quarta-feira, setembro 21, 2011

O QUE FALTA A ESTE FC PORTO (04 JANEIRO 2011)

1- DEFINITIVAMENTE, o FC Porto não se dá bem com a Taça da Liga, Taça Bwin, Taça Lucílio Baptista, ou lá como lhe queiram chamar: na estreia, fomos eliminados a penalties pelo Fátima; no ano passado, perdemos a final quando o guarda-redes Nuno, logo aos oito minutos, resolver abrir a capoeira ao Benfica e ainda lhes oferecer outro frango de seguida; e este ano abrimos com mais um tardio peru de Natal, assinado Kieszek (que nem o merecia). Talvez seja a maldição desta competição, ou a do Nacional a jogar no Porto, ou a de Anselmo, que mal o vi entrar em campo anteontem, a quinze minutos do fim, logo me cheirou a tragédia.

Talvez tenha sido um pouco de tudo isso a estar na origem da interrupção inesperada da bonita série de invencibilidade que tinha tudo para conseguir chegar a um ano de vida e 50 jogos a fio. Mas, pelo menos, uma razão há que não pode ser arrolada para justificar o acidente de anteontem no Dragão: o mérito do adversário. De facto, e pese a crónica indignação de Jokanovic, com tudo e todos, o Nacional não fez rigorosamente nada que justificasse tão imprevista vitória. Até ao primeiro golo, um frango caído literalmente do céu, não tinha feito um único ataque digno desse nome e um único remate à baliza, limitando-se a defender com dez homens, monótona e impavidamente. Aos 78 minutos empatou sem saber como, aos 84 pôs-se a ganhar numa oferta da defesa azul e ainda podia ter chegado ao 3-1, se Olegário Benquerença tem assinalado um penalty sem espinhas. Notável: jogar apenas os seis minutos finais de um jogo e ganhá-lo não é para todos.

Onde estará então a razão que possa explicar o que aconteceu à equipa, com metade de titulares, que André Villas Boas fez alinhar no Dragão e que perante 30.000 adeptos, a somar aos 6.000 que tinham assistido ao treino da véspera, brindou todos com uma entrada ao pé-coxinho no ano de 2011? Bem, só quem não percebe nada de futebol ou quem não tenha visto os últimos jogos do FC Porto antes da pausa natalícia e ao longo de todo o mês de Dezembro, é que não encontra explicação. Estava-se mesmo a ver que, mais jogo menos jogo, a invencibilidade iria cair: de jogo para jogo, as exibições eram piores, as vitórias mais sofridas e as lacunas da equipa mais gritantemente expostas, à medida que Villas Boas teve de ir rodando jogadores titulares.

Porque, ao contrário do que ele generosamente afirmou após esta derrota, o plantel do FC Porto não é equilibrado. Já a época passada sustentei esta tese, que continuo a manter contra a grande maioria dos portistas: este plantel é profundamente desequilibrado. Tem três grandes jogadores, sete ou oito razoáveis ou promissores, e o resto são jogadores absolutamente banais, ao nível de uma equipa do fundo da tabela. Contra o Nacional, dos três grandes jogadores, faltaram dois (Álvaro e Falcão), e o que se viu? Que o flanco esquerdo da defesa, mesmo a jogar só contra um avançado fixo, desabou por completo: Sereno e Emídio Rafael foram um passador sem fundo, por onde o Nacional construiu calmamente o segundo golo e o penalty não assinalado. E na frente do ataque, Walter confirmou, uma vez mais, a estranheza da sua contratação, por um preço e com tamanhas dificuldades que não se entendem: é baixo e pesado de mais para ter impulso no jogo aéreo; lento e sem imaginação para inventar espaços de desmarcação entre os defesas; pobre tecnicamente e revelando enormes dificuldades de execução, inclusive no tal pontapé canhão de que vinha creditado e jamais se viu por aqui. Sim, eu sei, o período de adaptação, uma cidade diferente, um país diferente, um futebol diferente, uma alimentação diferente, etc e tal. Mas eu permito-me duvidar de que quem nunca fez ginástica num tapete consiga um dia dar o salto mortal. Melhores do que ele há pelo menos uma dúzia de pontas-de-lança brasileiros aí a jogarem numa televisão perto de si.

O público do Dragão tem uma estranha característica de que ainda anteontem me dei conta mais uma vez: protesta e assobia mais facilmente os grandes desequilibradores quando eles falham os números de génio esperados do que os jogadores banais, quando falham o que ninguém espera que consigam. Era assim com Quaresma e é assim com Hulk— que ouve assobios quando tenta uma grande saída que não resulta bem — enquanto Walter é poupado quando exibe paulatinamente a sua ineficácia. Quando perdermos o Hulk, vão compreender de imediato e da pior maneira que não apenas ele é o grande elemento do ataque, como é também o dinamizador de todo o jogo ofensivo da equipa. E isso tem a ver com outra razão, que também não me canso de referir, contra a opinião dominante: o meio-campo ofensivo do FC Porto é notavelmente falho de criatividade e capacidade de construção ofensiva. Basta lembramo-nos de alguns que por ali passaram em tempos recentes: Lucho, Deco, Alenitchev, Carlos Alberto, Maniche. Vêm ali alguém ao nível de qualquer um destes?

No meio-campo actual do FC Porto só existe um elemento criativo e com alguma capacidade de remate de meia-distância: é o Belluschi, mas só joga a espaços. O João Moutinho joga curto, lento e para o lado, sem profundidade. O Rúben Micael deve ser outro, que não o que jogava no Nacional: este, pura e simplesmente, foge do jogo, numa zona onde só há duas opções: ou assumir riscos ou pedir para ficar no banco (e o pior é que disse recentemente que acha que está a fazer uma boa época...). E o Guarín, que anteontem até foi dos menos maus, não pode voar muito além disso — o que não chega, de forma alguma. Por isso é que tantas vezes vemos o Hulk vir atrás, muito longe da sua zona de morte, buscar o jogo que os médios não entregam na frente. Para agravar as coisas, nenhum dos médios ofensivos (com a excepção intermitente de Belluschi), é capaz de acertar mais do que um remate de meia-distância na baliza, em cada dez tentados — e isso, no futebol profissional de topo, é inadmissível. Mas essa também é uma característica habitual dos jogadores portugueses e, em particular, do FC Porto, que há muito que não dispõe de um grande rematador para a meia-distância e as segundas bolas. É uma fatalidade difícil de aceitar, porque, um profissional de futebol, pago a 50 ou 100 mil euros por mês, não pode rematar à baliza como um amador de futebol de praia e, salvo melhor opinião, isso aprende-se e corrige-se com treino e trabalho. Vejam o Cristiano Ronaldo, que saiu daqui para Inglaterra como um rematador banal e voltou de lá feito um dos melhores do mundo a chutar à baliza. Ou o nosso Raul Meireles, que fazia desesperar os adeptos com invariáveis remates para a bancada e sempre com fama de grande rematador, e agora, após quatro meses de Liverpool, é raro o remate que não acerta na baliza e quase todos perigosos. Qual o segredo dessas transformações? Trabalho e treino, treino e trabalho. E profissionalismo. O Ronaldo era conhecido em Manchester por acabar o treino de equipa e ficar sozinho mais uma hora a treinar remates à baliza.

