terça-feira, outubro 26, 2004

Um azul desbotado ( 26 Outubro 2004)

Este FC Porto, que ainda há meses atrás entrava em campo com uma
confiança e uma segurança que eram logo meio caminho andado para a
vitória, agora soçobra ao primeiro golpe e navega à vista

ESTE FC Porto, de Victor Fernandez, é uma equipa desconcertante, difícil
de entender racionalmente emais difícil ainda de aceitar pelos seus
adeptos. Dizia-me há dias um deles que «dá dó ver jogar esta equipa ». E
dá dó, porquê? Não creio que seja porque todos os portistas estivessem à
espera de uma temporada sequer próxima das duas últimas: quando olhamos
friamente para o panorama actual do futebol europeu, pós-Lei Bosman, e
quando medimos o potencial comparativo dos grandes clubes europeus com
os portugueses, somos forçados a chegar à conclusão de que um clube
português conseguir ser, num espaço de dezassete anos, duas vezes
campeão europeu e, no meio, ganhar uma Taça UEFA, uma Supertaça Europeia
e umaTaça Intercontinental, é uma probabilidade bem menos do que
razoável. Menos ainda o é repetir num futuro próximo as duas épocas de
absoluta glória, interna e externa, que o FC Porto registou nos anos de
2003 e 2004. Aliás, sempre achei curioso que, enquanto o FC Porto
atravessava o caminho da glória e se impunha como potência
internacional, hoje conhecido nos quatro cantos do mundo como o foi o
Benfica dos anos sessenta, aqui se continuasse tranquilamente a
filosofar e a escrever sobre a crise e a amargura do panorama actual do
futebol português. Como se o FC Porto não fizesse parte do futebol
português e o estado deste se pudesse resumir ao estado do futebol do
Sporting e do Benfica!

Nenhum portista esperaria, pois, que a história pudesse continuar a
seguir a direito, depois de Mourinho e depois de Deco.As coisas são como
são e todos tivemos consciência de que, às vezes, há personagens
irrepetíveis emomentos irrepetíveis. Não existe outro José Mourinho,
como não existe outro Deco, e não existe outra estrutura e outro tempo
como o que ambos encontraram no FC Porto e que permitiu a todas as
partes potenciar até ao limite as suas capacidades. O momento mágico de
2003- 2004 é irrepetível: nem o FC Porto encontrará outro José Mourinho
nem José Mourinho encontrará outro FC Porto como esse. A vida é assim
mesmo, feita de encontros e desencontros.

Mas aconteceu que a ambição de Pinto da Costa se revelou, a meu ver,
maior do que a dos adeptos. Se alguém se mostrou inconformado com a
perspectiva do final dos tempos de glória e com o regresso à
«normalidade», foi ele, mais do que o adepto comum. E aconteceu que, em
lugar de se limitar a encaixar as mais-valias tornadas possíveis pela
triunfante campanha europeia, ele decidiu recomeçar tudo outra vez,
investindo em novos jogadores, nova equipa, novas esperanças. Com a
compra de jogadores como Diego, Fabiano, Seitaridis, Quaresma, ele
relançou os sonhos e pôs os portistas a esperar – tal como a direcção do
clube – que o horizonte mínimo expectável para esta época se fixasse no
título nacional e na passagem aos quartos-de-final da Liga dos Campeões.
E é aí que as coisas se têm revelado bem mais complexas e menos
evidentes do que se esperava.
O facto primeiro é que a nova equipa, que precisava de ser reconstruída,
perdeu o primeiro mês de readaptação com o episódio rocambolesco de
DelNeri.O facto segundo é que quando Victor Fernandez precisava não só
de iniciar esse trabalho novo, como também de fazer esquecer os
devaneios de Del Neri, teve de entrar imediatamenteemcompetição a sério
e viuse «raziado» pela partida de jogadores fundamentais para as
respectivas Selecções Nacionais, onde os jogadores não apenas se
desgastaram, como ainda se lesionaram( Costinha falhou a pré-época
devida aumalesão contraídanoEuro, Nuno Valente e Luis Fabiano estão
parados por lesões ao serviço de quem não lhes paga o ordenado).O facto
terceiro é que, tendo privilegiado um critério de aquisições que apostou
preferencialmente na juventude dos jogadores (Pepe, Fabiano, Carlos
Alberto, Bosingwa, Raul Meireles,Postiga, Diego, Quaresma) – um critério
adequado, quer do ponto de vista de formação desportiva, quer do ponto
de vista da valorização futura – o FC Porto paga o preço correspondente
de ter demasiada juventude e pouca maturidade na afirmação do carácter
da equipa, e isso vê-se claramente nos jogos internacionais.

A estes factos, que concorrem objectivamente para a letargia exibicional
da equipa, podemos acrescentar outros, que sendo mais subjectivos, me
parecem todavia também detectáveis facilmente. É o caso da condição
física da equipa, que, longe de ir melhorando com o tempo e os jogos,
antes parece irse degradando progressivamente, com a sobrecarga de
jogos. No espaço de oito dias, viu-se como o FC Porto apenas durou meia
parte contra o Benfica e o Penafiel e vinte minutos contra o PSG. Há ali
jogadores que mais parecem estar em fim de época, de tal maneira é
visível o esforço que fazem para tentar aguentar umjogo inteiro: o
Seitaridis, que há um mês que não ultrapassa a linha do meio-campo,
limitando as suas acções «ofensivas »... a atrasar a bola para o Vítor
Baía; o Jorge Costa, que faz das tripas coração para estabelecer alguma
ordem no centro de uma defesa órfã da segurança que dava o Ricardo
Carvalho; oCostinha, que se arrasta a olhonue cuja influência no jogo se
limita às imediações da área defensiva (viu-se como o Bosingwa o
substituiucommuitomais eficácia, contra o Penafiel); o Maniche, que
andou com a equipa ao colo no início da temporada e que agora começa a
acusar claramente a sobrecarga de esforços; o Diego, que ainda continua
ao ritmo tropical, não durando mais de trinta minutos; e o Derlei, que
passou de alma da equipa a fantasma de corpo presente, tendo
interrompido o seu regresso à forma e à condição física com aquela
entrada venenosa do Toñito, no «amigável» de pré época contra o
Boavista. São demasiados jogadores em sub-rendimento, os suficientes
para se poder falar da espinha dorsal da equipa, que parece presa por
arames e arrastada por uma vontade a que o corpo não responde. Há
qualquer coisa que está a falhar na recuperação ena condição física dos
jogadores e isso é evidente.
São muitos factores a funcionarem contra Victor Fernandez.É difícil
formar uma equipa ganhadora quando metade dela não tem condição física,
quando metade é constituída por jogadores novos e inexperientes e
quando, ainda por cima, a sorte não tem ajudado em momentos decisivos.
No Mónaco, como em Londres e Paris, o Valência, o Chelsea e o PSG
chegaram ao golo no primeiro remate que fizeram à baliza de Baía e em
todos os jogos tiveram menos posse de bola, menos ataques e menos
remates que o FC Porto. E, todavia, assim que chegaram ao primeiro golo,
tornou- se claro que a vitória não lhes escaparia. Porque este FC Porto,
que ainda há meses atrás entrava em campo com uma confiança e uma
segurança que eram logo meio caminho andado para a vitória, agora
soçobra ao primeiro golpe e navega à vista.

E, embora haja coisas pontuais em que Fernandez insiste, a meu ver, sem
razão (Derlei e Costinha não estão em condições, Carlos Alberto e
McCarthy são indispensáveis, Diego é apenas uma promessa), é difícil, de
facto, perceber onde e como é que as coisas poderiam ser imediatamente
invertidas. Mas têm de o ser rapidamente, sob pena de, dentro de um mês
ou quinze dias, o FC Porto ficar afastado, sem honra nem glória, da
defesa do título europeu que tão brilhantemente conquistou. O que muito
iria encher de satisfação os «tubarões» da Europa, que nunca digeriram
bem a vitória de um clube intermédio numa competição que têm como
coutada sua.

