deveriam ter ido para casa. Parecia-me, pois, fácil de decidir de que lado estava a razão. Mas, depois, comecei a estranhar algumas coisas: que alguns daqueles que tanto escreveram sobre a imperiosa necessidade de deixar os governos fora do futebol, agora apoiem com entusiasmo o que, boa ou má, é claramente uma ingerência do Governo na regulação própria das estruturas do futebol; depois, percebi que, renovados os estatutos e atingida a modernidade, afinal a coisa continuaria tal e qual, com Gilberto Madaíl, agora renovado, a dirigir a Federação; e, enfim, dei-me conta de que os advogados benfiquistas habituais são todos entusiásticos defensores da regeneração. E aí, confesso, já comecei a suspeitar que pode acontecer que nem tudo seja o que parece.

terça-feira, outubro 11, 2011

AS TRÉGUAS ESTÃO A CHEGAR AO FIM (25 JANEIRO 2011)

1- Nos últimos dez jogos, o FC Porto só disputou dois fora de casa e ambos para o campeonato: em Paços de Ferreira (vitória por 3-0, justa mas com resultado enganador) e o do último sábado, em Aveiro. Pelo meio, não saiu do conforto do Dragão, para mais recebendo equipas fracas e até de divisões inferiores, em jogos de relativa importância. Desde o fantástico desempenho contra o Rapid, num relvado transformado em ringue de patinagem no gelo, no já distante 2 de Dezembro, é possível dizer que nunca mais a equipa do FC Porto foi posta verdadeiramente à prova. E o que é curioso é que se até aí a equipa tinha revelado solidez e qualidade crescentes, ultrapassando com brilho os adversários internos e externos, foi a partir daí, quando entrou num período de quase dois meses do que se poderia classificar como descanso activo (um luxo que não existe lá fora, onde qualquer competição interna é a doer), que o FC Porto começou a acusar debilidades e a revelar zonas de mediocridade preocupantes.

Em vão se recorrerá aos chavões habituais de que a equipa é «coerente», está «coesa» ou revela «competência» — esse palavreado de que os treinadores tanto gostam e que não quer dizer nada. À vista de todos e das progressivamente despidas bancadas do Dragão, basta retirar do jogo algum dos três elementos de luxo desta equipa, e toda a estrutura abana, de trás para a frente. Vai-se ganhando, mas já só quase à custa do desequilíbrio fundamental que um jogador de excepção como o Hulk consegue meter no jogo e que compensa, por enquanto, um futebol sem velocidade e rasgo, sem tensão nem urgência de vitória, revelando alguns casos de absoluta incompetência e outros de incapacidade de manter um nível exibicional alto mais do que um mês de seguida. De bom, apenas a revelação de James Rodriguez, a confirmação do valor de Otamendi e a melhor época do Helton, desde que lá está. E, vá lá, um Guarín mais esclarecido e útil do que aquilo que se lhe conhecia. A hipótese boa é que este ciclo de mediocridade sobrevivente foi cientificamente planeado para coincidir com um período anormalmente favorável do calendário desportivo, permitindo à equipa recuperar forças para depois reaparecer no pleno das suas qualidades já antes vistas, e justamente quando tal for mais necessário. Estaria assim a aproveitar estas tréguas competitivas e a administrar os lucros amealhados, aqui e na Europa, por um começo de época ao seu melhor nível. Segue-se o jogo antecipado para o campeonato, contra o Nacional, amanhã no Dragão (que, dado o recente desaire, já saiu da categoria de jogo fácil) e a deslocação a Barcelos, para a Taça da Liga, já sem grandes motivações. E ponto final nas tréguas competitivas: no mês que se segue, a iniciar em 2 de Fevereiro, poderá vir logo o jogo do Dragão com o Benfica (caso este ultrapasse nos quartos-de-final o Rio Ave, dia 26), para a meia-final da Taça de Portugal; depois, recepção ao Rio Ave e deslocação a Braga, para a Liga; a seguir, os dois jogos com o Sevilha, e, finalmente, no espaço de 4 dias, uma descida a Olhão, para o campeonato, e outra (provável) à Luz, para decidir a presença no Jamor.

Tal como eu vejo as coisas, quer isto dizer que, neste momento, o desfecho próximo e feliz desta equipa está nas mãos do departamento médico: quanto mais tempo demorarem a devolver o Falcão e o Álvaro Pereira maiores são as hipóteses de o FC Porto não passar incólume pelo conturbado mês de Fevereiro. Porque uma coisa é seguramente certa: não é com o Walter ou o Emídio Rafael que vamos caçar águias e dançar sevilhanas.

