terça-feira, janeiro 16, 2007

O julgamento ( 9 Janeiro 2007)

D. Carolina Salgado chegou pontualmente às 9.30 horas ao Tribunal do Monsanto, toda vestida de branco, numa limusine branca. E sob juramento, cinco dos jurados confessaram ser adeptos do Benfica, dois do Sporting, um da Académica, e a D. Cândida declarou não ter clube.


Ao sexto dia de sessões, finalmente, o Tribunal de Monsanto começou a animar-se. O motivo era a comparência, naquela sessão, da testemunha-chave de todo o processo Apito Dourado, a D. Carolina Salgado. Ela chegou pontualmente às 9.30 da manhã, toda vestida de branco, numa limusine branca, e escoltada por um carro preto, carregado de GOE todos vestidos de preto, de óculos Ray-ban e mão discretamente metida no interior dos casacos, que tomaram posições estratégicas de protecção à testemunha, assim que ela desembarcou da limusine e parou por breves instantes, para sorrir e posar para os fotógrafos e acenar à pequena multidão de curiosos que a saudaram com gritos de «Força Carolina d'Arc, dá cabo do gajo!» À sua espera estava o relações públicas da PGR, que logo a conduziu para a sala das testemunhas VIP, onde a aguardava um ramo de flores e um rol de telegramas de incitamento: um do gabinete de imprensa do SL Benfica, 23 de Casas do Benfica espalhadas pelo Mundo, incluindo a de Ontário, 4 do conhecido cidadão Barbas, uma da escritora Inês Pedrosa em nome «das mulheres seviciadas deste país», e três da Leonor Pinhão.

Antes desse dia, que tudo iria mudar, o tribunal tinha-se arrastado em chatíssimos depoimentos de especialistas em arbitragem, que tentaram demonstrar como o FC Porto havia sido beneficiado com evidentes favores dos árbitros em jogos decisivos, tais como os desafios contra o Estrela da Amadora e o Beira-Mar para o Campeonato, ou os desafios contra o Maia e o Rio Ave, para a Taça. Só o depoimento do especialista Jorge Coroado havia requerido uma sessão inteira, devido à necessidade do uso de tradução simultânea, em especial nas partes que envolviam a «percepção da problemática das condicionantes psicotácticas que podem obstruir o ângulo de visão do árbitro». Visivelmente adormecido com tudo aquilo, o juiz lembrou-se às tantas de fazer a mais estúpida das perguntas:

— Ó Senhora Delegada, o réu FC Porto não era treinado à época dos factos pelo Sr. José Mourinho?

— Era sim, Sr. Dr. Juiz.

— Então e ele não é, como todos dizem, o melhor treinador português?

— E então, Sr. Dr. Juiz?

— Então... é que... não estou a ver bem... bom, adiante!

Também o advogado de defesa, defensor oficioso nomeado pela Ordem, se arriscou, a certa altura, a fazer uma pergunta:

— Ó Sr. Dr. Juiz, aqui, neste jogo entre o FC Porto e o Estrela da Amadora, parece que houve um golo mal anulado ao FC Porto, quando o resultado ainda estava em 0-0. E, no jogo com o Rio Ave, também parece que há um penalty que ficou por marcar... Por que é que esses lances não constam do vídeo nem foram objecto de análise pelos peritos?

— Porque não são matéria que envolva os factos em julgamento: quem está a ser julgado é o FC Porto e o seu presidente, não o Estrela da Amadora ou o Rio Ave, atalhou de imediato a delegada do Ministério Público.

— É isso mesmo, Sr. Dr., sentenciou o juiz, e passou adiante.

Na verdade, a única emoção registada fora logo na primeira sessão, quando se tratou de aprovar a constituição do júri popular requerido pelo Ministério Público. O advogado de defesa pretendeu que os oito jurados populares revelassem a sua filiação clubística antes de serem aprovados. A delegada opôs-se, invocando a inconstitucionalidade de tal pretensão e o que ela significava de devassa da intimidade dos jurados. Mas, tendo o advogado de defesa feito notar que a questão era relevante para apurar da sua isenção a julgar, o juiz não teve outro remédio senão dar-lhe razão. Sob juramento, cinco dos jurados confessaram ser adeptos do Benfica, dois do Sporting, um da Académica e a D. Cândida Modesto declarou não ter filiação clubística.

— Atendendo ao que antecede — ditou o juiz para a acta — considero regularmente constituído o júri. De facto, conforme é público e notório, há seis milhões de benfiquistas em Portugal, três milhões de sportinguistas, um milhão de vários outros clubes, sobrando um milhão que não se interessa pelo assunto. A esta luz, a composição do júri reflecte fielmente o sentir da opinião pública portuguesa.

Fez-se então entrar a testemunha Carolina Salgado, que tomou lugar na barra.

— Nome? Estado civil? — perguntou o juiz.

— Carolina Salgado. Divorciada.

— Morada?

— Por razões de segurança, devo omiti-la: o Sr. Dr. Juiz sabe o que aconteceu ao Dr. Ricardo Bexiga, não sabe?

— Sim, sim, claro, desculpe. Profissão?

— Escritora.

— Peço desculpa, Sr. Dr. Juiz — interveio, meio embaraçado, o advogado de defesa. Um escritor é alguém que escreve e a testemunha declarou publicamente que foi uma amiga que lhe escreveu o livro. Por outro lado, nesse mesmo livro, a testemunha declara que ganhou muito dinheiro como profissional do bar de alterne No calor da noite. Pelo que...

— Protesto, Sr. Dr. Juiz! — interveio a delegada, quase gritando. Eu já estava à espera deste golpe baixo! Pretende-se diminuir a credibilidade da testemunha, chamando-a de alternadeira, quando o que ela é é uma mulher de coragem e um exemplo cívico!

— Não fui eu que chamei, foi a própria testemunha no seu livro...

— Bem, bem, senhores advogados, vamos chegar a um consenso: proponho que a profissão da testemunha fique registada como mulher de coragem. De acordo?

— Nada a opor — declarou a delegada.

— E essa profissão paga impostos? — perguntou o defensor oficioso.

— Se paga impostos? — saltou a delegada, de dedo em riste, apontado ao adversário. Fique sabendo que as mulheres de coragem deste país (que, aliás, são todas), pagam todos os dias na pele e na sua tripla condição de mulheres, mães e trabalhadoras, vítimas que são do mais sórdido machismo de que V.ª Ex.ª acaba de dar mostras...

— Sr.ª Dr.ª...? — interrompeu o juiz, que estava a braços com uma terrível dor de cabeça. Vamos adiante, está bem?

Ouvida, a testemunha confirmou todos os factos arrolados no seu livro e prometeu até novas revelações para futura obra. Na apreciação do juiz e do júri, esclareceu consistentemente todas as questões em causa — incluindo a passagem do seu livro em que refere ter destruído previamente as câmaras de vigilância do parque de estacionamento onde se deu a agressão ao Dr. Ricardo Bexiga, e as quais, afinal, nunca tinham existido em tal parque. Esclareceu ainda um suposto encontro prévio à publicação do livro que terá tido com o senhor presidente do Benfica, bem como uma fantasiosa tentativa de extorsão que terá ensaiado junto do réu Pinto da Costa, pedindo 500.000 euros para não publicar a sua relevante obra sobre as profundezas da vida conjugal, intitulada Eu, Carolina. Saiu da sala sob aplausos do júri, perdão, do público presente, e embarcou de volta na sua limusine branca, rodeada de GOE vestidos de preto, rumo a um futuro cor-de-rosa.

As alegações finais foram rápidas, pouco restando por esclarecer. O defensor oficioso pediu «justiça» e sentou-se. A delegada espraiou-se, sobretudo, na desmontagem da «armadilha jurídica do nexo de causalidade» — essa relação que a lei penal exige que exista entre o acto de corrupção e os seus resultados práticos. Na sua brilhante argumentação, a delegada explicou que era totalmente irrelevante que os jogos em que os réus estavam acusados de corromper os árbitros fossem de menor ou de diminuta importância, e que era até mesmo irrelevante verificar que, afinal, nesses jogos sob suspeita, fosse impossível demonstrar que os réus haviam sido beneficiados pelos árbitros. O que interessava era o princípio: uma vez apalavrado, com cafezinhos e chocolatinhos, um árbitro estaria sempre disponível para o serviço dos réus — assim como um jornalista, que aceita um almoço ou uma viagem pagos por um clube, está sempre disponível para o servir. E, para responder à pergunta insidiosa se os ditos árbitros corruptos apenas se venderiam aos réus deste processo e não também a outros clubes, ela respondeu que, se a justiça se fosse deter a apurar isso, nunca mais ninguém chegaria a julgamento. «Estão aqui réus, factos, provas: resta condená-los» — rematou ela.

O júri conclui rapidamente também pela condenação, depois de afastadas umas hesitações inciais da D. Cândida Modesto, finalmente persuadida sob a ameaça de não poder voltar para casa a tempo de dar o jantar aos gatos. Chegou-se, então, ao momento da leitura da sentença, por parte do Meritíssimo.

— Levantem-se os réus!

Levantou-se o senhor Pinto da Costa e o dragão de peluche que simbolizava o FC Porto. O juiz, tossiu, pôs os óculos e começou a ler:

— O crime de homicídio qualificado de que vêm acusados os réus... O juiz deteve-se, confuso, e chamou o escrivão, falando-lhe em voz baixa:

— Ó Sr. Serafim, não é esta a sentença, caramba! Onde é que está a sentença deste caso?

— Eu não sei, Sr. Dr. Juiz, já foi escrita há tanto tempo!

O juiz começou a remexer freneticamente nos papéis.

— Ah, aqui está! Eu bem me parecia que a tinha escrito a encarnado, para não me enganar! Fez uma pausa e começou a ler:

— Tendo todos os factos da acusação sido dados como provados, condeno o réu Pinto da Costa a três anos e oito meses de prisão em estabelecimento prisional adequado. E condeno o réu F C Porto:

— a ser despojado de todos os títulos nacionais conquistados entre 1994 e 2004, revertendo seis deles a favor do Sport Lisboa e Benfica, três a favor do Sporting Clube de Portugal e um a favor do Sporting Clube de Braga;

— a ser despromovido à I Divisão dos campeonatos distritais do Porto;

— a não poder usar o equipamento com cores azuis e brancas nos próximos dez anos.