Quatro pontos sobre o Benfica-Porto (19 Outubro 2004)

Talvez que repor os cavalheiros no poder —o que seria normal e exigível
num clube com a dimensão e o passado do Benfica—fosse o primeiro passo a
dar para regressar aos tempos em que o Benfica orgulhava Portugal

1. O RESULTADO
certo e justo do Benfica-Porto era 1-1, pela simples razão de que ambas
as equipas marcaram um golo: o do Porto num espectacular remate de
McCarthy, o do Benfica num espectacular frango do Baía, que, não
obstante a rapidez dos seus reflexos subsequentes, não conseguiu evitar
que a bola entrasse por completo na baliza. Não o posso jurar a 100 por
cento, como ninguém o pode, mas foi a convicção, a quase certeza, com
que fiquei, vendo e revendo o lance da única perspectiva de onde é
possível tirar conclusões: de lado .Acontece que nem o árbitro nem o
auxiliar dispuseram quer dessa perspectiva de visão quer das repetições
do lance de que nós todos dispusemos depois. Daí que seja apenas lícita
a primeira conclusão: foi golo. Mas não a segunda: o árbitro e o seu
auxiliar não o quiseram deliberadamente ver. Como aqui deixei dito, no
domingo, em bate-papo com a Leonor Pinhão, nunca pensei que o resultado
do jogo, fosse ele qual fosse, pudesse decidir já o campeonato, como o
afirmou depois o especialista José Veiga (já lá iremos...). Em função do
erro de avaliação do árbitro que, de facto, adulterou o resultado, esse
erro só a final se poderá saber que importância teve: se o Benfica vier
a ganhar o campeonato ou se o FC Porto o ganhar com mais de quatro
pontos de avanço sobre o Benfica não terá tido importância alguma; só se
o FC Porto for campeão com menos de quatro pontos sobre o Benfica é que
se poderá dizer que este erro foi decisivo. Cá estarei então para o
reconhecer, como agora estou para reconhecer que foi golo e,
consequentemente, o resultado não traduz o que realmente aconteceu.

2. O ÁRBITRO
Excepção feita aos chamados casos do jogo, Olegário Benquerença passou
os 90 minutos, com especial ênfase na primeira parte, a arbitrar contra
o FC Porto. Em todos os lances divididos decidiu a favor do Benfica;
voltou atrás por três vezes para marcar faltas contra o Porto, depois de
os jogadores do Benfica terem prosseguido com a jogada e depois de
perderem a bola, em benefício do infractor; inventou três livres
perigosos à entrada da área contra o Porto, que não existiram;
transformou pontapés de baliza a favor do Porto em cantos a favor do
Benfica, fazendo o contrário na baliza oposta; guardou os primeiros
quatro cartões do jogo para jogadores do Porto e todos eles mal
mostrados, com isso inibindo, evidedentemente, esses jogadores em
tarefas defensivas; reservou o mesmo cartão vermelho para Nuno Gomes e
Pepe, quando o primeiro entrou a pontapé sobre o adversário, para lhe
tirar a bola das mãos, e o segundo se limitou a desviar-se e depois a
empurrá-lo,num gesto de autodefesa. Toda a gente refere um penalty não
assinalado contra o Benfica, quando Seitaridis terá agarrado Karadas, ao
minuto 1 da segunda parte. Com a mesma sinceridade com que confesso que
vi a bola dentro da baliza de Baía, também digo que, visto e revisto
este outro lance inúmeras vezes, não consegui ver em imagem alguma
Seitaridis a agarrar Karadas. Pelo contrário: vi o norueguês rematar à
baliza em muito melhor estilo do que lhe é habitual e a falhar
incrivelmente um golo quase feito e que representou, aliás, a única
verdadeira oportunidade de golo criada pelo Benfica em todo o jogo.
Tivesse o árbitro apitado para esse suposto penalty e de seguida Karadas
tivesse feito o golo, que seria anulado em benefício de um penalt y— e
este tivesse sido falhado —, teríamos agora todos os benfiquistas a
gritar que o árbitro lhes tinha anulado um golo. Há também um lance, que
precede a marcação de um canto na área do Porto, em que se vê
nitidamente o Pepe a chegar uma cotovelada ao Karadas e depois este a
agarrar-lhe o pescoço, projectando-o para o chão. Jorge Coroado — esse
grande especialista em dizer agora mal das arbitragens dos ex-colegas —
viu aqui outro penalty. Só se esqueceu de três coisas: primeiro, a
cotovelada do Pepe acontece antes de o canto ser marcado — o que
significa que a bola não estava em jogo, logo não podia haver lugar à
marcação de um penalty mas, quanto muito, a uma acção disciplinar;
segundo, o próprio canto que dá origem a esta jogada foi um dos tais mal
assinalados por Benquerença; terceiro, como todos sabemos, jogadas como
aquela sucedem nos nossos jogos em todos os instantes que precedem a
marcação de cantos, só se estranhando que não se tenha passado em
revista os cantos contra o Benfica, porque lá estariam, seguramente,
jogadas idênticas. Dependendo da vontade do realizador televisivo, é
possível, entre nós, descobrir ou apagar, em cada jogo, vários penalties
destes. A

3. ORGANIZAÇÃO DO JOGO
O que se passou com a organização do jogo, por parte do Benfica e, em
especial, quanto à questão dos bilhetes, foi a criação de um precedente
muito grave, em termos de desportivismo, de responsabilidade e de
seriedade. O que se passou foi o seguinte: o FC Porto adoptou o
comportamento que há anos vigorava informalmente entre as direcções do
clube e as do Sporting e do Benfica, e a qual se manteve sempre em
funcionamento, mesmo nos piores tempos das relações bilaterais. Esse
procedimento consistia em um director do FC Porto contactar um director
do Benfica e fazer-lhe directamente o pedido de bilhetes (no caso
concreto foram 3500, muito aquém do máximo regulamentarmente
estabelecido). Na segunda volta era a vez de o Benfica fazer o mesmo,
sendo que a base de confiança estabelecida era tão pacífica que os
bilhetes eram mutuamente requisitados a crédito, só no final da época se
saldando as contas entre os clubes. Foi o que aconteceu agora,
envolvendo pessoas de um lado e do outro cujos nomes não vou revelar
porque me foi pedido segredo. Estavam as coisas a rolar como
habitualmente quando alguém resolve lembrar a Luís Filipe Vieira que,
segundo os regulamentos, o FC Porto deveria ter pedido os bilhetes, por
escrito, até 12 dias antes — o que, de facto, não sucedeu porque a
direcção azul confiou, como era hábito, no acordo estabelecido
telefonicamente. Mas, desautorizando o seu próprio director envolvido no
acordo e quebrando uma prática civilizada estabelecida com mútuas
vantagens, Vieira viu aqui uma oportunidade para abrir uma guerrilha em
volta do jogo e veio declarar solenemente que «nesta casa não
funcionamos com telefonemas». Ou, por outras palavras, com esta direcção
do Benfica não há acordos de cavalheiros. Elucidativo. Mas aconteceu que
as claques do Porto foram mais espertas ainda e minaram a manobra do
presidente do Benfica, indo comprar bilhetes... ao próprio Benfica.
Vendo o tiro sair-lhe pela culatra, o presidente do Benfica decidiu-se
pela fuga em frente, agravando o clima de tensão e mesmo de incitamento
implícito à violência, começando com a acusação patética de que os
bilhetes (vendidos pelo próprio Benfica...) seriam falsos e depois
exigindo que, em lugar de reunir todos os adeptos do Porto, estes fossem
dispersos pelo estádio, no lugar correspondente aos seus bilhetes. O
resultado final foi que a polícia se viu obrigada a enlatar 3000 adeptos
portistas num sector reservado aos tais 1008 — o número de portistas que
Vieira estava disposto a consentir. Se o jogo se realizou e se decorreu
sem acidentes, deve-se exclusivamente aos adeptos deu-me de outro lado,
que, felizmente, deram uma lição de civismo à direcção do Benfica. Só
gostava que me explicassem porque é que, depois de uma semana em que a
direcção e o presidente do SL Benfica se afadigaram em manobras,
declarações e comunicados destinados a estabelecer um clima de guerra e
de violência à volta do jogo, enquanto a direcção e o presidente do FC
Porto se limitaram a recorrer às instâncias competentes, no mais
remetendo-se a um silêncio e contenção irrepreensíveis, houve
articulistas disponíveis para lamentar as atitudes de... ambos os lados.
Será crime de lesa-majestade reconhecer que a direcção do Benfica se
portou mal?

4. O «SHOW» PRIVADO DE VEIGA E VIEIRA
De José Veiga eu já conhecia o currículo e adivinhava as maneiras.
Reconheço-lhe a dificuldade particular de um cristão-novo benfiquista,
que outrora, na sua paixão portista, chegou a alimentar o patético sonho
de substituir Pinto da Costa à frente do FC Porto. Mas não o sabia um
comentador desportivo tão arguto que conseguiu ver o Benfica «a dominar
o FC Porto durante praticamente os 90 minutos». Não lhe conhecia o
destempero de querer bater nos árbitros no final do jogo (como todos
vimos, menos, obviamente, o CD da Liga). Não o conhecia tão bem
informado sobre os árbitros, que até sabe o dia do aniversário deles
(talvez para lhes mandar os tais «presentes suspeitos», de que falou).
Quanto à ordinarice rasteira que mostrou no final do jogo, com
considerações sobre a vida privada de Pinto da Costa, isso, francamente,
já esperava dele: condiz com o personagem. O que francamente me
surpreendeu foi ver um presidente da tal instituição chamada SL Benfica,
que nos seus tempos mais gloriosos foi dirigida por um cavalheiro
chamado Borges Coutinho, vir secundar e acrescentar, a propósito de um
simples jogo de futebol, as afirmações rascas e as ameaças
inqualificáveis sobre a vida pessoal do presidente de um clube rival,
lançadas ao vento por esse tal Veiga. Mas, agora que sabemos que no
Benfica deixou de haver acordos de cavalheiros, compreende-se melhor as
razões para 11 anos de frustrações. Talvez que repor os cavalheiros no
poder — o que seria normal e exigível num clube com a dimensão e o
passado do Benfica— fosse o primeiro passo a dar para regressar aos
tempos em que o Benfica orgulhava Portugal.

