quinta-feira, junho 23, 2005

Via Brasil (21 Junho 2005)

Não há presidente que se preze que, nesta altura do ano, não faça as malas e rume ao Brasil para tratar dos interesses do clube. E nem precisam de ir com o treinador, porque de jogadores percebem eles. Se vão sempre ao Brasil é porque, como não se cansam de nos explicar, lá o mercado é abundante e barato. E podiam acrescentar que é provavelmente o único país onde percebem a língua e é bem mais agradável ir em trabalho ao Brasil que à Costa do Marfim, aos Camarões ou à Lituânia



1- Um leitor habitual de jornais desportivos, rotinado em destrinçar aquilo que são verdadeiras notícias daquilo que são mensagens passadas sob a forma de notícias, diverte-se muito nesta época chamada de defeso. Há de tudo: jogadores que querem melhorar o seu contrato com o clube e fazem constar que «têm muito mercado» à espera deles, quando não têm ninguém; jogadores estrangeiros que aparecem com alvo potencial de clubes portugueses mas cujo valor é desconhecido ou duvidoso e que logo são descritos como estando também debaixo da mira de algum grande europeu; clubes, chamados grandes, e de que toda a gente sabe que não têm dinheiro para grandes compras, mas que todos os dias deixam saber que «estão muito atentos ao mercado » e vão lançando nomes sonantes para o ar, para ver se enganam tolos. Enfim, há de tudo, num permanente jogo de bluff e piedosas mentiras que, acima de tudo, se destina a dar dinheiro aos empresários e encher de emoção a época dos presidentes. Uma das notícias mais clássicas nesta época e que a mim me faz sempre sorrir é precisamente a das constantes idas ao Brasil, «para compras», dos desconhecidos presidentes dos clubes pequenos e mais que pequenos. Não há presidente que se preze que, nesta altura do ano, não faça as malas e rume ao Brasil para tratar dos interesses do clube. E nem precisam de ir com o treinador, porque de jogadores percebem eles. Se vão sempre ao Brasil é porque, como não se cansam de nos explicar, lá o mercado é abundante e barato. E podiam acrescentar que é provavelmente o único país onde percebem a língua e é bem mais agradável irem trabalho ao Brasil que à Costa do Marfim, aos Camarões ou à Lituânia. Com tanta atracção pelo Brasil, não admira que haja centenas de jogadores brasileiros a actuar em Portugal, em todas as divisões profissionais. E, como os exemplos vêm de cima, temos desde logo o caso exemplar do FC Porto, que na última década, e com a contenção relativa dos anos Mourinho, tem sido o maior importador de brasileiros para o futebol português de que há memória. Confirmando-se a compra da última descoberta, Anderson de seu nome, o FC Porto tem actualmente, e só para o meio-campo, nada menos que oito brasileiros! Este Anderson é, aliás, um caso exemplar de como as coisas funcionam. Até há uns 10 dias atrás ninguém sabia quem era, ninguém tinha ouvido falar dele, ninguém jamais o vira jogar. Mas bastou que Jorge Mendes comprasse 70 por cento do seu passe por um milhão de contos para que o miúdo de 17 anos se transformasse automaticamente no «novo Ronaldinho Gaúcho» e que tenha, supostamente, despertado a cobiça desenfreada de Sporting, Benfica e FC Porto. Parece que assinava ontem pelos dragões, juntando-se aos compatriotas também centro-campistas Jorginho e Paulo Assunção, chegados agora ao plantel, e a Leo Lima, Ibson e Leandro do Bomfim, chegados em Janeiro: seis brasileiros para o meio-campo em apenas seis meses! Mas o mais engraçado é que «o novo Ronaldinho Gaúcho» joga na mesma posição que «o novo Pelé branco», — o Diego—contratado por uma fortuna na época passada com a missão de tentar fazer esquecer o verdadeiro Anderson, aquele que, de facto, fazia a diferença: Anderson Luiz de Souza, vulgo Deco. Como se sabe, foi um sucesso.