Também eu, até um pouco depois dos meus tempos de estudante, joguei futebol de amadores e também era médio e tinha de chutar à baliza. Hoje, o único desporto que faço é caçar aves em voo. Mas posso garantir três coisas: uma é que, a 30 metros de distância, é muito mais difícil acertar um tiro numa perdiz de 30 centímetros de comprimento, voando a 90 ou 100 km/hora, do que acertar com uma bola de futebol numa baliza estática, de 7,32 metros de comprimento; outra coisa que garanto é que qualquer caçador razoável acerta muito mais vezes nas perdizes do que os médios do FC Porto acertam nas balizas; e a terceira coisa é que também sei que quanto mais tiros de treino se der entre caçadas, maiores são as hipóteses de depois acertar no alvo, quando é a sério. Nada sai bem feito sem trabalho.

Concluindo, sinto pena que a carreira invicta do FC Porto se tenha interrompido num jogo fácil, às mãos de um adversário que o não mereceu e da forma frustrante como aconteceu. Mas, nada mais. Como disse André Villas Boas, não é esta derrota que pode fazer esquecer, de forma alguma, tudo o que esta equipa já fez de bom e todas as alegrias que me vem dando. Mas a maneira de tornar a vitória útil é reter as suas lições: o plantel, apesar da habitual dúzia de contratações de Verão, é curto e desequilibrado em qualidade; não há substituto, sequer razoável, para o Falcão nem para o Álvaro Pereira; falta um central de categoria e dois verdadeiros médios de ataque, que também saibam rematar à baliza. Respeito todas as opiniões opostas, mas esta é a minha, conhecendo e partilhando as ambições comuns a todos os portistas.

quinta-feira, setembro 15, 2011

JESUS E O NATAL (28 DEZEMBRO 2010)

1- Nesta época do ano as atenções estão viradas para Jesus, de onde se espera vir um exemplo de esperança e bondade cristã. Mas, Jesus, o Jorge, não quis honrar o seu nome e aos costumes disse nada. Perante mais uma revoada de elogios que Pinto da Costa lhe dirigiu, Jesus achou por bem responder, melindrado e ofendido. «Ele quer é dividir a família benfiquista, mas os adeptos percebem-no porque são inteligentes», concluiu o mestre da táctica. E assim passou por muito espertinho e muito benfiquista, com direito a elogios aqui e tudo. Mas, em matéria de esperteza, Pinto da Costa leva-lhes vários comprimentos de avanço e deu-lhe a resposta à medida: «Não só é bom treinador, como também mostrou que é inteligente»

Não sei se Jorge Jesus percebeu bem a resposta, mas eu vou ajudar: o que Pinto da Costa insinuou é que, noutras circunstâncias, Jorge Jesus teria aceite os elogios de bom grado – como sucedeu no ano passado, quando o Benfica seguia na frente e o presidente portista fez as mesmas referências elogiosos ao seu treinador. Aí, Jesus não se amofinou nem viu nesses elogios tentativas de dividir a família benfiquista.Mas agora,quando alguns benfiquistas que no ano passado tanto o elogiavam também já ensaiaram a sua decapitação, Jesus achou prudente demarcar-se de qualquer contágio com o pérfido inimigo do Norte. Agora, os elogios podem soar a beijo da morte; mas, no ano passado, deram muito jeito quando se tratou de renegociar o contrato com o Benfica e alguma alma caridosa pôs a circular o boato de que o FC Porto queria sacar o treinador ao Benfica...

A mensagem de Natal de Jorge Jesus foi toda ela, aliás, uma mensagem de ressentimento e mau perder. O FC Porto, asseverou ele, só vai na frente, com oito ponto de vantagem sobre o Benfica, porque foi «empurrado pelas arbitragens» e só está em primeiro «com a ajuda de terceiros». Mas que mau perder! No ano passado, quando o Benfica, segundo ele, era a melhor equipa e dava espectáculo, não houve um portista, um só, que não reconhecesse e que não tivesse dito no final que o título fora merecido pelo Benfica. Apesar de também não haver um de nós que não se interrogue como teriam sido as coisas, não fosse aquela infame emboscada jurídico-desportiva do túnel da Luz. Infelizmente para os benfiquistas, essa é uma nódoa que para sempre manchará um título que, repito, foi todavia justo. Mas os factos falam por si: desde que o Conselho de Justiça, numa votação unanime dos seus sete juizes, enxovalhou as pseudo-razões jurídicas do dr.Ricardo Costa e devolveu o Hulk ao jogo, nunca mais o FC Porto perdeu – e já lá vão 36 jogos, com 33 vitórias e apenas 3 empates.

Acresce que à douta teoria de Jesus faltam algumas perguntas sem resposta: se o Benfica dava espectáculo o ano passado, porque não dá este ano? Se são as arbitragens que justificam tudo, qual foi a influência das arbitragens nas duas lições de futebol que o FC Porto deu ao Benfica esta época e que, a acrescentar ao último jogo entre ambos na época anterior, se saldam em três vitórias em três jogos e um score de 10-1 em golos? E que influência tiveram as arbitragens na miserável campanha do Benfica na Champions, a derrota em Israel por 0-3 e a classificação para a Liga Europa conquistada a dois minutos do fim, não por mérito próprio, mas por mérito de um golo marcado pelo Lyon que evitou que o Benfica ficasse em último lugar do grupo, atrás do pobre Hapoel de Telavive?

Não há dúvida: Jesus passou mal o Natal. Pode ser que passe melhor o Ano Novo.

