sábado, abril 23, 2005

teste

isto é um teste

O apito embrulhado (19 Abril 2005)




Digam-me assim: «Investigámos e escutámos todos—todos os árbitros e todos os dirigentes. O único que levantou suspeitas foi Pinto da Costa». Nessa altura, falamos.

1- Com aquele dom que só ele tem de pegar em notícias alheias e delas fazer manchete de 1.ª página como se fosse coisa sua, o semanário «Expresso» de sábado passado retomou a história, saída dos arquivos da investigação do «Apito Dourado» e já antes revelada pelo JN e pelo «24 Horas», sobre a alegada contratação de prostitutas para servir o trio de arbitragem do FC Porto-Estrela da Amadora do ano passado, cujo resultado final foi 2-0 a favor do Porto. Empolada pelo «Expresso», a notícia tornou-se então caso nacional. Pois, vamos a ele.

Antes porém, gostaria de dizer que a minha paixão pelo futebol e pelo meu clube do coração implicam, necessariamente, que eu não esteja disposto a aceitar, quer a batota no futebol, quer a desonra do meu clube. Para que fique claro: se ficar provado, em tribunal e sem margem para dúvidas, que alguém — do FC Porto ou de qualquer outro clube—usou de métodos ínvios para obter vantagens competitivas, eu defendo que sejam condenados criminalmente e expulsos do futebol. Se assim não fosse, não valeria a pena gostar de futebol e ter orgulho nas vitórias do meu clube. Não farei, certamente, como aqueles benfiquistas que apoiaram e pactuaram com Vale e Azevedo, sabendo que ele desonrava o nome do Benfica, mas achando que esse preço era aceitável se, no final, conseguisse apear o FC Porto da liderança do futebol português. No meu código de valores, no futebol como no resto, não vale tudo. Mas também não contem comigo para pactuar com a hipocrisia e a verdade parcial ou conveniente para alguns.

Antes de ir ao caso em si, gostaria de dizer algumas coisas concretas sobre o «Apito Dourado».

Primeiro que tudo, para estranhar que este caso (se, de facto, visa a «moralização» e a «transparência » no futebol português), não tenha sido avocado, dirigido e orientado pela própria Procuradoria-Geral da República, no âmbito de um processo completo sobre os bastidores do futebol.

Porque é que o processo, em vez disso, se tem limitado à competência e às diligências de uma única comarca do norte, sendo que, aparentemente, só existem, como investigados, dirigentes, árbitros e actos reportados ao Norte?

Como já várias vezes escrevi, estranho que a haver fogo no fumo das suspeitas ciclicamente levantadas sobre a hipotética ajuda dos árbitros ao FC Porto, a todos pareça normal que, havendo árbitros que se deixariam corromper, eles só se disponham a tal a favor do FC Porto será uma auto-limitação de benefícios ou um amor entranhado de todos eles ao FC Porto?

E não será ainda mais estranho sabendo-se que os árbitros são escolhidos, observados e classificados pela Liga de Clubes—onde o FC Porto não detém qualquer poder há vários anos?

Esta pergunta é fulcral: porquê que se começou — e separou — as investigações naqueles «suspeitos »?

Não seria de investigar também, por exemplo, o alcance da célebre declaração de Santana Lopes, quando era presidente do Sporting, acerca da necessidade de comparecer a uns encontros com árbitros no Canal Caveira, para os quais ele se declarou indisponível?

Ou a enigmática declaração do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, de que o mais importante de tudo era controlar a Liga de clubes?

A segunda questão prévia que coloco é relativa às escutas. Aparentemente, o grosso, se não a totalidade, da «prova» recolhida no «Apito Dourado» assenta em escutas telefónicas. As escutas, como se sabe, só são legítimas e válidas como prova, se obedecerem aos formalismos que a lei exige e que, basicamente, têm que ver com a sua autorização e controle por um juiz de instrução. Ora, tenho lido alguns artigo sem que se manifesta revolta por haver a possibilidade de algumas dessas escutas virem a ser invalidadas por justamente não terem obedecido aos requisitos da lei. E a revolta manifesta-se, não no facto de terem existido escutas ilegítimas— o que é crime—mas sim em elas não poderem vir a ser utilizadas, porque ilegítimas.

Espanta-me que pessoas que deveriam ter um mínimo de sentido cívico sobre o que é um Estado de Direito e uma democracia onde são respeitados os direitos individuais, que deveriam ter alguma memória do que eram e para que serviam as escutas da PIDE, se deixem de tal maneira perturbar por uma hipotética oportunidade fracassada de «caçar» Pinto da Costa, ao ponto de esquecerem que as escutas são sempre uma violação grave da privacidade alheia, que só é justificável em casos extremos e mediante autorização e controle de um juiz. Sob pena de não passarem de um instrumento criminoso de devassa da intimidade de outros e até de uma possibilidade de chantagem com a sua vida privada.

Sabendo, pois, que a base da investigação deste caso assenta nas escutas e constatando a ligeireza com que três jornais, recorrendo a «fontes do processo», (que está em segredo de justiça...) reproduzem parte escolhida de tais escutas — sem que os visados tenham podido contestar a sua legitimidade e o seu conteúdo e até sem conhecerem o seu teor e a acusação que ainda nem foi formulada—tenho as maiores suspeitas de que estamos perante uma manobra tantas vezes repetida e que consiste em a investigação tentar obter junto da opinião pública, e através da imprensa, a condenação prévia de arguidos que julga não poder conseguir em tribunal.

2- Quanto ao caso concreto. Será possível que os árbitros do FC Porto-Estrela da Amadora tenham pedido, e obtido, depois do jogo, o favor de umas senhoras ao domicílio, pagas pelo FC Porto? Sim, não me espantaria muito. Já vi, várias vezes e quer no Porto quer em Lisboa, como os árbitros confraternizam com dirigentes dos clubes após os jogos. Todos os chamados grandes clubes, pelo menos, têm ao seu serviço elementos cuja função é justamente ocupar-se de receberem os árbitros que visitam o seu estádio. Nas próprias provas da UEFA, já tenho encontrado, após os jogos, os árbitros a cearem com os dirigentes do clube português anfitrião e garanto que não ceavamtremoços e amendoins. Ainda no ano passado encontrei o árbitro do FC Porto-Manchester, para a Ligados Campeões (cuja arbitragem prejudicou claramente o FC Porto), a jantar lagosta e afins, após o jogo, na companhia de dois elementos do clube, que faziam de relações públicas. Aparentemente até, é determinação da UEFA este tipo de acolhimento. Ficarão pela lagosta? Não sei, nunca investiguei. Mas sei que todos o fazem e parece-me que a primeira coisa que a juíza de instrução deveria apurar é se esse comportamento está generalizado e instituído ouse se tratou de uma grave excepção.

Mas, para isso, seria necessário, como disse, que o «Apito Dourado» não se limitasse a investigar alguns e esquecer outros — quanto mais não seja, para descobrir o que é suspeito e o que é normal. Admitamos, então, que é verdade o episódio das «meninas» com aquela equipe de arbitragem e naquele jogo. Resta ainda, antes de uma acusação credível, apurar duas coisas: o móbil do crime e a contrapartida do suposto acto de corrupção. O móbil do crime—diz a juíza, citada pelo «Expresso» — consistiria em o árbitro facilitar a vitória do FC Porto contra o Estrela da Amadora, e «em prejuízo do Benfica e do Sporting».