Este sábado, vendo o FC Porto jogar em Aveiro, na companhia de três apaixonados portistas, constatei que estava longe de ser o único apreensivo com o que vamos vendo. A vitória, de facto, nunca esteve em dúvida, conforme toda a imprensa salientou (enfim, não li o Jornal do Benfica...): o Beira-Mar não criou nada que remotamente se pudesse assemelhar a uma ocasião de golo e o Helton não teve de fazer uma só defesa; em contrapartida, o James, o Cristian Rodriguez e o Varela desperdiçaram quatro oportunidades para outro desfecho que não o de magra vitória por 1-0, de penalty; e o penalty, como qualquer pessoa que algum dia jogou futebol, ou percebe um mínimo do assunto, viu, foi mesmo real e não inventado, excepto para os fanáticos adversários habituais. Mas se a vitória foi incontestável, o diagnóstico unânime desta pequena assembleia de quatro portistas também o foi: não jogámos nada. Mais uma vez — sim, mais uma vez. Houve o caso gritante do Varela, que, não se percebeu porquê, André Villas Boas seviciou durante 75 minutos, obrigando-o a jogar um jogo que manifestamente não queria disputar; houve a incompreensível aposta em Rafael, em vez de Fucile, no lado esquerdo da defesa, que apenas serviu para tentar trazer alguma emoção ao jogo, proporcionando ao Beira-Mar uma série de livres, aproveitando as sucessivas faltas cometidas por ele para conseguir enviar a bola para a área azul; houve a recorrente lentidão do Rolando, a pensar, a correr, a cortar e a passar, mostrando como a presença tutelar do Bruno Alves encobria tanta coisa; e houve, do meu ponto de vista, o também habitual génio escondido do João Moutinho, com o qual e sem o qual nada de essencial acontece. E houve, sobretudo, mais uma meia hora inicial desperdiçada em coisa alguma, como se não houvesse pressa em ganhar os jogos; uma grande posse de bola com sucessivos passes transviados e sem uma ideia estratégica; cantos e mais cantos invariavelmente cobrados a meia altura para a defesa próxima afastar sem problemas; e, com excepção de Hulk, uma ausência de vontade, já não digo de nos dar ópera, mas de mostrar que ali está o líder merecido deste campeonato, um conjunto de jogadores «unidos para vencer/ ansiosos por fazer/ deste Porto campeão».

Volto à tese optimista: é apenas um mal passageiro, uma gestão estratégica da temporada, feita de ciclos, de avanços e recuos, até à vitória final. Sinceramente, é o que eu acredito. Mas está na hora de mudar de ciclo e nada melhor do que o departamento médico estar consciente disso.

2- A pequena assembleia de portistas, confrontada a seguir com o dilema entre ver o jogo do Benfica ou fazer as honras a um empadão de perdizes, caçadas nas terras baixas do Guadiana, optou por este, após vinte minutos de visionamento do jogo dos rivais. Não porque desta vez, devo confessá-lo, o futebol do Benfica me tenha causado um sono irresistível, mas justamente pelo contrário, e não só: deu-nos a fome e uma indisfarçável apreensão ao constatar o contraste entre a nossa pasmaceira habitual e inicial e a cavalgada com que os encarnados se atiraram logo ao jogo deles, em vagas sucessivas de desvairados atacantes e com tal fúria que eu desafio os descodificadores tácticos do futebol a dizerem-me que raio de esquema de jogo é aquele: será o 4x2x3x1, o 4x1x3x2 ou o todos prá frente até que a bola entre? Verdade, verdadinha, é que eles estão a jogar bem mais do que nós. O que nos safa é que tudo isto é passageiro e estratégico. Logo, logo, regressa a normalidade. Mas, mesmo assim, se o departamento médico...(ao menos a tempo do provável joguinho de dia 2...).