2- O FC Porto joga habitualmente com dois ou três portugueses, no máximo. O mesmo faz o Benfica e o Braga joga habitualmente só com um. A excepção honrosa é o Sporting, por razões de tradição e de orçamento. Esta época, o campeonato português subiu ao primeiro lugar europeu, nas classificação dos campeonatos com menos jogadores nacionais em acção, destronando a Inglaterra: são apenas 43% de portugueses. E não parece que a coisa vá mudar: todos os dias a imprensa está cheia de notícias sobre mais um, dois ou três argentinos que estão na eminência de vir para o Benfica. É certo que normalmente acabam por ir para outros clubes, depois de eles próprios, mais o agente, o pai, a mãe e o cão já terem manifestado exuberantemente o desejo do rapaz se ver de camisola encarnada ao peito. Mas o que interessa é a intenção e o que ela revela da política desportiva do maior clube português: portugueses, nem vê-los!

Uma geração inteira de jogadores nacionais está a ser afastada pelos maiores clubes portugueses, com prejuízo dos atletas e da Selecção Nacional. E são isto clubes com o Estatuto de Utilidade Pública!

3- Não é preciso ser bruxo para adivinhar que a coabitação entre Costinha e José Couceiro vai acabar mal. E à custa de Costinha: quando, entre um director que reporta a um administrador, se enxerta de repente um terceiro elemento, isto só pode implicar que o de baixo foi destituído de poderes, em benefício do recém-chegado. Depois, é só esperar pelo desfecho.

Também quem conhece o Real Madrid e os homens em causa, previu logo de início que a coabitação entre Jorge Valdano, director, e José Mourinho, treinador, seria tudo menos pacífica. Na verdade, sinceramente ou a contragosto, Valdano tem primado pela ausência de picardias em relação a Mourinho. Mas, a semana passada, o português não resistiu e abriu ele as hostilidades. A julgar pela reacção do presidente, Florentino Pérez, e da imprensa espanhola, Mourinho terá medido mal as forças em presença e terá avalida mal a cultura da casa. O resultado é que, para já, teve de meter a viola ao saco e, se meditar no que escreveu, por exemplo, Santiago Segurota, director-adjunto da Marca, tão cedo não deverá tirá-la do saco:«O Madrid sempre se gabou do seu carácter nobre, de uma certa condescendência para com os rivais.Essa era passou. Mourinho só entende de conflitos. Instalou-se neles...Os adeptos apreciam o seu trabalho mas estão fatigados de tanta tensão desnecessária. Querem uma equipa que dispute a Liga com Honra, frente ao melhor Barcelona da história. O resto é um ruído cada vez mais chato.»

4- Fala-se que vendendo Tevez ao Milan por 45 milhões, o Manchester City estará na disposição de perder a cabeça e oferecer até 85 milhões por Hulk. Daqui se vê que bem avisada andou a administração portista quando pôs a cláusula de rescisão do Incrível nos 100 milhões. Mas acontece que o FC Porto apenas detém 50% do passe de Hulk, pelo qual pagou 5,5 milhões - a mais cara compra de sempre do clube. Ou seja, em caso de venda por 85 milhões, o FC Porto ficaria com 42,5 milhões. Seria a maior venda de sempre de um clube português, mas , mesmo assim, era preciso pensar muito bem – antes, por exemplo de fazer finca-pé nos 100 milhões. Todos sabemos como o FC Porto decaiu no ano passado, quando, graças ao golpe do túnel, Hulk esteve afastado 17 jogos. O FC Porto tem apenas três jogadores de altíssimo nível: Hulk, Falcao e Álvaro Pereira. São poucos para as ambições anunciadas. Tira-se um e a equipa acusa imediatamente a ausência; tira-se dois e fica uma equipa banal. Eu sei que, vendido o Hulk, logo partirá um administrador para a Argentina ou Colômbia, para tentar preencher a lacuna e sossegar os adeptos. Mas não há pior falsidade do que aquela absurda frase feita que garante que «só fazem falta os que cá estão»

segunda-feira, setembro 12, 2011

UM GRANDE SUSPIRO DE NATAL (21 DEZEMBRO 2010)

1- Uff!, deve ter suspirado André Villas-Boas, quando chegou ao fim o jogo de Paços de Fereira.Eu, pelo menos, suspirei. Este é o tipo de jogos que mais temo: campo pequeno, jogos adversários hipermotivados, equipa portista com imensas dificuldades em impor o seu jogo habitual. Depois, havia o desgaste físico acumulado e o desgaste psicológico de quem tem, invariavelmente, a tarefa de assumir as despesas do jogo e de ganhar sempre ou, pelo menos, manter esse recorde de invencibilidade, que já vai em 36 jogos e que não encontra paralelo em toda a Europa.

O FC Porto até entrou muito bem no jogo, mostrando que Villas Boas fez passar a mensagem necessária: era preciso arrumar a questão antes que o cansaço começasse a ditar leis e o adversário alimentasse esperanças. Até aos vinte e poucos minutos, o FC Porto jogou o suficiente e criou oportunidades bastantes para estar a ganhar por 3-0 e não apenas 1-0. Mas, quando Falcao falhou um golo já sem guarda-redes pela frente, acabou o FC Porto. Apenas Hulk e os laterais se mantiveram em plana aceitável: todos os outros desapareceram do jogo e foi uma sorte segurar a vitória até final. Quando Soares Dias apitou o penaly do 2-0, fiquei furioso: o jogo já estava resolvido e já sabia que isso só iria servir para alimentar mais fábulas. Não me enganei: logo no dia seguinte, o título de primeira página de a A ABOLA rezava:«tranquilidade portista só chegou com um penalty muito contestado». Pois, mas faltou acrescentar que: a) o penalty da «tranquilidade» aconteceu ao minuto 90+2; b) a seguir, ainda houve mais um golo de tranquilidade; c) pouco antes desse penalty «muito contestado»(e com razão), houve outro, sem contestação, numa falta clara sobre Hulk e que ele não marcou, como antes não marcara outro em que Falcao deu toda a ideia de ter sido empurrado quando armava o salto para cabecear para o golo. E estas são o género de situações que servem, por exemplo, para Jorge Jesus alimentar a sua tese da dualidade de critérios de penalties. Pontapeado, Hulk não se deixou cair – ao contrário de Fábio Coentrão, na véspera, atirando-se em voo, com grande espalhafato e após falta inexistente, permitindo a Jesus reclar um penalty não marcado. E assim, depois da difícil vitória caseira contra o V.Setúbal, a equipa de André Villas Boas encerra a primeira metade da época periclitante, aparentemente desgastada, mas firme no seu impressionante percurso: 23 vitórias e 3 empates, sete pontos de avanço sobre o Benfica no campeonato, 5 vitórias e 1 empate na Liga Europa, apurada para os quartos-de-final a Taça e com a Supertaça já na vitrina. Não era possível pedir mais. Mesmo que se tenha(espero que episodicamente) perdido o fulgor que durou até Novembro, mesmo que continue a achar que o plantel é desequilibrado e deficitário em sectores como o meio-campo e o centro da defesa, mesmo que muito dependa de nada acontecer com Hulk e Falcao, é a regularidade da vitória e o espírito de conquista – bem patente em jogos em condições tão terríveis como os de Coimbra e Viena – que dão a todos os portistas a quase certeza de que esta equipa está fadada para nos dar mais um ano de alegria.