Ora, o FC Porto contava então por vitórias todos os jogos disputados em casa, tinha a melhor equipa, o melhor treinador, o melhor futebol, levava na altura onze pontos de avanço sobre o Benfica e creio que oito sobre o Sporting e preparava-se para, daí a quatro meses, ser campeão europeu. Quanto ao Estrela da Amadora, preparava-se para descer à segunda divisão.

Seria necessário subornar o árbitro para ganhar ao Estrela em casa?

Em relação à contrapartida, terá ela consistido em o árbitro validar os dois golos do Estrela — ambos, segundo a juíza, obtidos em off-side. Confesso que não me lembro do jogo e menos ainda dos golos. Mas seria interessante que a imprensa desportiva e televisiva recuperasse as imagens e as críticas ao jogo, para verificarmos se elas coincidem com tão grave conclusão. Por ora, sabemos apenas que a juíza assentou as suas conclusões na opinião de «peritos» como Jorge Coroado ou Vítor Pereira.

Mas se tal basta, pergunto-me se não deveriam ser investigados todos os jogos em que Jorge Coroado e Vítor Pereira erraram também?

Por exemplo, o controverso Boavista-FC Porto, arbitrado por Vítor Pereira e que, contas feitas, valeu o campeonato ao Boavista com um ponto de avanço sobre o FC Porto, não merecerá ser suspeito?

E o último Sporting-Porto?

E todos os Sporting-Porto dos últimos anos arbitrados por Lucílio Baptista?

E o Benfica-Estoril deste ano? Eetc. e tal?

Qual é critério de todo este processo judicial?

Que me com que bases definiu o seu âmbito de acção?

Porquê que Pinto da Costa aparece à partida identificado como alvo único de todas as suspeitas e todos os outros foram descartados como pessoas de bem?

Digam-me assim: «investigámos e escutámos todos — todos os árbitros e todos os dirigentes. O único que levantou suspeitas foi Pinto da Costa». Nessa altura, falamos.

3- Há quinze dias atrás, reinava a paz no futebol português. OFC Porto afundava-se na classificação, entre erros próprios, sequelas do «Apito» devidamente interpretadas pelos árbitros em campo, e a perseguição impiedosa da Comissão Disciplinar da Liga. Na Segunda Circular reinava ainda o «espírito de cavalheiros » decorrente do «Manifesto » assinado entre os presidentes do Benfica e do Sporting. Tudo ia bem. Mas eis que quinze dias depois, os cavalheiros ficaram subitamente desavindos e o presidente do Benfica já reclama outra vez ser recebido pelo governo para se queixar da «situação no futebol português». O que se passou de tão grave, em tão pouco tempo? Passou-se apenas que o Sporting ganhou um jogo ao Beira-Mar graças a um erro de arbitragem e o Benfica, sem se poder queixar de qualquer erro de arbitragem, viu o seu avanço de seis pontos reduzido a um. Está a ver, Sr. Dra. Juíza, como por aqui as coisas são mais complicadas do que parecem?

terça-feira, abril 12, 2005

Este jogo é fascinante ( 5 Abril 2005)

O ténis é apenas um desporto onde podemos ter os nossos preferidos mas não temos o nosso clube, as nossas cores; o futebol é uma militância cívica, uma catarse individual e de tribo



1 Domingo à noite, e depois de três horas a ver futebol —o FC Porto-Gil Vicente e o Benfica-Marítimo —, prolonguei a sessão televisiva nocturna com mais umas três horas a ver desporto, neste caso a final do torneio de ténis de Miami, entre o n.º 1 do Mundo, Roger Federer, e a nova estrela da inesgotável fábrica espanhola, RafaelNadal. Eu sei que são horas de mais diante da televisão mas, para além de ter sido uma raridade, sempre é melhor, mais estético e mais instrutivo que 10 minutos que sejam a ver a Quinta das Celebridades ou outras imbecilidades que tais. Quer como praticante amador quer como espectador de bancada ou de televisão, o futebol e o ténis foram sempre, ao longo de toda a minha vida, os meus desportos de referência. Ambos têm em comum a beleza da geografia estratégica desenhada sobre o terreno de jogo, amagia intermitente de jogadas de sonho, a emoção de um desfecho tantas vezes pendente até ao último sopro de energia dos atletas. O que o futebol tem a mais que o ténis são as camisolas. No ténis, tirando o sagrado templo de Wimbledon — onde a tradição obriga a que todos equipem de branco—, não há equipamentos fixos nem cores de camisolas que identifiquem os antagonistas. Não se joga, não se torce nem se sofre por uma camiso la, pelas nossas cores, o que equivale a dizer que aqui não há clubismos. E o clubismo é uma parte determinante da paixão irracional pelo futebol. Nesse aspecto o ténis é apenas um desporto onde podemos ter os nossos preferidos mas não temos o nosso clube, as nossas cores; o futebol não: o futebol é uma militância cívica, uma catarse individual e de tribo.

No Mundo inteiro, de África aos antípodas, podemos encontrar gente com uma camisola do Figo ou do Deco mas não encontraremos ninguém com uma camisola do Federer ou do Agassi. Essa é a vantagem decisiva, cósmica, do futebol. Mas em tudo o resto, dei comigo a pensar domingo à noite, o ténis é um desporto muitíssimo mais fascinante que o futebol, quer do ponto de vista do praticante quer do ponto de vista do espectador.

Se não tem o carácter de guerra tribal, o ténis tem, inversamente, a natureza do duelo singular, que é uma característica determinante de toda a história da humanidade, desde os duelos dos gladiadores do circo romano até aos duelos à espada e à pistola com que, até ao dealbar do século XX, se lavavam ofensas, resolviam rivalidades ou pagavam dívidas de honra.Num jogo de ténis assistimos a umcombate singular emque não há empates e só pode haver um vencedor e um vencido e onde, instintivamente, tendemos para o lado domais fraco, do mais corajoso ou daquele cujo tipo de jogo mais nos entusiasma, sendo até normal que mudemos de campo durante o mesmo jogo. São entre duas e cinco horas de batalha física, técnica e psicológica, com alternâncias constantes, vencedores iminentes que paralisam à beira da vitória e derrotados aparentes que ressuscitam de repente e reentram num jogo que já parecia perdido. A segunda vantagem do ténis é que o campo está dividido a meio por uma rede, o que traz consequências de vária ordem e todas elas positivas, quando comparamos com o futebol: não há contacto físico entre os jogadores, o que implica que não há faltas nem simulação de faltas, não há jogo subterrâneo, não há forma de evitar que o adversário jogue o que sabe, a não ser jogando melhor ou mais inteligentemente que ele; não há possibilidade de estratégias defensivas, através da ocupação do terreno, porque cada um tem o seu, delimitado do outro— há, sim, jogadores que são tecnicamentemais defensivos que outros, que não descem à rede ou arriscam seu jogo e não uma estratégia defensiva que possa ser planeada e ensaiada.

Terceira vantagem do ténis é que aqui o árbitro tem apenas uma importância residual e rarissimamente é chamado a tomar decisões controversas que possam influir no desfecho do encontro. Não há livres, nem penalties, nem cartões amarelos ou vermelhos, e, se cada bola ganha equivale a um golo, num encontro há uma média de 150 a 250 golos, conforme o encontro seja à melhor de três ou de cinco partidas — ou seja, ninguém pode jamais reclamar que uma decisão errada do árbitro ou dos fiscais de linha decidiu o jogo.

Enfim, quanto ao desporto em si mesmo, o ténis—o ténis de alto nível — exige e tem atletas que trabalham muito mais e estão mais bem preparados que os futebolistas, que são mais inteligentes, mais cultos, e para quem o fair play não é uma figura de estilo. E, depois, são profissionais liberais, que correm por sua conta e risco: não estão encostados a um contrato de vários anos celebrado com um clube, que lhes paga, quer produzam quer não; no ténis, quando não se joga a alto nível, quando não se ganha torneios, não se ganha dinheiro nem contratos de publicidade.

