terça-feira, julho 12, 2011

NOVA ÉPOCA, VELHOS COSTUMES (14 SETEMBRO 2010)

1- Para quem escreve sobre o futebol português todas as semanas, faz muito bem ao equilíbrio mental tirar quatro semanas de folga anualmente. As minhas chegaram agora ao fim e o que posso dizer é que, se já tinha saudades de ver futebol a sério — (o futebol de clubes, e não aquela tremenda e infindável chatice do Mundial de Selecções, com jogadores a arrastarem-se de cansaço e treinadores a borrarem-se de medo) — não tinha saudades nenhumas das querelas de sempre do nosso futebol de clubes.

2- Quando fui de férias, tinha acabado de ver o Benfica-FC Porto da final da Supertaça. Vi o FC Porto esmagar o Benfica em todos os aspectos e logo percebi que, mais uma vez levado ao engano pela nossa imprensa desportiva, tinha concluído, prematura e erradamente, que o Porto estava tão à toa e que o Benfica era a invencível máquina que a sua habitual imprensa desportiva descrevia. Regresso um mês depois e o que vejo? Que o FC Porto comanda com quatro vitórias em quatro jogos e já uma respeitável distância dos três outros candidatos e que, contando com a Supertaça e os dois jogos da Liga Europa, leva sete vitórias em sete jogos oficiais e que, desde que Hulk regressou do túnel nauseabundo onde o Dr. Costa o quis arrumar, de cilada, o tal jogador que, segundo o presidente do Benfica não fazia falta porque era o que mais bolas perdia em todo o campeonato, o FC Porto soma dezanove jogos oficiais onde só conheceu um desfecho: a vitória. De cada vez que Hulk abre o livro, não são só os defesas, como os do Sp. Braga, que se arrepiam de dores abdominais: são também Vieira e Costa que se devem contorcer de dores de estômago.

3- No extremo oposto (acontece...), o Benfica vai na quinta derrota nos últimos seis jogos, caminha num pouco glorioso 13. - lugar no Campeonato, já perdeu a Supertaça e está a impensáveis 9 pontos do FC Porto, em apenas quatro jornadas. Isto é admissível? Não, não é.

Luís Filipe Vieira tem inegáveis méritos na gestão do Benfica, que não me cabe a mini avaliar, mas apenas constatar. Mas, entre as suas qualidades de liderança, não se incluem duas: uma, a de reconhecer também mérito aos adversários, quando eles o têm, o de saber perder; outra, a de reconhecer culpas próprias, quando as coisas não correm bem ao Benfica. Por isso, na entrevista à SIC, ele foi logo dizendo que a culpa do desastrado arranque de época do Benfica era dos árbitros. Mas, ciente de que muita gente lá dentro acha também que é do tal guarda-redes que compraram por 8,5 milhões depois de estar à venda por 4, ele chutou logo a bola para canto: a responsabilidade aí é toda de Jorge Jesus.

Na véspera do jogo de Guimarães, enquanto Vieira dizia que o Benfica só não estava na frente por culpa dos árbitros, Jesus reafirmava que o Benfica era a melhor equipa portuguesa — sem necessidade de demonstração. Vieira deu o exemplo do jogo contra a Académica, que eu segui no Brasil, em transmissão da Sport TV-Bandeirante e cujas palavras finais do comentador brasileiro ficaram aqui gostosamente gravadas para sempre: «2-1, a Académica saindo por cima do Benfica. E muito justamente, embora tenha jogado toda a segunda metade com um jogador a menos». Ele, tal como eu, não viu mãozinha de árbitro alguma numa justíssima derrota de um desinspirado Benfica. Aliás, não li em lado algum que o Benfica tenha jogado bem e tenha merecido ganharem cada uma das suas cinco derrotas, contra Tottenham, FC Porto, Académica, Nacional e Guimarães. Vi que, neste último e tão falado jogo, em toda a segunda parte, quando era preciso decidir o jogo, o Benfica não acertou um só remate na baliza do Vitória. E, na sua única vitória, contra o Setúbal, devo dizer que fiquei impressionado sim com o tremendo empenho dos setubalenses em conseguirem perder aquele jogo.

4- Mas ontem de manhã, regressado ao trabalho, abro este jornal e pareceu-me que estávamos na iminência de uma guerra civil. Benfica fica vai dar murro na mesa-era o título garrafal, e eu estremeci de terror. Reunião urgente dos órgãos sociais. Caramba, pensei para comigo, Vão despedir o Jesus, vão emprestar o Roberto ao Guimarães?. Não, explicava este jornal, vão tomar medidas para penalizar uma competição que não garante as regras básicas da verdade desportiva e reagir contra um ataque concertado ao clube. Ora, afinal, é mais do mesmo de sempre: a verdade desportiva nunca está garantida quando o Benfica não vai à frente — por isso é que, na época passada, ninguém se queixou dessa imaculada virgem. E o ataque concertado à Instituição, como eles dizem, é indesmentível: que outra coisa significa cinco derrotas em seis jogos?