2- Como o tenho dito repetidamente, sou um adversário dos imensos plantéis que caracterizam as equipas portuguesas, pequenas e grandes, em comparação com as boas equipas europeias, onde o plantel principal não vai além de 20 jogadores, reforçados, quando necessário, pelos jovens das equipas B ou dos juniores. Não só os grandes plantéis impedem o aparecimento e a formação dos jogadores formados nas escolas e preparados nas equipas B como, além disso, contribuem para uma gestão impossível da equipa, geram insatisfações, frustrações e mau ambiente de balneário e, obviamente, arruínam qualquer orçamento. Mas, por mais que isto seja sabido e demonstrado, por mais que os treinadores estrangeiros que cá chegam de novo repitam que não querem trabalhar com mais de 23, 24 jogadores, os presidentes insistem em dar-lhes 33 ou mais, como se com isso mostrassem que trabalharam bem, fizeram excelentes negócios e «deram ao treinador todas as condições». Não deram; apenas complicaram a sua tarefa. O pobre Co Adriaanse, novo treinador portista, habituado a uma equipa modesta, onde cada jogador é um investimento que tem de dar rendimento, já estragou as suas férias a ver intermináveis vídeos para poder decidir, com um mínimo de justiça, como é que dos 36 que tem à sua espera vai eliminar sumariamente 11 ou 12, para ficar só com o número máximo que consegue treinar. Como é que, pensará ele, se fez um plantel que conta com cinco centrais, três laterais-esquerdos, sete pontas-de-lança e treze médios mas onde, por exemplo, não existe um único lateral-direito? O que fazer com jogadores como o Jankauskas e o Postiga, que custaram à volta de um milhão de contos cada um e valem um máximo de três golos por época? Para quê três guarda-redes, quando existem outros três na equipa B? O que fazer com jogadores que foram contratados esta época por quatro ou cinco anos e não jogaram mais de uma hora, casos de Raul Meireles, Areias, Pittbull, Leo Lima, Hugo Leal, Leandro do Bomfim?

3- Quem, como eu, apanhasse a meio o noticiário das televisões, domingo à noite, teria caído de espanto com a notícia de que Tiago Monteiro tinha subido ao pódio no Grande Prémio dos Estados Unidos, em Indianápolis. Desde o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa aos parabéns logo enviados por José Sócrates, à notícia repetida exaustivamente durante a transmissão do Brasil-México de que pela primeira vez um português tinha subido ao pódio na Fórmula 1, tudo me levou a crer que, de facto, se tratava de um dia histórico para o desporto português e até já visualizava Jorge Sampaio, de lágrima ao canto do olho, a condecorar Tiago Monteiro com a ordem de qualquer coisa. E até eu, que gosto de automobilismo mas acho a Fórmula 1 a competição mais chata do mundo, logo a seguir ao halterofilismo, dispus-me a assistir ao resumo alargado da prova, na RTP, para viver devidamente o momento de orgulho nacional. E foi só então que percebi a dimensão do embuste: o Tiago Monteiro não tinha subido ao pódio numa corrida normal, com todos a competir, mas apenas com seis, e depois de uma jogada antidesportiva patrocinada pela Ferrari e pela Jordan — a equipa de Monteiro. Não está em causa, obviamente, o comportamento de Tiago Monteiro, que é pago para correr e nada tem que ver com as jogadas de bastidores. Nem está em causa o mérito de, uma vez mais e pela nona consecutiva, ter levado o carro até ao fim. Mas aquilo em que ele participou não foi uma corrida mas sim, como lhe chamou a imprensa europeia, uma «farsa» e «a corrida da vergonha». Foi como se a Selecção Nacional tivesse vencido um Brasil com apenas seis jogadores de início. Eu até compreendo a alegria do Tiago Monteiro no pódio mas, para dizer a verdade, as suas comemorações, no meio dos apupos da multidão e perante a vergonha calada dos vencedores da Ferrari, até foi um bocado constrangente. A pior maneira de tirar valor a quem o tem é inventar-lhe proezas não alcançadas. Lá virá o dia, espero, em que o Tiago Monteiro chegue ao pódio após uma corrida verdadeira e uma luta leal entre todos. Mas, anteontem, aquele pódio não honrava ninguém.

quinta-feira, junho 16, 2005

Transferências (15 Junho 2005)

Por alguma razão Mourinho fez do McCarthy a sua única exigência para ser campeão europeu, por alguma razão Sir Alex Ferguson disse que nunca tinha visto um golo como o que ele marcou ao Manchester no Dragão, por alguma razão a Comissão Disciplinar da Liga gastou uma época inteira assanhada contra ele, colocando-o de fora em catorze jogos.