3- Talvez Jorge Jesus tenha dado um murro ao Luís Alberto, do Nacional, e talvez este tenha devolvido o murro. Ou talvez tudo não tenha passado de uns «empurrões». De certeza que não é importante, são coisas que acontecem a quente, depois dos jogos. Não vale a pena arranjar mais um folhetim, com ameaças de suspensões que vão de quinze dias a dois anos! Já bastou o túnel do ano passado e a imbecilidade de uma justiça desportiva — que, à semelhança de toda a justiça deste pais, é adjectiva e formalista em lugar de ser substantiva e lógica — para perceber que o que mais interessa é que jogadores e treinadores, salvo situações verdadeiramente graves e inultrapassáveis, estejam no seu lugar, no terreno de jogo e os juizes desportivos que vão dar uma volta ao bilhar grande.

domingo, outubro 09, 2011

NÃO HÁ ÓPERA, HÁ HULK (18 JANEIRO 2011)

1- É um facto que os adeptos nem sempre têm razão. Mas, quem a tem — os treinadores, os presidentes? Os adeptos de futebol têm até menos direitos que os adeptos da ópera: ambos assistem a espectáculos e ambos são espectáculos caros, mas assistir a um jogo de futebol é bem mais desconfortável do que ir à ópera. Mesmo assim, na ópera não são toleráveis espectáculos de manutenção, com os intérpretes a pouparem energias para o próximo, como sucede no futebol, tantas vezes. E, por isso, na ópera, o público, quando não gosta, não está com mais medidas: distribui uma pateada pelos intérpretes — suprema humilhação de quem faz disso vida (e acreditem que vida bem mais difícil e menos compensadora do que a de um futebolista de clube de topo).

Há grandes clubes, pequenos clubes e outrora-grandes clubes. Nos pequenos clubes, quando as coisas vão mal, muda-se o treinador; nos outrora-grandes clubes, como o Sporting, insulta-se o presidente e este vai-se embora; nos grandes clubes, como o FC Porto, quando não gosta do que vê, mesmo ganhando, o público manifesta-se e é suposto o treinador entender o recado e não ralhar com o público. Sob pena de se começar a ver as bancadas a despovoarem—se. É um lugar exigente e ingrato, o de treinador de um grande clube? É sim, mas ninguém disse que era fácil.

Reza a sua lenda, que André Villas Boas conseguiu entrar no Dragão quando, jovem adepto descontente com a não utilização de Domingos por parte do treinador Bobby Robson (tal qual como eu, na altura), abordou o treinador inglês para reclamar o seu ponto de vista. Ninguém melhor do que ele pode, pois, saber que os adeptos do FC Porto são particularmente exigentes. Mas isso não é um mal, é um bem: nos longínquos tempos do Benfica de Eusébio, eu era um miúdo que ia à Luz ver o FC Porto ser invariavelmente sovado pela máquina encarnada. Admirava-me então que os adeptos do Benfica não ficassem satisfeitos por ganhar apenas por 1-0 ou 2-1, enquanto que eu, como todos os adeptos portistas, já me contentava com um 0-0, mesmo que com dez a defender dentro da área os 90 minutos e o saudoso Hernâni lançando esporádicos contra-ataques, com fabulosos passes em profundidade de 60 metros para o único avançado esquecido lá à frente. Aprendi depois que há uma relação directa entre as duas coisas: quanto maior é o grau de exigência dos adeptos, maior é a qualidade da equipa e a sua cultura de vitória. Por isso mesmo é que o FC Porto é, de há vinte anos para cá, o clube português com adeptos mais exigentes e que mais percebem de futebol. Os adeptos dos outros passam o tempo a argumentar com arbitragens (não todas: não, por exemplo, a de Elmano Santos este domingo, em Coimbra), com o sistema, com coisas obscuras e constantes insinuações. Nós preocupamo-nos com os nossos jogos, olhamos para o campo e sabemos distinguir muito bem quando é que a equipa está bem ou está mal, quem se esforça e quem finge esforçar-se, quem presta e quem jamais prestará. E, como se recordará Villas Boas do seu episódio com Robson, às vezes vemos isso bem melhor do que os treinadores, apesar de nos faltar uma quantidade de informações internas que, tantas outras vezes, nos levam a erros de análise.

Não era preciso ser grande treinador de bancada para ver que o FC Porto anda há quase dois meses a jogar bem menos do que nos três meses anteriores e a ganhar quase sempre no fio da navalha. O problema não é o dos ciclos nem o do cansaço acumulado pelos titulares — também sabemos disso e compreendemo-lo. O problema é a falta de qualidade da segunda linha, dos que deviam estar preparados para substituir com o mínimo de danos os titulares habituais. Por exemplo: Villas Boas não pode ignorar que quem derrotou o Pinhalnovense (de uma segunda divisão, que é, de facto, a terceira), não foi a equipa, composta por metade de titulares, metade suplentes, que recebeu a meritória equipa do distrito de Setúbal, no Dragão: foi Hulk e apenas Hulk. No resto, quer colectivamente, quer individualmente quase todos, não se viu diferença alguma entre as equipas. E isso é preocupante, tanto mais que não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que se assistiu a tal coisa. Não se trata de exigir ópera, apenas de esperar o mínimo exigível (e ainda bem que nas meias-finais da Taça nos saiu o Benfica: era profundamente injusto chegar ao Jamor sem ter tido necessidade de fazer o mínimo esforço para tal).