Acessoriamente determino:

— que os instrumentos utilizados na consumação dos crimes sejam declarados perdidos a favor da comunidade. Assim, o local conhecido por Estádio do Dragão será entregue ao Dr. Rui Rio, presidente da Câmara do Porto. O património constituído pelos seus profissionais de futebol será posto à disposição, a custo zero, dos clubes prejudicados pela actuação do réu e na proporção dos títulos que lhes foram esbulhados, cabendo a escolha dos três primeiros à Instituição Sport Lisboa e Benfica.

Aqui, houve uma súbita interrupção do porta-voz dos jurados:

— Sr. Dr. Juiz, nós escolhemos o Pepe, o Quaresma e o Anderson.

— Schiu, silêncio! Não lhes compete a vocês escolher, mas sim ao assistente, aqui representado pelo Sr. José Veiga.

E prosseguiu na leitura da sentença:

— que se oficie a UEFA e a FIFA no sentido de serem retirados ao réu os títulos internacionais conquistados neste período, designadamente Taça UEFA, Liga dos Campeões e Taça Intercontinental, sendo os mesmos atribuídos ao Sport Lisboa e Benfica, que deveria ter sido, e não foi, o representante português nas referidas competições, só por esse motivo não as tendo vencido.

Fez outra pausa e bateu com o martelo na mesa.

— Assim se faz justiça e se põe termo a essa vergonha conhecida por Apito Dourado, que permitiu que, ao longo dos anos, todos os portugueses e todos os adeptos de futebol do mundo inteiro pudessem ver como a verdade desportiva era roubada, domingo após domingo, com prejuízo das equipas que todos viam ser bem melhores do que as do réu! Declaro encerrada a audiência.

NOTA: o presente texto não visa, como é óbvio, desconsiderar a justiça portuguesa ou os seus agentes ou retirar qualquer credibilidade às investigações judiciais em curso. Visa apenas ilustrar o que seria a paródia de justiça se ela se consumasse como alguns justiceiros civis a pretendem.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

A escolha de Pepe ( 2 Janeiro 2007)

Não se pode aceitar Obikwelu porque era a nossa grande esperança de uma medalha olímpica, nem recusar Pepe porque de momento não temos uma necessidade premente de centrais.

1- Num mundo perfeito, não haveria selecções nacionais que não fossem compostas integralmente por nacionais nascidos no país ou filhos de pais nascidos no país, e que soubessem perfeitamente cantar o hino, falar a língua e debitar um mínimo de generalidades sobre a história, a geografia e a cultura do país cuja nacionalidade invocassem. Mas, num mundo perfeito, também não haveria tantos emigrantes por necessidade, tanta gente deslocada das suas raízes e da sua terra, apenas para conseguir sobreviver.

Mas também num mundo justo a pátria é onde nos sentimos em casa, onde nos apetece trabalhar, viver, ter filhos, criar outras raízes. Em Portugal e apenas no futebol existem cerca de mil brasileiros a trabalhar. Ao fim de seis anos, segundo a Lei da Nacionalidade, eles auferem o direito de requerer a nacionalidade portuguesa, passando a beneficiar de dupla nacionalidade: a portuguesa, que adquiriram, e a brasileira, que não perderam. Um desses mil jogadores é Pepe, central do FC Porto que, como aqui escrevi na semana passada, é, em minha opinião, o melhor central do mundo actualmente. Porque o Brasil tem muitos e bons jogadores ou porque também na selecção brasileira vigora a lei Scolari de só chamar os que já se conhecem, Pepe nunca mereceu a honra e a justiça de uma chamada ao escrete. Sai a perder o Brasil, pode sair a ganhar Portugal — se a Federação for sensível à firme e reiterada vontade de Pepe em jogar pela Selecção Nacional. A fazer fé em Scolari, a vontade de Pepe é mesmo essa: ou joga pela Selecção portuguesa ou não joga por nenhuma.

Confrontado com o desafio de Pepe, o presidente da federação, Gilberto Madail, esclareceu a sua posição, não esclarecendo nada: por um lado, «é preciso aproveitar as oportunidades de um mercado restrito»; por outro lado, «é preciso manter a identidade da Selecção». Diga-se, em abono do desamparado Madail, que a questão não é fácil de resolver.

Primeiro, há que distinguir dois planos: o da Lei da Nacionalidade e o dos critérios próprios das selecções nacionais. A diferença está em que o primeiro estabelece quem é que é português e o segundo quem é que pode representar Portugal. Juridicamente, quem pode uma coisa pode a outra mas, em termos de imagem, há toda uma diferença: suponhamos que Paul Auster naturalizava-se português — será que o poderíamos considerar representante da literatura portuguesa?

No plano da Lei da Nacionalidade — a nossa — não discuto os critérios da sua aquisição, o que discuto é o estatuto que ela confere. Se alguém decide naturalizar-se português, ou chinês, ou bielorrusso, não acho lógico nem justo que possa simultaneamente manter a nacionalidade de origem: ou se é português ou brasileiro; as duas coisas ao mesmo tempo parece-me um privilégio excessivo e sem justificação.

Mas a verdade é que é com esta Lei da Nacionalidade e outras idênticas, que as nossas Federação Nacionais e de outros países têm de se haver. E aí é que começam as dúvidas e os dilemas: todos nós, obviamente, gostaríamos de nos ver representados por selecções desportivas que não desvirtuassem a sua identidade de representações nacionais. Mais: entre a opção de ganhar menos vezes só com atletas nacionais, ou ganhar mais recorrendo também a atletas naturalizados, eu, pessoalmente, preferiria a primeira. Mas a verdade é que o país inteiro vibrou, por exemplo, com as proezas olímpicas de Francis Obikwelu, que pouco tem de português, para além do facto de nem sequer residir em Portugal. O que vale para o atletismo não vale para o futebol?

Por outro lado, existe este argumento decisivo: se vivemos num mundo progressivamente globalizado, se instituímos, e bem, uma Europa sem fronteiras, que é uma das principais aquisições da nacionalidade e estatuto europeu, e se todos os outros fazem o mesmo, que razão ponderosa nos levaria a constituir excepção? Todos sabemos que a França, que foi campeã do Mundo, não teria mais de três ou quatro jogadores genuinamente franceses; todos vimos a selecção da Suécia (a terra dos vikings altos e loiros) com metade dos jogadores de raça negra, e o mesmo sucede com a selecção inglesa; se a selecção espanhola que esteve na Alemanha jogava com um brasileiro naturalizado a meio-campo e diversas selecções de países do Leste europeu fazem o mesmo, quem somos nós para adoptarmos critérios mais restritivos? Acaso um brasileiro não tem muito mais a ver connosco que com Espanha, Rússia ou Bósnia-Herzegovina?

A questão, todavia, só se nos pôs, nos tempos recentes, com o Deco. E a verdade é que Deco tem demonstrado uma dedicação à Selecção portuguesa muito para além do que seria legítimo esperar. Ao contrário de outros, portugueses de gema, que entram e saem da Selecção ao sabor das suas conveniências pessoais, Deco, mesmo depois de se ter mudado para Espanha, tem estado sempre disponível quando é chamado. Então, pergunta-se: se Deco foi aceite, porque não deverá ser Pepe?

Mas é justamente aqui que as dúvidas se adensam: depois de Deco e Pepe, quem se seguirá? A tentação de abrasileirar a Selecção é terrível e isso implica que, para além de todas as dúvidas e dilemas, se estabeleça um critério e se termine com o casuísmo em que temos vivido. Tem de haver regras que sejam claras, públicas e imutáveis — que se apliquem sempre e em todos os casos e que não variem conforme as situações e as necessidades. Não sei quais devam ser essas regras — penso que devem sair de um debate profundo e de um trabalho de reflexão sério, eventualmente promovido a nível do Governo e para valer para todas as modalidades. Mas há um critério que rejeito logo à partida por me parecer de flagrante oportunismo: o das conveniências das selecções. Ou seja, não se pode aceitar Obikwelu porque era a nossa grande esperança de uma medalha olímpica, nem recusar Pepe porque de momento não temos necessidade premente de centrais.

2- O Conselho de Disciplina da Liga viu-se obrigado a vir explicar por que razão, ao contrário do que tem sido sempre a regra, aplicou apenas um jogo de suspensão a Nuno Gomes, expulso com um vermelho directo em Alvalade, depois daquela entrada, quase agressão pura, a Tonel. E a explicação foi extraordinária: porque Nuno Gomes — embora já tivesse visto neste campeonato um vermelho directo no Bessa — não era reincidente, visto que o primeiro fora por palavras ao árbitro e o segundo por entrada sobre um adversário. A inovação (veremos se também vale para outros casos...) é de pasmar: a partir de agora, um vermelho directo vale o mesmo que dois amarelos e só dá origem a dois jogos de suspensão se os motivos forem os mesmos. Assim, um jogador pode ser expulso quatro vezes — uma porque insultou o árbitro, outra porque agrediu um adversário, outra porque fez gestos obscenos para o público, outra porque cortou a bola com a mão na linha de golo — e de todas as vezes levará apenas um jogo de suspensão.

É por estas e outras que eu, ao arrepio daquilo que é a esmagadora maioria das opiniões expressas, sou a favor da proibição dos magistrados no futebol. Porque não dignificam o futebol e muito menos as magistraturas.

FC Porto 2006/2007 ( 26 Dezembro 2006)

Parabéns a Jesualdo Ferreira e a todos os que contribuem para o sopro do dragão. De A a Z, eis o dicionário destes quatro meses de triunfo.

O FC Porto, de Jesualdo Ferreira, esmaga a concorrência: é a única equipa portuguesa que se mantém ao mais alto nível na Europa, depois de uma recuperação brilhante na fase de grupos da Champions; é o líder do Campeonato, com uma vantagem já simpática sobre os seus dois rivais directos; tem o maior número de golos marcados e o menor número de golos sofridos; lidera o troféu do melhor marcador, do melhor jogador do Campeonato e do jogador mais valioso; lidera o Troféu BES e o Troféu Disciplina; é a equipa com maior média de assistências por jogo e talvez a única de que não é possível dizer que deve um único ponto às arbitragens. Melhor, honestamente, era impossível. Parabéns a Jesualdo Ferreira e a todos os que contribuem para o sopro do dragão. De A a Z, eis o dicionário destes quatro meses de triunfo.

ADRIAANSE — A primeira e mais decisiva entrada deste dicionário. A sua saída, antes de disputado qualquer jogo oficial, foi a melhor notícia e a mais importante aquisição nesta temporada. Não era por acaso que todos os anti-portistas elogiavam tanto Adriaanse: a sua irracionalidade, teimosia e arrogância acabariam por desfazer uma grande equipa. Deve estar a roer-se de inveja por constatar que, com a mesmíssima equipa e um sistema de jogo natural, Jesualdo Ferreira pôs o FC Porto a vencer e a marcar golos, uniu a equipa e o balneário, recuperou jogadores banidos e fez as pazes com o público.

