quarta-feira, junho 24, 2009

NEGÓCIOS DE VERÃO (16 JUNHO 2009)

1- Não me venham cá com o mercado e as suas durae lex, sed lex: o valor da transferência de Cristiano Ronaldo para o Real Madrid é um escândalo e, quanto à suposta verdade inelutável do mercado, aí está a maior crise económica planetária dos últimos oitenta anos para mostrar como o mercado pode ser desregulado pelo excesso de ambição e falta de regras.

Como Ronaldo é português, fatalmente vem ao de cima o espírito nacionalista, a que eu chamo saloio, e que nos impede de ver as coisas como as veríamos se fosse um jogador estrangeiro. Nenhum jogador de futebol vale 94 milhões de euros. Nenhum. O que o Real Madrid fez, numa semana em que gastou 160 milhões de euros a comprar Káká e Ronaldo, é não apenas indecoroso face aos valores em si, como é também insustentável, financeira e desportivamente. Há anos atrás, quando se lançou na política de aquisição dos «galácticos», que lhe valeu a presidência do Real, Florentino Perez financiou-a através da venda do património imobiliário do clube, no centro da cidade, e numa daquelas manobras em compadrio com a autarquia local, que tão bem conhecemos também por cá. Mas, agora, que esse património já não existe, como vai Florentino Pérez financiar estas compras, que elevam para 500 milhões de euros o endividamento do Real Madrid? É verdade que os direitos televisivos em Espanha são astronómicos (até ver…) e que o merchandising resultante da venda dos direitos de imagem dos jogadores pode atingir montantes fabulosos. Mas isso não chega. Pode ser até, como ele disse, que, dentro de um ano, haja um milhão de espanhóis com a camisola de Ronaldo, comprada nas lojas do clube: continua a não chegar - são, no máximo, 30 milhões de euros. Por isso, a pergunta que todos fazem em Espanha é como é que o Real Madrid vai conseguir amortizar estas loucuras do seu presidente e, pior ainda, o que sucederá se não conseguir?

Desportivamente, toda a gente percebe facilmente que, com negócios destes, a concorrência fica mais do que distorcida, fica falseada. E não são as lágrimas de crocodilo do Sr. Platini que impedem que tal seja verdade. Há uma dúzia de clubes europeus que disputam a Liga dos Campeões cronicamente e em condições que, à partida, lhes dão toda a vantagem. Há muito que deixaram de ser clubes nacionais, para se transformarem em multinacionais, detidos por princípes árabes sem saber o que fazer ao dinheiro, especuladores da bolsa americana, senhores das mafias do leste europeu ou grandes construtores civis, como Florentino Pérez. No extremo limite desta condição, temos o Liverpool, que disputou os quartos-finais da Champions este ano, com um treinador espanhol e sem um único jogador inglês como titular. Quem pode dizer ainda que se trata de um clube inglês e que representa o futebol das Ilhas? E temos - num patamar abaixo, na condição simultânea de compradores e vendedores - os grandes clubes portugueses: compram jovens esperanças brasileiras e sul-americanas para as revender mais tarde e bem mais caro, enquanto desprezam as jovens esperanças portuguesas, condenadas a expatriar-se para um terceiro patamar, o dos clubes gregos, romenos ou cipriotas.

Na origem do problema está a teimosia da UE em querer aplicar, sem nenhuma adaptação, as regras de livre circulação de trabalhadores no espaço europeu, como se não entendessem que uma competição europeia de clubes, com quotas de acesso por país, implica um mínimo de correspondência entre a filiação nacional de um clube e a composição da sua equipa. Por este andar, qualquer dia, poderemos ver um Corinthians ou um River Plate a domicilarem-se em Moscovo ou em Lisboa e disputarem os nossos campeonatos e a Liga dos Campeões Europeus.


2- Entretanto, parece que há um problema de adaptação do «Circo Ronaldo» às novas regras do marketing impostas pela sua recente filiação a Madrid. Los Angeles e Paris Hilton não ajudam muito a vender um milhão de camisolas em Espanha. Ele vai ter de passar férias em Palma de Maiorca ou Ibiza e arranjar aqueles instantâneos namoros de Verão (planeados ao detalhe pelo seu marketing de apoio) com vedetas da TV ou da canção espanhola. É só uma questão de mudar a agulha.


3- Cissokho é o primeiro grande negócio de Verão dos nossos clubes e, como não podia deixar de ser, feito pelo F.C.Porto. Este nem chegou a aquecer o lugar: chegou em Janeiro, parte em Julho. E tantos anos que o FC Porto esperou para ter um lateral-esquerdo digno do lugar e da função!