Os 1008 heróis (12 Outubro 2004)

Parece que os clubes de Lisboa descobriram a forma de ganhar uma
vantagem adicional quando recebem o FC Porto em casa: fechar os
respectivos estádios aos adeptos portistas e enchê-los apenas com a sua
gente



1Parece que os clubes de Lisboa descobriram a forma de ganhar uma
vantagem adicional quando recebem o FC Porto em casa: fechar os
respectivos estádios aos adeptos portistas e enchê-los apenas com a sua
gente. A moda começou na época passada, quando o Sporting (e Lucílio
Baptista...) receberam o FC Porto, e foi agora também adoptada pelo
Benfica que, generosamente se dispõe a receber na Luz não mais do que
1008 portistas — e nem mais um. Em sua defesa, invoca o Benfica razões
de segurança não especificadas e, logo, difíceis de entender. Se é por o
Estádio estar cheio, tanto estará cheio com 64.000 benfiquistas e 1000
portistas, como o estaria com 60.000 benfiquistas e 5000 portistas. Se é
por os adeptos portistas serem especialmente perigosos, gostaria de
saber quando é que, vá lá, nos últimos 30 anos, causaram eles problemas
na Luz. Aexplicação posteriormente avançada por responsáveis da Benfica,
Estádio, essa, ainda é mais comprometedora. Dizem eles que os cativos
estão espalhados por todo o Estádio e que os seus titulares «desejam
naturalmente ver o jogo em segurança e sem serem incomodados pelos
adeptos adversários». Olha que Lordes, só se sentem bem e seguros entre
eles! Conviria, pois que os dirigentes do Benfica, começando pelo seu
presidente, explicassem melhor as tais «razões de segurança», em lugar
de, como ele o fez, declarar apenas que «não é bilheteiro» — como se
fossem os bilheteiros a decidir quantos bilhetes enviavam para o Porto.
E conviria que o explicassem, porque esta medida é, não apenas
antidesportiva e anti-regulamentar, mas também, e como disse o dirigente
portista Fernando Gomes, uma medida contra o espectáculo. É
antidesportiva, porque, como é óbvio e por todos reconhecido, ter ou não
ter o apoio dos adeptos durante um jogo, ainda que em muito menor
número, é sempre motivador para as equipas, além de uma salvaguarda
miníma contra as pressões dos adeptos locais sobre o árbitro. É o que
sucede quando os nossos clubes jogam no estrangeiro e o apoio dos seus
adeptos, ainda que sempre em larga minoria, funciona como um catalizador
de vontade e determinação: é o célebre princípio do «you’ll never walk
alone», hino da claque do Liverpool. A atitude da Direcção do Benfica,
como anteriormente a da Direcção do Sporting, constitui, assim, um gesto
feio e antides portivo, além do mais revelador de medo e de fraqueza.
Mas sucede que, para além disso, esta decisão arbitrária viola os
regulamentos da Liga de Clubes, os quais estabelecem uma quota mínima de
lugares reservados aos visitantes, e que o Benfica está muito longe de
cumprir com a sua generosa disponibilização de 1008 bilhetes para os
dragões. Ora, convém lembrar que os regulamentos da Liga foram aprovados
pelos clubes, entre os quais Benfica e Sporting, e dificilmente se
compreende que quem fez aprovar uma coisa se reserve o direito de,
depois, não a cumprir—particularmente o Benfica, que detém a
vice-presidência da Liga. Estranhamente, ou talvez não, o anterior
incumprimento do Sporting, mereceu da Liga apenas uma ligeira multa de
1.200 euros —o que foi uma maneira de estabelecer que este crime
compensa. E, como compensa, na primeira oportunidade, aí temos o Benfica
a seguir as pisadas, sempre «moralizadoras e cavalheirescas», do seu
parceiro da Segunda Circular. Como é óbvio, eu só espero que, quando
calhar a vez próxima de ser o FC Porto a recebê-los, pague na mesmíssima
moeda. Assim, os adeptos do Benfica ficam desde já avisados de que,
aplicadas as regras da reciprocidade e da proporcionalidade, não devem
contar com mais do que uns 700 bilhetes, quando se deslocarem ao Dragão
para ver jogar o seu clube. E os protestos, podem começar já a
remetê-los por antecipação para a sua Direcção. Não venham depois dizer
que foi Pinto da Costa que não os quis lá... Finalmente, esta é também
uma medida que, a prazo, prejudica o espectáculo e prejudica todos. Eu
cresci toda a minha infância e juventude a só ter hipótese de ver o meu
clube quando ele vinha jogar a Lisboa. Há mais de quinze anos que eu via
o Porto jogar em Lisboa, no Estoril, no Barreiro ou em Setúbal, até
finalmente ter tido a oportunidade (inesquecível, como se pode
imaginar...) de o ver jogar em casa, no seu estádio, perante uma maioria
de adeptos seus. Nunca, por mais «à cunha » que estivessem os estádios
(e, nesse tempo, ia-se mais ao futebol do que hoje), eu deixei de poder
comprar o meu bilhete por ter esbarrado numa quota tão mínima que, na
prática equivale a quase nada. Se esta moda vai ter continuidade, os
grandes clubes portugueses acabarão por estabelecer a prazo a regra de
que nos seus estádios só entram adeptos seus. Não me parece que seja a
forma mais adequada para trazer de volta ao futebol as centenas de
milhares ou milhões de espectadores que dele se afastaram nos últimos
anos. Não se trata apenas de um «faitdivers ». O assunto é sério e pode
acarretar consequências graves no futuro, que nem se quer ocorreram aos
que hoje, armados em «chicos- espertos», tão levianamente decidiram
jogar em família contra o campeão, para ver se assim têm mais hipóteses.


2A leitura da edição de sexta-feira deste jornal mais parecia o boletim
da Câmara de Falências.Aí se dava conta da situação financeira
assustadora e sem solução próxima que se veja, de clubes como o
Sporting, o Guimarães, o Estoril e o Salgueiros. Terrenos penhorados,
dívidas ao Fisco, salários de jogadores em atraso, fornecedores por
pagar, enfim, todo o rol habitual de sociedades geridas à vista e na
espera permanente do milagre. É claro que é diferente a situação do
Sporting, embora, à sua escala, não deixe de ser igualmente preocupante.
No meio dessas notícias, a excepção: os 25 milhões de euros de lucro
apresentados pela SAD do FC Porto. Mas, mesmo esses 25 milhões, obtidos
num ano excepcional e dificilmente repetível brevemente, parecem pouco
se no próximo ano o clube regressar aos números anteriores a esta época
dourada: 18 milhões de prejuízo. Ou seja, se nada for feito para reduzir
drasticamente as despesas correntes, os resultados de um ano excepcional
serão engolidos em menos de ano e meio de normalidade. É gritante que a
actual estrutura competitiva e organizativa do futebol português não tem
viabilidade a prazo—nem para pequenos, nem para grandes. Toda a gente o
percebeu já mas ninguém tem a coragem de dar o primeiro passo no sentido
das reformas urgentes que se impõem.

3Segundo noticiou a TVI, a Inspecção-Geral de Finanças terá concluído
que a autarquia portuense, na altura chefiada por Nuno Cardoso, terá
beneficiado largamente o FC Porto e outros proprietários de terrenos nas
Antas, aquando da montagem da operação que levou ao desaparecimento das
Antas e ao nascimento doDragão, com a reformulação total de toda a zona.
Não é a primeira vez que a IGF faz esta acusação, já anteriormente
rebatida, quer por Nuno Cardoso, quer pelo FC Porto. Fiquei assim sem
perceber se o relatório era o mesmo de então, se era a continuação e
aprofundamento do anterior, se continha ou não factos novos. Também me
parece estranho que a IGF não conduza idêntica investigação
relativamente às condições oferecidas por Santana Lopes ao Benfica e ao
Sporting, para a construção dos seus novos estádios. Tanto mais que há
aqui um facto que me parece estranho para justificar as conclusões da
IGF: o FC Porto usou, na sua operação, património imobiliário que lhe
pertencia, ao contrário do Sporting, que pouco ou nada tinha, e do
Benfica, que nada tinha. Mas, porque acima de tudo, prezo a coerência,
seria bom, de facto, que o Ministério Público, seguindo a sugestão da
IGF, investigasse se há ou não matéria para procedimento criminal contra
o ex-autarca do Porto, por gestão danosa de bens públicos em benefício
de entidade privada. E que a IGF, obviamente, investigasse agora,
relativamente aos estádios do Euro, as actuações das edilidades de
Lisboa, Braga, Guimarães, Aveiro, Leiria, Coimbra e Faro. Para que não
ficasse a sensação de que só se investiga os que perderam o poder.