A época de caça,também conhecida como «defeso », vai animada, como sempre. Os três grandes vão mexendo as suas peças no tabuleiro de xadrez em que grande parte da futura época se decide. Conforme a capacidade financeira e o talento de prospecção e negociação, eles optam por se reforçar, por se renovar, ou por conservar ou mesmo enfraquecer os respectivos plantéis. Os clubes de media dimensão ou pequenos esperam pelas grandes decisões dos três tubarões para depois irem às «sobras». Frequentemente, porém, são eles que fazem os melhores negócios do «defeso», comprando barato e despercebidamente jogadores que para o ano já estarão a ser cobiçados pelos «grandes», a preços quatro ou cinco vezes superiores. Mas, como de costume, as atenções estão todas viradas para os três do topo. E aí, este ano, as atitudes são diferentes: há quem se contenha, quem espere para atacar e quem não espere para começar já gastar «à grande». Respectivamente, Sporting, Benfica e FC Porto.

No Sporting e pela segunda ou terceira época consecutiva, a ordem é de conter despesas, sair a ganhar do saldo entre compras e vendas e reduzir a massa salarial fixa. Pedro Barbosa e Rui Jorge foram sumariamente dispensados; Sá Pinto ganhou um ano de sobrevivência, em contrapartida de descer substancialmente o seu vencimento; Douala e Enakarhire, duas proveitosas contratações da última época, parecem de malas aviadas para esse estranho Dínamo de Moscovo, entreposto e salvação dos clubes portugueses. E a manutenção do decisivo Liedson, sem o qual nada salvará o Sporting na próxima época, está pendente de o Corinthians, outro dos novos-ricos planetários, aceitar o preço de 9 milhões que a SAD pede por ele. Só Ricardo, mal estimado pelos adeptos e com vontade de sair, não parece encontrar as tais fabulosas propostas que nos juram existirem em permanência para ele. De facto, a imprensa desportiva passa a vida a escrever que o Ricardo tem muito mercado... em Inglaterra, devido ao Portugal- Inglaterra para o Euro, em que defendeu um de seis penalties e converteu outro. Mas, não obstante o próprio Ricardo insistir com a SAD para ser vendido, a verdade é que não aparece ninguém a chegar-se à frente. E realmente, eu não vejo muito bem os ingleses a contratarem um guarda- redes só porque ele marca penalties, mas, em contrapartida, é um permanente calafrio no jogo aéreo... que é justamente o futebol- tipo inglês.
Portanto, no Sporting, a notícia são as saídas e não as entradas. Estas, a menos que Liedson seja vendido, não passam de meras intenções, que logo esbarram na falta de poder financeiro negocial dos leões — como no caso da hipotética compra do promissor central da Académica, José Castro. Vale ao Sporting ter como ponto de partida uma excelente equipe, a partir da qual, e mesmo com as saídas, dispõe de uma base sólida para a época que aí vem.