ADRIANO — Parece que está de saída para o Sporting Braga, confirmando que nunca seria mais do que um razoável suplente.

ALAN — Inconstante e inseguro, capaz de coisas boas e de trapalhadas sem sentido. Pode fazer melhor.

ANDERSON — Um dos três génios da equipa, o vértice central do triângulo verdadeiramente luxuoso: Pepe, Anderson, Quaresma. É um médio de ataque que só sabe jogar para a frente e em movimento constante. Com ele, não há paragens nem quebras de ritmo — é um carrossel alucinante que põe a cabeça em água aos adversários. Há muito que não via um jogador assim e penso que todos aqueles que, acima de tudo, gostam de ver grande futebol, só podem lamentar aquela entrada de Katsouranis que o retirou da nossa vista durante quatro ou cinco meses. Se voltar igual ao que era, vale seguramente uns 40 milhões de euros — sobretudo, se voltar antes dos decisivos jogos com o Chelsea.

ATITUDE — É o grande plus deste clube e das equipas que o vão representando, ano após ano. Os jogadores do FC Porto são melhores profissionais e têm mais respeito pelo clube e pelos adeptos que quaisquer outros. Vítor Baía é, neste momento, o exemplo: onde estão os vítor baías do Sporting ou do Benfica?

BOSINGWA — Também irregular e inconstante, mas a melhorar claramente. Fez-lhe bem ter finalmente concorrência — a de Fucile. Deveria tentar mais as derivações pelo meio porque é bom em drible e em progressão.

BRUNO ALVES — Em relação a ele e a Postiga, dou a mão à palmatória: nunca pensei que Jesualdo conseguisse transformá-los em bons jogadores. Talvez pelo contágio de Pepe ou pela segurança que as oportunidades de jogar lhe deram, Bruno Alves não tem nada a ver com o jogador da época transacta, que não sabia quando atacar a bola e que a despachava de qualquer maneira. Está a crescer, jogo após jogo.

BRUNO MORAIS — Um só jogo que lhe vi, ainda na pré-temporada, foi o suficiente para entender por que razão Mourinho o contratou. Apesar do azar e das lesões, apesar do renascimento de Postiga, Bruno Morais já deu indicações suficientes de que está ali um grande jogador, pronto a explodir. Que a sorte finalmente o acompanhe!

CAROLINA SALGADO — Não joga pelo FC Porto, mas joga e muito, pelos adversários. Quis, com a sua traição e o seu abjecto panfleto, manchar o trabalho de todos estes jogadores e técnicos, que se batiam no campo enquanto ela se exibia no camarote. Mas acredito que, no fim, a verdade virá ao de cima, embora a desonra e os danos já ninguém os apague.

CECH — Um bom jogador, não um extraordinário jogador. Ataca bem, defende pior. Mas tem terreno e idade para progredir.

CSKA MOSCOVO — A vitória decisiva, a demonstração que faltava de que este FC Porto é herdeiro dos grandes FC Porto que honraram este país e o nosso futebol. Por muito que isso custe a engolir a muitos.

DIEGO — Há um que saiu e bem, em minha opinião, e outro que vai entrar. O que saiu era o oposto de Anderson: travava o jogo, perdia-se em rodriguinhos inúteis e não sabia onde ficava a baliza do adversário.

DIOGO VALENTE — Parece que vai ser emprestado, mas gostaria de o ter visto mais vezes em jogo. Não deixa de ser impressionante pensar que, das sete aquisições feitas pelo FC Porto esta época — Paulo Ribeiro, Ezequias, João Paulo, Tarik Sektoui, Diogo Valente, Vieirinha (este promovido) e Fucile — só o último é regularmente utilizado.

DÍVIDAS DA SAD — Trinta milhões de euros declarados no último exercício: um descalabro que, fatalmente, terá de ser remediado, mais tarde ou mais cedo, com a venda dos anéis. Esta febre de comprar jogadores que não servem para nada a não ser para serem emprestados explica muita coisa. Só falta explicar para que os compram.

ESTÁDIO DO DRAGÃO — O mais bonito estádio de futebol que alguma vez vi. Uma das melhores obras de sempre da arquitectura portuguesa. E é sempre a primeira vez em cada regresso a casa.

EZEQUIAS — Quem o comprou que explique.

FUCILE — Ah, uma na mouche! Grande miúdo, grande personalidade, grande coragem! Vai deixar marca.

GOLOS — Afinal, não era o sistema maluco de Adriaanse que os conseguia. Este ano, de volta ao 4x3x3, o FC Porto só ficou em branco em jogos da Champions.

HÉLDER POSTIGA — A impossível ressurreição. Quem o viu nas três temporadas anteriores, custa-lhe a crer que seja o mesmo. Não é só ter começado a marcar golos, é tudo o resto: remata, corre, desmarca-se, tem alegria em jogar. Antes, não se mexia, não se dava a incómodos. Será para durar?

HELTON — A elegância na baliza e a rapidez de reflexos. Mas falta-lhe ainda uma coisa para me tranquilizar: aprender a sair às bolas altas como o Baía faz.

IBSON — Vale mais do que mostra. Valerá bem mais quando puser os olhos em Anderson e perceber que nenhuma jogada, por mais espectacular que seja, tem interesse se, no fim, a bola acaba nos pés dos adversários. Levante a cabeça e olhe para o jogo!

JESUALDO FERREIRA — Até que enfim, um treinador normal! Até que enfim, alguém para quem a inteligência supera a vaidade! Merece todo o crédito pela revolução tranquila que está a levar a cabo no FC Porto.

JORGE COSTA — Teve uma despedida despercebida e injusta mas há-de voltar, porque faz parte da vida deste clube.

JORGINHO — Um mistério eternamente por esclarecer: como é que era tão bom em Setúbal e é tão abúlico no Porto? Mas já teve oportunidades suficientes — só se pode queixar de si próprio.

JOÃO PAULO — Quem o comprou deveria ter alguma ideia: importa-se de dizer qual era?

KATSOURANIS — Joga pelos outros, mas sozinho causou-nos maiores danos do que todos os adversários e inimigos juntos. Quando for o jogo da Luz, é de esperar que Jesualdo deixe Quaresma no banco!

LISANDRO — Umas vezes bem, outras nem tanto. Ainda faz sentir saudades de Derlei.

LUCHO — Dois jogos de classe e dois golos portentosos — contra o Hamburgo e o Nacional. No resto, muito, muito aquém do que pode e sabe. Deve bem mais à equipa.

PAULO ASSUNÇÃO — Muito longe do nível da época passada e o meio-campo ressente-se disso.

PEDRO EMANUEL — Lesionado logo no início da época, vai ter um regresso difícil.

PEPE — Podem levar à conta de facciosismo clubístico mas é isto que eu penso e já vem de trás: é o melhor central do Mundo, na actualidade.

PAULO RIBEIRO - ?

PINTO DA COSTA — Enfrenta o seu ano de todos os perigos. Carolina e o défice são dois combates que não consentem subterfúgios.

RAUL MEIRELES — Claramente, o elemento mais fraco da equipa. Vagueia pelo campo, sem grande utilidade visível. Alguém estabeleceu que era um grande rematador de meia-distância: há seis meses que não acerta um remate na baliza.

REINALDO TELES — O homem que está lá sempre. For all seasons.

RICARDO COSTA — Sem lugar na equipa. De saída, normal, para Marselha.

RICARDO QUARESMA — Pegou no facho depois de Anderson cair em combate e levou a equipa atrás, mostrando que é o melhor futebolista português da actualidade e um dos melhores do Mundo nas suas várias posições. É um jogador absolutamente excepcional, como já o era no ano passado e há dois anos, e agora se percebe melhor o crime que foi deixá-lo de fora do Mundial-2006. Em lugar de explicações sem sentido, Scolari deveria pedir desculpa — a ele, aos portugueses e a todos os que gostam de futebol e não o puderam ver na Alemanha.

RUI BARROS — Missão cumprida. Mais uma. E a Supertaça no bolso.

SOKOTA — O mais azarado e o mais caro do clube.

TARIK SEKTOUI — Talvez um razoável suplente.

VIEIRINHA — A grande revelação da pré-época, a que Jesualdo não deu continuidade. E é pena, porque parece estar ali um grande jogador em potência.

VÍTOR BAÍA — Capitão do balneário, treinador adjunto oficioso, guarda-redes suplente, o que quiserem: Baía é a Torre dos Clérigos desta equipa, um jogador e um desportista como não há outro e já tenho saudade de o ver jogar.

Não bate a bota com a perdigota ( 19 Dezembro 2006)

Há uma coisa que, nem que Cristo descesse à terra para dirigir pessoalmente as investigações do Apito Dourado, se conseguiria desfazer: é esta chatice da verdade do futebol jogado dentro dos relvados.


Abota pode ser a do Ricardo Quaresma, o mais genial jogador do campeonato português — tal como já o era no ano passado, queira Scolari ou não queira. A perdigota pode ser a D.ª Carolina Salgado, que actualmente simboliza muito bem aqueles que chegaram ao futebol por acaso ou caminhos ínvios, dele se alimentaram para tentarem ser alguém e que a ele só trouxeram vergonha e sujidade. Há quem prefira o futebol à maneira da D.ª Carolina; eu prefiro-a à maneira do Ricardo Quaresma. Se vou para a bancada do estádio é por causa de jogadores como o Quaresma; se não me aproximo dos camarotes é por causa de pessoas como a D.ª Carolina, que por lá habitam.

Há três anos que venho dizendo isto e peço desculpa por me repetir: o grande embaraço do Apito Dourado é que desde o início que se tornou óbvio, para quem tenha alguns conhecimentos de direito ou algumas preocupações em ver a justiça ser feita, que as expectativas que muitos alimentaram à sua conta não encontravam correspondência nos factos do processo. Ou, por outras palavras, o grande objectivo de 80 por cento daqueles que obcecantemente falam, escrevem e sonham com o — Apito Dourado — a saber, o entalanço de Pinto da Costa e do FC Porto — esbarram miseravelmente no pouco interesse que despertam as manigâncias do FC. Gondomar e de um pequeno exército de sombras gravitando à roda do major Valentim Loureito. E isso, manifestamente, não interessa aos entusiastas do Apito Dourado: não é o Gondomar que interessa, é o FC Porto; não é Valentim Loureiro, é Pinto da Costa. Que chatice, não bater a bota com a perdigota!