Na minha vida de espectador conheci grandes, geniais, jogadores de futebol, dos quais o maior de todos chamava-se Johan Cruyff, que jogou no Ajax e no Barcelona e juntava um talento de predestinado a uma inteligência de jogo que nuncamais vi ninguém igualar. Mas mesmo ele, apesar da memória das horas de puro prazer estético que lhe devo, não consegue afastar qualquer coisa como, por exemplo, a recordação da inesquecível final de Wimbledon em que John McEnroe evitou a sétima vitória consecutiva de Bjorn Borg, no final de um inesquecível combate de quase quatro horas e meia em que tudo o que é deslumbrante no desporto—a excelência técnica, a resistência física, a força anímica, o drama, a coragem, a capacidade de risco e de inovação— esteve presente, para a eternidade. Só para que se entenda o limite de exigência desportiva e cívica entre um deus do estádio e um deus dos courts vale a pena lembrar que McEnroe, o homem que recuperou o ténis de ataque e de espectáculo, que passava cada jogo em constante risco e jogo de rede, que partia raquetes no chão e berrava aos céus quando falhava uma bola, foi afastado da cerimónia oficial da entrega dos prémios em Wimbledon porque a muito tradicional gentry tenística inglesa não lhe perdoou que tenha dito a um árbitro «you are the shame of humanity! » («você é a vergonha da humanidade!»). Agora comparem com aquilo que, todas as semanas e sem precisar de sermos especialistas emleitura de lábios, vemos jogadores e até treinadores lançar aos árbitros!

Pelo que, quando o futebol me deprime, viro-me para o ténis. E saio sempre a ganhar.

2 E o futebol vai-me deprimindo este ano. Omeu FC Porto lá quebrou o enguiço do Dragão e, pauperrimamente, conseguiu vencer o Gil Vicente, por 1-0. Tanto bastou para que se cantassem loas ao «recuperado FCP» e ao ressuscitado Hélder Postiga, que falhou dois golos certos e viu a imprensa atribuir- lhe finalmente o primeiro golo da época, muito embora me tenham ficado as maiores dúvidas de que tenha chegado a tocar na bola e antes da risca de golo. Enfim, salve-se o aparecimento de alguns miúdos, chamados Ivanildo, Ibson e Leandro do Bomfim, que não foram campeões da Europa nem do Mundo e ainda parecem ter a ambição que era a imagem de marca desta equipa antes de ter sido superiormente devastada.

O Sporting assinou uma primeira meia hora de verdadeiro luxo no Bessa, que bastou para lhe justificar a vitória.Mas, como de costume, não conseguiu mais que meia hora, apesar de, também como de costume, ter encontrado um Boavista que é um mãos-largas para os grandes de Lisboa e uma equipa intratável para o rival do Porto. Contra o Sporting o Boavista nem faltas fez! Não havia necessidade, por isso, das duas ajudas cirúrgicas que o inevitável Lucílio Baptista resolveu dar aos rapazes de verde e branco, na segunda parte.

Na Luz o Benfica caminha inexoravelmente para o título e desta vez jogou também a melhor meia hora de toda a época, muito embora a sua defesa tenha sido ridicularizada pelo ataque do Marítimo e só tenha chegado à vitória com mais um frango do guarda-redes adversário. Mas, bem ou mal, já nada trava, em minha opinião, a cavalgada final para o título tão longamente ansiado. As últimas dúvidas desfizeram- se há 15 dias atrás, aos 25 minutos do jogo de Alvalade, quando Rui Jorge conseguiu expulsar McCarthy e deixar o Porto privado do seu Liedson para quatro jogos.

Aqui, les jeux sont faits. O que me vale é que já falta pouco para Roland-Garros.

RESCALDO ( 29 MARÇO 2005)

Na última década de deslocações do FC Porto a Alvalade e à Luz,acho que é improvável que o FC Porto tenha acabado mais de metade dos jogos com os mesmos jogadores dos seus adversários lisboetas.



1 - Àpós um fim-de-semana sem futebol (à parte um daqueles soporíferos jogos-treino da equipa de Scolari), aproveito para voltar ao Sporting-FC Porto da última jornada, que tanta coisa clarificou no Campeonato. E faço-o, socorrendo-me de várias opiniões que, ao longo da semana, foram sendo expostas sobre o momento determinante do jogo: a expulsão de McCarthy pelo árbitro João Ferreira. A sequência de opiniões serve para tornar claro como nada é verdadeiramente claro e consensual no futebol português.

Logo na terça-feira seguinte ao jogo, A BOLA decretava que McCarthy e Seitaridis tinham sido "bem expulsos". Para quem não tivesse visto o jogo, a afirmação, em subtítulo de primeira página, equivalia, não a uma opinião, mas a uma verdadeira constatação de facto. Confesso que nunca, como então, gostei tanto que a minha coluna neste jornal calhasse exactamente à terça-feira: isso permitiu que os leitores de A BOLA ficassem a saber que, com razão ou sem ela, havia quem contestasse tal "facto" e o reduzisse àquilo que ele não podia deixar de ser - uma simples opinião, como qualquer outra, sujeita a discordância. Viva o contraditório!

Logo no mesmo dia e aqui ao lado, no OJogo, o painel residente de quatro ex-árbitros chegava a uma rara unanimidade, de sinal contrário: a expulsão do McCarthy tinha sido infundada e a do Seitaridis tecnicamente errada. É verdade que também concluíam que o Maniche deveria ter visto um ou dois cartões amarelos, ou mesmo um vermelho directo. Mas se isso tem acontecido, teria sido num momento em que o jogo já teria vivido outra história, até porque eles também não se esqueceram de referir as duas entradas de Beto, ambas anteriores e ambas a merecerem amarelo, sobre o Ibson e o Quaresma. A discórdia estava, felizmente, lançada e sustentada em opiniões de peso.

Sem ter podido ler antecipadamente as opiniões divergentes, e confiante, conforme é tradição da casa, de que tudo o que um árbitro decide beneficiando o Sporting é bem decidido, o administrador leonino Paulo Andrade não teve dúvidas em proclamar que "o árbitro não teve influência". E, levando mais longe a sua crença, ainda acrescentou que "o Sporting dominou o jogo desde o primeiro minuto, o FC Porto poderia ter acabado com sete ou oito e ficou por acontecer uma goleada em Alvalade".

Eu devo ter visto outro jogo. O que vi foi um jogo onde o Porto dominou os primeiros dez minutos, o Sporting equilibrou até aos 20, e passou a dominar daí até à expulsão de McCarthy, aos 34 minutos - altura em que o árbitro decidiu o desfecho do jogo. Contra dez, o Sporting não criou qualquer oportunidade flagrante, só chegando ao golo de penalty e por uma precipitação de Seitaridis. E, contra nove durante mais de meia hora, só chegou ao 2-0 cinco minutos para além da hora e tendo sofrido tantos calafrios com o ataque do Porto reduzido a um avançado, que todos vimos o desespero de Peseiro e ouvimos os assobios da bancada. Pergunto-me o que teria sucedido se aquele Sporting que se arrastava contra nove tivesse tido de enfrentar onze até final. A minha resposta vale o que vale: se o tivessem deixado jogar com onze, e por aquilo que conheço mesmo desta irreconhecível equipa, o FC Porto teria ganho aquele jogo. Porque, para mim e paradoxalmente, aquela "exibição notável" do Sporting, como lhe chamou Paulo Andrade, foi também o teste final que me faltava para saber se o Sporting tem ou não "estofo de campeão". Não tem.