Trata-se, pois, de esperar o mínimo exigível — atingido, por exemplo, este domingo, contra a Naval (embora, mais uma vez, me tenha ficado a dúvida se teríamos vencido sem mais dois momentos de génio do Incrível...). A verdade é que não me lembro de uma equipa do FC Porto tão dependente de um só homem. Álvaro Pereira e Falcão são igualmente dois fantásticos jogadores, mas magoam-se e cansam-se, como todos os humanos. O Hulk não. Quem concebeu, executou e apoiou aquela emboscada do túnel da Luz no ano passado, sabia muito bem o que estava a fazer. É por isso que não me cansarei de repetir que foi, para mim, dos momentos mais vergonhosos do futebol português nos últimos anos.

2- Mas tem havido outros momentos vergonhosos — que curiosamente, têm sempre o mesmo intérprete, o tal que se proclama campeão da «verdade desportiva» : a compra do jogo ao clube -satélite do Estoril, transferido para o Algarve, com o consequente e decisivo empurrão do Benfica para o título e para a despromoção do Estoril, e a consequente demissão do treinador do clube abusado, que não quis calar a revolta; a tentativa, a meias com o Vitória de Guimarães, de obter no Conselho de Disciplina o acesso administrativo à Champions, à custa do campeão FC Porto, que tinha esmagado a concorrência; ou as recorrentes compras dejogadores de clubes menores, consumadas ou anunciadas na véspera de defrontarem o Benfica.

Esta semana assistimos a mais dois episódios desta história de honra. Domingo, o Benfica foi jogar a Coimbra, sendo anunciada a iminente compra do jogador academista Nuno Coelho, dois dias antes do jogo: pois o dito já não jogou contra o Benfica. Mas o impensável sucedera quatro dias antes, quando o Benfica recebeu o Olhanense para a Taça: o defesa Jardel, titular absoluto do Olhanense, entrou na Luz como jogador dos algarvios e pilar da sua defesa no jogo contra o Benfica. Acabou sentado no camarote da direcção do Benfica, como nova aquisição do campeão nacional — que, entretanto, destroçava tranquilamente a defesa do Olhanense (que o dispensou... por 75.000 euros!). Talvez no Panamá ou no Ruanda existam casos semelhantes; no futebol profissional a sério, onde o fair-play não é para apregoar em comunicados, uma moscambilha destas não passava sem consequências. Imaginem só o que por aí iria, se tem sido o FC Porto a congeminar uma coisa destas contra os seus dois adversários da semana?! A negociar a compra do melhor jogador do clube adversário com o próprio, ao longo de todo o dia do jogo, acabando depois a sentá-lo no seu camarote de honra?!

3- Foi tão justo o prémio de Mourinho como o foi o de Leonel Messi. Se ter sido campeão do mundo de selecções pela Espanha não bastou a Del Bosque para afastar o mérito maior de José Mourinho, porque razão o mesmo título conquistado por Xavi e Iniesta lhes bastaria para suplantar a fantástica época de Messi? Aliás, estas cogitações e considerações estratégicas na escolha dos melhores sempre me fizeram confusão: Mourinho foi, ou não, o treinador do ano? Claro que foi e por isso ganhou. E Messi, alguém viu melhor jogador do que ele em 2010? Alguém já viu melhor jogador do que ele, desde Maradona e ano após ano?

4- Já o prémio de melhor jogador da semana em Portugal (Hulk à parte), vai para Mokas — jogador amador e canalizador profissional, autor do golo que colocou o Merelinense nos quartos-de-final da Taça, à custa do Varzim. Um clube com um orçamento mensal de dez mil euros a dois passos do sonho impossível.