Com grande esforço e voluntarismo, alguns magistrados do Ministério Público fizeram o que puderam para chegar onde a maioria queria: descobriu-se um árbitro que terá ido beber um café a casa de Pinto da Costa, antes de um palpitante FC Porto-Rio Ave para a Taça de Portugal, e outro que terá pedido a alguém que pediu a alguém ligado ao FC Porto duas meninas para se entreter antes de arbitrar o terrível FC Porto-Estrela da Amadora, disputado numa altura de 2004 em que o FC Porto já tinha uma vantagem irrecuperável para ser campeão e estava a dias de ganhar a Champions, enquanto o Estrela da Amadora já não tinha forma de evitar a despromoção. Eis um problema sério: como encontrar aqui interesse em corromper um árbitro, como descobrir o móbil do crime?

Segunda contrariedade: quem é que as escutas telefónicas revelaram como grande pivot do Apito Dourado, verdadeiro patrão do jogo de sombras do futebol português? Valentim Loureiro.

E quem é que deu o poder a Valentim Loureiro e com ele dividiu os cargos e influências na Liga de Clubes? O Benfica e Luís Filipe Vieira.

Quem é que as escutas apanharam a escolher com ele ao telefone o árbitro que convinha ao seu clube? Luís Filipe Vieira.

Quem é que lhe telefonou a pedir a interdição do campo do adversário e depois lhe prometeu «um beijinho» pelo favor feito? José Veiga.

Que chatice, querem ver que a Justiça é cega?

Mas eis que agora, subitamente, um sirocco de esperança varre as almas justiceiras! Ainda nem tudo está perdido, ainda se pode fazer justiça! Graças à chegada aos acontecimentos de duas mulheres, já há benfiquistas que desabafam comigo que para o ano o FC Porto estará na II Divisão, tal como a Juventus, em Itália (já lá vai o tempo em que eles acreditavam poder vencer-nos: agora querem-nos é longe da vista e dos relvados...). Carolina Salgado, juram-me, vai ser a «testemunha-chave», «mulher de coragem», como atestam a Leonor Pinhão e aquele Dr. Bexiga, ex-vereador de Gondomar, que, depois de a ouvir confessar que contratou e pagou aos que lhe deram uma coça, chegou à conclusão que ela era «um exemplo cívico» (mais uma coça e ele ainda a propõe para a Ordem do Infante...). O povo espera, obviamente, que o governo abra uma excepção às restrições orçamentais e que aplique parte do dinheiro dos nossos impostos e do nosso trabalho a garantir adequada protecção e recompensa a esta testemunha preciosa, cuja credibilidade, desinteresse e carácter moral estão amplamente expostos naquela coisa edificante a que a Editora D. Quixote resolveu chamar «livro» e que deve ser, com certeza, um modelo daquilo que os novos admiradores da D.ª Carolina gostariam de ver exposto acerca de si próprios, no dia em que os seus cônjuges resolvessem vingar-se deles. Valha-nos Carolina Salgado para perceber em que campo moral cada um se situa e como o futebol português é, de facto, o território do «vale tudo»! Mas o povo também espera que a Dr.ª Maria José Morgado faça jus à sua fama de arrasa-criminosos e consiga descobrir finalmente o móbil do crime portista, nem que para isso tenha de mandar torturar, um por um, todos os árbitros portugueses, incluindo até Lucílio Baptista e todos os que apitaram jogos do Benfica, na gloriosa caminhada rumo ao título de 2004/05. Dela se espera bem mais do que aquele caricato episódio de um juiz de instrução a ouvir três peritos em arbitragem para ver se eles conseguiam detectar, no vídeo do célebre FC Porto-Estrela da Amadora (4-1), provas concludentes sobre a corrupção do árbitro, coisa que, estranhamente, não se tornou patente.

Mas há uma coisa que, nem que Cristo descesse à terra para dirigir pessoalmente as investigações do Apito Dourado, se conseguiria desfazer: é esta chatice da verdade do futebol jogado dentro dos relvados e que todas as semanas pode ser constatada por quem segue o assunto e ainda gosta de futebol. E aí, nesse território da verdade, o que a memória dos últimos largos anos nos diz é que, tirando esporádicos intervalos, o FC Porto é a melhor equipa portuguesa a léguas de distância das outras e uma das melhores equipas da Europa e do Mundo. Não deve ser coincidência que quem por lá passa, seja jogador ou treinador (e, em especial, se vindo dos rivais directos), não se cansa de repetir que ali encontrou uma organização, um espírito de equipa e uma cultura de vitória como em lado algum. E, depois, há equipas como a do Baía, do Ricardo Carvalho, do Deco, do Derlei, ou esta do Helton, do Pepe, do Quaresma e do Anderson, que todas as semanas mostram num canal perto de si que só por absoluto fanatismo e má-fé é que é possível pretender que não é a eles que se devem as vitórias, mas sim aos árbitros — aqui, na Europa e no Mundo.

O FC Porto de Jesualdo Ferreira acaba de encerrar de forma brilhante dois ciclos de jogos, com uma interrupção de dez dias pelo meio, em que foi o único representante português a ultrapassar a fase de grupos na Champions e se afirmou internamente como o grande candidato ao título. Foram 13 jogos, quase todos sem Anderson, alguns arrostando com arbitragens prejudiciais, outros encaixando a quase violência dos adversários, e apenas cedendo, no final, dois empates: um em Alvalade, no campo de um rival directo, e outro contra o Arsenal, em que só o azar impediu a vitória. Nunca o Apito Dourado deu tanto jeito para desviar as atenções!

Se fosse eu, demitia-me ( 12 Dezembro 2006)

Sei muito bem o que o FC Porto e, por acréscimo, todos os portistas, devem a Pinto da Costa. Sinto por ele gratidão e consideração pessoal. Mas entendo que o asqueroso episódio da Dona Carolina Salgado é grave, não pode passar sem consequências e não pode ser o FC Porto a pagá-las. No lugar dele, demitia-me.


1- A única coisa boa que aconteceu ao futebol português esta semana foi a qualificação do FC Porto para os oitavos-de-final da Champions. Comecemos, então, por aí, antes de, inevitavelmente, irmos às coisas feias e más.

O FC Porto, de Jesualdo Ferreira, culminou uma brilhante recuperação no seu grupo com uma exibição de classe e de coragem contra o Arsenal. Face a um jogo destes, em que empatar bastava, a grande maioria dos treinadores portugueses teria jogado para o empate desde o início. Mas, mostrando ter aprendido com o que aconteceu em Londres, na primeira volta, Jesualdo e a equipa resistiram a essa tentação e, de facto, só desistiriam de ganhar um jogo que bem mereciam ter ganho, nos últimos dez minutos, quando as consequências de arriscar numa vitória poderiam ter sido desastrosas. A par dessa demonstração de classe, coragem e maturidade, ficou uma exibição absolutamente fabulosa de Ricardo Quaresma. Se aquele chapéu de letra tem encontrado pela frente um guarda-redes mais baixo do que o gigante alemão do Arsenal, teria sido um dos golos da década!

E, ontem à noite, na Choupana, apesar de uma arbitragem antieuropeia, que tudo consentiu ao Nacional — o massacre de Quaresma, o jogo faltoso sistemático e a intimidação física — e que tudo lhe perdoou — cantos, penalties, segundo amarelo — o FC Porto foi capaz de dar mais um passo em frente rumo ao final de um terrível ciclo de sete jogos no período pós-Anderson.


2-O que mais me custa, neste sórdido episódio da Dona Carolina Salgado, é vê-la sentada a uma mesa a autografar livros como se tivesse escrito um livro. Não escreveu: para começar, aquilo não é um livro, é um pedaço de papel higiénico que, depois de usado, seguiu para uma tipografia e encontrou uma editora disposta a chafurdar na lixeira. Depois, e como é óbvio, a senhora não escreveu coisa nenhuma, nem tem competência para tal: quem lhe encomendou a sale besogne, escreveu-lhe o livro e, no fim, recolheu-lhe a assinatura e deu-lhe aquele grandiloquente e ridículo título de Eu, Carolina, tipo Eu, Cláudio, obra de referência daquela escritora americana de literatura de aeroporto. O livro da Dona Carolina não é sequer literatura de aeroporto: é um dejecto de ressabiamentos e vinganças pessoais que eloquentemente ilustra não as origens ou a educação, mas o carácter da senhora. Porque, se é certo que a educação demora gerações a refinar, o carácter não tem que ver com isso. Ela não tem culpa de vir de onde veio, tem culpa, sim, de ser como é.

Agora, a Dona Carolina vive bem mais do que os seus cinco minutos de fama. Tem as televisões e os jornais aos pés, tem leitores a pedir-lhe autógrafos e tem até (ó, suprema ironia, quem os ouvia a falar dela...!) benfiquistas prontos a acolhê-la e a transformá-la em Maria Madalena ou (deixem-me rir!) Carolina d'Arc. Mas, quando a poeira assentar, a pobre Carolina, como tantos e tantas outras antes dela, vai perceber que falou tanto que se enterrou até ao pescoço e que a validade do veneno que lhe deram para usar não era eterna. Em breve se tornará cansativa, inútil e desagradável à vista. E, então, regressará de onde veio, só que sem câmaras nem holofotes à sua frente e sozinha para enfrentar todos os processos judiciais e chatices de que agora, no seu patético arrebatamento, não deu conta. Exit Carolina.

Resta o principal: pode o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, passar impune e indiferente a tudo isto, assobiando para o ar quando lhe falam do assunto e limitando-se a dizer «falem-me de coisas sérias»? Não, não pode. A meu ver, não pode. A questão não está tanto em saber se o que diz a Dona Carolina é verdade, meia-verdade ou inteira falsidade. Isso é matéria que, obviamente, a justiça terá de apurar e a que ele e ela terão de responder. A questão, agora, é que as acusações atingem não apenas a honra do presidente do FC Porto mas a do próprio clube. Se ele fosse um político ou exercesse funções públicas, não haveria ninguém que não lhe exigisse, desde já, a única atitude que a honra consente nestes casos: demitir-se, tratar de provar a sua inocência e o sem fundamento de tudo aquilo e, depois, se quisesse, tentar regressar.