2- É facto indesmentível que,pelo segundo ano seguido, o sorteio da Taça de Portugal tem sido abusivamente feliz, isto é, cómodo, para o FC Porto – tal como nos anos anteriores sucedeu com o Benfica. Mas, daí a poder imaginar que o sorteio está viciado a favor do Porto é uma coisa que, francamente, só as mentalidades de alguns benfiquistas são capazes de produzir. Primeiro, recebi uma mensagem de um amigo benfiquista todo contente porque, no sorteio da Liga Europa, ao FC Porto tinha calhado o pior adversário possível, enquanto o Benfica, mantendo a sua tradicional sorte nos sorteios europeus, apanhava com o penúltimo classificado do campeonato alemão(mas não devia estar muito contente, pois que é graças aos pontos acumulados pelo FC Porto na Europa que o Benfica pode ir à Champions quando fica em 2ª ou 3º no campeonato...). Dizia ele na sua mensagem que aquilo, sim, tinha sido um sorteio a sério e não com bolas congeladas. Confesso que nem percebi a mensagem. Mas, passados uns dias, leio um outro benfiquista escrevendo qualquer coisa de semelhante e foi só aí que eu decifrei a mensagem e realizei a última perturbação que tira o sono a estes benfiquistas. Mas será que há alguma coisa de que eles não desconfiem?

E se eu me pusesse também a desconfiar, por exemplo, da forma como – através de auto-golos, penalties desperdiçados, ofertas incríveis da defesa e frangos de marca – Vitória de Setúbal, Olhanense e Rio Ave entregaram todos de mão beijada a vitória ao Benfica nos jogos que disputaram na Luz?

3- Vai grande agitação na nação leonina. Uma agitação racionalmente difícil de entender, para além da normalíssima frustração dos adeptos. No momento em que escrevo, não sei o resultado do jogo de ontem à noite em Setúbal. Posso prever que o Sporting o ganhe e que isso acalme um pouco a agitação, sobretudo porque nem Braga nem Guimarães têm revelado regularidade suficiente para ameaçar o terceiro lugar do Sporting. A agitação, pode, pois, acalmar com uma vitória agora. Mas isso não resolve qualquer problema.

O problema do Sporting é que o seu lugar natural é exactamente esse: o terceiro. E apenas a recordação longínqua de grandezas passadas, quando o campeonato era a dois e o Sporting tinha direito a uma quota de 25% que lhe cedia o Benfica, ou,recentemente, quando inacreditáveis erros de gestão desportiva do Benfica permitiram aos leões acumular sucessivos segundos lugares(vistos,não como o primeiro dos últimos, mas o segundo dos primeiros), é que alimentou, em Alvalade, esperanças de mais altos desempenhos, para ue o clube não está actualmente vocacionado. E não está, por razões estruturais e por razões conjunturais – sendo que estas dependam em linha recta daquelas. Conjunturalmente, a questão é simples: quem são os grandes jogadores da actual equipa do Sporting? Apenas um e que já vai ficando pela idade e pelo esforço de carregar sozinho a equipa:Liedson. Ninguém mais, que eu veja. Os restantes, são apenas reformados ainda no activo, ressuscitáveis impossíveis ou jovens promessas demasiado rapidamente eleitos à condição de revelações, que não são. Nem Paulo Bento, nem Paulo Sérgio, nem José Mourinho podem conseguir o milagre de fazer uma boa equipa sem bons jogadores. É impossível, não há volta a dar.

E a razão pela qual o Sporting não tem uma boa equipa é também aa mais simples de todas: porque não tem dinheiro para a ter. E aqui entramos nas razões estruturais do declínio sportinguista e que, a meu ver, são sobretudo de duas ordens de razão. Primeiro, porque o Sporting, tal como Portugal, está esmagado pelo peso da dívida acumulada. Eu sei que todos os clubes portugueses, sem excepção, vivem apertados ou moribundos pelos excessos cometidos no passado. Alguns vão-se aguentando graças aos apoios das respectivas câmaras municipais ou Governo Regional da Madeira. Mas essa é via que o Sporting já esgotou, e a grande diferença para FC Porto e Benfica é que o Sporting não tem potencial de gerar receitas que permita atrair investimentos e patrocínios e negociar a dívida com a banca em condições favoráveis. Por isso, ao tão atacado presidente José Eduardo Bettencourt, resta a via da poupança e da contenção de despesas, pois que a alternativa – fuga em frente, jogando tudo numa grande equipa de futebol, tanto podendo conduzir à ressurreição como à falência – nem sequer é uma hipótese séria, porque esbarra numa situação de facto: quem quer investir no Sporting? A menos que surja um milagre das Arábias, da China ou da Rússia, um magnata que queira comprar o clube por atacado, o Sporting está reduzido a viver com as receitas que gera – e essas não dão para mais do que uma equipa de futebol cujo lugar natural é o terceiro.

A outra razão estrutural para o declínio do Sporting é de ordem sociológica: o Sporting perdeu por completo uma geração de adeptos. Os jovens gostam de ídolos e os ídolos são os vencedores e não os vencidos: nos últimos vinte e cinco anos nasceu e cresceu uma geração para quem o vencedor, goste-se ou não, é o FC Porto. Por todos esses campos do País onde os miúdos jogam futebol, quem eles aspiram a imitar é o Hulk e o Falcao, como antes foi o Lisandro e o Lucho e antes o Quaresma e o Deco. Mas de certeza que não é o Anderson Polga ou o Hélder Postiga que os inspiram – e, menos ainda, o Travassos ou o Peyroteo.

quinta-feira, setembro 08, 2011

O JEITO QUE DÁ UM PENALTY REPETIDO! (14 DEZEMBRO 2010)