O negócio é, sem dúvida, das arábias: custou 300.000 euros, sai por 15 milhões. E tudo seria inatacável, se não subsistisse uma dúvida sobre quanto é que o F.C.Porto detinha do seu passe. Sabe-se que os 300.000 euros foi o que os azuis pagaram à partida por 60% do passe, comprado ao Vitória de Setúbal, e que o resto ficou nas mãos de uma empresa detida pelo empresário António Araújo - personagem não muito clara, do círculo íntimo de Pinto da Costa. Consta agora que, entretanto, o F.C.Porto terá comprado mais 20 ou 30% do passe ao Sr. António Araújo - mas não se sabe por quanto nem se isso aconteceu, de facto. O que não se percebe também é a razão pela qual, a um preço tão barato, o F.C.Porto não gastou logo mais 200.000 euros para ficar com a totalidade do passe. Hoje, o lucro da revenda seria todo seu, sem ter de dividir não se sabe quanto com mais alguém. Alguém que teve a grande sorte de ter o seu produto exposto na montra da Liga dos Campeões, à boleia da camisola do F.C.Porto.

Na rampa de saída estão agora Bruno Alves e Lisandro. Ambos serão perdas imensas na equipa, mas, como todos os anos sucede, é preciso vender os anéis para poder pagar os prejuízos crónicos da gestão corrente - tornados inevitáveis pela existência de uma folha de pagamentos que tem mais de 70 jogadores seniores a receberem ordenado do clube, dos quais 44 emprestados!

Na calha para substituir Bruno Alves está Nuno André Coelho que, ou muito me engano, ou rapidamente atingirá o estatuto dos grandes centrais que o F.C.Porto produz, como epidemia saudável, há vinte anos. Já Lisandro López vai ser bem mais difícil de substituir. Jogadores como ele custam… o mesmo que ele. E os que são baratos, ninguém pode garantir que consigam produzir metade do que ele produz ao fim de dois anos de aprendizagem.

Mas, para quem ainda pudesse ter dúvidas sobre a conveniência de continuar a contar com Jesualdo Ferreira para o futuro, aqui fica mais uma resposta. Não são apenas os três campeonatos consecutivos, as três fases de eliminatórias da Champions e uma Taça de Portugal que ele acumulou em três anos. É a capacidade notável que ele tem demonstrado de transformar jogadores que pareciam sem grande margem de progressão em estrelas cobiçadas pelos tubarões. Bruno Alves e Lisandro López são os casos mais notáveis. Mas também o são Cissokho, Fernando, Raul Meireles.

É certo que nem tudo são sucessos e por isso é que não vemos ninguém a cobiçar o Farías, o Mariano González ou o Freddy Guarin. Mas basta acertar duas apostas por ano para deixar a administração da SAD do clube tranquila. Imagine-se o que não seria o pânico se o F.C.Porto chegasse ao fim da época e não conseguisse fazer um grande negócio de Verão?


4- Não foi um grande negócio, mas foi uma grande e esperada golpada: a de Luís Filipe Viera, ao antecipar eleições para Julho, para poder ser reeleito sem problemas e sem riscos. E diz ele que não está agarrado ao poder! Que fará se estivesse!

domingo, junho 07, 2009

DESPEDIDAS (26 MAIO 2009)

1- Paolo Maldini despediu-se de San Siro, e para a semana despede-se do futebol, depois de 24 anos de carreira no seu clube de sempre: o Milan. Abandona como titular da equipa que serviu durante quase um quarto de século e a um mês de fazer 41 anos de idade - o que, uma vez mais, deveria ser objecto de reflexão de toda a gente ligada profissionalmente ao futebol, para tentarem entender a razão pela qual as carreiras de jogador em Itália são tão notavelmente longas. É simplesmente brilhante que um jogador que já ganhou sete títulos de campeão de Itália, cinco de campeão europeu e três de campeão mundial de clubes, que foi o mais internacional de sempre da squadra azzurra (pela qual disputou 126 jogos e duas finais do Mundial), acabe ainda como titular num dos maiores clubes europeus, à beira dos 41 anos de idade!

Mas, para além de todos os seus registos, Paolo Maldini foi também um jogador brilhante - brilhante de raça, de técnica, de inteligência de jogo. Com ele nasceu verdadeiramente o conceito do lateral ofensivo, varrendo todo um flanco e que ainda conseguiu reconverter-se em central. A acrescentar a tudo isso, possui três qualidades que fazem toda a diferença: estilo, personalidade e cultura. Ah, e essa coisa que já não se usa e que faz o infortúnio dos «empresários» de jogadores: o amor à camisola - sempre a mesma.


2- Por cá, fizeram-se as despedidas de mais uma época. Uma época cinzenta e desinteressante, com mau futebol como regra geral, má prestação europeia dos clubes portugueses como regra também geral, embora com excepções, e a vergonha dos salários em atraso. Houve, como é habitual, festas e dramas, na hora da despedida.