Aos poucos e ao longo da semana foi-se tornando evidente para a maioria que a expulsão de McCarthy fora, não apenas decisiva para o desfecho do jogo, como também reveladora de uma atitude pré-concebida contra o jogador, que vai de membros do CD a árbitros, passando por jornalistas. Porque será que nos jogos internacionais, seja nos europeus, seja nos da Selecção da África do Sul, o McCarthy nunca é expulso e é tido como um dos melhores pontas-de-lança em actvividade?

A esta questão veio juntar-se uma outra, lembrada por Pinto da Costa: o mesmo árbitro que classificou como agressão a cotovelada de McCarthy na anca do Rui Jorge, para o afastar de cima de si,foi o que deixou passar, sem um amarelo sequer, a mais violenta agressão a que assisti esta época: a entrada de Flávio Meireles, do Guimarães, sobre Costinha, deixando-o momentaneamente inconsciente em campo e depois um mês afastado dos relvados. Seria extremamente interessante (e perturbante) que um desses programas televisivos onde se faz o aftermatch dos jogos passasse as imagens de um e outro lance, convidando o árbitro João Ferreira a explicar então o seu critério disciplinar.

Na sexta-feira, António de Sousa, aqui na A BOLA dava-me a satisfação de constatar que, afinal, não estava sozinho. Escreveu ele e vale a pena citar: "O que as imagens televisivas nos deram a ver foi a reacção instintiva de um jogador que se quer libertar de outro que se sentou em cima de si! Convenhamos que não é nada cómodo que alguém se sente em cima de nós, como Rui Jorge o fez com Mccarthy.;. E, se as imagens servem para punir, também devem servir para ilibar. O CJ da FPF tem a oportunidade de lançar mão do vídeo para rectificar o relatório do árbitro e a decisão do CD, independentemente do cartão vermelho exibido ao jogador."

Sobre o CD nem sequer me pronuncio porque já não vale a pena: todos já perceberam qual é a sua única missão, nesta sua passagem pela terra. Mas não me parece que, numa Liga a sério, pudesse passar impune a actuação de um árbitro que decide objectivamente um dos chamados "jogos do título" com dois erros grosseiros, um de facto e outro de direito. A menos que o sentido de justiça e de isenção chegue ao ponto do daquele cronista sportinguista que, reconhecendo embora que McCarthy tinha sido mal expulso e concedendo a hipótese de o FC Porto "sofrer agora uma descriminação negativa, quanto a árbitros", acha que não apenas ela deve continuar, como ainda "só terá algum sentido de justiça se for estendida por uma década e sem interrupções de percurso". Leram bem.

E, por falar em década, estive a rememoriar o que foi a última década de deslocações do FC Porto a Alvalade e à Luz e acho que é improvável que o FC Porto tenha acabado mais de metade dos jogos com os mesmos jogadores dos seus adversários lisboetas. Acho que no espírito de todos os portistas, e como dizia José Mourinho na época passada, já está interiorizada a ideia de que na Luz e em Alvalade se jogue sempre em desvantagem. Mas não me lembro (agradeço que alguém me lembre) um desses jogos dos últimos dez anos em que tenha sido o Benfica ou o Sporting a terminar com menos jogadores que o FC Porto. Mais outra década assim, a bem da verdade desportiva?



2- Neste assunto do "histórico" do FC Porto, já se sabe que a única verdade maioritária é aquela que estabelece que o FC Porto só dominou o futebol português nos últimos anos graças às arbitragens. É uma verdade que pressupõe vários corolários, o mais importante dos quais é aceitar que todos, ou quase todos, os árbitros portugueses se vendem ou vendiam - mas só ao FC Porto. Mas esta "verdade oficiosa" sempre teve um ponto fraco, que é a incapacidade de explicar como é que o FC Porto poude também dar cartas na Europa, onde os seus jogos não foram arbitrados pelos nossos árbitros e os interesses em jogo estão longe de favorecer clubes portugueses, faceaos tubarões da Europa. Pois, esta semana, li algures uma explicação para o facto, a primeira que já vi, ensaiada por um douto escrevinhador: o FC Porto, dizia ele, só ganhou a Taça UEFA e a Liga dos Campeões porque se classificou para elas graças à batota feita em Portugal. Demos então de barato que tudo aquilo que se via era falso: o FC Porto não tinha a melhor equipa, o melhor treinador, a melhor organização interna, não jogava o melhor futebol. Era tudo batota - os melhores eram outros. Mas, assim sendo, resta outra pergunta: porque é que quando acontece o Benfica e o Sporting irem à Liga dos Campeões morrem inavariavelmente na pré-eliminatória?



3- Nuno Gomes e Hélder Postiga voltaram esta semana aos golos - na Selecção, que não nos clubes que lhes pagam. Segundo as contas feitas pela revista Sábado, com base num ordenado mensal de 100.000 euros, cada golo marcado por Nuno Gomes, nas três épocas que leva de regresso ao Benfica, custou em média 124.600 euros ao clube - qualquer coisa como 25.000 contos! Pelas minhas contas, e partindo do princípio de que Hélder Postiga ganhe apenas 75.000 euros mensais, se ele conseguisse agora marcar o seu primeiro golo ao serviço do FC Porto, esse golo teria custado cerca de 750.000 euros (150.000 contos). A matemática sempre me deixou deprimido.

PASSADEIRA VERMELHA ( 22 MARÇO 2005)

Parabéns, então,sr. João Ferreira:o senhor conseguiu,finalmente, decidir este campeonato,que não havia maneira de se decidir

1- Ontem, ao minuto 35 do jogo de Alvalade, o sr. João Ferreira decidiu abrir o caminho do título ao Benfíca, juntando-se a uma vasta campanha nacional em curso que tem como objectivo levar o Benfica ao título, nem que seja por decreto-lei.

Quando digo que decidiu, quero dizer exactamente que a anedótica expulsão de McCarthy - a mais inacreditável expulsão que eu vi em quarenta anos a ver futebol - não foi um deslize de momento, uma precipitação do árbitro. Não: ele teve vários dias para meditar na importância do jogo que estava a dirigir. Ele sabia que jogavam dois candidatos ao título e que a derrota de um deles - o Sporting-significaria que esse estava fora da corrida, e a derrota do outro - o FC Porto - significaria que ambos ficavam, com toda a probabilidade, afastados do título. E sabia, como qualquer árbitro sabe, que, num derby, reduzir uma equipe a 10 jogadores, ainda para mais a visitante, e quando ainda falta mais de uma hora para jogar, equivale praticamente a sentenciar o vencedor. Por isso, uma decisão tão determinante no desfecho quanto essa, tem de assentar num facto absolutamente incontestável por todas as partes. Ora, por mais jogos que arbitre, nunca mais o sr. João Ferreira terá oportunidade e necessidade de expulsar um jogador por ele acertar com o braço na anca de um adversário, quando este está sentado em cima dele e delibera-damente o impede de se levantar. Sobretudo quando, minutos antes, o mesmo sr. João Ferreira fez que não viu uma entrada para aleijar do Beto sobre o Quaresma - que não tinha sido, aliás, a primeira. E, como se dez contra onze não fosse já suficiente, o mesmo sr. João Ferreira, culminando uma arbitragem escandalosamente caseira em tudo, desde o critério disciplinar à avaliação das faltas, ainda tratou de expulsar também o Seitaridis, "esquecendo-se" que, não tendo ele cortado com a mão uma bola que fosse a caminho da baliza, a sanção correspondente era o cartão amarelo e não o vermelho. Podia ser até, que o Sporting viesse a ganhar o jogo com toda a naturalidade e justiça. Mas ele não deixou que as coisas acontecessem com naturalidade e justiça.