A estrada para a Luz ( 5 Outubro 2004)

Pela primeira vez em muitos anos, o Benfica é o favorito para o jogo da Luz. A menos que o conjunto de jogadores do FC Porto -infinitamente superior-expluda como equipa já daqui a quinze dias


1- É difícil dizer se Victor Fernandez tinha ou não razão para se mostrar tão visivielmente satisfeito no final do FCPorto- Belenenses.É verdade que o FC Porto conseguiu, finalmente, vencer um jogo oficial no Dragão esta época, que conseguiu, enfim,marcar golos (só por uma vez havia marcado dois), e que Diego mostrou, enfim, alguns golpes de génio, dos que fizeram a sua jovem fama e o trouxeram até aqui, vindo do lado de lá do Atlântico.Porém, não é consensual que, como disse Fernandez, o FC Porto já tenha mostrado sinais evidentes de conseguir actuar como equipa e não comoum grupo de jogadores desgarrados, pondo em campo e à vista de todos, um conjunto de jogadas e esquemas de funcionamento ensaiadas nos treinos. Pelo contrário, durante a grande maioria do tempo, e mesmo contra dez, a equipa continuou a mostrar uma desesperante falta de «alma» e de inspiração, uma vez mais perdendo o meio-campo, onde Costinha parece só conseguir jogar para os lados e para trás, e Diego -excepção feita aos golpes de génio que marcaram o jogo - não consegue,em continuidade, ganhar espaço em velocidade. Não penso, como muitos outros, que a grande diferença entre o Deco e o Diego seja o facto de o primeiro também defender e o segundo não. A primeira grande diferença, para mim, é a idade e a experiência, que só podem funcionar a favor da melhoria do jogo de Diego. A segunda grande diferença é que o Deco, quando recebe a bola, já está em movimento para a frente e já sabe o que fazer com ela, sem necessidade de parar para pensar; enquanto Diego, recebe a bola, roda sobre o adversário mais próximo, que continua à sua frente, e só então levanta a cabeça para ver o que fazer-são segundos preciosos que se perdem assim, tradicional da forma de jogar no Brasil, mas geralmente ineficaz na Europa. Nesse aspecto, o Carlos Alberto, com a mesma idade e a mesma escola do Diego, aprendeu muito mais depressa como se joga aqui e, por isso, faz pena vê-lo de fora em tantos jogos (veja-se como a entrada dele mexeu com toda a equipa, em Stamford Bridge).

Na semana passada, precisamente, escrevi aqui que, fosse qual fosse o sistema de jogo e o onze base em que Fernandez viesse a fixar- se, ele não poderia nunca, em minha opinião, prescindir regularmente de Carlos Alberto e McCarthy. Carlos Alberto, logo após entrar, esteve na origem do golo que reacendeu as esperanças contra o Chelsea, e McCarthy apontou esse golo e os dois últimos contra o Belenenses, aproveitando pouco mais do que 45 minutos em campo em ambos os jogos e a quase totalidade das oportunidades de remate de que dispôs. Em contrapartida, e como se tem visto, Fabiano não é um ponta-de-lança puro, Postiga está «ausente» em parte incerta e Derlei longe da forma que o tornou imprescindível. Dir-se-á, relativamente a Fabiano e a Derlei, que eles precisam de mais jogos-o que é verdade.Mas todos eles precisam de mais jogos, nenhum jogador melhora ou ganha confiança no banco.A questão é saber se será de boa política deixar de fora os que estão em melhor forma para que os outros ganhem jogos.

Pelo que se viu até às entradas de Carlos Alberto e McCarthy contra o Belenenses, é legítimo aliás, perguntar se o FC Porto teria ganho o jogo, se o precipitado critério disciplinar do árbitro Elmano Santos (iniciado, aliás, contra Pedro Emanuel, doPorto), não tivesse conduzido, muito cedo no jogo, à injusta expulsão de Juninho Petrolina. Estou em crer que sim, porque as três brilhantes jogadas de golo do FC Porto foram obtidas contra uma defesa do Belenenses até mais reforçada pelo facto de a equipa estar em inferioridade numérica. O que duvido é que, com onze, o Belenenses não tivesse marcado também, ou que o FC Porto tivesse marcado três golos.

2- Em Stamford Bridge a história foi outra.A derrota tornou- se previsível e inevitável desde o início, desde que a equipa mostrou falta de fé, de atitude e de coragem para procurar outro desenlace. E, se nada desculpa a desinspiração quase absoluta de tantas peças fundamentais da equipa e a sua extrema vulnerabilidade às jogadas de livres e cruzamentos, também é verdade que Mourinho teve a totalidade da sorte do jogo consigo, marcando em momentos cruciais e em três dos quatro remates que a sua equipa fez à baliza de Baía.O que mais irritou foi, por isso mesmo, a forma como o FC Porto já pareceu mentalmente derrotado à partida por uma equipa que está longe de valer (pelo menos para já) o valor que custou a sua formação, longe de possuir um futebol adequado ao estatuto de equipa mais cara do Mundo e longe-isso é o que mais deve custar a Mourinho-de valer o que valia o FC Porto de Mourinho das últimas duas épocas.

3- E, com o Benfica-Porto à vista já na próxima jornada, o Benfica segurou a sua preciosa vantagem de quatro pontos, em Guimarães. Também aqui se pode colocar a questão de saber se o Benfica teria ganho o jogo, não tivesse Marco Ferreira protagonizado uma das mais irresponsáveis e irracionais expulsões que há por hábito ver. De novo, penso que a resposta é sim: o Benfica teria ganho na mesma, porque jogou com vontade e talento para ganhar, do minuto 1 ao minuto 92, perante um Vitória encolhido e temente. E, aliás, diga-se que é uma pena o árbitro não ter visto a cotovelada sádica, premeditada e bem preparada, que o Silva pregou no Simão, porque ela merecia uma expulsão imediata (agora que o Silva já não joga nem no Boavista nem no Sporting, é de esperar que o CD lhe aplique o castigo devido. Ou o vídeo já não vale outra vez? Parece que não, pelo menos a avaliar pelo castigo zero sofrido pelo Tõnito, em razão daquela entrada a rebentar com o Derlei...).

Na melhor altura, também o Benfica vê Simão e Nuno Gomes quererem regressar aos bons tempos e, assim, pela primeira vez desde há muito, se há um favorito para o jogo da Luz, esse favorito é, desta vez, o Benfica. Só que o FC Porto tem uma equipa infinitamente superior à do Benfica, jogador por jogador. E, no dia em que eles finalmente explodirem como conjunto, o Benfica não terá hipóteses. Quando é que isso será, essa é que é a questão.

4- E, quando o campeonato começava a ganhar embalagem e emoção, lá vem nova interrupção para as Selecções.No nosso caso, para mais uns jogos contra equipas tão fracas que o próprio seleccionador confessa que nem se incomoda a ver jogar os seleccionáveis, seja ao vivo, seja na televisão. Talvez por isso, a convocatória do Postiga ou do Boa Morte.

sexta-feira, outubro 01, 2004

Enfim, um pouco de azul (28 Setembro 2004)

Victor Fernandez tem um claro problema de abundância de bons jogadores. O que, sendo um bom problema, não deixa de o ser. Mas, sejam quais forem as soluções encontradas, há dois jogadores de quem não deve prescindir como soluções correntes: Carlos Alberto e McCarthy