1- Aos 88 minutos do FC Porto-V. Setúbal do outro fim-de-semana, Elmano Santos assinalou penâlty contra o Porto, quando havia 1-0. O penalty caiu do céu para o Setúbal, que até aí não criara uma só ocasião de golo. Durante toda a primeira parte tinha-se limitado a montar um muro de Berlim à frente do ataque do Porto e a distribuir pancadaria à larga, perante a complacência de Elmano Santos e com todo o aspecto de estratégia de intimidação pensada e executada. Isso, mais três ou quatro defesas fantásticas do seu guarda-redes, tinham feito com que se chegasse ao minuto 88 com o FC Porto apenas com a periclitante vantagem de um golo. Para mais, um golo nascido de um penalty que, realmente, ninguém enxergou. Mas quero sossegar o portista Paulo Teixeira Pinto, que escreveu que, não tendo visto o jogo, ficou triste porque o nosso clube, ao que rezaram as crónicas, só tinha ganho graças a um penaify injusto. É verdade que sim, mas também é verdade que não: aos 88 minutos, Elmano Santos compensou esse penalty oferecendo também um ao Vitória, por uma falta que aconteceu sim, mas fora da área. Ou seja: o FC Porto ganhou, de facto, com um penalty que não terá existido, mas só ganhou porque o Vitória, que dispôs da mesma oferta, a desperdiçou e o FC Porto não. E disso o árbitro não teve culpa.

Aconteceu também que Jailson cobrou o penalty a favor do Vitória e fez golo. Mas o árbitro não tinha apitado e, logicamente, mandou repetir - e, na repetição, Jailson atirou por cima. O que eles foram fazer! O árbitro (que apitou 90 minutos sempre e sempre ostensivamente contra o Porto, apenas com o deslize do penalty a seu favor), foi crucificado. Eminentes benfiquistas arrolaram um argumento demolidor: será que, se a primeira cobrança do penâlty tem falhado, o árbitro mandaria repetir? Repare-se: ninguém questiona que, de facto, o árbitro não tinha apitado para a cobrança (e todos sabem que é preciso apitar para a cobrança de um penalty). Ninguém, no estádio ou na televisão, ouviu o apito, não há um registo de som que o comprove. Mas, que importa isso, para eles? Importa que o árbitro mandou repetir e a repetição salvou o Porto. Logo, o árbitro mandou repetir exactamente para salvar o Porto. Mas, se assim é, pergunto eu, porque razão, assinalou ele o penalty, quando a falta não foi evidente e, depois de vista em slow-motion, se percebeu que era fora da área? Se ele queria ajudar o Porto, porque inventou um penalty contra os azuis a dois minutos do fim?

E vivemos com este penalty e o outro a semana toda. Costinha veio declarar qualquer coisa sobre esperar que o Sporting não viesse a ter de pagar pelo prejuízo do Setúbal — uma clássica manobra de dois-em-um: lançar suspeitas sobre um rival no campeonato e preparar a arbitragem para o jogo da Taça com o Vitória. Depois de ver a prestação do Sporting em Setúbal, fica-se a pensar se Costinha não devia preocupar-se mais com o Sporting do que com os árbitros...

Também Jorge Jesus não resistiu a vir teorizar sobre o «critério dos penalties» e a curta distância a que o Benfica estaria do Porto se, segundo ele, o critério fosse uniforme. Pois, ele que fale. Mas o que nenhum penalty explica é aquilo que todos vimos: as duas tareias, sem apelo nem agravo, que o Benfica já levou do Porto, este ano; a vergonhosa campanha do Benfica na Champions; a nulidade do futebol que jogam — como ainda anteontem se viu, a jogar na Luz contra a quase reserva do Braga.

Jorge Jesus devia era tentar explicar que estranho fenómeno se passou com a sua equipa, para que, há seis meses atrás jogasse um futebol de vencedores, por todos reconhecido, e hoje jogue um futebol de vencidos, de gente sem garra e, aparentemente, sem vontade. Devia tentar contrariar isto que disse Jorge Araújo, treinador de basquetebol, que deu ao Benfica vários títulos nacionais, antes de rumar ao F.C Porto: «Deviam pôr os olhos na cultura desportiva do FC Porto. Eu vejo as entrevistas dos jogadores do FC Porto que estão lá há um mês e parece que estão há dez anos; e vejo as entrevistas dos jogadores do Benfica que estão lá há dez anos e parece que estão há um mês».

Pois, os penalties, as arbitragens, o sistema, o Apito Dourado, etc e tal, a lenga-lenga do costume. O problema é que, por mais fanatismo e cegueira que existam, o futebol é um jogo fácil de entender e, quem quer entender, entende. Desculpando-se com as arbitragens, a direcção do Benfica tentou (e fracassou) impedir os próprios adeptos do clube de irem ver os seus jogos, para que eles não vissem a verdade que estava à vista. Agora, pondera transferir a transmissão dos jogos para o espaço reservado do canal Benfica — tal qual as entrevistas do próprio Jorge Jesus, feitas em tranquilo ambiente com serventuários do clube a brincar aos jornalistas. Mas ainda faltam dois anos para que isso seja possível e, até lá, vamos vendo o Benfica em canal aberto ou na Sport TV. E o que vemos, meu caro Jorge Jesus, não dá para disfarçar. Apenas um exemplo: o Benfica-Académica, da 1ªjornada. Os benfiquistas vivem a alimentar a lenda de que houve um penalty por marcar, mais isto e aquilo, e só por isso é que não ganharam o jogo. Pois, talvez sim, talvez não, mas a verdade é que também aconteceu isto que eu vi: a Académica deu um banho de bola ao Benfica e mereceu mil vezes ganhar aquele jogo. Mas é tão mais fácil dizer que se perdeu por causa do árbitro!

2- Insisto: o futebol é um jogo simples de entender. Basta, por exemplo, um mínimo de conhecimento do assunto e um mínimo de experiência de observação para distinguir um bom jogador dum mau jogador, para distinguir um jogador que pode vir a ser um grande jogador de um que nunca passará da cepa torta. Estava a pensar nisso enquanto seguia na televisão o sonolento FC Porto-Juventude de Évora. O Álvaro Pereira não tem que enganar e não engana, desde o primeiro dia: é um fabuloso jogador. Ele, sozinho, mexe com toda a dinâmica atacante da equipa, sendo apenas defesa-es-querdo, tal qual o saudoso Branco, o melhor defesa-esquerdo que até hoje vi com aquela camisola. O Guarin, pelo contrário, jamais ultrapassará o seu Patamar de Peter, que é curto; jamais acertará regularmente um remate na baliza, por mais que tente, jamais será um distribuidor de jogo, por mais oportunidades que lhe dêem. O James Rodriguez, o miúdo que enfim se estreou em full-time, está na cara que tem tudo, todo o talento necessário, para vir a ser um grande jogador — quer como extremo-esquerdo, quer como um 10, as duas posições em que actuou anteontem. Mas isso não quer dizer que o seja, porque ele está naquela idade critica em que muito vai depender do empurrão que lhe der o treinador e da aposta que o clube queira fazer nele. E o FC Porto, infelizmente — e como se vê por tantas apostas adiadas na hora certa e depois desperdiçadas (de que o Candeias é um exemplo gritante)— tem o mau costume de, em lugar de puxar pelos miúdos, integrando-os aos poucos na equipe principal, mandar antes rodá-los em clubes menores, onde as condições de treino e os próprios treinadores são piores, o acompanhamento físico e clínico é débil e o futebol jogado não tem nada a ver com aquele que se exige a um jogador do FC Porto, em termos de cultura táctica e atitude competitiva. E assim se têm perdido grandes talentos potenciais ou já reais, a rodarem clubes e equipas onde eles só podem aprender o que não interessa. Espero bem que não venha a ser o caso deste miúdo James Rodriguez — seriam mais cinco milhões deitados à rua e um talento emergente desperdiçado por falta de coragem de apostar nele, ali e agora.