De uma assentada, o sr. João Ferreira conseguiu atingir duplamente o FC Porto: tomando decisões que se revelaram determinantes na derrota e privando a equipa de contar com McCarthy para os jogos seguintes. Numa e noutra coisa, ele não é, aliás, original: esta época têm sido inúmeros os jogos em que decisões "infelizes" dos árbitros têm resultado em perdas de pontos para o FC Porto: ainda no penúltimo jogo, contra o Nacional (ninguém falou nisso porque a exibição foi tão má que não cabiam desculpas), mas a verdade, verdadinha, e que o árbitro lisboeta perdoou mnpenalty sobre o Jorge Costa, quando havia 0-1, e fez vista grossa a uma falta sobre o Ricardo Costa que tornou possível o segundo golo do Nacional. E, quanto ao McCarthy, uma coligação de gente que não gosta de ver jogar grandes jogadores se eles forem do FC Porto - que inclui árbitros, juizes do CD da Liga, adeptos e o presidente do Benfica - têm-se esforçado e conseguido, abusando do poder discricionário de que gozam, para impedir que ele jogue, transformando - o numa espécie de carniceiro do futebol, massacrando inocentes defesas que, coitadinhos, tal como o Rui Jorge ontem, que nada fazem para provocar as suas agressões selvagens.

Parabéns, então, Sr. João Ferreira: o senhor conseguiu, finalmente, decidir este campeonato que não havia maneira de se decidir.

2 - Depois do descalabro dos 0-4 com o Nacional da Madeira, José Couceiro tinha dois testes de fogo - daqueles jogos onde o risco é total e, por isso, não há escapatória possível: ou se vale ou não se vale. O teste podia parecer um bocado injusto, para quem acabou de chegar ao clube, recebeu a herança que se sabe e tem apenas dois anos de experiência nas funções. Mas, quando se aceita treinar o campeão nacional e europeu, deve-se estar preparado para desafios desses e não para uma vida tranquila -de outro modo, teria ficado em Setúbal, onde jamais teria de jogar para o títuloou para a sobrevivência na Liga dos Campeões.

Ora, se, quanto ao teste de ontem em Alvalade, forças cósmicas impediram que se pudesse fazer um juízo certo, já o primeiro desses testes de fogo, em S. Siro, traduziu-se por um fiasco total, ao ponto de, em abono da verdade e sem nenhum azedume, ter de se reconhecer que o principal responsável pela eliminação do F.C.Porto da Liga dos Campeões foi exactamente José Couceiro. A falta de experiência em jogos a este nível tolheu-o de medo, e o medo, inevitavelmente, deu-lhe para recorrer à solução clássica (e sempre falhada) dos treinadores portugueses nestas circunstâncias: abdicar do ataque, reforçar a defesa e confiar num milagre. E, porque assim o mereceu, falhou. E falhou tanto mais, quanto o jogo deixou a sensação de que aquele Inter estava ao alcance mesmo deste F.C.Porto.

Couceiro falhou desde logo na inclusão de jogadores ou em nítida crise de forma-Costinha, Nu-no Valente - ou sem categoria para aquele jogo - Diego, Cláudio e, depois, Postiga. Falhou ao ensaiar um sistema nunca testado de três centrais, que só lançou a confusão, e ao abdicar da sua arma mais mortífera, Ricardo Quaresma. Falhou, depois, ao fazer entrar Postiga para o centro e fazer derivar McCarthy para extremo, com isso não ganhando um extremo e perdendo o único ponta-de-lança. E falhou, finalmente, porque, tendo transmitido à equipe a atitude de prudência e medo que era a sua, quando se chegou à hora do tudo-ou-nada, com 2-1 a favor do Inter, a equipe pareceu satisfeita, incapaz de ir à procura do empate e do favor do destino, limitando-se a esperar lá atrás pelo K.O. final e libertador. Foi claramente um jogo em que uma equipe é derrotada à partida pela atitude mental do seu treinador. Que, ao menos, tenha ficado a lição para o futuro.


3 - Outro exemplo do que acima fica dito foi a maneira como o V Setúbal se entregou a perder nas mãos do Benfica. Os dois golos nascem de duas entre as inúmeras ofertas da defesa, e a expulsão de Veríssimo nasce igualmente de uma bola perdida para o avançado benfiquista, em zona proibida. Como se isso não bastasse, José Rachão resolveu, na segunda parte, retirar do meio-campo o construtor de todo o jogo ofensivo do Vitória, Jorginho, e pô-lo a fazer figura de corpo presente entre os centrais do Benfica, à espera de bolas que nunca chegaram. Se uma equipe quisesse pensar cientificamente como é que devia fazer para perder um jogo, teria feito exactamente o que o Vitória fez frente ao Benfica. E, quando penso que o Vitória, o Nacional, o Boavista e o Guimarães - tudo equipas que fizeram a vida negra ao FC Porto se entregaram tão docilmente nas mãos do Benfica, quando vejo arbitragens como a de ontem em Alvalade, só posso concordar com o que aqui se escrevia no domingo: já há um cheirinho a campeão.


4 - Deve ser esse cheirinho a campeão que justificou o tom da entrevista do presidente do Benfica à Sport TV quarta-feira passada. Eu, que já aqui elogiei uma anterior entrevista televisiva de Luís Filipe Vieira, desta vez só posso é lamentar o facciosismo, a intolerância e o tom de dono do mundo de que ele deu provas desta vez. Nem o mais irracional e perturbado dos adeptos conseguiria fazer afirmações como as dele. Na opinião dele, por exemplo, as cotoveladas dos jogadores do Benfica não existem por definição, enquanto as de jogadores do FC Porto deveriam ser punidas com "seis, sete ou oito jogos" (as que ninguém, tirando ele, viu), ou com a "irradiação" (as que, de facto, existiram). Fiquei até com a impressão de que, se ele mandasse ainda mais na Liga e na Comissão Disciplinar, este ano o FC Porto nem sequer seria autorizado a disputar o campeonato.


5 - Será que Scolari não vê mesmo nenhum jogo de clubes portugueses - ao vivo ou, ao menos, pela televisão? Deve ser verdade, porque só isso justifica que o seleccionador continue, imperturbável, a convocar jogadores que o país inteiro vê que estão em gritante crise de forma (para dizer o mínimo) - casos de Ricardo, Costinha, Nuno Valente ou Postiga.

José Mourinho tem razão: de facto, não há lugar mais cómodo do que o de seleccionador nacional. Sobretudo, da forma como Scolari o exerce: uma vez por mês, se tanto, faz uma convocatória, onde estão sempre os mesmos, sem necessidade de se actualizar nem rever escolhas ou fazer novas experiências; depois, dá-lhes dois dias de treino ligeiro e põe-os a jogar contra equipas menores e quase sempre com exibições medíocres; findo o jogo, fecha a loja e descansa até à próxima convocatória. Realmente, não deve haver emprego menos cansativo e mais bem pago. O que o salva é a sorte que ele tem: para o Europeu, já estava apurado à cabeça (de outro modo, a avaliar pelos resultados dos amigáveis, nunca lá teria chegado); e, para o Mundial, com o grupo que nos calhou, até o primo do Rato Mickey nos conseguiria apurar.