5- Outro prémio mereciam também Hélder Rodrigues (3º) e Ruben Faria (6º), dois portugueses com duas prestações tão incríveis quanto incompreensíveis no Dakar Argentina-Chile, uma das mais fantásticas provas desportivas do planeta.

quarta-feira, outubro 05, 2011

CONVERSA A DOIS (11 JANEIRO 2011)

1- VOLTOU o campeonato e encerrou-se a sua primeira volta e várias coisas parece terem ficado já definidas lá em cima da tabela. O título tem apenas dois possíveis destinatários: FC Porto e Benfica, separados por oito pontos — ou o equivalente a três derrotas portistas. O Sporting tem o terceiro lugar praticamente garantido, com novas derrotas de Guimarães e Braga e o empate caseiro do Nacional, que remeteram estes perseguidores para distancias entre os seis e os dez pontos (é verdade que o União de Leiria está apenas a quatro, mas tudo indica ser uma classificação e distância provisórias). A treze pontos do FC Porto, o Sporting está afastado do título e tem, como disse, o terceiro lugar quase garantido. Significa isto que, para mais já afastado da Taça, o único objectivo interno dos leões é conseguir roubar o segundo lugar ao Benfica, recuperando os cinco pontos que tem em atraso.

Este ano temos, pois, que os três grandes estão sozinhos na luta cimeira, sem penetras pelo meio, sendo que Benfica e Sporting têm de recuperar terreno perdido e o FC Porto tem apenas de controlar o seu avanço, não alimentando as esperanças de um Benfica que, após um começo desastroso, culminado com os 0-5 do Dragão, encontrou o trilho seguro das vitórias e fechou a primeira volta apenas com menos três pontos do que tinha na mesma altura na campanha vitoriosa da época passada.

Um Benfica que tinha a ambição de ver o FC Porto confirmar a sua derrapagem de forma, patente nos últimos jogos e, em especial, na surpreendente derrota caseira com o Nacional, para a Taça da Liga. Foi uma esperança vã, porque não é provável que se registem duas exibições tão fracas e duas injustiças tão grandes consecutivamente.

Tal como o Nacional, também o Marítimo nada fez que justificasse poder ganhar o jogo. A diferença é que não beneficiou de um monumental frango para chegar à igualdade e desafiar o destino (embora tenha beneficiado de um golo de livre inexistente, oferecido pelo árbitro e colocando o resultado num perigoso 2-1). E a diferença também é que, após meia hora de nada, a fazer antever uma prestação igual às quatro anteriores, o FC Porto despertou graças a um golo de Guarín, vindo do outro mundo. Aliás, o próprio Guarín, que já tinha sido um dos melhores contra o Nacional, parece ter vindo de outro mundo, assinando uma exibição soberba, como nunca se tinha visto e de que, sinceramente, não o julgava capaz. Queiram os deuses que tenha sido eu que andei enganado dois anos, pois que também ando há ano e meio a escrever que o FC Porto precisa de alguém que faça melhor a função de trinco do que o titular habitual Fernando — incapaz de qualquer veleidade ofensiva e limitando o seu raio de acção a uma zona central recuada, onde apenas destrói jogo e acumula faltas. Guarín e Hulk desbarataram a defensiva madeirense e permitiram confirmar as grandes esperanças depositadas no miúdo James, a crescer de jogo para jogo, numa inesperada função de vagabundo de luxo, entre o meio-campo e o ataque. E esta equipa, agora desfalcada do seu falcão e do sumptuoso Álvaro Pereira, bem precisa que figuras como Guarín e James apareçam como alternativas seguras. Estiveram também em bom plano Helton, Sapunaru (até se lesionar numa bola dividida que lhe valeu lesão, amarelo e o livre que resultou no golo do Marítimo), João Moutinho (apesar de um golo fácil perdido num remate ao poste) e Belluschi (apesar de duas grandes possibilidades de golo desperdiçadas em remates sem sentido). Estiveram mal, e mais uma vez, Rolando e Emídio Rafael. Otamendi foi regular e Varela mostrou estar ainda a milhas do que vale. Tudo visto, o FC Porto confirmou a sua dificuldade em entrar nos jogos contra equipas fechadas numa atitude de dinamitar tudo de início. Mas, uma vez o caminho do golo encontrado, graças a uma meia-distância tão rara de acontecer, o que não faltaram depois foram oportunidades para um resultado bem superior (e ficaram a dever-nos a repetição da última jogada do encontro, para confirmar se o golo anulado então era mesmo off-side).