No Benfica, espera-se. A situação financeira e negocial é idêntica à do Sporting, isto é, não há dinheiro para consumar nada em matéria de aquisições fortes e sonantes. Mas tem um capital de esperança e de expectativa, composto pelo entusiasmo do título e da participação garantida na Liga dos Campeões, de que o Sporting não dispõe. Luís Filipe Vieira espera que o negócio do novo cartão ou os putativos negócios que José Veiga consiga fazer com esses igualmente misteriosos fundos de investimento multinacionais se concretizem em dinheiro fresco ou em jogadores a custo zero ou próximo disso. Por ora, limitaram-se a comprar o central Anderson, já anunciado em Janeiro, e o aveirense Beto. Depois de ter visto uns quantos vídeos, Ronald Koeman deve ter chegado à conclusão de que não poderia contar com outra época em que os golos só apa......... definiu a sua prioridade número um: um ponta-de-lança capaz de marcar golos, coisa que não é manifestamente, o caso de Nuno Gomes. Se eu mandasse no Benfica, ia buscar o Liedson ou o McCarthy, que Sporting e Porto estão obstinados a mandarem embora. No caso do McCarthy até haveria o desafio adicional de ver como ele, de camisola do Benfica, deixaria imediatamente de ser perseguido pelos árbitros e pelos disciplinadores da Liga. Entretanto, e enquanto espera para ver se o dinheiro aparece ou não, Vieira vai-se louvando de conseguir manter a «espinha dorsal » da equipe, para o que conta, de resto e como para tudo o resto, com a habitual caixa de ressonância da imprensa, também ela esforçando-se para nos fazer crer que aquele plantel tem muitos interessados por esse mundo fora. Olhem, eu, como portista, o que mais desejo é que o Benfica mantenha todos os seus jogadores actuais e o Sporting o José Peseiro a treinador. E isto não é maldade: é sentido prático.

Pois, lá no FC Porto, e tal como no ano passado, a regra parece ser a de vender tudo o que dá dinheiro e comprar tudo o que mexe. Já vão em quatro vendas e oito aquisições, a somar aí a uns quinze «regressos » de empréstimos. O habitual: um plantel de uns quarenta jogadores para começar a época e pôr logo a cabeça em água ao novo treinador.

Se, quanto às vendas, incluindo as da época passada, eu tenho estado sempre em acordo (excepto quanto à venda do Carlos Alberto, que tanto jeito teria dado para o final do campeonato...), já quanto às compras, não consigo conformar-me com a enxurrada de brasileiros, a leva de jogadores de terceiro plano que não se entende para que servem ou as tentativas, sempre falhadas, de transformar jogadores medíocres do Benfica embons jogadores no FC Porto. Dez Leo Limas não valem um Carlos Alberto, assim como dez Sokotas não valem um McCarthy — cuja venda parece iminente e é insistentemente «pedida » pela imprensa desportiva de Lisboa (como já antes pedia a do Jardel, ano após ano...). Por alguma razão Mourinho fez do McCarthy a sua única exigência para ser campeão europeu, por alguma razão Sir Alex Ferguson disse que nunca tinha visto um golo como o que ele marcou ao Manchester noDragão, por alguma razão a Comissão Disciplinar da Liga gastou uma época inteira assanhada contra ele, colocando-o de fora em catorze jogos. A saída do McCarthy deixará o ataque do FC Porto (que este ano foi o 8º do campeonato!) sem ninguém capaz de marcar golos de forma regular. É um tiro no pé, incompreensível da parte de quem, ao contrário dos rivais, não tem necessidade imperiosa de realizar dinheiro. E que, aliás, e para fingir que compensa depois, irá gastar o dinheiro da venda do McCarthy em três ou quatro inúteis só para fazer número e acrescentar as despesas fixas. Enfim, provavelmente, quando isto vir a luz do dia, já é inútil, mas, pelo menos, que haja alguém a ter avisado.


PS: O jovem Amoreirinha protagonizou, há dois anos e no Torneio de Toulon, a mais selvática, feia e inexplicável agressão a um adversário que eu alguma vez vi num campo de futebol. Na altura, impressionado com o que tinha visto, escrevi aqui que ele não poderia de forma alguma passar impune -visto que o árbitro do jogo nada havia visto. Mas, neste nosso futebol que é capaz de expulsar e suspender por quatro jogos o McCarthy porque ele se tentou libertar com o braço e o cotovelo de um adversário sentado em cima da sua cabeça, o Amoreirinha beneficiou de absoluta impunidade: continuou a representar o seu clube e a Selecção de sub-20, como se nada fosse. Agora, na meia-final de Toulon, ele reincidiu, atingindo um adversário a soco e deixando a equipe de Portugal reduzida a dez durantemais demeio jogo. Mas obviamente que a culpa não é dele: a culpa só pode ser de quem, tendo por obrigação formá-lo como jogador, permite que ele continue assim e a representar Portugal.