1. Os corações de alguns benfiquistas andavam impantes, com as três vitórias na abertura do campeonato, a par das sucessivas escorregadelas dos rivais. E digo alguns porque outros, dos meus conhecimentos, não esqueceram que o Benfica começou a época falhando os dois jogos que mais interessavam: a conquista da Supertaça Cândido de Oliveira contra o FC Porto e, sobretudo, o apuramento para a fase final da Liga dos Campeões, baqueando em voo rasante às mãos de um modesto Anderlecht. E também não lhes passou despercebido que as três vitórias consecutivas foram obtidas, as do campeonato, contra candidatos à despromoção e, a da Taça UEFA, contra uma equipa eslava com nome de biscoito. E, enfim, também não deixaram que os resultados iludissem a pobreza franciscana das exibições. Em poucas palavras, o Benfica tem mostrado muito pouco futebol para uma ambição rapidamente elevada aos mais altos cumes, por via de quatro vitórias banalíssimas. Talvez por isso, a anunciada «enchente» do Estádio da Luz para o jogo com o Braga (tão bem promovida pela imprensa) traduziu-se, afinal, por pouco mais de meia casa. Mas, não obstante os sinais reclamando menos euforia e mais lucidez, logo na imprensa de sábado de manhã o benfiquista Fyssas achava-se suficientemente confiante para proclamar «não temos medo de ninguém!» e, sábado à noite, o presidente Luís Filipe Vieira, a pretexto dos protestos de Pinto da Costa contra a Comissão de Arbitragem da Liga, declarava, triunfante: «O nosso primeiro lugar já começa a incomodar.» E eis que... Eis que, sábado à noite, o FC Porto arrancava finalmente a primeira vitória do campeonato, em Guimarães. E reza a tradição que, ano em que o Porto ganha em Guimarães, é campeão. É verdade que só ganhou a nove minutos do fim, teve de marcar três golos para que um valesse, arrastou-se durante a primeira meia hora do jogo, fazendo temer novo fiasco, mas depois arrancou a sério e só Palatsi e a falta de sorte evitaram um resultado desnivelado, que teria sido inteiramente justo. De Guimarães soprou assim o primeiro cheirinho a Porto e tanto bastou para que, no domingo, o Benfica tremesse na Luz, diante do Braga, pondo fim à sua série de vitórias e só não averbando a primeira derrota porque o árbitro apitou mal um fora de jogo num remate de João Tomás que só acabou no fundo da baliza de Moreira. E domingo à noite, feito o balanço da jornada, o FC Porto tinha ganho dois pontos ao Benfica, dois ao Sporting e três ao Boavista. Foi blackjack da banca contra todos. Agora é que as coisas vão começar a sério.

2. O FC Porto arrancou finalmente, ou parece ter arrancado, no limite psicológico para o fazer. Novo jogo sem vitória poderia ter consequências desastrosas numa equipa que se prepara para continuar num ciclo terrível, iniciado em Guimarães, continuado depois de amanhã em Londres e 10 dias mais tarde na Luz. Mas a vitória do FC Porto em Guimarães parece ter tido mais que ver com a melhoria individual de alguns jogadores que com uma alteração táctica ou de atitude da equipa. Durante a primeira meia hora, aliás, o futebol produzido, à semelhança do dos jogos anteriores, foi de uma vagareza, falta de imaginação e de coragem confrangedoras. Mas, depois, despertou pela primeira vez o génio de Diego, que ainda não havia sido visto; Derlei deu mostras de querer regressar aos seus bons velhos tempos; Quaresma conseguiu um jogo sólido e eficaz, quase de princípio a fim, e Bosingwa (cuja inclusão eu defendi aqui, no último artigo) deixou Seitaridis a milhas de distância, defendendo com muito mais eficácia e revolucionando o corredor direito. No resto das suas escolhas creio que Victor Fernandez andou mais mal que bem: Ricardo Costa falhou, novamente, abrindo buracos sem fim no lado esquerdo da defesa, Hugo Leal voltou a mostrar a sua falta de utilidade e Hélder Postiga, para além de mais uma exibição rigorosamente inofensiva, permitiu-se ainda ser expulso, por insultos, sem razão nem sentido (nem educação...) dirigidos ao árbitro auxiliar. Já aqui o escrevi mas vale a pena voltar ao caso do Hélder Postiga, até porque, tão novo que é, tudo pode ainda ser revisto. Quando saiu para Inglaterra, há dois anos, escrevi que, em minha opinião, o fazia prematuramente: tratava-se de um bom avançado, com boa técnica e sentido de jogo na zona nevrálgica da área, mas faltava-lhe aprender a matar, a colocar-se e jogar com o objectivo quase único do golo. A sua passagem por Inglaterra foi o desastre que se sabe, explicado por José Mourinho com a sua falta de combatividade para um futebol onde os strikers não têm vida fácil. Apesar disso Pinto da Costa — que tem um fetiche particular em ir buscar de volta ao estrangeiro jogadores que vendeu, exactamente porque não gosta de os vender...— resolveu, já este ano, ir buscar o Postiga de volta e por um preço muito caro. Demasiado caro para que ele, por exemplo, se permita ser expulso por insultar um árbitro auxiliar... Mas o Postiga que voltou, aureolado por duas boas meias partes em jogos da Selecção, é um jogador que, sobre continuar a não marcar golos (tarefa principal da sua função), parece-me muito preguiçoso e blasé, claramente sem a garra de um Derlei, a técnica de um Luís Fabiano ou a eficácia de um McCarthy. E, já que estou a analisar — e, em alguns casos, a contestar — as opções de Victor Fernandez, não posso deixar passar dois casos que me parecem de difícil justificação, como excluídos. O primeiro é, justamente, McCarthy, de quem, como se sabe, reza a lenda que Fernandez não é grande admirador. Mas, primeiro, McCarthy foi muito caro para ser arrumado em definitivo; em segundo lugar, já provou no FC Porto ser um grande jogador e daí a insistência que José Mourinho pôs na sua aquisição, prometendo em troca a Pinto da Costa... a Liga dos Campeões; em terceiro lugar, foi o melhor marcador da Liga do ano passado e da Liga dos Campeões, onde teve papel decisivo, por exemplo, na eliminação do Manchester; em quarto lugar, é o melhor dos pontas-de-lança que o FC Porto tem—já que o Luís Fabiano não parece ser um verdadeiro ponta- de-lança para jogar solitário, antes um segundo avançado de apoio ao cabeça de área, como o é o Derlei ou mesmo o Carlos Alberto. E o Carlos Alberto é, precisamente, o segundo mal excluído, em minha opinião. O pouco que esteve em campo contra o Guimarães ou o Estoril deu para ver (se provas suficientes não houvesse já da época passada) que é um verdadeiro desequilibrador, essencial numa equipa cujo meio-campo se tem mostrado tão previsível. Bem orientado, estimulado e aproveitado, mesmo que não sejam todos os 90 minutos, não tenho dúvidas de que o Carlos Alberto pode vir a ser um dos mais valiosos jogadores do mercado europeu dos tempos mais próximos. É claro que o Victor Fernandez tem um claro problema de abundância, agravado pelo facto de ainda não ter decidido — e não será fácil decidir — por que sistema quer, afinal, optar: um 4x3x3 teoricamente mais ofensivo ou um 4x4x2 em que o motor do ataque resida no meio-campo. A primeira opção é dificultada pelo facto de o FC Porto só dispor de um verdadeiro extremo que dê garantias: o Quaresma (Maciel e César Peixoto queimaram sucessivamente todas as oportunidades que lhes foram concedidas e não justificam mais ilusões). Assim sendo, e colocando o Ricardo Quaresma como extremo, restam a Victor Fernandez duas opções: a que usou em Guimarães — Luís Fabiano e Derlei completando o tridente ofensivo —, sendo que, como disse, nenhum deles é, em minha opinião, um verdadeiro ponta-de-lança; ou então usar o ponta-de-lança McCarthy e prescindir ou do Fabiano ou do Derlei. Nesta hipótese de 4x3x3, o três do meio-campo é mais ou menos pacífico: Costinha, Maniche e Diego, embora eu ache que, nos jogos contra equipas acessíveis, não fosse de excluir um meio-campo mais virado para a frente, com o Maniche como falso trinco e o Diego e o Carlos Alberto como médios-alas. Concordo, porém, que é uma experiência e de risco. Se, porém, Fernandez se inclinar para um aparentemente mais sólido 4x4x2, acho que estes quatro de que falei devem constituir obrigatoriamente o meio-campo: Costinha, Maniche, Diego e Carlos Alberto. Resta saber quem formaria o ataque: uma clássica dupla de avançados centrais — Derlei e Fabiano, com McCarthy a primeiro suplente — ou um só avançado-centro, apoiado por um extremo (Quaresma) e contando, por exemplo, com um Bosingwa capaz de repetir as incursões pelo corredor direito, que fez em Guimarães? E, se o Quaresma fosse opção para a dupla da frente, para quem seria o lugar sobejante: Derlei, Fabiano ou McCarthy? Eis os salutares problemas de abundância que se colocam a este FC Porto. Por serem salutares não quer dizer, porém, que sejam fáceis de resolver, e ainda na semana passada aqui escrevi sobre isto, comparando o FC Porto com o Real Madrid. Mas também não tenho dúvida nenhuma de que são melhores os problemas de abundância de bons jogadores que os da falta deles. E é em situações destas que os treinadores têm de mostrar o que valem.