Na segunda festa do título no Dragão, o que mais me chamou a atenção foi uma coisa um bocado indefinível e que talvez seja necessário ser adepto do clube para o entender: há, no povo azul-e-branco, uma cultura de vitória entranhada, que não há em mais lado nenhum. Não é feita de arrogância nem de falsa humildade, mas de um orgulho tranquilo, que é o resultado do contrato estabelecido tacitamente entre um público fiel mas exigente e uma equipa profissional a sério, desde o roupeiro ao presidente. Isso não existe em qualquer outro clube português, e é por isso que só nos sabemos porque ganhamos tão mais que os outros. E, enquanto eles (em boa verdade, cada vez menos), se entretêm a gritar que foi batota, nós agradecemos que assim continuem a pensar. Porque, enquanto o fizerem, jamais acharão o caminho para a vitória.

Num jogo profundamente aborrecido, Jesualdo Ferreira achou que podia caçar leões com fisga. Chega a ser comovente a insistência dele em tentar convencer-se que jogadores como o Mariano ou o Farías podem assegurar as despesas do ataque portista e ganhar jogos. Agora, que toda a gente elogia Jesualdo, eu - que sempre o defendi desde o primeiro dia - estou muito à vontade para destoar neste ponto: penso que ele é um treinador que protege as suas escolhas pessoais até ao limite, mas para o qual, em contrapartida, quem não está no seu grupo eleito, não tem uma hipótese. E uma das coisas que ele sempre preteriu aos seus eleitos foi a aposta nos jovens jogadores. Por isso é que, esta época, o Candeias e o Rabiola não tiveram uma verdadeira oportunidade, embora tenham mostrado o suficiente para se perceber que qualquer deles é bem melhor que um Mariano ou um Farías. Por isso é que foram enxotados como extra-numerários jovens como o Ibson, o Vieirinha, o Leandro Lima, o Hélder Barbosa, embora qualquer pessoa veja facilmente que qualquer deles é bem melhor e com bem maior margem de melhoria que um Guarín ou um Tomás Costa.

Enfim, foi pena mais uma aposta na pólvora seca, porque podia-se ter terminado o campeonato e feito a festa com uma vitória fácil frente a uma equipa que nunca mostrou merecer empatar o jogo.


3- O Belenenses lá foi para a segunda divisão, porque não há milagres quando não se sabe gerir e se usa os clubes apenas como plataforma de promoção social ou mediática. Agora, os novos dirigentes azuis esperam ser repescados, se o Estrela da Amadora, o Leixões ou o Setúbal não conseguirem pagar numa semana o que devem aos jogadores, ao fisco e à segurança social - e se eles o conseguirem… É o roto que espera que o nu morra de frio primeiro do que ele.

E o Boavista lá foi para a terceira divisão (segunda, em linguagem politicamente correcta), prosseguindo a descida descontrolada de uma ladeira que não se sabe onde terminará. O estádio do Bessa na terceira divisão - eis o nosso retrato! E, como castigo póstumo do major, o Boavista desce aos infernos na companhia do Gondomar, a outra menina dos olhos de Valentim Loureiro.

Em contrapartida, o União de Leiria, campeão crónico do menor número de espectadores no estádio quando ainda há pouco estava na primeira divisão, já está de regresso. Um regresso que augura mais do mesmo: falta de público, falta de sustentabilidade económica, incapacidade de sobrevivência financeira sem o apoio crónico da autarquia. As imagens da festa da subida do União, em Aveiro, eram, aliás, eloquentes. Uns duzentos ou trezentos corajosos adeptos faziam a festa no relvado, enquanto em fundo se viam as bancadas do Estádio de Aveiro (um dos seis novos estádios feitos para o Euro-2004) absolutamente desertas e a tentar disfarçar o non sense de tudo aquilo graças às pinturas «trompe l'oeil» que o arq.º Tomás Taveira muito avisadamente inventou para ali e para Alvalade, para Coimbra, para Faro. Se desportivamente, a recuperação do União em direcção à subida foi uma notável proeza com a assinatura de Manuel Fernandes, o sentido útil disso pode ser bem ilustrado pela cena cómica do próprio treinador da vitória: assim que o árbitro apitou para o fim do jogo, ele lançou-se a correr pelo campo, mas, ao fim de meia-dúzia de passos, parou, agachado e com um esgar de dor, com uma ruptura muscular. Pareceu premonitório.


4- Bonita, sim, foi a despedida de Quique Flores da Luz. Acho que nunca saberemos verdadeiramente se foi ele ou não o principal culpado da época decepcionante do Benfica. Sabemos, claro, que era o bode expiatório mais à mão. Não discuto se Rui Costa e Luís Filipe Vieira tinham ou não justificadas razões para mais uma vez levarem o Benfica a desfazer-se do treinador, ao fim de uma simples época de experiência. Mas sei que o fizeram de uma forma muito pouco digna e que talvez explique em parte porque nada corre bem há tanto tempo naquela casa. Ao invés, Quique despediu-se como um senhor, que sempre mostrou ser, nesta sua brevíssima passagem pelo futebol português. As esperanças estão agora colocadas em Jorge Jesus, que pode ser muito melhor treinador do que Quique ou ter mais sorte, logo se verá. Mas uma coisa há onde Jesus não chega aos calcanhares do espanhol: em atitude e elegância na forma de estar, junto à linha e fora dela.