Como disse, a mim parece-me relativamente fácil distinguir os bons dos maus jogadores. Vejamos o Braga: quem são os grandes jogadores do Braga? Em minha opinião, dois: o central Rodriguez e o avançado Matheus. Mais nenhum. Mas há dois jovens que merecem a pena ser seguidos e estimulados: dois laterais — o Sílvio e este miúdo Guilherme, que vi jogar agora pela primeira vez, na Luz. Em contrapartida, ultrapassa-me a confiança que Domingos tem no Luís Aguiar, um jogador que se dá ares de grande craque, mas que, visto atentamente, não faz nada de bem feito, rigorosamente nada, ao longo de um jogo inteiro - nem sequer a cobrança de um livre ou de um canto.

E, depois, há os jogadores que confundem e não sabemos bem o que pensar deles. Voltando ao FC Porto, é o caso do Rúben Micael. Grande jogador no Nacional, fiquei feliz quando o vi chegar ao Dragão. Mas, fez dois bons primeiros jogos e eclipsou-se: nunca mais fez nada que merecesse registo. Hoje é um suplente, relativamente aproveitado, e parece conformado com esse estatuto. Joga a medo — um medo estampado na cara e no seu jogo, feito de passes para trás e para o lado, como se a bola o queimasse nos pés. Nunca tem um rasgo de ousadia, de inspiração, e raramente de lucidez. Chega atrasado a tudo o que interessa e, quando chega a tempo, é para adiantar de mais a bola e perdê-la. Dir-se-ia que desaprendeu de jogar bem - mas será que isso é possível?

terça-feira, setembro 06, 2011

A LIÇÃO DE VIENA (07 DEZEMBRO 2010)

1- A alegria incontida de André Villas Boas após o apito final do árbitro do terrível jogo de Viena foi compreendida e partilhada em simultâneo por todos os que vivem com paixão este grande clube azul e branco. Várias coisas coincidiram em Viena: a memória da inesquecível vitória contra o Bayern e também a memória da inesquecível vitória contra o Pena-rol, num estádio de Tóquio igualmente coberto de neve — ambas as coisas nessa fabulosa época de 1987. E, depois, a prova que faltava que este FCP de Villas Boas cumpre as melhores tradições da casa, jogando com a mesma vertigem da vitória em qualquer terreno e em qualquer circunstância — na neve do Pratter, na piscina de Coimbra, no vento da Madeira, em quintais de província e até em relvados normais e condições climatéricas normais. A mim, o que mais impressionou foi essa vontade de vencer aquele jogo, que nem sequer era dramaticamente importante, para, entre outras coisas, mostrar à bancada onde, numa feliz iniciativa, estavam os heróis de 87, que o espírito do Dragão continua vivo, inimitável entre nós, e logo motivo de todas as invejas, calúnias e maledicências. Sim, 23 anos depois, a caravana continua a passar e é motivo de orgulho para a cidade do Porto e para o Portugal que não é o dos Pequeninos.

Aliás, folheio os jornais desportivos do fim-de-semana, e o que vejo? Que o FC Porto tem algumas modalidades semi-amadoras, como o atletismo, o bilhar ou a natação (onde acabou de se consagrar campeão nacional feminino e vice-cam-peão masculino); que não tem outras que, por exemplo, tem o nosso principal rival, como o râguebi ou o futebol de salão (pomposamente chamado futsal); e que tem quatro modalidades profissionais e assumidas como tal: o futebol, o basquete, o andebol e o hóquei em patins. E onde estamos, em cada uma delas? No futebol, em primeiro lugar do campeonato, com oito pontos de avanço sobre o Benfica, nos dezaseis-avos da Liga Europa, como primeiro classificado do grupo e já com uma Supertaça na vitrina; no basquete, em primeiro, com sete vitórias e sete jogos — mais duas que o segundo classificado, o Benfica, igualmente; no andebol, em primeiro , com uma vitória a mais que o segundo, o ABC (e o Benfica em sexto); no hóquei, onde somos campeões há uma década, em primeiro, com nove vitórias e um empate e mais um ponto que o segundo — o Benfica, outra vez.

Ou seja: o sistema, como eles dizem, impôs-se aos túneis da verdade desportiva e extravasou as fronteiras do futebol, para abranger também todas as modalidades em que o FC Porto se envolve. Somos um pesadelo, somos uma praga, somos um fantasma inultrapassável. Somos uma nação!

2- Ontem à noite, contra o Setúbal, o FC Porto teve um jogo que acabou por se complicar, mas, a meu ver, não por culpa própria. Aos 15 minutos, já Elmano Santos tinha perdoado dois vermelhos directos a jogadores do Vitória, por duas autênticas agressões. Passado um pouco, permitiu que o Hulk fosse abalroado à ombrada, não percebi se dentro, se fora da área. Das três faltas, só assinalou uma e nem um amarelo mostrou. Aos 42 minutos, por indicação do auxiliar, marcou um penalty a favor do Porto que, para mim, não existiu. Na segunda parte, marcou falta e amarelo a Fucile por um corte em tackle limpíssimo e banal, e, no minuto seguinte, quando Falcão ia a entrar completamente sozinho na área, em posição frontal e com a bola dominada à sua frente, foi agarrado por Valdomiro e Elmano Santos mostrou-lhe o mesmo amarelo. Pelo meio, assinalou várias faltas a favor do Vitória que só existiram na sua imaginação, ao mesmo tempo que perdoava aos de Setúbal um jogo constantemente agressivo, por vezes a atingir a violência. Enfim, a dois minutos do fim, devolveu a única gentileza feita ao FC Porto, assinalando um penalty a favor do Vitória por uma falta ocorrida fora da área.