O FC Porto como o Real Madrid (21 Setembro 2004)

Foi curioso ver, no Real Madrid que este fim-de-semana perdeu com o Espanhol, que ficaram de fora jogadores como Figo, Zidane, Beckham e Raúl, enquanto no onze inicial do FC Porto contra o Estoril ficaram de fora Diego, Quaresma, McCarthy e Derlei. Eis como a abundância de estrelas se pode transformar num problema real

O futebol é assim mesmo: o Benfica, como uma equipa base em tudo idêntica à da época passada, menos o Tiago, vai à frente do campeonato com três vitórias em três jogos — nenhum dos quais esteve sequer perto de impressionar pela qualidade do futebol mostrado. Da mesma forma que ganhou anteontem em Coimbra, poderia perfeitamente ter empatado também que ninguém se admiraria, face àquilo que se viu.

O FC Porto, com uma nova constelação de estrelas que substituiu, em quantidade, as que saíram e que até levou José Mourinho a comentar que a equipa desta época é mais forte que a que foi campeã europeia, vai em quatro jogos consecutivos sem vencer (uma única vitória nos seis jogos sob o comando de Fernandez), perdeu a Supertaça Europeia, comprometeu a sua entrada em cena na Liga dos Campeões e, caso consiga ganhar amanhã ao União de Leiria no jogo em atraso, leva, mesmo assim, já quatro pontos a menos que o Benfica. E, todavia, se bem que o seu empate caseiro com o Estoril tenha castigado mais uma exibição sem chama nem tino, a verdade também é que, se tivesse ganho, ninguém se poderia espantar, face à enxurrada de jogo ofensivo, embora desconexo, e de ocasiões de golo de que dispôs na segunda parte.

Fez bem o jovem treinador estorilista Litos em vir desdizer, a frio, a sua observação a quente de que «não nos deixaram ir mais além». Ele é o mais novo treinador da SuperLiga e não lhe fica bem começar já com as habituais suspeitas e desculpas com a arbitragem, para mais quando elas não têm razão de ser. A única queixa válida que o Estoril teve sobre a arbitragem foi a falta cometida por Seitaridis sobre um avançado estorilista que corria com perigo para a baliza portista (embora ainda tivesse um defesa entre ele e a baliza); mas, cometida a falta, acabou o perigo, com o avançado no chão: mesmo que o árbitro, como devia, tivesse assinalado a falta e mostrado o cartão adequado a Seitaridis, é presunção a mais pretender que da cobrança do livre a uns 40 metros da baliza de Baía resultaria fatalmente o golo da vitória do Estoril, a dois minutos do fim. Na verdade, era impossível alguém ter impedido o Estoril de ir mais além quando a própria equipa renunciou ostensivamente a isso, passando a se gunda parte a defender com 10 jogadores dentro da área a vantagem que adquira com os dois únicos remates que fez à baliza do Porto em toda a primeira parte. Quando se tem a sorte do jogo é preciso não se ser ingrato.

O FC Porto podia, de facto, ter ganho. Eventualmente mereceu até ganhar, pelo que tentou e pelo azar que teve. Mas houve diversos erros próprios que o impediram, também. Desde logo a inclusão do Hugo Leal e do Hélder Postiga no onze inicial, em prejuízo do Quaresma e doMcCarthy.OHugo Leal não tem claramente futebol para a primeira equipa do Porto; e o Postiga será apenas o terceiro ponta-de-lança, se não for mesmo o quarto, atrás do Hugo Almeida, e isto porque, muito embora seja bom tecnicamente, tem uma total alergia à função primeira de um ponta-de-lança, que é a de marcar golos. Depois, a inclusão prematura do Derlei, em nítida baixa de forma — como reconheceu depois o próprio Fernandez —, soou a tentativa desesperada de mobilização psicológica da equipa, o que é preocupante. E a própria escolha do Derlei para marcar o penalty foi uma insistência no erro: Jorge, o guarda-redes do Estoril, confessou que se lembrou do jogo da Corunha e apostou que o Derlei iria marcar o penalty para o mesmo lado e da mesma maneira. Não era difícil: também eu adivinhei e acho que todos adivinhámos. É dos tais erros infantis.

A defesa portista abanou demasiadamente, como se o enxerto de três novas unidades fosse suficiente para desfazer todos os automatismos existentes. O ataque revelou a sua já habitual dificuldade em marcar golos, muito embora a forma atabalhoada como o Estoril se defendeu toda a segunda parte tivesse proporcionado inúmeras ocasiões, em que apenas a falta de sorte ou a excepcional prestação de um guarda-redes inspirado tenham evitado vários golos. Mas o ponto verdadeiramente grave desta equipa, para mim, está no meio-campo. Já há semanas aqui o escrevi: tendo- se reforçado tanto e tão caro e com tantos nomes sonantes, o FC Porto de 2004/05 deixou desfalcado o meio-campo. Saíram o Deco, o Pedro Mendes e o Alenitchev, três dos cinco jogadores que frequentavam habitualmente o meio-campo que foi campeão europeu (basta pensar na final de Gelsenkirchen e na contribuição decisiva de Deco e Alenitchev...). E entrou, com estatuto de titular, apenas o Diego, que vem com ritmo e mentalidade de futebol do GNT, jogado com temperaturas de 30 graus, humidade de 85 por cento, relva alta e jogadores que, quando são fintados, deixam-se ficar a aplaudir a finta do adversário. Na Europa não se joga assim e o Diego está a aprendê-lo à sua custa e à custa da equipa. O meio-campo do FC Porto tem vivido assim apenas pelo esforço de quem já conhece o estilo necessário: o Costinha, que até está em baixo de forma, o Carlos Alberto, absurdamente desviado para funções de extremo, que não é minimamente, e o incansável Maniche, que não pode chegar para tudo. É pouco e os resultados estão à vista: o meiocampo defende mal, não lança o ataque, não acorre às segundas bolas, falha na célebre pressão alta e faz com que os sectores joguem longe uns dos outros, sempre com passes feitos no limite, sem circulação de bola, sem confiança no controlo do jogo, sem saber se há-de atacar por um centro sempre povoado ou pelos extremos, que tantas vezes não existem ou são falsos. Esta equipa do FC Porto, a meu ver, foi construída desequilibradamente: tem demasiados defesas-esquerdos, o que até forçou a impensável dispensa do Rossato, e apenas um defesa-direito; demasiados defesas- centrais, trincos e pontas- de-lança e poucos médios armadores e extremos.

Compreende-se a tentação de Victor Fernandez, que conhece mal a equipa e tão pouco tempo teve para experimentar todos os jogadores, em lançar mão daqueles que, à partida, pareceriam os desequilibradores natos. O mesmo fenómeno viveu e vive o Real Madrid e daí os resultados catastróficos que acumulou no ano passado e vai acumulando este ano. Florentino Pérez achou que poderia construir uma equipa só de solistas e todos virados para o ataque, mesmo que tivesse de meter os extremos a médios e pontas-de-lança, como Raúl, a jogar atrás dos avançados. O que conseguiu foi construir uma equipa que é um caso notável de ambiguidade e desequilíbrio funcional: uma defesa cujos laterais só pensam em atacar e cujos centrais não valem nada e um meio-campo e ataque que se confundem nas suas funções e onde se sobrepõem e atropelam algumas centenas de milhões de euros de todas as proveniências.

Salvas as devidas proporções, o mesmo parece estar a acontecer com o FC Porto desta época: há uma profusão de jogadores quase obrigatórios (quanto mais não seja pelo dinheiro que custaram...) e um défice de jogadores necessários. Tanto Fernandez como Camacho parece terem começado a aperceber-se disso e foi curioso ver, no Real Madrid que este fim-de-semana perdeu com o Espanhol, que ficaram de fora jogadores como Figo, Zidane, Beckham e Raúl, enquanto no onze inicial do FC Porto contra o Estoril ficaram de fora Diego, Quaresma, McCarthy e Derlei. Eis como a abundância de estrelas se pode transformar num problema real.

Sempre ouvi dizer que uma boa equipa se constrói de trás para a frente. E, salvo melhor opinião e reconhecendo todas as limitações que Victor Fernandez tem tido, parece-me que é isso que está a faltar no FC Porto. Por mais estrelas que estejam em campo, a imagem dada é a de um conjunto de jogadores que não funciona como equipa, que não sabe o que há-de fazer com a bola, que não tem esquemas ofensivos que vão para além da inspiração individual de cada um, que não sabe como tapar os caminhos ao adversário e que, se encontra pela frente uma defesa cerrada, como a do Estoril ou a do CSKA, rapidamente cai na falsa solução dos centros por alto, desde o meio campo. A chave está no miolo, volto a insistir, e atrevo-me, por exemplo, a perguntar ao Victor Fernandez se já considerou a hipótese de um jogador chamado José Bosingwa para tentar dar mais alguma consistência e pulmão ao meio-campo. Depois, caramba, não é preciso que seja o próprio jogador, como o Diego, a dizer que não se sente em condições para jogar, quando já era manifesto que o não estava; não se pode manter a titular um ponta-de-lança que passa um jogo inteiro sem fazer um remate à baliza só porque «lutou muito»; não se pode confiar a transformação de um penalty decisivo a um jogador só porque ele em tempos marcou outro decisivo e sem ao menos lhe dizer para não o repetir, tal e qual; é preciso estar definido quem marca os livres e porquê, enfim, muitas outras coisas que qualquer treinador sabe melhor que eu.