BASTA ( 17 MARÇO 2005)

Manda a independência de espírito que se diga que o desastre é, primeiro e quase exclusivamente, um desastre ao nível da gestão, do planeamento e da capacidade de renovação. E, logicamente, os responsáveis não se chamam Del Neri, nem Victor Fernandez, nem José Couceiro: chamam-se Pinto da Costa e SAD.

HOJE à noite é preciso que haja um milagre em Milão, mesmo que por directa intervenção divina (e nem se vê como possa ser de outra maneira...)- Foi assim com Victor Fernandez, em Novembro passado: quando tudo parecia perdido, o FC Porto foi ganhar a Moscovo ao CSKA e depois conseguiu, com uma segunda parte que foi até agora o melhor momento da época, transformar uma derrota anunciada numa vitória contra o Chelsea de Mourinho, com isso materializando o milagre da passagem aos oitavos-de-final da Champions.

Mas agora as coisas são ainda piores e as circunstâncias mais exigentes: exige-se (exigem-no os adeptos) que esta pobre equipa do FC Porto, sombra triste de quem foi campeão europeu há 10 meses atrás, elimine hoje o Inter, em Milão, e na segunda-feira vença o Sporting, em Alvalade. Só essa duas quase impossíveis vitórias fora podem atenuar as consequências e fazer esquecer o sofrimento da continuada vergonha da prestação caseira, bem traduzida no facto de ser a única equipa da SuperLiga, e talvez a única no Mundo, que ainda não conseguiu vencer um jogo em casa em 2005.

Em 17 jogos oficiais disputados esta época no Dragão o FC Porto venceu cinco. Como aqui já escrevi várias vezes, nenhum por-tista poderia legitimamente esperar e exigir este ano a repetição dos dois fabulosos anos anteriores. Mas, entre isso e o desastre total a que vimos assistindo, vai um abismo que deveria ter consequências. E a primeira consequência seria justamente a devolução do preço pago pelos quase 30 mil titulares de lugares cativos no estádio ou a sua renovação grátis para a época seguinte. Os adeptos, que, apesar do interminável pesadelo a que vêm assistindo, continuam a fazer do Dragão o estádio líder das assistências na SuperLiga e nunca faltam com a sua crença e o seu apoio à equipa, têm direito a um gesto efectivo de desculpas. Talvez custe caro mas pelo menos sempre é menos dinheiro disponível para mais loucuras e disparates.

A segunda consequência, que já deveria ter sido efectivada há muito sem olhar às vaidades e teimosias atingidas, é pegar nas supostas vedetas compradas por milhões e pagas sumptuosamente - Diego, Postiga e Fabiano - e enfiar com elas na equipa B, mesmo com prejuízo da equipa B. E deixá-las por lá a vegetar tempo suficiente até que supliquem a rescisão do contrato. E, mesmo que, a curto prazo, isso custe dinheiro, poupa-se a médio prazo, em ordenados e na nossa paciência. Por-que a minha, devo dizê-lo, esgotou-se em relação a estes três: acho-os três casos irrecuperáveis de falta de categoria e brio profissional.

Ficariam ainda por resolver mais uns quantos casos de jogadores que ninguém entende porquê e a benefício de quem foram comprados: Areias, Raul Meireles, Leo Lima ou Leandro (não o do Bonfim, que esse parece bom jogador). Mas vai demorar anos a amortizar os danos da demência e irresponsabilidade das compras desta época - 17 jogadores, dos quais apenas três são titulares habituais e 10 são brasileiros! Se pensarmos que uma equipa profissional de futebol é normalmente composta por 25 a 30 jogadores, temos a dimensão de uma pequena empresa. Que pequena empresa sobreviveria ao luxo de contratar 17 empregados novos num ano, acabando a tirar partido apenas de três e dando-se até ao luxo de emprestar uns quantos a empresas rivais, ficando a pagar-lhes o ordenado enquanto eles trabalham na concorrência? Só mesmo um clube de futebol habituado a viver na irresponsabilidade financeira.

Por isso mesmo a terceira consequência a tirar era chamar o ou os empresários que este época ganharam milhões no desmantelamento da equipa campeã da Europa e do Mundo, substituindo-a por um charter de pára-quedistas brasileiros, e obrigá-los a devolver o dinheiro ganho com a ruína da equipa, sob pena de não fazerem mais negócios com o FC Porto e não se voltarem a sentar na tribuna de honra do Dragão. Mas já li algures que o sr. Jorge Mendes, sem dor de consciência alguma, se prepara para trazer mais um brasileiro, um tal de Fred, para o FC Porto. E de novo me assaltam as perguntas inocentes: no FC Porto não há prospecção própria de mercados? Só conhecem o mercado brasileiro? Não têm formação e uma equipa B para produzir novos talentos para a equipa principal - onde estão eles?

Passados que são oito meses de mediocridade competitiva, 14 jogos de frustração caseira (até o Beira-Mar, de Cajuda, conseguiu lá a sua única vitória), batidos todos os registos históricos de humilhação entreportas, experimentados 17 novos jogadores e três treinadores em meia época, manda a verdade e manda a independência de espírito que se diga que o desastre é, primeiro e quase exclusivamente, um desastre ao nível da gestão, do planeamento e da capacidade de renovação. E, logicamente, os responsáveis não se chamam Del Neri, nem Victor Fernandez, nem José Couceiro: chamam-se Pinto da Costa e SAD. Na noite gloriosa de Gelsenkirchen confidenciava-me um membro dos órgãos sociais do FC Porto que estava com medo do futuro próximo. Perguntei-lhe porquê e ele respondeu-me: "Porque vem aí muito dinheiro e, com dinheiro no bolso, eles não se conseguem conter." Dito e feito, apesar dos avisos que alguns de nós não deixámos de ir fazendo.

Não seria justo nem útil estar agora a incluir José Couceiro no lote dos também responsabilizáveis. Não tem culpa de ter herdado uma equipa onde alguns inamovíveis só servem para atrapalhar, onde há quatro defesas-esquerdos e apenas um defesa-direito, onde se andou a vender, a dispensar e a emprestar avançados para acabar apenas com um extremo de raiz e um verdadeiro ponta-de-lança, impedindo, por exemplo, que uma equipa oficialmente candidata ao título possa jogar em 4x3x3. Mas a verdade também, e sem culpas próprias, é que não deixa de ser extraordinário que para treinar o campeão da Europa em título baste ter como currículo dois anos de estágio, um bom e um mau, em equipas que lutam pela permanência. José Couceiro pode até vir a revelar-se um excelente treinador, pode demonstrar uma acelerada capacidade para aprender rapidamente, mas não pode ter a maturidade de pegar num campeão europeu em crise e dar-lhe a volta instantaneamente, como que por magia. E dou apenas um exemplo concreto: a desesperada frequência com que o FC Porto inicia os jogos contra equipas que lhe são inferiores em tom de passeio e sem pressas, para logo, na primeira vez que o adversário vem à frente, consentir um golo, é claramente um sinal de imaturidade competitiva, desconcentração e inibição psicológica, que um treinador mais experiente já teria controlado. Essa experiência só se consegue ou com os anos ou com um profundo conhecimento da equipa; é por isso que me custa entender que, sendo capaz de arriscar em Couceiro, a SAD não se tenha lembrado de arriscar antes, e já que estava no ponto de tudo arriscar, em Aloísio, que conhece como poucos os cantos à casa. Dir-me-ão que Mourinho também tinha pouca experiência e também foi um risco que deu certo. Mas Mourinho é um caso à parte, é a excepção que confirma a regra, e, de qualquer forma, como , como adjunto e brevemente como treinador principal, já tinha passado por vários grandes: Sporting, FC Porto, Barcelona e Benfica, além de ter transformado num ápice o União de Leiria num grande. Pode ser, repito, que Couceiro venha a ser um grande treinador do futebol português mas duvido que este fosse o momento dele no FC Porto. Possa eu enganar-me!