quarta-feira, junho 08, 2005

A mania das grandezas (7 Junho 2005)

Luís Filipe Vieira não tardará a perceber que, afinal, é preciso muito trabalho, muita organização, muito planeamento e muito talento para conseguir chegar onde o FC Porto chegou



1 Uma das coisas que, desde o início, mais me impressionaram na época futebolística que agora chegou ao fim foi a determinação surda, obstinada, de serem campeões, transmitida pelos responsáveis do Benfica. Não, não foi apenas a vontade, que todos têm, de o ser; não foi apenas a ambição, mais do que legítima, de pôr fim a uma década de jejum; ou o discurso mobilizador para produzir efeitos internos. Foi muito mais do que isso, qualquer coisa de palpávelmas dificilmente explicável, que se traduziu numa espécie de desespero, de pura e simples rejeição de qualquer outra hipótese que não fosse essa, em termos de levar o presidente doBenfica, Luís Filipe Vieira, a afirmar, a abrir a época, que este ano, doesse a quem doesse, seriam campeões. A forma como o disse e as sequências práticas dessa afirmação ao longo do campeonato, deixaram-me a clara impressão de que, mais do que a conquista de um título, tratava-se da sobrevivência do próprio clube.

Esta semana, ao lançar o seu ultimatum aos sócios do clube, L. F. Vieira, confirmou a minha impressão e mostrou que não foi preciso esperar muito para que ele comecasse a tirar rendimentos internos do título. O Benfica, diz ele, «tem condições para ser o maior clube do Mundo ao nível de sócios», pelo que não se contenta com menos de 300.000 sócios daqui até Outubro e 100 milhões de euros a médio prazo, vindos dos novos sócios. Ou então vai-se embora. Está tudo, pois, nas mãos dos adeptos: ou aderem ao novo cartão e fazem do Benfica um clube «imparável na Europa», ou então mudam de presidente.

O que dizer desta jogada de tudo ou nada? Primeiro, que as contas não parecem encaixar bem: 300.000 novos sócios a 55 euros não dá 100 milhões de euros, mas apenas 15,5 milhões. Para chegar aos 100 milhões seriam necessários mais de... um milhão e oitocentos mil sócios! Segundo, que parece bem pouco aliciante a proposta do Benfica aos sócios: 55 euros em troca de ficarem pagas as quatro primeiras quotas, ter uns descontozinhos na Telepizza, na Papelaria Fernandes, na compra da Nova gente e da Maria, no kartódromo de Campera a seguir às vitórias do Benfica e do direito a ver dois jogos da SuperLiga em toda a época. Ao menos a Operação Coração e a Operação Fica Amaral! eram mais óbvias.

Esquecendo o delírio do «maior clube do Mundo» (saberá Vieira que o Manchester United tem cinco milhões de adeptos na Ásia e o Real Madrid três milhões?), mesmo o projecto da ressurreição do Benfica europeu não me parece que vá lá por este caminho, tipo magia instantânea. Compreendo o desespero de quem dirige o maior clube português em número de adeptos, e mais não faz, ano após ano, do que negociar em situação de desespero com os credores e tentar evitar a bancarrota sempre ao virar da esquina, sabendo que, mesmo para manter uma equipa tão fraquinha quanto a deste ano, os resultados de exploração são sistematicamente negativos. São-no em todos os clubes portugueses, de resto, só que o Sporting e, sobretudo, o FC Porto têm mostrado capacidade de realizar receitas extraordinárias com vendas de jogadores, enquanto, olhando para o plantel do Benfica, o mais que se arranja é algumas almas caridosas a jurar que o Luisão é disputado pelos grandes da Europa.

Não me parece, de facto, que seja pelo caminho da angariação utópica de centenas de milhar de sócios que o Benfica, ou quem quer que seja, possa dar a volta à situação. Ao lançarem-se na construção dos novos estádios, os clubes sabiam que teria de ser pela via da venda de lugares cativos a sócios e empresas (que tão mal correu no Benfica...) que se geraria o grosso das receitas de manutenção. Não pela via da angariação de novos sócios, para os quais, aliás, deixou de haver lugar garantido nos estádios. E, se não há lugar garantido, para que serve ser sócio?