Foi Elmano Santos, com a sua atitude deliberada de permissividade total à agressividade do jogo do Vitória, quem acabou por enervar e desarticular a equipa do FC Porto. E é difícil acreditar que tudo aquilo foi inocente: há muito que não via uma arbitragem tão desequilibrada contra uma equipa. Achei realmente o cúmulo da lata que Manuel Fernandes se tenha vindo queixar da arbitragem no final. Ele, que comandou uma equipa que, tirando o penalty oferecido, só fez um remate perigoso à baliza e da autoria do guarda-redes, costa a costa. Ele, que nos seus tempos de avançado, se tornou o maior especialista do campeonato a arrancar penalties simulados aos árbitros. E não reparei que qualquer das coisas o tenha incomodado.

3- Na semana passada, escrevi aqui que esperava um grande jogo Barcelona-Real e que acreditava que Mourinho conseguiria sair de Camp Nou sem ser derrotado. Arrependi-me depois de ter escrito esta última frase, apenas motivada por razões diplomáticas de patriotismo. Arrependido, vou voltar ao que sempre foi a minha convicção e que, aliás, aqui venho exprimindo há anos:

— José Mourinho é um fantástico treinador, mas, se o que conta são os resultados e o futebol à vista, ele não é o melhor treinador do mundo, nem o foi em 2010. O melhor treinador do mundo, actualmente, é Pep Guardiola, que, em três anos, fez do Barcelona a melhor equipa de clube que eu me lembro de alguma vez ter visto jogar e que, logo no ano de estreia, conseguiu ganhar tudo o que havia para ganhar em Espanha, na Europa e no Mundo: oito títulos.
— O Barcelona é muito melhor equipa do que o Real Madrid: já o era e continua a sê-lo. Guardiola introduziu um estilo de jogo único e nunca visto, que parece um prolongamento do jogo da rabia nos treinos e que, não apenas é capaz de esmagar, mas também de humilhar uma equipa como o Real Madrid.
— O Barcelona é um clube com muito mais dignidade e mérito que o Real. É o produto de uma ética, de uma escola de valores (que, obviamente, e só lhe fica bem, não perdoa aos traidores), e de uma escola de futebol, que se traduz nisto: enquanto que no jogo de Camp Nou, o Barcelona alinhou com oito espanhóis, dos quais sete catalães (os que fizeram da Espanha campeã do mundo), e apenas três estrangeiros (se é que Messi, que ali está desde os 14 anos, já lá vai uma década, pode ser considerado estrangeiro...), o Real alinhou apenas com três espanhóis, sendo o resto a tal colecção internacional de galácticos, iniciada há anos atrás e financiada com as jogadas imobiliárias obscuras de Florentino Pérez em Madrid. Ou seja e como aqui escrevi a semana passada: o Barcelona é o FC Porto de Espanha e o Real Madrid é o Benfica. Não deixa de ser uma coincidência feliz e simbólica que ambos, Barcelona e FC Porto, tenham dado cinco aos seus imperiais adversários...
— E, enfim, não há patriotismo que salve esta evidência: Cristiano Ronaldo é um dos melhores futebolistas e um dos melhores atletas da actualidade, mas, para azar seu, ele coincide no tempo com esse tipo chamado Leonel Messi...e não há comparação possível. Este ano, parece que o título de melhor jogador do ano está reservado a Iniesta, que é, de facto, um jogador fabuloso. Nestes últimos cinco anos, será a quarta vez que o trofeu é negado ao argentino, por razões de justiça comparativa ou politicamente correctas. Não importa. Ele tem sido, nestes cinco anos, e para quem gosta de futebol, o melhor jogador, ano após ano. Se durante muito tempo, tentando não ser influenciado pela memória recente, hesitei entre Cruyff e Messi, agora já não vou tendo grandes dúvidas: o pequenino Messi é o melhor jogador de futebol jamais visto, desde que o mundo é mundo e o futebol existe. Não por acaso, o único que eu acho que podia rivalizar com ele, foi excepcional jogador no Barcelona e um seu treinador determinante, de quem Guardiola hoje diz que o futebol do Barça é ainda tributário.

4- Como toda a gente, achei fantástico o frango de Moretto na Luz. E lembrei-me de como, de cada vez que o FC Porto enfrenta uma equipa onde jogam jogadores seus emprestados ou que é treinada por ex-jogadores seus de referência, logo se levantam as vozes dos benfiquistas a lançar um mar de suspeitas prévio, mas que, depois, nunca encontram correspondência factual nos jogos. O que não se diria se Ventura, guarda-redes emprestado pelo FCP ao Portimonense, tivesse aberto o caminho a uma vitória portista com um frango daqueles? Enfim, adiante...

Mas também achei fantástico que o autogolo de Moretto tenha sido atribuído... a Cardozo. Não sei se foi para disfarçar o embaraço, para relançar a campanha já vivida no último campeonato de "faça de Cardozo o melhor marcador da liga", ou ambas as coisas. E achei fantástico que as últimas imagens do jogo da Luz tenham sido do Moretto a cumprimentar e a ser cumprimentado pelos adeptos benfiquistas na primeira fila da bancada. Não havia necessidade.

5- Aconteceu nos dois últimos jogos em Alvalade, contra FC Porto e Lille: erros favoráveis da arbitragem foram decisivos para os resultados alcançados pelo Sporting. Tem acontecido regularmente nos últimos meses, mas tal não justifica nada de anormal nem nenhuma conclusão ou suspeita. O que já não é normal é que, na primeira ocasião em que o Sporting for prejudicado por um erro de arbitragem, eles desatem aos gritos, em comunicados e manifestações, esquecendo tudo o que ficou para trás.

segunda-feira, setembro 05, 2011

OS DEUSES DO ESTÁDIO (30 NOVEMBRO 2010)

1- À hora a que os deuses vão descer ao estádio, em Camp Nou, eu vou estar a trabalhar e sem hipótese de espreitar a televisão. Espero vê-lo depois em gravação, mas tarde de mais para poder deixar aqui as minhas impressões. E tenho muita pena, porque de certeza que há-de ser um grande jogo, visto por 400 milhões de adeptos do grande futebol em todo o planeta. O negócio universal que é o futebol alimenta-se de jogos destes e é por isso que um jogo assim nunca pode degenerar num mau jogo: seria um suicídio promocional para todos os profissionais pagos a peso de ouro que vão estar em campo.