Será diferente a exigência moral pelo facto de ele ser não um titular de funções públicas, mas somente o presidente de uma instituição particular, embora com o estatuto legal de utilidade pública? Sim, é diferente. Mas, no meu código de conduta pessoal, a diferença que faz é irrelevante: Pinto da Costa representa centenas de milhares de portistas e alguns milhares de accionistas de uma sociedade anónima, que têm o direito de esperar que ele prestigie o clube e que não dê motivo a que atinjam a sua honra. E se, todos nós portistas, nunca tivemos uma dúvida sobre a natureza e o carácter da Dona Carolina Salgado, respeitámos sempre o direito que o presidente do clube tinha a que a sua vida pessoal não interferisse com o seu cargo no clube. Mas ele, não: permitiu que as duas coisas se confundissem e que a sua vida pessoal viesse atingir e manchar o nome do clube. Pinto da Costa fez de Carolina Salgado uma espécie de primeira dama do FC Porto — coisa que não existe nos estatutos — misturou-a com a imagem externa do clube, chegando até a levá-la, integrada numa delegação do FC Porto, em audiência ao Papa. Enganou-se sobre o carácter dela? Paciência, são ossos do ofício — quis correr o risco, agora não pode assobiar para o ar. Até porque já é a segunda vez que tal sucede e porque, como salta à vista de todos, parece que o presidente do FC Porto tem um problema na escolha de companhias, amorosas ou de outra natureza, e quem paga a factura é o clube.

Se há defeito que detesto é a ingratidão: sei muito bem o que o FC Porto e, por acréscimo todos os portistas, devem a Pinto da Costa. Sinto por ele gratidão e consideração pessoal. E custa-me muito escrever isto. Mas entendo que o asqueroso episódio da Dona Carolina Salgado é grave, não pode passar sem consequências e não pode ser o FC Porto a pagá-las. No lugar dele, demitia-me. Mas cada um tem o seu código de conduta e os seus valores de vida: não exijo a ninguém que tenha os meus, mas também não abdico de dizer o que penso, porque isso faz parte dos meus valores. Entendo que Pinto da Costa pode fazer o que quiser, menos fazer de conta que nada se passou e que o assunto não é grave. Ou achar que pode continuar assim, tranquilamente, com as mesmas companhias e o mesmo mundo nebuloso em que se mexe, sem que isso cause danos ao clube e divida a nação portista entre os que calam e consentem e os que não conseguem nem calar nem consentir.

É uma excelente altura, aliás, para que ele e todos os Pintos, Loureiros, Veigas, Vieiras, Madail e todos os outros parem para reflectir e percebam que o seu tempo, o seu poder e o seu estilo já não cabem no mundo de hoje. Lá fora há todo um mundo de gente que anseia pelo dia em que o futebol volte a ser um território de luz, habitado por gente como aquela que gostamos de receber em nossa casa para jantar.


3-Segundo o deputado, advogado e dirigente benfiquista Sílvio Cervan, «o Benfica está na linha da frente do combate ao doping a nível mundial». Pois, se está (nunca dei por isso...), escusava de fazer a defesa de Nuno Assis com base na insinuação de que ele foi absolvido porque estava inocente. Não foi: foi absolvido com base num expediente processual invocado pelo Conselho de Justiça e com fundamento na inacreditável doutrina — ao arrepio do que dispõem as leis portuguesas e as da FIFA — de que «não basta o resultado das análises ser positivo». «É também preciso que se invoque e prove que foi o jogador que administrou ou que injectou a substância proibida.» Como facilmente se compreende, a doutrina deste acórdão — que contraria anteriores acórdãos do CJ — equivaleria, pura e simplesmente, a deixar impunes todos os casos detectados de doping.

Estamos a falar de uma coisa muito séria: o doping não apenas põe em risco a saúde do próprio jogador, com sequelas que podem ser para a vida, como constitui também uma forma de batota desportiva absolutamente inaceitável. Os dirigentes benfiquistas vivem a encher a boca de declarações grandiloquentes sobre a verdade desportiva e coisas que tais, mas depois, quando lhes toca a eles, as boas intenções e as belas palavras morrem sempre perante a impunidade de que se acham eternamente credores.

Futebol e violência ( 5 Dezembro 2006)

Vendo jogar as equipas do Boavista que ele treina, pergunto-me se o Jaime Pacheco gostará de futebol. Talvez goste, mas não seguramente, do mesmo futebol de que eu gosto e do mesmo que leva as pessoas a deslocarem-se aos estádios

1- Tanto Vítor Pereira, novo presidente da Comissão de Arbitragem da Liga, quanto Ricardo Costa, novo presidente da Comissão Disciplinar, se declararam recentemente procupados com a violência que vêm observando em algumas jogadas do actual campeonato. Preocupados, mas — se bem percebi — impotentes ou indisponíveis para fazer alguma coisa. Li algures que a entrada de Katsouranis sobre Anderson, que retirou por longo tempo dos relvados portugueses o melhor jogador da Liga, foi considerada «banal» pela CD, e o árbitro que também a considerou banal — Lucílio Baptista — estava de regresso aos jogos da Superliga logo na jornada seguinte. Há três anos atrás, em Alvalade, Benny McCarthy, caído no chão, viu Rui Jorge aterrar-lhe involuntariamente em cima, ficando sentado sobre a sua cara. Esbracejou para se libertar e, ao esbracejar, terá atingido com o cotovelo o traseiro do defesa sportinguista. O mesmo Lucílio Baptista (sempre o árbitro de serviço aos jogos entre o FC Porto e os seus rivais) nem hesitou: considerou aquilo agressão e mostrou o vermelho directo a McCarthy. Já a CD da Liga (com outros dirigentes), resolveu agravar a pena normal, de dois para quatro jogos de suspensão, por entender que aquilo foi violência pura. Mudam-se os tempos, revê-se a doutrina: uma cotovelada no traseiro de um adversário que está sentado em cima da cara do outro, causando-lhe, talvez, um ligeiro desconforto, é um acto de violência; uma entrada a varrer, levando a bola e a perna do adversário e causando-lhe fractura do perónio e rotura de ligamentos do pé é uma entrada banal. Oxalá não haja muitas banalidades destas ao longo do campeonato!

Falando acerca deste assunto e outros co-relacionados, o novo presidente da CD da Liga deu a semana passada uma conferência de imprensa destinada a expor a nova filosofia disciplinar, a qual foi amplamente elogiada. Segundo o que li, Ricardo Costa afirmou que só em «situações limite, intoleráveis e absolutamente chocantes» é que serão doravante instaurados os célebres processos sumaríssimos. Por um lado, enquanto portista, não posso ficar senão aliviado, lembrando-me de que, no passado, os processos sumaríssimos mais pareciam processos azulíssimos, de tal modo era esmagadora a percentagem de casos em que eles eram aplicados a jogadores do FC Porto, em contraste com a raridade de vezes com que eram aplicados a jogadores de todos os outros clubes. Mas, por outro lado, fico preocupado: sabendo já que, de acordo com a nova doutrina, uma entrada como a do Katsouranis é banal, o que será preciso para que uma entrada seja julgada «intolerável e absolutamente chocante», ao ponto de justificar a atenção da CD? Será preciso o coma ou morte de um jogador?

Em abono da sua tese, disse o dr. Ricardo Costa que «esta Comissão Disciplinar não é órgão de recurso das decisões dos árbitros». Muito bem: a regra ficou clara. Só me pergunto para que servirá, então, a CD da Liga? Se é para aplicar de forma meramente formal e burocrática a lei (Fulano levou amarelo: um jogo de suspensão, Beltrano levou vermelho: dois jogos de suspensão), parece-me que qualquer funcionário administrativo serve, não havendo necessidade de ter um órgão integrado por magistrados e juristas para desempenhar a função.

Por exemplo: quase a terminar o FC Porto-Boavista desta jornada, o austríaco Linz teve uma entrada às pernas do Quaresma, quando a bola já nem sequer lá morava, que não foi exactamente uma entrada mas sim uma agressão a pontapé. Colocado a três metros de distância e de frente para a jogada, o árbitro Elmano Santos — que passou o jogo a contemporizar com a violência do futebol boavisteiro — ficou-se por um escandaloso cartão amarelo. Ora, segundo a doutrina exposta por Ricardo Costa, não há nada mais a fazer — ele não está lá para corrigir disciplinarmente em defesa do futebol as decisões dos árbitros. Nem mesmo se, por infortúnio, o Linz tem partido uma perna ao Quaresma e — se por coincidência, naturalmente — o FC Porto se visse agora com os seus dois principais artistas no estaleiro...

2- Vendo jogar as equipas do Boavista que ele treina, pergunto-me se o Jaime Pacheco gostará de futebol. Talvez goste, mas não, seguramente, do mesmo futebol de que eu gosto e do mesmo que leva as pessoas a deslocarem-se aos estádios. Como se pode gostar de futebol, quando se entra em campo a jogar deliberadamente para o 0-0, sempre com os onze jogadores atrás da linha da bola (inclusive nos pontapés de canto do adversário), renunciando ostensivamente a qualquer ensaio de contra-ataque, cortando todos os ataques organizados do opositor com faltas na zona intermediária e dando rédea solta aos seus jogadores para usarem de uma dureza, às vezes violenta, que não é apenas uma atitude defensiva mas uma estratégia de intimidação e desgaste físico planeado dos adversários?

Seguramente que João Loureiro não tem culpa que Pinto da Costa lhe tenha ido roubar o treinador que ele contratara para a época e que a experiência de emergência com um desconhecido treinador sérvio tenha fracassado. Mas o recurso, em desespero, ao regresso de Jaime Pacheco e dos seus conhecidos métodos é um sinal claro dado pelo presidente do Boavista: «Que se lixe o espectáculo, que se lixe o prestígio, que se lixe o futebol, que se lixem os adeptos e os críticos! É preciso é alguém que nos dê pontos!» O resto pode esperar. Mesmo que as bancadas do Bessa, e muito compreensivelmente, estejam sempre às moscas.

3- A diferença entre uma equipa de vencedores e as outras, é que, se todas elas são, ora vítimas de erros de arbitragem, ora beneficiadas com erros de arbitragem, uma equipa de vencedores tenta sempre lutar pela vitória, independentemente do que faz o árbitro, enquanto que uma equipa de perdedores vive a justificar as derrotas com os erros dos árbitros. Anda para aí muita gente que tenta diminuir o valor das vitórias de quem mais vence — o FC Porto — lançando mão de um arquivo de memórias selectivo onde repousam todas as situações em que, nos últimos 20 anos, o FC Porto terá sido beneficiado com erros de arbitragem. Escusado será dizer, porém, que a situação inversa — os erros contra o FC Porto — não constam nunca do arquivo, não ficam na memória e não merecem atenção.