Já várias vezes me debruçei aqui sobre este tema, defendendo o que julgo poderia ser o caminho do futuro: transformar os clubes de futebol emqualquer coisa mais do que simples produtores de espectáculos futebolísticos. Transformá-los, por exemplo, em clubes prestadores de serviços aos sócios. O Automóvel Clube de Portugal é o maior clube português porque nasceu para fazer isso. Começou por desempanar carros e ensinar a conduzir e hoje em dia presta um sem-número de outros serviços que atraem os sócios (e isto não é publicidade, eu nem sequer sou sócio...). Não há razão para que um clube de futebol não tenha para propor aos seus sócios serviços na área do desporto e manutenção física, saúde, seguros, viagens, hotelaria, restauração, acompanhamento jurídico e fiscal, rent-a-car, baby sitting e campos de férias de miúdos, eu sei lá — é escolher, quer directamente, quer em outsourcing. Esse é um caminho, no qual o F C Porto, por exemplo, já deu os primeiros passos e o Benfica está a zero ou quase. Outro é o do merchandising, onde o Benfica está também, atrás do Porto, o que é incompreensível. Outro, obviamente, é o da formação, onde o Benfica está a anos-luz de um Sporting e mesmo de vários outros clubes de dimensão francamente menor.

Depois, há outro aspecto a considerar, que é o da dimensão internacional do clube. É um aspecto decisivo para proporcionar os bons negócios, seja na venda de jogadores ou na contratação de jogos de prestígio e bom retorno financeiro no estrangeiro. Para isso é preciso que o clube esteja na ribalta internacional, que seja visto, falado e objecto de notícia. Ora, neste aspecto, o Benfica actual, pese toda a prosápia de muitos benfiquistas, dava tudo para poder estar no patamar do F C Porto. Não há como viajar pelo Mundo para o perceber. E isso não é tarefa que se consume com êxito a curto ou a médio prazo.

Mesmo os 300.000 novos sócios não fariam do Benfica «um clube imparável na Europa» enquanto o diabo esfrega um olho. Luís Filipe Vieira quer, e só pode querer, ver o Benfica de regresso ao topo da cena europeia.Mas não é assim tão rápido, tão linear e tão fácil. Não só a Lei Bosman tornou bem mais difícil os pequenos e médios enfrentarem os grandes, como também era infinitamente mais fácil vencer a Taça dos Campeões da década de 60 ou 70 do que vencer a Liga dos Campeões actual. Mesmo o F C Porto não chegou lá, ao contrário do que muita gente pretende fazer crer, apenas porque Mourinho chegou ao Porto um ano e meio antes. Sem tirar qualquer mérito aMourinho, é necessário não esquecer que, para trás, estava uma década de campeonatos nacionais e presenças constantes na Liga dos Campeões, que fizeram do F C Porto a segunda equipa mais assídua da prova. Quando conquistou o seu título da Champions, o F C Porto já era a equipa portuguesa com mais títulos internacionais, já contava quatro ou cinco ultrapassagens da fase de grupos da prova, já integrava há anos o G-14, já habituara a Europa a bater-se em pé de igualdade ou quase contra os tubarões do continente. Mesmo este ano, onde a equipa só somou equívocos e frustrações, ultrapassou a fase de grupos da Champions e só foi definitivamente afastada pelo Inter a dez minutos do fim do jogo da segunda mão dos oitavos-de-final.

Não se chega aqui de repente ou por simples vontade. A inveja e a maledicência nacionais inventaram a lenda de que os triunfos do F C Porto da era moderna eram todos conseguidos em jogadas subterrâneas. Mas agora, que se acham capazes de o imitar, é que eu quero ver o que valem, lá, onde o valor das grandes equipas e dos grandes clubes se mede a sério: na Europa. Luís Filipe Vieira não tardará a perceber que, afinal, é preciso muito trabalho, muita organização, muito planeamento e muito talento.