2- Pois, está bem que terá sido emocionante, como qualquer clássico de resultado incerto sempre é, mas o Sporting-FC Porto foi um mau jogo de futebol. O Sporting deu o que pode e o que tem; o FC Porto deu menos do que pode e do que tem, confirmando as impressões que aqui foi deixando nas últimas duas semanas de que a equipa está em descompressão ou em pausa de forma, após ter passado com distinção o primeiro terço da época — onde garantiu tranquilamente a qualificação para a segunda fase da Liga Europa, uma vantagem confortável na liderança do campeonato e a humilhação infligida ao Benfica.

O FC Porto deste ano, como já sucedia na temporada passada, é uma boa equipa, com um notável e tradicional espírito de conquista, mas uma equipa desequilibrada. Ali coabitam grandes jogadores, como Falcão, Hulk e Álvaro Pereira, bons jogadores intermitentes, como Belluschi, Varela e Fucile, e os restantes, que são apenas razoáveis ou menos até (e fora os que esperam ainda por uma verdadeira oportunidade para se mostrarem plenamente). Para mim, o ponto fraco desta equipa está no centro da defesa — onde Bruno Alves disfarçava as limitações de Rolando e onde Villas Boas tarda a dar entrada de pleno direito àquele que parece o melhor dos centrais existentes: Otamendi. E está no meio-campo, onde apenas existe um médio de ataque à altura das necessidades, o Belluschi, e onde o médio defensivo, Fernando, voltou a dar em Alvalade uma cabal demonstração das suas limitações, defensivas e ofensivas, constituindo, por si só, o maior factor de perigo para a propria equipa, errando passes a fio, alguns permitindo o contra-ataque imediato, e acumulando faltas em locais perigosos para compensar a sua falta de velocidade e capacidade de antecipação.

O resultado acabou por ser bem melhor do que a exibição e penso que não adianta queixarmo-nos do golo precedido de off-side do adversário ou da expulsão de Maicon, que me pareceu forçada, mas que nasce de uma asneira imperdoável do próprio. A verdade é que estamos a jogar bem menos do que há três semanas e, se bem que seja absolutamente legítimo e normal que as equipas atravessem momentos de pausa na forma, o problema aqui é que, quando os motores da equipa descansam, não há quem os substitua em condições. Por isso, pela segunda vez na Liga, o FC Porto viu um jogador expulso numa altura crucial, perdeu pontos e o seu treinador foi mais cedo para a cabina. Porque o mais difícil de digerir são as culpas próprias.

3- Durante os seus anos de FC Porto, defendi sempre que o verdadeiro lugar de Raul Meireles era a trinco. Este fim-de-semana, vi-o jogar nessa posição pelo Liverpool contra o Tottenham. Ele salvou golos lá atrás, carregou todo o jogo para a frente, com passes em profundidade e em constante progressão, marcou os cantos e o livre que deu o golo aos reds. Enfim, jogou box to box — aquilo que um verdadeiro trinco tem de fazer, hoje. E mais: rematou à baliza e querem crer que — ele, que em Portugal tinha fama de grande rematador de meia distância, embora em cada dez remates atirasse nove para a bancada — ali, não só acerta todos na baliza, como o faz sempre com perigo? Qual será o mistério? Não me digam que é trabalho...

4- Trabalho foi o que não se viu na equipa do Benfica, em Israel — ao contrário do Braga contra o Arsenal. Viu-se sim, arrogância, displicência e esse velho convencimento que os benfiquistas têm de que, devido a algum privilégio especial de que gozarão, tudo lhes virá cair à mão sem grande esforço. Anunciaram-se candidatos a campeões europeus e ficaram na primeira fase, num grupo tão fácil que nem de encomenda. Terão aprendido a lição? Qual quê! Isto é o grande Benfica, não tem lições a aprender com ninguém!

5- A tão anunciada reportagem de Nuno Luz, da SIC, sobre José Mourinho, valeu bem a pena. Sempre acreditei que só podemos julgar seriamente os outros através do testemunho de quem lhe é próximo. Nuno Luz fê-lo e, ao ouvirmos o testemunho dos colegas de trabalho de Mourinho ou dos seus antigos jogadores, como Jorge Costa, Costinha e Vítor Baía, pelo FC Porto, ou Didier Drogba, JohnTerry, Paulo Ferreira e Frank Lampard, pelo Chelsea, ou ainda de Stankovic, Javier Zanetti e Marco Materazzi, pelo Inter, deu para entender bem porquê que José Mourinho é um vencedor: porque, como disse Maradona, nenhum jogador que alguma vez tenha trabalhado com ele, disse mal dele. Mourinho é organizado, é inteligente, é metódico, acredita no valor do trabalho duro e sério. Ele é tudo isso, e mais o que faz a diferença: é um líder, um condutor de homens. O treinador com quem John Terry confessou que pela primeira vez desabafou sobre a sua vida privada ou o treinador, que acabado de ganhar a Champions e já de saída do estádio e do Inter, parou o carro quando viu Materazzi sozinho e foi-se abraçar a ele a chorar, numa cena arrepiante de tão humana e simples. «Vai em frente!», disse-lhe então Materazzi. E ele foi, ele vai: em frente eternamente, com esse vício de vencer que é a sua imagem de marca e esse defeito tão pouco português. (Escrevo isto dois dias antes do Barcelona-Real Madrid e convencido de que ele não sairá derrotado de Camp Nou. Mas, mesmo que perca contra esse também grande treinador que é Guardiola ou contra essa que é talvez a melhor equipa de clube de todos os tempos, mesmo até que, como já aconteceu algumas vezes, o futebol dele me desiluda, José Mourinho merece o nosso reconhecimento, num momento em que tantas são as razões de descrença em nós próprios).

6- Há várias maneiras de agredir cobardemente os adversários sem ser arremessando uma bola de golfe. Uma das maneiras é arremessando um boato, uma calúnia, uma falsidade. Porque anda para aí a ser espalhada por essa subespécie de fanáticos benfiquistas a calúnia de que eu teria coberto ou encoberto os lançadores de bolas de golfe contra o autocarro do Benfica, reproduzo o que aqui escrevi sobre isso no passado dia 9, após o jogo do Dragão:

«Só uma pequena nuvem a cobrir um céu absolutamente azul: a presença dos cobardes lançadores de bolas de golfe, que se dizem portistas. Mas é para isto, também, que servem os presidentes: Pinto da Costa tem de dizer, alto e bom som, a esses energúmenos que eles envergonham e prejudicam o clube».