O Benfica é uma equipa, embora formada por muito fracos jogadores. O FC Porto é um fortíssimo somatório de grandes jogadores mas não é ainda uma equipa. E isso não se consegue por simples voluntarismo.

O parente rico (7 Setembro 2004)

O mínimo exigível ao FC Porto, numa época em que dispõe de um orçamento que é mais do dobro do do Benfica e três vezes o do Sporting, é que vença tudo o que há para vencer, internamente. A vitória será, assim, banal; a derrota inexplicável

Dois mil adeptos, segundo rezam as crónicas, receberam no Dragão, entusiasmados, a última aquisição da época do FC Porto, Luís Fabiano. Compreende-se: o adepto comum quer é novos craques — verdadeiros, potenciais ou simplesmente ilusórios. E nada há, aqui ou lá fora, que mais gozo dê a um presidente de clube que apresentar as suas novas conquistas aos adeptos. Mesmo nestes tempos generalizados de suposta crise financeira dos clubes, comprar jogadores, por mais caros que sejam, continua a funcionar quase como o único critério, senão de uma boa gestão, pelo menos daquela que mais entusiasma os adeptos. E, por isso e até mais ver, os defesos continuarão a ser as épocas preferidas dos presidentes de clube, o seu território privado de protagonismo e glórias. A verdade é que há, no FC Porto ou noutro grande clube, dois mil adeptos para receber as novas estrelas da companhia mas não há dois mil adeptos ou sócios para olhar anualmente para as contas dos clubes e deitar-se a pensar quantos mais defesos de glória pode suportar o seu clube. A Europa está hoje cheia de clubes arruinados em sucessivos defesos onde o efémero gozo das aquisições de Verão foi depois pago com lágrimas de amargura. Aí está a arruinada Florentina a ter de recomeçar tudo do zero, partindo da IV Divisão italiana para tentar reconstruir a pulso, e agora com os pés assentes na terra, um clube dos mais antigos e prestigiados de Itália, desmoronado por dívidas e sonhos de Ptolomeu. Aí está o Corunha, que, pela primeira vez em muitos anos, não fez uma só aquisição neste defeso, sufocado que está por 120 milhões de euros de dívidas que não evitaram que, travado pelo FC Porto, falhasse o sonho da Liga dos Campeões e a derradeira tábua de salvação financeira. Dito isto, há que reconhecer que Luís Fabiano foi um bom negócio. Embora pessoalmente não me tenha entusiasmado por aí além das duas vezes que o vi jogar (continuo a preferir o sportinguista Liedson, cujo passe não vale nem 10 por cento do de Fabiano), a verdade é que um jogador do lote dos 18 habituais da selecção brasileira, apenas a troco do desembolso de 1,85 milhões de euros, é um excelente negócio. Resta saber o que vai a tal Global Investments, que ficou dona da fatia de leão do passe, exigir para rentabilizar o seu investimento—certamente que não investiram milhões de euros apenas pelo prazer de o ver jogar de azul e branco. O problema, aquilo que traz alguns portistas bastante apreensivos, não é, pois, o negócio específico de Luís Fabiano mas sim todos os outros que a Torre das Antas celebrou neste defeso. Por exemplo: no mesmo dia em que Luís Fabiano era apresentado em grande estilo e a troco de apenas 1,85 milhões de euros, pela porta dos fundos entrava discretamente mais um brasileiro, Thiago de seu nome, defesa-central destinado à equipa B e adquirido, segundo li, por... 2,5 milhões. Quinhentos mil contos por um defesa de 19 anos para a equipa B? Mas isso nem oReal Madrid paga! E, no mesmo dia, o último (felizmente!) para o fecho dos negócios saía pela porta dos fundos e por menos do que havia custado há dois meses, nada menos que o Rossato — o melhor defesa-esquerdo do campeonato do ano passado e que nem chegou a ter uma verdadeira hipótese de se mostrar. Aliás, como o Paulo Assunção, duas vezes comprado e duas vezes emprestado— desta logo após a compra. É difícil de entender como é que um clube português, cronicamente deficitário na sua gestão corrente, se pode dar ao luxo de comprar 12 jogadores numa época só para a equipa principal, quando apenas vende seis e mantém uma outra dúzia emprestada a outros emblemas, mas com os ordenados a serem pagos, no todo ou em parte, por esse mesmo clube. Ou como é que se pode dar ao luxo de comprar jogadores para imediatamente os emprestar, para imediatamente os vender a perder dinheiro ou pagar meio milhão de contos por um defesa de 19 anos, directamente destinado à equipa B. Bem sabemos que este foi um ano excepcional, único e irrepetível, em que subitamente a tesouraria do clube se viu inundada de dinheiro, como nunca nos mais de 100 anos de história do FC Porto. Para isso convergiram três factores, qualquer deles, por si só, quase impossível de repetir-se e virtualmente impossível de voltar a acontecer simultaneamente com os outros dois: a vitória na Liga dos Campeões, a ida do seu treinador para um clube estrangeiro, arrastando compras de jogadores que treinava, e a propriedade desse clube por parte de um multimilionário de ocasião, que seguramente não estará muitos mais anos nem no Chelsea nem em liberdade. Esse conjunto de circunstâncias excepcionais deve-as o FC Porto ao mérito desportivo, à sorte e a José Mourinho — um verdadeiro rei Midas desportivo e financeiro que por lá passou. À conta disso o FC Porto facturou neste defeso a impensável soma de 81,85 milhões de euros, entre cedências de jogadores e do próprio treinador. Se a esta soma descontarmos a parte dos passes que não pertenciam por inteiro ao clube e as comissões de agência de Jorge Mendes (que fortuna ele não deve ter feito!), e se acrescentarmos as receitas da Liga dos Campeões, concluiremos que o FC Porto obteve, na época que terminou em Julho, receitas extraordinárias entre os 60 e os 70 milhões de euros. Chegaria, provavelmente, para acabar de pagar o estádio e ainda pôr a zero o passivo acumulado em tantos anos em que as receitas não cobriram as despesas. E, porque se tratava de uma oportunidade única para o fazer, para poder arrumar de vez a casa e poder iniciar um novo ciclo em que o clube não tivesse de viver dependente de um novo Totoloto, teriam de ser extremamente ponderosas as razões para o não fazer. Até porque, convém lembrá-lo de vez em quando, o FC Porto é uma sociedade anónima, em que aos sócios deve ser explicado porque não têm direito a quaisquer dividendos de lucros tão extraordinários, se ainda por cima eles não são aplicados para liquidar o passivo mas antes em constantes novos investimentos em jogadores, alguns logo à partida excedentários. É óbvio que o FC Porto tem vários títulos e um prestígio internacional adquirido a defender e que, por isso e porque vendeu excepcionalmente bem, teria de ir às compras para de algum modo minimizar os danos resultantes das saídas de Deco, Alenitchev, Pedro Mendes, Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho. Todos os portistas o entendem e todos, creio até, o exigiam. O problema está, como várias vezes tenho escrito, num critério que tende a privilegiar a quantidade sobre a qualidade: não tenho dúvidas algumas sobre a justeza das aquisições do Diego, do Pepe, do Seitaridis, do Ricardo Quaresma e até do Luís Fabiano. Mas dificilmente entendo a necessidade do Areias, do Raul Meireles, do Hélder Postiga (e ao preço que foi), do Hugo Leal e do Paulo Assunção. E jamais entenderei a lógica da compra, para imediata venda, do Rossato. O FC Porto acabou assim por gastar mais de 33 milhões de euros em compras — o que representa 7 vezes o investimento do Benfica e quase 15 vezes (!) o do Sporting. A questão que se põe é simples: havia necessidade? Nesta época que agora se iniciou, excepção feita a FC Porto, Nacional e a Académica, nenhum dos clubes da SuperLiga aumentou o seu orçamento relativamente ao ano passado. E, como os investimentos têm de ter retorno, o mínimo exigível ao FC Porto, numa época em que dispõe de um orçamento que é mais do dobro do do Benfica e três vezes o do Sporting, é que vença tudo o que há para vencer, internamente. A vitória será, assim, banal; a derrota inexplicável.

P. S. — Sempre achei que as claques organizadas serviam para berrar e não para expor qualquer pensamento articulado. A fantástica conferência de imprensa dos Super Dragões veio confirmá-lo. Cabe agora a estes portistas de gema provar, contra o seu clube, aquilo que ainda ninguém conseguiu provar: que o Mourinho rasgou mesmo a camisola do Rui Jorge. Façam favor.