Já o Benfica, tem quase sempre uma grande entrada nos jogos e uma grande ponta final. Em Leiria, bastaram-me dois minutos e um cruzamento perfeito do Fábio Coentrão com o Saviola a desperdiçar o golo de cabeça, para perceber que seria por ali, pelo flanco direito da defensiva leiriense — onde um desgraçado moço do Burkina-Fasso de nome impro-nunciável fazia frente à armada argentina mais o Fábio — que o Ben-fica rapidamente resolveria a questão. Porém voltou-me a acontecer um estranho fenómeno que ultimamente me acontece com a leitura vespertina do jornal Público e a visão dos jogos do Benfica (duas coisas que tenho de fazer por dever de ofício): adormeci redondo. Fui despertado pelo grito do golo de Saviola, apenas para confirmar que tinha começado numa jogada frente ao pobre moço do Burkina-Fasso, antes conhecido por Alto-Volta. Tentei manter-me acordado para ver a sequência e o próximo golo, mas não consegui. Voltei a ser despertado pela subida do som da publicidade ao intervalo e constatei que ainda havia 0-1. Fui lavar a cara, fazer um café e estoicamente dispus-me a ver toda a segunda parte, sem desfalecimentos. Consegui não voltar a adormecer, mas também não aconteceu nada que me compensasse do esforço: o Benfica de Buenos Aires parecia satisfeito com o estado das coisas e tinha deixado de jogar, e o Leiria tinha, segundo abalizada opinião, «tomado conta do jogo». Isto é, tinha a posse de bola, ganhava uns cantos e fingia que criava perigo, servido por uma dupla atacante formada por um camaronês e um chinês, em perfeita harmonia futebolística. Ainda houve um momento em que, aproveitando uma balda do Roberto, só não empataram porque têm treinado pouco os cabeceamentos abaliza a dois metros de distância e sem guarda-redes. Mas foi momento único: estava eu a perguntar-me se não haveria por ali um ucraniano alto, esquecido das obras da A-17, quando Pedro Caixinha «resolve arriscar» e tira um médio para meter no ataque um loiro alto, com nome terminado em ov (que vim a saber não ser ucraniano, mas sim estónio — o que, para o caso, veio a ser rigorosamente igual... ao litro). Com a entrada de mais um avançado do Leiria, o Benfica logo chegou ao 2-0, e, quando Caixinha insistiu, tirando o tal defesa do Burkina de nome impronunciá-vel e acrescentando ainda um avançado, para depois poder dizer que «tinha metido toda a carne no as-sador», o Benfica logo chegou ao 3-0 e só não foi por aí adiante, deixando o I-Pãd esturricado, porque já não houve tempo. Achei que aquilo tinha sido coisa soporífera e fácil, mas não: lendo depois o Fernando Guerra, aqui escrevendo que tinha sido uma exibição «à campeão», «ao nível da época passada», «empolgante», «um desempenho fantástico» e uma «actuação notável», percebi que, afinal, tinha estado a dormir na melhor parte do jogo. Vá lá adivinhar-se uma coisa destas!

P.S.1 - A BOLA entendeu, e muito bem, começar a fazer umas estatísticas muita completas de cada jogo — que servem para quem o não viu ou viu mal ter uma ideia mais fundamentada do que, de facto, aconteceu. Só que, salvo melhor opinião, essas estatísticas contêm coisas que não interessam e não contêm outras que interessam. Entre as que não interessam, estão os passes ou os toques (com análise individual e colectiva): a quantidade de passes ou toques na bola não diz nada sobre o que jogou uma equipe ou um jogador (lembro-me de ter contado uma vez o desempe -nho do Jardel, num jogo ao serviço do FC Porto — tocou cinco vezes na bola... e marcou três golos). Outras coisas que, a meu ver, não interessam nada, são os passes certos ou errados, as faltas sofridas (que, estranhamente, nunca são iguais às cometidas pelo adversário), ou os lançamentos laterais (!). Em contrapartida, não existe aquele que é, por exemplo, o primeiro registo fornecido nas transmissões inglesas e que é também o maior indicador sobre a verdade de um jogo: as oportunidades de golo. Não existe a destrinça, também essencial, entre remates à baliza e remates que acertam na baliza (há jogadores que rematam à baliza só para se livrarem da bola ou para entrarem nas estatísticas). Não existe registo dos livres perigosos à entrada da área. Não existe, absurdamente, registo dos remates à trave ou aos postes e que, muitas vezes, não constam igualmente da crónica dos jogos. E não existe registo dos golos anulados. E, já agora, não consta, logo a abrir as crónicas dos jogos, a indicação de quatro informações que julgo essenciais: assistência ao jogo, condições climatéricas, dimensões do campo e estado do relvado.

Com toda a humildade, aqui deixo as minhas sugestões de alteração.

P.S.2 - Mesmo a fechar: muitos parabéns a José Mourinho, um português especial.