2 Ao menos, o presidente do Sporting não tem preocupações destas. Ele é o presidente do melhor clube português, os aristocratas da bola, os gestores de topo, os senhores do futebol português. Se não ganham nem convencem é porque o sistema e as arbitragens os perseguem, ano após ano. Não é porque o Ricardo seja notoriamente incompetente em todas as bolas aéreas sobre a pequena área, como se viu contra o Benfica, em Alkmaar, na final da UEFA ou na final do Euro. É porque é sempre carregado e os árbitros nunca vêem.

Já ninguém presta vassalagem ao velho senhor. Mas quando será que regressa a monarquia?

quarta-feira, junho 01, 2005

Deus não dorme! (31 Maio 2005)

Quando Paulo Costa sossegou, depois do intervalo, o Vitória pôde, enfim, jogar de igual para igual e, consequentemente, levar a Taça. O jogo foi, assim, um paradigma do que sucedeu em toda a época: quando o Benfica se viu obrigado a jogar de igual para igual demonstrou a sua incapacidade



1- Paulo Costa bem tentou: vestido com um ridículo equipamento azul-bebé, o árbitro da final da Taça achou que a sua missão não era a de assegurar condições de igualdade entre as partes mas sim a de começar desde logo a prestar vassalagem aos novos campeões. E, se assim o pensou, melhor o fez: aos três minutos de jogo, e prolongando uma tendência esta época muito em voga, ofereceu ao Benfica a possibilidade de começar o jogo a vencer sem nada ter feito para tal, através de um penalty de fabricação já tão gasta que só os árbitros que querem é que ainda se deixam enganar. Mas isso foi apenas o início de uma primeira parte que chegou aroçaro escândalo: oito decisõe serradas e todas, olha a coincidência, favoráveis ao Benfica! A boa gente de Setúbal, adeptos de um clube de que o País inteiro gosta, começou a pensar que não havia nada a fazer: apesar da superioridade futebolística gritantemente patenteada pelo Vitória sobre o «justíssimo campeão nacional», tudo pareceria ir esbarrar contra aquela muralha de «transparência» e «verdade futebolística ». Felizmente para a história da Taça de Portugal, Paulo Costa sossegou ao intervalo e o Vitória pôde, enfim, jogar de igual para igual e, consequentemente, levar a Taça. O jogo foi um paradigma eloquente do que sucedeu em toda a época, com o epílogo de fazer do Benfica o menos brilhante campeão nacional de todos os tempos. Mas, ao menos anteontem, fez-se justiça no Jamor.

2- Nem sempre, é verdade, esta questão da justiça no desporto é pacífica. Por exemplo, toda a gente vibrou coma sensacional recuperação do Liverpool contra o Milan, no jogo que determinou o sucessor do FC Porto como campeão da Europa. Porém, analisando o jogo todo, mais o prolongamento, o que se verifica é que o Liverpool jogou apenas 15 minutos contra o destino, nos quais conseguiu recuperar de 0-3 para 3-3, e, mal o conseguiu, voltou a encostar-se às cordas, lá atrás, apostando tudo nos penalties. Todas as despesas do jogo pertenceram ao Milan, todo o esforço para vencer foi doMilan e foi dele também o melhor futebol e, claramente, os melhores jogadores. Mas perderam nos penalties e, por isso, o Liverpool entrou na história e na lenda e remeteu o Milan à posição de «grande derrotado»—sem sequer o ter sido. «The winner takes it all...» Não obsta que seria uma verdadeira aberração se o Liverpool, por inércia burocrática ou esperteza saloia da federação inglesa, viesse a ser impedido de defender para o ano o seu título de campeão europeu. A hipótese é tão aberrante que quase desacreditaria a verdade da próxima edição da Champions.