E agora? Agora é ganhar hoje em Milão e segunda-feira em Alvalade. E depois falamos.

O FUTEBOL NÃO É TUDO (8 MARÇO 2005)

O Sporting manteve os jogadores principais, reforçou-se pouco mas bem,tem o mesmo treinador desde a pré-época e tem sido poupado em lesões e castigos.

E tem 13 pontos a menos do que tinha em idêntica jornada do campeonato passado. Como explicá-los?



1 - Deixem-me contar uma pequena história pessoal. Em 1978 o FC Porto quebrou um longo jejum de 19 anos, que vinha da minha infância, e sagrou-se, enfim, campeão nacional. Foi o princípio de uma reviravolta decisiva no panorama do futebol português e o início de uma bela história azul e branca, que dura até hoje. Nesse ano o jogo decisivo do campeonato foi o FC Porto-Benfica, da antepenúltima jornada, e que terminaria empatado 1-1, com golos de Humberto Coelho e Ademir. O empate haveria de aproveitar apenas ao FC Porto, que, vencendo nas duas últimas e seguintes jornadas, chegou ao título por goal average.

Aconteceu que nesse dia decisivo do FC Porto-Benfica eu estava de férias no Brasil, em Angra dos Reis, fazendo mergulho, que é um desporto que não vem nas páginas dos jornais. A única maneira de seguir as peripécias do jogo em directo era através do rádio do barco de apoio, sintonizado na onda curta da RDP. Mas o mar de Angra é tão fascinante que não consegui, apesar da importância do jogo, ficar a bordo a escutar o relato: mergulhava e vinha ao barco de vez em quando, para saber como corriam as coisas lá longe, e apenas o último quarto de hora segui à distância de um oceano e em directo.

Pois passados quase 25 anos, e em dia de FC Porto-Benfica, de novo empatados no cimo da tabela, dou comigo outra vez em Angra dos Reis, outra vez no mar, e desta vez, além de não ter televisão, nem sequer tinha um rádio para acompanhar o jogo em directo. E foi por telemóvel que tomei conhecimento da marcha do resultado e do desfecho final, igual ao de então: 1-1. Para aqueles que acreditam nas coincidências do destino, este já está, então, traçado: o Benfica está condenado e o FC Porto será campeão. Esclareço que não é o meu caso: não acredito em campeões por razões sobrenaturais. Mas há sinais que se colhem no mar e o principal é este: o futebol não é, longe disso, o centro da vida.



2 - Quando saí de Portugal o FC Porto e o Benfica estavam em primeiro, o Sporting a dois pontos e o Boavista a três. Regressei a tempo de ver a 24º jornada, finda a qual FC Porto e Benfica continuam empatados na liderança mas o Sporting está agora a três pontos e o Boavista a quatro. No entretanto, o Sporting seguiu em frente na UEFA, o FC Porto deu o passo atrás que se temia na Liga dos Campeões e o Benfica foi eliminado, como se previa, da Europa e compensou-se se com a passagem às meias-finais da Taça, ajudado por uma arbitragem que li ter-lhe sido bastante favorável e por um sorteio que, de há dois anos para cá, teima em só lhe reservar jogos na Luz. É difícil dizer, quem, dos três, andou mais para a frente ou para trás, nestes 15 dias.

Aparentemente, e apesar da esperada eliminação europeia, o Benfica terá sido quem menos perdeu: evitou a derrota no Porto, o que já não acontecia há uma década, e finalmente conseguiu ganhar na Luz ao Beira-Mar e na Madeira ao Nacional. Mas o empate no Dragão pode vir a revelar-se um resultado escasso e falsamente positivo e a vitória na Madeira, pelo que vi, só foi possível graças à sorte e a mais uma arbitragem amiga de Bruno Paixão, que, fazendo vista grossa a umpenalty logo de início, permitiu que a história do jogo se escrevesse de outra maneira. Não vi, em momento algum, a "atitude, personalidade e bom futebol", de que falou no final Trapattoni, nem vi razão para "calar as bocas", de que falava Simão Sabro-sa. Mas esta tem sido a história do Benfica desde o início da épo-ca: não me lembro de um único bom jogo, de princípio a fim, que tenha feito.

Em Penafiel o FC Porto tinha, à partida, o mesmo enredo que o Benfica: um quintal de dimensões reduzidas e um relvado onde a bola não desliza, antes progride aos solavancos. Mas, ao contrário do Benfica, teve a sorte do jogo logo contra si, entrando a perder na primeira jogada do encontro - o que resultou em que, logo a partir daí, tenha sido obrigado a correr atrás do prejuízo, contra 11 jogadores do Penafiel barricados em metade do quintal. Jogando tão mal quanto o Benfica na Madeira, o FC Porto revelou, sim, muito mais atitude e muito mais personalidade. Ganhou no último suspiro do jogo, matando com as armas com que este ano já morreu várias vezes, mas fez por isso e mereceu-o. Essa foi a boa notícia. Isso mais a prestação crescente de Ibson e a estreia promissora, embora breve, de Leandro do Bonfim, que me pareceu incomparavelmente melhor, mais simples de processos e mais eficaz que o desesperantemente inútil Diego. Mas McCarthy foi mais uma vez injustamente castigado (ele não saiu do campo para receber assistência e, portanto, não necessitava de autorização para reentrar) e vai ficar de fora no próximo jogo, o que deixa a Couceiro a angustiante dúvida de escolher entre duas figuras de corpo presente, Postiga e Fabiano, qual dos dois poderá atrapalhar menos o ataque. (A propósito, depois de ver o excelente golo de Hugo Almeida e constatar que eleja marcou, em dois meses no Boavista, mais golos que Postiga marcou em dois anos no Tottenham e no FC Porto, pergunto-me por que razão foi ele o sacrificado para ser emprestado a um rival e, já agora, o que terá passado na cabeça de José Couceiro para deixar o Quaresma no banco e pôr o Postiga em campo, contra o Benfica? Às vezes acho mesmo que os treinadores se guiam por intuições irracionais e não por evidências.)

E, enfim, temos este inexplicável Sporting de José Peseiro, que tão depressa deslumbra como se afunda, de um jogo para o outro e, às vezes, durante um mesmo jogo. Foi o que aconteceu no Restelo, onde, durante 20 minutos da primeira parte, o Sporting voltou a mostrar um futebol feito de movimento, imaginação e abertura de espaços que não vi esta época a ninguém mais e depois desapareceu do jogo, como que por magia, e só por sorte não encaixou uma derrota humilhante. Toda a gente, e com razão, nota o abismo que vai entre o FC Porto deste ano e o da época passada, bem traduzido nos 17 pontos a menos que leva em idêntica jornada do campeonato. Mas o FC Porto perdeu jogadores fundamentais, comprou disparata-damente jogadores que se revelaram verdadeiro fiasco, passou pelos processos que passou com os treinadores e tem tido jogadores fundamentais, como Maniche e McCarthy, constantemente afastados por lesões ou castigos. O Sporting, pelo contrário, manteve os jogadores principais, reforçou-se pouco mas bem, tem o mesmo treinador desde a pré-época e tem sido poupado em lesões e castigos. E tem 13 pontos a menos do que tinha em idêntica jornada do campeonato passado. Como explicá-los?


3 - 0 apito dourado começou a descer ao sul e às ilhas e a envolver alguns árbitros cujo currículo os torna insuspeitos de serem amigos do FC Porto. Pressinto que para alguns espíritos o apito se está a tornar menos dourado.