5- 01egário Benquerença, como aqui escrevi a época passada, anda há anos a pagar a dívida que os benfiquistas lhe cobram por não ter visto a suposta bola dentro da baliza de Baía, há quatro ou cinco anos — (e que, até hoje, ninguém conseguiu provar que tivesse entrado e, menos ainda que o árbitro a pudesse ter visto dentro, de onde estava). Em Guimarães, ele e o fiscal de Unha cometeram, não quatro, mas sim dois erros e um deles discutível. O primeiro fora de jogo assinalado a Saviola, de facto, não existe, mas é apele: acontece todos os dias, aconteceu em benefício do Benfica várias vezes no ano passado. Estava muito longe da baliza mas talvez dali pudesse ter nascido um golo, não sei, ninguém sabe, mas sei que foi assim que, na época passada, foram tirados quatro golos (golos, e não hipóteses de golo) a Falcão, e foi assim que lhe foi roubado o mais que merecido título de melhor marcador da Liga. O primeiro penalty reclamado não existe — abola é afastada primeiro e, quando o jogador do Benfica é atingido, já não está lá. O segundo off-side também não existe, como se vê claramente nas imagens e foi explicado por Pedro Henriques (no, diga-se já agora, excelente programa de domingo da TVI, bem estruturado e pensado e bem executado, com comentários certos, claros e simples de Ricardo Sá Pinto, João Pinto e Pedro Henriques). O segundo penalty, admito que se reclame e se marque, mas não é incontroverso: fiquei na dúvida se Carlos Martins é abalroado ou se se põe a jeito para ser abalroado.

6- Admito que o Benfica tenha sido prejudicado em Guimarães, como tantas ou mais vezes é beneficiado-ele e os outros. O problema é o mesmo de sempre: só se reclama quando se é prejudicado; quando, por exemplo, o árbitro lhes consente um festival da sarrafada, sem expulsar ninguém, como fez João Ferreira na final da Supertaça, aí os benfiquistas ficam todos muito caladinhos e a verdade desportiva não está em causa. Também digo que, para mim, o penalty do FC Porto que dá vitória na Figueira da Foz, não é penalty. Mas acontece que eu continuo a distinguir a bola na mão da mão na bola — e, entre nós, todos os comentadores e árbitros têm por doutrina que qualquer contacto entre a bola e o braço é sempre penalty. E ainda me lembro da última época do Simão Sabrosa no Benfica e dos inúmeros livres à entrada da área e penalties que ele arrancou, especializando-se em cruzar bolas direitas aos braços dos adversários. Se bem me recordo, isso valeu, aliás, um campeonato.

7- Ninguém poderia desejar melhor arranque de carreira à frente de um grande do que o que tem tido André Villas Boas. Estou contente, mas não estou deslumbrado: acho que ele tem erros de casting que denunciam grande conservadorismo: Beto é melhor do que Helton (que sofreu dois golos defensáveis contra o Braga); Souza é infinitamente melhor jogador do que Fernando (que lá cometeu mais um dos seus inúmeros fatais livres à entrada da área, dando o primeiro golo ao Sp. Braga); João Moutinho não justifica a titularidade obrigatória, excepto pelos impensáveis 11 milhões que custou, mais o Nuno André Coelho (cuja saída obrigou a ir buscar o Otamendi por mais outros 6,5 milhões por metade do passe), e Fucile é, obviamente, muito melhor do que Sapunaru.

8- Quanto mais não fosse pelos 3 milhões assim sacados ao Benfica, fiquei verdadeiramente feliz com a qualificação do Sp. Braga para a fase final da Champions — na qual, confesso, que nunca acreditei. Para mim, 90% do mérito é de Domingos, que se está a revelar um grande treinador, assim desmentindo as pitonisas benfiquistas. Em Sevilha, fizeram um grande jogo, mas também, há que reconhecê-lo, um jogo de sorte, em que, tal como no Dragão, cada tiro era um melro. Apenas lamento que não se possa dizer que é mais uma equipe portuguesa a chegar à fase de grupos da Champions. Não é: é, sim, mais um clube português, mas com uma equipa estrangeira ao seu serviço-dos 14 utilizados em Sevilha, apenas 1 (o meteórico Sílvio) era português.

9- E a Selecção lá vai arrastando a sua penosa cruz. Entre saídas a empurrão (Queiroz), lapas agarradas à rocha (Madail e toda a sua paralisada direcção, a começar por esse dinossauro de Saltilho chamado Amândio de Carvalho) e deserções já previsíveis (Deco, Paulo Ferreira, Simão), é de louvar, apesar de tudo, a resistência dos jogadores que ainda se dispõem a dar a cara e o corpo por aquela triste equipe em piloto automático.

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