Esta época, e já lá vão doze jogos, sucedeu que, felizmente, não há a registar nenhuma situação em que o FC Porto tenha ganho pontos graças a erros de arbitragem. E manda a verdade que se diga que o contrário também não. Mas, se o FC Porto não se pode queixar de nenhum erro de arbitragem que se tenha revelado decisivo, não é porque eles não tenham ocorrido, mas porque a tal atitude de vencedores levou a equipa a superar esses erros e a ganhar, apesar deles. Na penúltima jornada, no Restelo, com 0-0 no marcador, marcou um golo que só o árbitro e o assistente não viram: sem se incomodarem, continuaram à procura da vitória e alcançaram-na. Na jornada de sábado, contra o Boavista, também com 0-0, tiveram um penalty claro que só o árbitro não viu e outro mais discutível que ele também não viu, além de um já referido critério disciplinar de Elmano Santos de mãos largas para o antijogo boavisteiro: continuaram a porfiar até chegar à vitória. É assim que se limpam os arquivos e é assim também que se forjam os campeões.

Quaresma no Natal seria fatal ( 28 Novembro 2006)

A tentação de vender o Ricardo Quaresma deve ser grande, assim como deve ser grande o medo dos danos desportivos devastadores que isso poderia causar à equipa e da previsível revolta dos adeptos.

1-Faz agora um ano, gastei grande parte da tinta destas páginas a tentar dizer à distância ao teimoso do sr. Co Adriaanse que o Ricardo Quaresma era o MVP e o jogador imprescindível do FC Porto. O Quaresma vegetava então na reserva ou na bancada, porque esse originalíssimo holandês não gostava dos brincos ou dos penteados dele, ou porque achava que o génio futebolístico de Quaresma poderia ofuscar o seu génio táctico. Com o apoio quase geral da crítica desportiva — que sempre esteve do seu lado —, Adriaanse conseguiu fazer estabelecer como doutrina que Quaresma não era jogador de equipa. Mas aconteceu que, tendo-se visto à rasca em dois jogos consecutivos, Adriaanse mandou saltar o Quaresma do banco e ele resolveu-lhe os dois jogos, a golpes de génio. E foi aí que o holandês sem currículo nem vitórias percebeu finalmente que, se algum dia queria poder dizer ao menos que tinha sido campeão de Portugal, não poderia continuar a deixar no banco o homem que lhe resolvia jogos. E foi assim que Adriaanse foi campeão à boleia do FC Porto e de Ricardo Quaresma e com os críticos rendidos à perspicácia do homem que tinha feito do Quaresma «um jogador de equipa». Lendas... A verdade é que foi preciso que Adriaanse tivesse um daqueles seus ataques de personalite aguda e se fosse embora para que o FC Porto — a mesmíssima equipa que ele tinha ao seu dispor — desatasse a jogar futebol, a ganhar jogos e a marcar golos, apesar de, avisadamente, ter abandonado o tão elogiado sistema ofensivo de 3x3x4, que tinha a particularidade de só se aguentar lá trás graças a um super-Pepe e não conseguir marcar golos lá à frente. E foi só depois de ele se ir embora que o Quaresma se instalou definitivamente na equipa, com a liberdade de criação de que necessita, e que também Anderson passou a ter oportunidades de expor o seu deslumbrante talento — até que a banal entrada de katsouranis (conforme a classificou o CD da Liga), o remeteu para o estaleiro durante longos e saudosos meses. De uma coisa eu estou certo: a grande aquisição do FC Porto esta época foi ter-se visto livre desse crânio do Adriaanse.

Agora fala-se, à boca cheia e à boca pequena, que o Quaresma já está de malas aviadas para o Atlético de Madrid. É verdade que houve uns vagos desmentidos e as declarações do próprio interessado (?) afirmando a sua vontade de ficar. Nele, isso só revela sensatez, porque do FC Porto para o Atlético de Madrid iria de cavalo para burro, e quem gosta tanto de jogar futebol como ele, não pode pôr o dinheiro acima de tudo. Mas também há outros indícios preocupantes: o FC Porto deve precisar urgentemente de dinheiro fresco para acorrer a apertos de tesouraria que o fantástico défice de seis milhões de contos na gestão do último ano comprovam. Há uma subscrição em curso de obrigações até ao montante de três milhões de contos, mas destina-se, na sua maior parte, a resgatar o último empréstimo obrigacionista lançado no mercado e falta ver se esta consegue ser toda vendida. Manifestamente, vai faltar dinheiro e não se vê outra forma de o realizar que não através da venda dos anéis. No FC Porto há quatro jogadores com hipóteses de mercado ao nível do seu valor: Pepe, Lucho, Anderson e Quaresma. Noutro patamar de preços, há também o Helton, agora que chegou à selecção do Brasil — embora um bom observador perceba que o Helton, pese a todas as suas evidentes qualidades, tem um pequeno-grande defeito, semelhante ao do Ricardo (e é por isso que, apesar de todas as notícias fabricadas, o Ricardo nunca encontrou um interessado firme lá fora): não domina o jogo aéreo. Assim, dos quatro que têm mercado assegurado, os mais tentadores são o Anderson e o Quaresma, porque são dois desequilibradores natos e ambos ainda muito novos. O Anderson está gravemente lesionado e ninguém sabe quando e em que condições regressará, pelo que a sua venda no final da época é, neste momento, incerta. Resta o Quaresma, que está disponível e em grande forma e que permitiria, saindo já em Dezembro, equilibrar a tesouraria até Julho.

Tudo isto são especulações minhas, embora, como disse, apoiadas em notícias recorrentes, in e off the record, e em deduções que, infelizmente, me parecem lógicas. A tentação de o vender já deve ser grande, assim como deve ser grande o medo dos danos desportivos devastadores que isso poderia causar à equipa e da previsivel revolta dos adeptos, a quem primeiro seria necessário explicar muito bem como se esfumaram os milhões ganhos há dois anos com a venda de toda a equipa campeã europeia e como se consegue perder seis milhões de contos num ano de gestão corrente. E também seria preciso explicar a venda por 12, 15, ou mesmo 18 milhões de euros, de um jogador que vale bem mais do que isso. Por 15 milhões foi vendido o Paulo Ferreira há dois anos!

2- Como aqui previ, terça-feira passada, o FC Porto foi ganhar, e autoritariamente, a Moscovo. Não foi uma previsão feita à toa nem um acto de adivinhação: à força de a seguir atentamente, aprendi a ler os sinais da mentalidade e do estado de espírito deste clube e daquele balneário, independentemente das transformações naturais que vão ocorrendo. E senti que o FC Porto estava a crescer e a evoluir, paulatinamente de regresso ao espírito de campeão que José Mourinho ali instalou. Jesualdo Ferreira tem sido impecável no aproveitamento das potencialidades da equipa e na sua transformação dos esquemas loucos de Adriaanse para um sistema natural de jogo. Não foi apenas o jogo de Moscovo que o mostrou, foram vários jogos anteriores e mesmo o jogo subsequente, aquela infinita chatice do Restelo, onde, sem ter jogado nada, a equipa mostrou que também sabe, quando é necessário, descansar em serviço sem perder de vista a vitória. Verdadeiramente, até agora, só discordo de Jesualdo Ferreira em questões de pormenor, como a desaposta dele em Vieirinha, uma das grandes promessas do início da época.

3- Também penso ser justo e consensual dizer que Paulo Bento continua a demonstrar talento e inteligência como treinador, à frente de uma equipa que, nunca é de mais lembrá-lo, tem um orçamento que é metade ou um terço do que tem a equipa do FC Porto. Paulo Bento não tem um Pepe, um Lucho, um Anderson ou um Quaresma. Tem o que tem e duvido que alguém conseguisse melhor com o que ele tem. Ainda anteontem mostrou como é que, a partir do banco, é possível ir à procura de uma vitória que não se desenhava em campo. Também, com toda a franqueza, achei que a vitória, que o Sporting só procurou nos últimos quinze minutos, ficou a dever-se ao grande simulador Liedson (como lhe chamou José Mourinho), que lá arrancou uma falta completamente forçada e denunciada. Aliás, a partir dos minutos finais do jogo, tornou-se evidente que essa era a táctica do Sporting — para o que contou com a compreensão e apoio de um árbitro que, se a memória não me falha, já é tradicional nestas coisas. E lá vieram mais dois pontos arrancados de livre ao cair do pano, naquela que foi a quinta vitória tangencial do Sporting em oito, e a quarta por 1-0.

Se o critério de aposta fosse a qualidade do futebol até aqui exibido, eu apostaria no favoritismo do Benfica para o derby da próxima sexta-feira, em Alvalade. Apesar de toda a sua irregularidade exibicional e de resultados, manda a verdade que se diga que o Benfica tem mostrado, em várias ocasiões, uma qualidade de jogo que ao Sporting só vi uma vez e contra o Inter. Mas, como todos sabemos e ainda agora se viu na Figueira da Foz, há uma diferença entre merecer ganhar e conseguir ganhar.

A semana «horribilis» do Benfica ( 21 Novembro 2006)

Será que, quando reclama justiça para o Apito Dourado, Luís Filipe Vieira está a incluir os casos em que ele próprio e José Veiga aparecem implicados, ou o seu critério de justiça só abrange o Norte e, mais especificamente, Pinto da Costa?

1- Esta deve ter sido uma das piores semanas da centenária existência do Sport Lisboa e Benfica. Por razões desportivas, mas, sobretudo, por razões extradesportivas e que mexem com a justiça — a pior imagem possível para um clube que, pela voz do seu presidente, está autonomeado campeão da «transparência e do rigor».

Terça-feira foi a cena do arresto dos bens do seu director desportivo, José Veiga, às ordens do Tribunal Cível de Cascais, que acabaria por motivar a demissão de Veiga. A este respeito, devo dizer, primeiro que tudo, que não concordo com a divulgação das imagens do arresto por parte da TVI. Não eram imprescindíveis à notícia e constituíram uma desnecessária humilhação e desrespeito pelo seu direito à privacidade — que não desaparece por se tratar de figura pública. Agora, também é verdade que Veiga só se sujeitou ao arresto dos bens móveis para garantir eventual crédito de 1,5 milhões de euros porque, seguramente, não tinha a casa em seu nome. E eu desconfio sempre dos motivos que levam quem não teme a não ter em seu nome os bens de que é dono: quase sempre a intenção é fugir ao fisco ou aos credores.

Seja como for, a defesa de Veiga foi contraditória nos seus próprios termos: disse que se demitia porque não queria escudar-se atrás do seu cargo no Benfica, mas, ao mesmo tempo, disse que aquilo só tinha acontecido por ele ser quem era no Benfica. Ou seja, escudou-se, de facto, atrás do Benfica para justificar um aperto decorrente da sua vida comercial privada. Custa-me a perceber como é que alguém ainda conseguiu ver na demissão um acto de coragem e de dignidade!