Um pouco mais de futebol, s. f. f.(14 Setembro 2004)

Ainda agora se começou e já se joga para os pontos, sem qualquer preocupação pela qualidade do espectáculo, e com as justificações habituais: pouco tempo de treino, início de época, integração de jogadores novos, assimilação dos métodos dos novos treinadores ou até a necessidade de começar já a poupar energias para o resto da época.


REGRESSOU enfim o futebol de competição e regressou em fraqueza. Ainda agora se começou e já se joga para os pontos, semqualquer preocupação pela qualidade do espectáculo, e com as justificações habituais: pouco tempo de treino, início de época, integração de jogadores novos, assimilação dos métodos dos novos treinadores ou até a necessidade de começar já a poupar energias para o resto da época. Confesso que já tenho saudades de ver um bom jogo de futebol, bem jogado do princípio ao fim. Repare-se na Selecção: arrastou- se na Letónia, durante mais de uma hora, para, subitamente e inspirada por uma stripper espontânea e dois rasgos de Cristiano, resolver num minuto o que aquele futebol de sucessivos passes entre os defesas e os médios, sem qualquer agressividade ou objectivo aparente, não parecia capaz de resolver. Recebemos a Estónia e até a 13 minutos do fim,mostrámos um futebol capaz de curar as insónias do doente mais persistente – excepção feita a dois momentos em que a Estónia esteve na iminência de conseguir um escandaloso golo na baliza de um Ricardo eternamente aos papéis de cada vez que a bola é jogada na pequena área.Mas eis que o Deco cruza a preceito, o Cristiano eleva-se como mandam os manuais do ponta-de-lança e, de repente, foi como se uma torneira de segurança se tivesse aberto: 4-0,um resultado em que ninguém teria apostado a um quarto de hora do fim. Começo a admirar sinceramente este Luiz Felipe Scolari: o homem não só é um dos melhores profissionais de marketing que eu já vi actuar, como é também um dos sujeitos com mais sorte que eu conheci até hoje – a seguir, talvez, ao Pedro Santana Lopes.

Repare-se agora no FCPorto, orgulho e raça da nação, campeão nacional e europeu, maior vendedor de estrelas de todo o defeso.Em todos os jogos «a sério» que disputou até agora, amigáveis ou oficiais, ficou- se sempre por um golo marcado: contra o Arsenal (vitória), o Galatasaray (derrota), o Boavista (empate), o Benfica (vitória), o Valência (derrota) e o Braga (empate). Com um ataque com o Quaresma, o Maciel, o Derlei, o McCarthy, o Postiga, o Hugo Almeida (o César Peixoto não, esse é umtremendo erro de casting), este ataque não consegue marcar mais do que um golo por jogo? E aquele meio-campo de luxo, com o Carlos Alberto, o Costinha, o Diego e o Maniche (O Hugo Leal não, é outro erro de casting), como não consegue ele lançar um ataque em condições, segurar o jogo, manter a posse de bola, ao ponto de a «táctica de jogo estar reduzida à forma mais simples: pontapé do Baía directamente por cima da defesa e do meio campo a lançar o ataque? É preciso recuar aos deprimentes tempos do Octávio para lembrar uma equipa do FC Porto tão falha de ideias, de inspiração, de espírito de conquista. É facto que se perdeu um mês decisivo com esse outro erro de casting que foi o Del Neri, e é facto também que Victor Fernandez ainda não conseguiu ter, cinco dias que fosse, o onze principal todo junto para ensaiar com ele o que quer que seja. A tendência, fatalmente, só pode ser para melhorar e muito estranho seria que jogadores como um Seitaridis, um Carlos Alberto, um McCarthy ou um Diego não conseguissem desmentir rapidamente esta frustrante imagem de banalidade que têm mostrado. Espera- se ainda a estreia de Luis Fabiano e um rápido regresso de Derlei, não apenas em boas condições físicas, mas também na posse da plenitude das suas qualidades futebolísticas que, desde o malfadado jogo de Alverca, nunca mais se viram verdadeiramente. Quem sabe, talvez já esta noite, no regresso oficial ao Dragão e no primeiro e fundamental jogo de defesa do título europeu, o FC Porto possa dar uma amostra de reencontro com o espírito da equipa que deu cartas no futebol europeu dos últimos dois anos. Uma entrada com o pé esquerdo na Liga dos Campeões poderia ter efeitos psicológicos graves e comprometedores para toda a época.

Entretanto, a sua estreia no campeonato ficou marcada por aquela exibição de fraqueza e abulia em Braga. Tornou-se demasia- do evidente que a equipa passou a jogar para o 1-0, logo que aos 3 minutos o génio de Maniche a colocou de imediato em avanço. Todavia, mesmo jogando mais do que o FC Porto, pareceu-me a mim que o Braga não chegaria por si só ao empate, não fosse, uma vez mais, a alergia de Pedro Proença ao azul e branco. Notável a forma incisiva como ele conseguiu ver de imediato a falta do Quaresma sobre o Wender, que nenhuma imagem televisiva conseguiu esclarecer claramente, e como ele conseguiu ver que a falta, a existir, tinha acontecido dentro da área – quando todas as imagens vistas mostram o Wender sobre o risco da área.Mas mais fantástico ainda foi o facto de ele, que tão peremptoriamente tinha assinalado um penalty tão duvidoso contra o FC Porto, dez minutos depois não ter sido capaz de ver um penalty tão evidente contra o Braga. Dizia o jornalista de «A Bola» que talvez ele não tenha visto, mas as repetições televisivas mostram claramente Pedro Proença a não mais que três metros do lance e, sem ninguém no meio, a ver o jogador do Braga, de frente para ele, a meter descaradamente a mão à bola. Pelo que, dúvidas não há: o árbitro viu o penalty.A questão resume- se, assim, a saber porquê que não o marcou – porque não gosta de marcar dois penalties no mesmo jogo, porque achou que oPorto não merecia ganhar daquela maneira, porque é devoto do Bom Jesus de Braga? Nestas coisas, eu acho sempre que uma equipa não tem grande legitimidade para se queixar das decisões dos árbitros quando não justificou no jogo outro resultado que não o que obteve – como foi o caso do FC Porto em Braga. Mas a verdade é que há por aí muita gente que defende o contrário, que chega ao fim da época e apesar de a sua equipa nunca ter mostrado merecimento para tal, vem declarar solenemente que, não fossem x pontos «roubados» pelos árbitros e teriam sido campeões.Assim, e para a contabilidade pessoal do dr. Dias da Cunha, deve ficar desde já registado que, na primeira jornada do campeonato, o «sistema» tirou ao FC Porto dois pontos em Braga.

Quanto aos rivais, o Sporting confirmou a sua tendência para a inconstância das exibições e dos resultados, diminuindo-se estranhamente longe de Alvalade.Falta-lhe uma continuidade de autoconfiança (gritante na forma como cedeu o 2.º lugar ao Benfica, no final da época passada) e que a categoria de alguns dos seus jogadores torna difícil de entender.Desmentindo a minha própria previsão de pré-época, o Benfica, por seu lado, vai revelando que não passa de uma equipa banal, eventualmente esforçada, mas não mais do que isso. Leva duas vitórias em outros tantos jogos – o que deve ser motivo de inesperado júbilo por aquelas bandas – mas nem empurrada por todos os carrinhos de mão disponíveis consegue disfarçar a sua absoluta impotência na hora da verdade, para tanto bastando que lhe saia ao caminho um simples Anderlecht. Bem, e o Boavista continua igual a si mesmo e igual à descrição que dele aqui fiz há umas semanas: joga para marcarumgolito fortuito e defendê- lo como se estivesse a defender a virgindade de uma princesa prometida, com muita pancada, muito antijogo, muitas lesões simuladas, muitas perdas de tempo, faltas constantes e sucessivas (74, segundo a contagem televisiva no jogo contra o Gil Vicente!), e uma arte única de conseguir enervar os adversários ao ponto de os pôr a jogar igual. Por mais que me esforce, não consigo perceber como é que há adeptos disponíveis para apoiar este futebol.

Enfim, talvez eu seja mais exigente ou mais pessimista que o comum dos outros. Vejo por aí gente quase exultante com «as primeiras indicações» do campeonato ou as primeiras prestações da Selecção na qualificação para o Mundial da Alemanha. Eu bem sei que, quando o Benfica vai à frente, nem que seja nos primeiros fogachos, o «país futebolístico » anda mais contente e satisfeito, e, se ainda por cima a Selecção cumpre os mínimos exigíveis no grupo de qualificação mais fácil de que há memória para algum candidato a uma fase final de um Mundial, então a felicidade é dupla. Contentamo- nos com pouco? Depende daquilo a que cada um está habituado.