4 - E o Conselho de Disciplina da Liga, já se demitiu? Já foi demitido? Ou tudo se passa como se nada se tivesse passado?

NÃ0 HOUVE ( 1 MARÇO 2005)

NÃ0 HOUVE

TUDO DEPENDE DA PERSPECTIVA (22 FEVEREIRO 2005)

Dizem que houve um penalty «nítido» contra o FC Porto, não assinalado no Restelo. E como foi ele — foi rasteira, empurrão, puxanço? Com a mão, com o braço, com o pé, com o joelho? Quem viu, quem pode descrever ao certo o que se passou, para além da simples presunção?



1- Por vontade expressa da co­municação social (e, devo dizê-lo, particularmente des­te jornal) está criado mais um caso de arbitragem palpitante: um, su­posto ou real ,penalty não assinalado contra o FC Porto, nos instantes fi­nais do Belenenses-FC Porto.

Se assinalado e convertido, o penalty teria tirado dois pontos ao FC Porto, permitindo, provavel­mente (ainda não sei o resultado do Benfica-Guimarães), que o Benfica chegasse às Antas, se-gunda-feira próxima, na confor­tável posição psicológica de líder isolado. Mas não foi assinalado e daí o desespero.

Ora vejamos: o treinador do Belenenses, Carlos Carvalhal, diz que até do banco viu o penalty; Trapattoni, treinador do Benfica, diz que na televisão lhe pareceu penalty; José Manuel Freitas, aqui em A BOLA, achou o penalty tão flagrante que não hesitou em pu­xar para título da crónica do jogo a opinião de que o árbitro foi o protagonista do jogo. Foi? Eu acho que não. Tirando esse lance, em que ele, a cinco metros da jogada, não viu o que Carvalhal diz ter visto do banco, o árbitro não teve qualquer decisão com influência no jogo. O que faz com que, de fac­to, tenha havido outros intérpre­tes principais. Desde logo mais uma triste e apagada exibição do FC Porto, salva por um canto te­leguiado do Quaresma e uma cabeçada fulminante do Costinha. Depois — facto que apareceu como despiciendo em todas as crí­ticas — a ainda pior exibição do Belenenses, que até ao minuto 85

não criou a mais pequena velei­dade de oportunidade de golo e que, no fim, queria empatar com um penalty caído do céu (e é clás­sica esta tentação de transferir para o árbitro a responsabilidade pela incompetência própria). E, fi­nalmente, se querem um prota­gonista sério, porque não Vítor Baía, que, com duas defesas fan­tásticas, quando finalmente o Be­lenenses ousou rematar à baliza (de livre, claro), mostrou que, con­tra ventos e marés, como dizia o ex, continua a ser o melhor guar-da-redes português?

Mas não. Tratando-se do FC Porto, a única coisa que interes­sa reter do jogo é o pretenso pe­nalty e, consequentemente, mais um árbitro potencial arguido do apito dourado. Mas, só para que percebam como as opiniões são in­fluenciadas pela filiação clubística, eu direi, contraditoriamente, que não encontrarão um único portista que ache que aquilo foi penalty. Pessoalmente o que eu vi foi um dos inúmeros lances du­vidosos dentro da área, entre um avançado e um defesa — ainda mais duvidoso porque, neste caso, era um lance de desespero, qua­se ao cair do pano e por parte de uma equipa que até aí demons­trara não ter solução alguma para poder chegar ao golo por métodos, digamos, normais. Ora, mandam a experiência e a prudência que árbitro algum marque um possí­vel penalty daqueles, na frontei­ra de todas as dúvidas. Mas, en­tre os que comentaram que foi nítido, não encontrei descrição al­guma dessa nitidez: foi rasteira, empurrão, puxanço? Com a mão, com o braço, com o pé, com o joe­lho? Quem viu, quem pode des­crever ao certo o que se passou, para além da simples presunção? De uma coisa tenho a certeza: ár­bitro algum, nas competições in­ternacionais, assinalaria este penalty (e daí, por exemplo, a revolta ingénua dos sportinguistas com a arbitragem do jogo contra o Feyenoord — estão habituados a cri­térios mais generosos cada vez que o Liedson cai na área...).

Uma semana antes, em Braga, também os bracarenses e o seu treinador reclamaram um penalty «nítido» não assinalado contra o Benfica, ao cair do pano. Mas aí, curiosamente, a coisa passou como um fait-divers ou nem isso. Parece que os penalties reclama­dos contra uns são sempre mais notícia que os penalties reclama­dos contra outros. Nada a que a gente não esteja habituada. Uns e outros.



2- Em todo o jogo de Leiria, que me lembre, o Sporting não criou uma só oportu­nidade de golo, em contraste com o União, que viu Ricardo negar-lhe o golo por três ou quatro ve­zes. Mesmo assim, no final do jogo o repórter televisivo de serviço não encontrou melhor pergunta para pôr a José Peseiro que saber se o empate do Sporting se tinha ficado a dever a «cansaço» ou «fal­ta de sorte». (Repare-se no por­menor elucidativo de a pergunta já conter e antecipar a desculpa para o entrevistado: cansaço ou falta de sorte. E porque não falta de ambiçao ou faltaa de talen­to?) Assim ajudado pelo repórter, José Peseiro — que parece ter um efeito intimidatório sobre alguns perguntadores— obviamente agarrou na deixa que lhe dava mais jeito: «Foi falta de sorte», de­clarou ele. Porque, acrescentou, o Sporting, no resto, «teve uma atitude de campeão». Foi, foi mes­mo? E somos todos ceguinhos, não?



3- Como era de prever, o Con­selho de Justiça da FPF, chamado a decidir o pri­meiro dos sumaríssimos em que o Conselho de Disciplina da Liga inventou a nova tese jurídica de que, se alguém recorre de um cas­tigo, ele é logo agravado preven­tivamente, arrasou esta douta doutrina ad hoc, escrevendo que ela equivalia, na prática, a negar o direito de defesa e de recurso. O beneficiado, para já, foi Nem, do Sporting de Braga, metido ao ba­rulho para melhor embrulhar as punições agravadas de McCarthy e Pedro Emanuel. Mas, se decidiu assim para Nem, é fatal que assim terá de decidir para McCarthy. Nesse caso, e se tivessem um minimo de vergonha, o que os exce­lentíssimos conselheiros discipli­nares da Liga deveriam fazer era demitir-se no acto.

Leonor Pinhão perguntava aqui, no outro dia e em tom ino­cente, se «nós» defendemos que as cotoveladas fiquem impunes. Não, não defendemos. Defendemos que sejam castigadas. Mas, para que não fiquem dúvidas, defendemos também:



- Que não sejam apenas as cotoveladas a ser castigadas mas também as cuspidelas ou as entradas a matar sobre os adversários;.

- Que sejam castigadas todas e não apenas as dos jogadores do FC Porto;

- E que não se inventem prazos,leis e doutrinas novas para aplicar aos jogadores do FCPorto à medida das conveniências dos adversários.



É tão simples como isto. Ou será que é confuso?



P. S. — Obrigações profissio­nais levam-me a estar ausente desta coluna na próxima terça-feira. Pior: levam-me para onde, provavelmente, nem terei acesso às transmissões televisivas do FC Porto-Inter e do FC Porto-Benfica. Aqui fica o aviso, não vão al­guns espíritos pensar que, por as coisas poderem ter corrido mal para as minhas cores, eu desertei da opinião. Aliás, a previsão nor­mal é que as coisas corram mal contra o Inter e bem contra o Benfica. O que fugir disto será anormal.