Pior ainda foi a defesa de Veiga feita por Luís Filipe Vieira, recuperando pela enésima vez a sua cassete encravada para os momentos difíceis, de modo a insinuar que tudo está relacionado com o Apito Dourado e a mão invisível de Pinto da Costa. Ou seja, foi a mando de Pinto da Costa e daqueles que Vieira gostaria de ver como os únicos implicados no Apito Dourado, que um banco luxemburguês se lembrou, já há uns anos, de reclamar este crédito, que o maior escritório de advogados do País se lembrou de pedir o arresto dos bens de José Veiga, e que uma juíza do Tribunal de Cascais, consultadas as razões do requerente, entendeu decretar o arresto. Tudo isto parece absurdo para qualquer pessoa que entenda como funciona a vida comercial e a justiça. Mas não para o presidente do Benfica, que tanto reclama que a justiça funcione: para ele, e vezes de mais, dá ideia de que a instituição e quem a serve deve estar acima da lei e fora de alcance da justiça comum.

Ainda o primeiro episódio Veiga estava ao rubro e eis que ele e Luís Filipe Vieira são ouvidos, logo no dia seguinte, pela Judiciária italiana, por suspeitas de fuga ao fisco, envolvendo a Juventus, no contrato de empréstimo de Micolli ao Benfica.

Quinta-feira, sem deixar respirar ninguém, foi a vez do vereador da CML, José Sá Fernandes, denunciar que a vereação presidida por Carmona Rodrigues havia pago ao Benfica 8 milhões de euros a mais do que constava no contrato (já de si inacreditável de benesses) que Santana Lopes havia negociado com o clube para a construção do novo Estádio da Luz. Interrogado sobre o assunto, o presidente do Benfica limitou-se a assobiar para o ar e a dizer «ele que apresente as provas». Justamente: Sá Fernandes tinha-as apresentado.

Sábado, equipada com o fatal traje de minhoca desenterrada, a equipa de futebol saiu derrotada de Braga, depois de uma exibição confrangedora. Tão confrangedora que o próprio Vieira não resisitiu a chamar-lhes «rapazinhos» que não sabem o que é a camisola — muito embora, logo a seguir, se tenha lançado na habitual explicação sobre os resultados falsificados que impedem o «maior clube do Mundo» de exibir em pleno todo o seu esplendor e reclamar, de direito, a vassalagem a que se acha predestinado.

Enfim, ontem, ainda nem sete dias estavam decorridos sobre o começo de todas as tragédias, e eis que José Veiga é detido para responder, em processo-crime desta vez, às suspeitas de ter desviado, quando ainda «empresário», cinco milhões de euros do negócio da ida de João Pinto para o Sporting. Há muito, muito tempo, estava ainda longe de imaginar que José Veiga viesse a ter a importância no Benfica que lhe deu Luís Filipe Vieira, escrevi que um dia gostaria, só para dissipar dúvidas, de saber quanto pagava de impostos o empresário José Veiga. Hoje, sei que ficou a dever, provados em tribunal, dois milhões de euros e que, ao que parece, ainda a montanha não foi toda escavada. Aliás, esta azia ao fisco parece ser natureza do Benfica e de vários dos seus dirigentes, ao longo dos anos. Será que também se acham acima das obrigações fiscais, só porque se auto-designam arautos da «transparência e do rigor» e do combate a Pinto da Costa?

2-Ao fim de meses e meses de paralisia, o Apito Dourado mexeu-se, mas poucochinho: o juiz de Gondomar decretou finalmente a abertura da instrução contraditória (fase processual de defesa dos arguidos), no que respeita aos processos pendentes naquela comarca. Por outras comarcas do País há processos já com a instrução a decorrer, outros arquivados por falta de indícios de crime e outros já aguardando marcação de julgamento.

Luís Filipe Vieira tem reclamado sem cessar o avanço do processo — quer na justiça criminal, quer na justiça desportiva. E eu, como já aqui o escrevi, estou de acordo, mas com uma ressalva: todos, mas todos os suspeitos, devem ser investigados e, quando for o caso, acusados — quer num, quer noutro foro. Mas todos, e não apenas os que residem a norte ou nas ilhas.

Ora, como se sabe, o Apito Dourado não parece conter outras provas que não as escutas telefónicas feitas a alguns agentes desportivos e que têm sido objecto de criteriosas fugas de informação para a imprensa. E é aqui que eu não compreendo o zelo justiceiro do presidente do Benfica e a complacência com que a comunicação social o deixa desempenhar o papel de Robin ds Bosques da «verdade desportiva»:

— Se há alguma escuta no processo em que, claramente, um dirigente de clube negoceia a nomeação de um árbitro do seu agrado para um jogo do seu clube, essa é a da transcrição da eloquente conversa entre o então presidente da Liga, Valentim Loureiro, e o seu apoiante n.º 1 — justa- mente o presidente do Benfica. Curiosamente, sobre esta conversa não racaiu qualquer investigação nem abertura de processo...

— Se há alguma escuta onde, claramente, se detectam indícios seguros de tráfico de influências e batota desportiva é a das escandalosas conversas divulgadas entre Valentim Loureiro e o então presidente do Estoril-Praia, José Veiga. Curiosamente, também nenhum andamento processual foi dado a este assunto...

Será que, quando reclama justiça para o Apito Dourado, Luís Filipe Vieira está a incluir os casos em que ele próprio e José Veiga aparecem implicados, ou o seu critério de justiça só abrange o Norte e, mais especificamente, Pinto da Costa?

3-E esta noite o FC Porto vai ganhar ao CSKA em Moscovo.

Os pensadores do futebol ( 14 Novembro 2006)

Bem-vindos sejam, pois, o Jorge Valdano, o Paulo Sousa e todos aqueles que, porque insistem em pensar, nos ajudam a pensar também e fazem de nós «pseudo-intelectuais». No futebol, como em tudo o resto


PAULO SOUSA já ontem aqui o escreveu e eu subscrevo: a chegada de Jorge Valdano como colunista de A BOLA é uma grande aquisição deste jornal e, para mim pessoalmente, uma honra tê-lo como companheiro de escrita. De há muito que sigo, mais ou menos regularmente, as suas crónicas sobre futebol e também acho que ninguém escreve como ele, reunindo em si duas qualidades raras: a experiência do futebol vivido por dentro, como jogador, treinador e director desportivo, e a capacidade de abstracção e reflexão vista de fora.

Justamente, e como dizia também Paulo Sousa, Valdano é um bom exemplo da capacidade de observação e reflexão que o futebol de hoje exige a todos: jogadores, treinadores, comentadores. Longe vai o tempo em que os jogadores se poderiam dividir simplesmente entre bons e maus, conforme a sua técnica e a sua força. Longe vai o tempo em que a um génio inato e autodidacta, como Eusébio, bastava apenas soltar o seu instinto e o seu génio para fazer toda a diferença. O verdadeiro génio dos tempos modernos é um jogador como o infortunado Anderson (por isso mesmo infortunado...), que pensa e executa em movimento e que, tal como os grandes jogadores de bilhar, quando está a executar uma tacada, já está a pensar na seguinte.

Hoje, o futebol, quer jogado, quer ensinado, quer pensado, exige essa outra qualidade, cada vez mais decisiva: a inteligência na leitura do jogo, do seu fluxo, do seu movimento. Como escreveu ontem Paulo Sousa, se ele chegou ao topo não foi por ser capaz de fintar três adversários numa cabina telefónica (como Valdano escreveu sobre Futre), ou por ser capaz de correr os 90 minutos sem parar. Foi porque teve a lucidez suficiente para perceber que o futebol requer inteligência de jogo e que essa se aprende ouvindo, lendo, observando, reflectindo. Aliás, e perdoem-me mais um elogio à gente desta casa, mas as próprias crónicas de Paulo Sousa (que leio sempre com imenso prazer e utilidade) reflectem a continuação dessa mesma atitude que o caracterizou como jogador e onde o conhecimento por dentro do futebol se alia ao seu estudo e observação visto de fora. E não é por acaso, certamente, que ainda há tempos, ouvindo na televisão os comentários a um jogo, feitos por um jogador ainda no activo — Rui Costa — pude constatar igualmente que a mesma inteligência que o distinguiu sempre como jogador continua a acompanhá-lo quando, esporadicamente, o vemos no papel de observador.

E lembrei-me de tudo isto também a propósito dos comentários de outro ex-jogador e ex-treinador, João Alves. Alves foi um grande jogador, mas no tempo em que o ritmo e a dinâmica do futebol eram diferentes e ele tinha tempo e espaço para o seu futebol, o que hoje não aconteceria. Mas Alves foi também um treinador fracassado e dá-me ideia, a avaliar pelo seu desabafo contra os «pseudo-intelectuais» que falam sobre futebol, que ele não percebeu as razões do seu fracasso. Devo dizer, em primeiro lugar e com o devido respeito, que sempre que oiço o discurso depreciativo contra os «intelectuais», sei que estou em presença de alguém que acha que a ignorância é uma virtude e que na vida, seja em que actividade for, é possível progredir e ter sucesso sem se dar ao trabalho de ler alguns livros, aprender algumas coisas com os outros e reflectir de vez em quando. Faz-me sempre lembrar a frase do general Newton Cruz, expoente larvar da antiga ditadura militar brasileira: «Quando oiço alguém falar de cultura, apetece-me puxar da pistola!» Também constato que, de cada vez que alguém quer diminuir o valor da cultura ou inteligência alheia, trata-a por «pseudo-intelectual». Parece assim que para esta gente nunca ninguém é suficientemente credível para merecer simplesmente a classificação de «intelectual»: todos os que sabem mais do que eles ou pensam melhor do que eles, não passam de «pseudo-intelectuais». O que será, para eles, pergunto-me, um verdadeiro «intelectual» — alguém que leu mais de mil livros, viu mais de 500 filmes, visitou mais de 50 museus?

Esta fobia de alguma gente do nosso futebol à presença em cena de «pseudo-intelectuais» discorrendo sobre futebol não é apenas um reflexo corporativo de treinadores fracassados ou comentadores encartados defendendo o seu feudo. É um verdadeiro instinto de medo, de autoprotecção. Que alguém possa ver da bancada mais e melhor do que eles vêem sentados lá em baixo, que alguém possa explicar que o futebol é um jogo simples de entender e não uma ciência oculta de conhecimento reservado a quem faz aqueles cursozecos de Verão, que alguém possa gozar e usar de uma liberdade de pensamento e de opinião que a eles, por interesses envolvidos com as partes envolvidas no jogo, lhes está vedada ou não é exercida, seguramente mete-lhes medo. O seu estatuto ficará certamente em perigo no dia em que a Sport TV, por exemplo, perceber que não basta ser treinador no desemprego para se ser capaz de saber comentar um jogo de futebol na televisão (há quem o faça bem e comedidamente, como Rui Águas, e há quem só seja suportável com o som desligado...).

O futebol moderno está carregado de exemplos de grandes jogadores que foram treinadores falhados e, inversamente, de jogadores sem história que se tornaram grandes treinadores: Arsène Wenger, Alex Ferguson, José Mourinho. De novo, o que fez a diferença não foi o conhecimento empírico sobre os meandros do futebol, mas a capacidade de aplicar a inteligência e a reflexão à estratégia escolhida para triunfar. Aliás, quando penso em alguns treinadores que vi actuar — desde logo, o exemplo que mais me vem à cabeça é José Mourinho — é impressionante constatar como quase sempre as suas opções e variações — tácticas, estratégicas e de jogadores — coincidem com o diagnóstico da bancada. É claro que por vezes discordamos e muitas vezes sem razão, pois escapam-nos dados de conhecimento que eles têm sobre o estado físico ou anímico de determinado jogador, sobre os pontos fortes e fracos do adversário, sobre o critério disciplinar do árbitro, etc. Mas, ao contrário do que alguns treinadores encartados pensam, da bancada vê-se muito bem o jogo e não é raro ouvir opiniões fundamentadas e inteligentes ou verificar que há um largo consenso de opiniões, que deriva daquilo que é fácil de ver a olho nu, sem necessidade daquele palavreado oco sobre as «compensações», a «equipa compacta e coerente» e outros chavões que tais. Mas nunca vi a bancada tomar por génio um banal caceteiro ou tomar por dispensável um desequilibrador. E constantemente vejo treinadores a fazer isso.

Bem-vindos sejam, pois, o Jorge Valdano, o Paulo Sousa e todos aqueles que, porque insistem em pensar, nos ajudam a pensar também e fazem de nós «pseudo-intelectuais». No futebol, como em tudo o resto.

NÃO ACONTECEU NADA ( 7 Novembro 2006)

Pelo que se tem visto ultimamente, e mesmo sem contar com Anderson, o FC Porto é, uma vez mais, o principal candidato ao título.

1- Passou mais de uma semana desde que Katsouranis partiu a perna a Anderson e lhe provocou uma ruptura de ligamentos do pé. Sim, já sei, vão dizer que foi sem querer, que entrou à bola, etc e tal. Que fosse: o facto é que, com dolo, com negligência ou sem culpa, partiu-lhe a perna e rompeu-lhe os ligamentos. Ou há dúvidas sobre isso?

Passou-se uma semana... e nada se passou. O Conselho de Disciplina da Liga (outrora tão rápido a suspender preventivamente jogadores do FC Porto, através dos célebres sumaríssimos), entendeu que o assunto não merecia sequer a abertura de um processo de inquérito ao jogador do Benfica— muito menos a sua suspensão preventiva, a sua condenação a alguns jogos de suspensão ou, no limite e como alguns espíritos ingénuos poderiam imaginar, a suspensão do jogador benfiquista até que o portista estivesse de volta ao campeonato — que, sem ele, ficou infinitamente mais pobre. Nem Katsouranis foi minimamente incomodado por aquela entrada, pelos vistos, banal, nem o impávido Lucílio Baptista viu a sua complacência questionada pelo Conselho de Arbitragem. Não fosse o pobre do Anderson ter sido operado, estar agora a sofrer com dores e ter pela frente apenas a perspectiva de um longo, incerto e doloroso processo de recuperação fisioterapêutico, e dir-se-ia que, de facto, nada se passou no Dragão, ao fatídico minuto 23 do jogo da semana passada. Lucílio Baptista foi renomeado para um jogo desta semana e Katsouranis tem até sido o jogador mais decisivo do Benfica: marcou o primeiro golo no Dragão, quando poderia estar já expulso, e marcou contra o Beira-Mar, quando poderia estar suspenso. Pelo contrário, se alguém ainda, dez dias depois, regressa ao assunto, é para dizer, muito a propósito, que já basta de falar nele. Mas quando um jogador do Beira-Mar tem uma entrada dura, mas infinitamente mais suave que a do Katsouranis, sobre o Miguelito, o público da Luz e os comentadores reclamam em uníssono a sua expulsão. Assim se vê a força do Benfica!

O que não iria por aí agora se, em lugar do Anderson, tem sido o Simão a sair do Dragão com uma perna partida e uma ruptura de ligamentos, depois de um corte «perfeitamente normal» de um jogador portista!

E se tivesse sido o terceiro jogador do Benfica a sair arrumado, no mínimo para um mês, após menos de meia hora de jogo contra o Porto, em três dos últimos quatro derbies?!

Entretanto, achei deliciosas as explicações avançadas pelos simpatizantes benfiquistas para justificarem a limpeza com que o melhor jogador do campeonato foi despachado para o hospital e para o estaleiro. Para além da entrada «perfeitamente normal e legal» do Katsouranis, houve dois outros argumentos invocados, qual deles o mais extraordinário. O primeiro, sustentava que o Anderson já tinha entrado em campo lesionado, pressupondo, portanto, que o Katsouranis não teve nada a ver com o assunto: foi o departamento médico do FC Porto que, por sugestão maquiavélica de Pinto da Costa, tinha mandado o miúdo para o campo com uma perna partida e uma ruptura de ligamentos... e ele foi! O segundo, aliás também veiculado no site oficial do Benfica, dizia que o Anderson havia regressado ao jogo após a entrada do Katsouranis (de facto, regressou, durante trinta segundos e a pé coxinho...) e que, no final, até havia festejado em campo a vitória. Logo... Logo, das duas uma: ou foi a tentativa de regresso e os festejos que lhe causaram fractura do perónio e ruptura de ligamentos, ou ele, realmente, não tinha nenhuma dessas lesões e foi operado, engessado e retirado dos relvados durante largos meses apenas para que o FC Porto se pudesse queixar da dureza do Benfica. Isto ouvi eu da boca de pessoas que tenho como inteligentes e intelectualmente honestas. Caramba, o que o futebol nos faz! Custa assim tanto reconhecer que o futebol não pode consentir jogadas daquelas, sob pena de se resumir a um jogo onde o talento tem de pagar tributo no hospital?

2- Com a mesma facilidade e o mesmo resultado, os três grandes da Liga dos Campeões desembaraçaram-se dos seus adversários domésticos, não acusando o cansaço que outras equipas da Champions acusaram neste fim-de-semana.

Domingo, na Luz, o Benfica fez uma boa e convincente exibição contra o Beira-Mar — além do mais, levantando uma questão que já aqui me coloquei: como se justifica que uma equipa que, ao fim de dez jornadas de campeonato, já tem mais seis jogos oficiais disputados que o seu adversário e que, a meio da semana teve um compromisso europeu de grande grau de exigência, apresente uma condição física infinitamente melhor que a outra? É que, se a qualidade técnica de uma equipe depende do talento dos seus jogadores e este depende da capacidade financeira do clube, já a preparação física, a mim, parece-me depender apenas do trabalho feito durante a semana. E aí não há diferenças justificáveis entre «grandes» e «pequenos».

Mas, além do mais, porque o jogo já estava ganho e a exibição tinha sido bem aceitável, pior se compreendem os assobios que o público da Luz reservou à entrada em campo de Mário Jardel. Será porque ele foi um extraordinário avançado que para sempre ficará ligado à história dos nossos campeonatos? Porque, depois de vários trambolhões na vida, tenta, com todo o brio e dignidade, regressar, aos 34 anos, ao jogo que o imortalizou? Ou será porque jogou nos rivais, Porto e Sporting e não jogou no Benfica? Mas, se é por isso, o público da Luz faria bem em lembrar-se que, se ele não jogou no Benfica, é porque Manuel Vilarinho — que ganhou as eleições a Vale e Azevedo acenando com um contrato assinado com Jardel — posteriormente não honrou o contrato, nem perante o Benfica, nem perante o próprio Jardel.

Em Alvalade, frente a um Braga que, não consigo perceber porquê, alguém inventou também como candidato ao título, o Sporting obteve mais uma vitória sem grande esforço nem talento. Não só o Braga se encarregou de entregar logo o jogo, em autogolos, antes mesmo de o Sporting ter feito um remate, como, no resto do tempo, a equipa de Carlos Carvalhal exibiu um futebol indigente.

Em Setúbal, finalmente, o FC Porto tratou de ganhar rápida e esclarecedoramente e o único verdadeiro obstáculo que enfrentou foi mais um árbitro complacente com entradas de arrepiar ás pernas dos jogadores azuis e brancos. E aí vão três vitórias consecutivas sem Anderson e o fim de um ciclo terrível ultrapassado com distinção. É um FC Porto a subir de forma e de convicção, com um ressuscitado Postiga, um Quaresma regressado aos grandes dias e um Lucho, enfim, a aproximar-se do que vale. E um treinador «normal», que não complica nem inventa. Este é, uma vez mais, o grande candidato ao título.

3- Depois de ter dado ao Benfica 15 milhões de euros, em troca da utilização do ridículo nome de Caixa Futebol Campus para o centro de estágios do Seixal (nome que, obviamente, ninguém utiliza), a Caixa Geral de Depósitos é agora suspeita de ter dado idêntica quantia pela utilização dos direitos de imagem do seleccionador nacional, Luiz Felipe Scolari. Parece que, lá pela Caixa, estarão muito contentinhos por terem vencido a «concorrência» e terem obtido o exclusivo da imagem do seleccionador. Mas eu temo que seja outro exemplo de investimento sem retorno publicitário adequado: é que, à força de emprestar a sua imagem para tudo e mais alguma coisa, os anúncios com Luiz Felipe Scolari já não conseguem interessar ninguém, apenas incomodar ou irritar as pessoas. Mas, enfim, cada um sabe de si e tudo estaria muito bem se a Caixa, ao mesmo tempo que nega o valor de 15 milhões avançado para o contrato com Scolari, não se negasse igualmente a dizer qual é, então, o valor acordado. Serei eu que estou desactualizado, ou a Caixa ainda é um banco 100% público e Portugal ainda é uma democracia, onde o destino dado aos dinheiros públicos não pode constituir segredo de Estado?