3- Uma semana depois continuava-se ainda a falar dos «graves incidentes» ocorridos na Avenida dos Aliados, entre claques do FC Porto e do Benfica, durante os festejos do título na cidade do Porto. Moralistas ofendidos e pregadores de ocasião quiseram ver nos tais «graves incidentes» a demonstração final daquilo que há anos vêm proclamando: «a selvajaria dos portistas» e a sua incapacidade de aceitar a derrota. Ora, francamente, eu vejo nisto, sim, a tentativa de tomar os preconceitos por realidades e um sintoma preocupante daquilo que é a incapacidade da gente de Lisboa entender a do Porto e vice-versa. Não sou daqueles, como Jorge Olímpio Bento, que acham que a vitória do Benfica representa «a vitória da capital e do seu cortejo de interesses, das forças do centralismo sobre as energias que afirmam e exaltam localmente o pulsar da nação» (!). Sou portuense, por nascimento e família, e portista desde sempre: mas não sou provinciano nem confundo o que não pode ser confundido nem reduzido a chavões que a história e a estatística desmentem. Mas também não sou daqueles portuenses que, quando se instalam em Lisboa, quase têm vergonha das suas origens e passam a achar que a capital é a civilização e o Porto a província. Vejamos as coisas com um mínimo de calma e de boa-fé. Primeiro que tudo, ao ouvir falar dos «graves incidentes» na Avenida dos Aliados, e sem saber o que tinha acontecido, pensei que tinha ocorrido alguma tragédia, com mortos e feridos. Qual quê! Felizmente, o balanço foi: mortos, zero; feridos graves, zero; feridos ligeiros, zero. Eis o que retira desde logo o adjectivo «grave» aos incidentes. Se pensarmos no contexto de um campeonato decidido a seis minutos do fim, com50 mil adeptos derrotados da claque local a três quilómetros de 30 mil adeptos forasteiros celebrando a vitória, julgo que, em qualquer parte do mundo, se trataria de uma situação potencialmente explosiva e que não haveria ninguém que não se desse por contente por o saldo final se traduzirem zero — zero mortos, zero feridos. Dir-me-ão que isso deveria ser o normal e eu, claro, só posso concordar. Mas, infelizmente, não é esse o mundo em que vivemos, seja no Porto, em Lisboa ou em qualquer outra cidade do mundo. Resta, pois, apenas a «ofensa» de os Superdragões não terem deixado adeptos benfiquistas festejarem a vitória na Avenida dos Aliados, por todos comentada como grave atentado à democracia e aos direitos do «Benfica universal».Vejamos: o Benfica, pela voz do seu presidente, anunciou antes do jogo que, em caso de vitória, festejaria no Bessa, na Rotunda da Boavista, na Avenida da Boavista, no Castelo do Queijo e em todo o percurso daí até ao aeroporto. Para quem não conhece, esclareço que a Rotunda da Boavista é o equivalente, em Lisboa, ao Marquês de Pombal, a Avenida da Boavista à Avenida da Liberdade e o Castelo do Queijo, à falta de comparação possível, será o Terreiro do Paço. Não se tratava, portanto, de celebrar em ruas laterais ou praças escondidas. Por sua vez, os Superdragões anunciaram, também antes do jogo, que, fosse qual fosse o desfecho, se concentrariam na Avenida dos Aliados. E porquê a Avenida dos Aliados? Não só porque é o tradicional local de festejo dos portistas mas sobretudo porque aí se situam os Paços do Concelho, que simbolizam a cidade e onde tradicionalmente o FC Porto e o Boavista entregam à cidade os seus títulos. Ora, o Benfica será a nação, ou até um clube universal, mas não é um clube da cidade do Porto. E, por isso, querer festejar nos Paços do Concelho do Porto um título benfiquista seria o mesmo que os adeptos do Porto quererem festejar o triunfo na Praça do Município de Lisboa — onde o Benfica e o Sporting vão sempre também festejar os seus títulos e ser recebidos pelo presidente da câmara de Lisboa. Assim anunciados os festejos, passou-se o seguinte: que o autocarro do Benfica percorreu todos os pontos previamente indicados, sendo acompanhado pelos seus adeptos, sem a ocorrência de qualquer incidente ou provocação por parte dos adeptos do Porto. E que, no lugar onde os adeptos do Porto tinham indicado que estariam, aí sim, apareceram adeptos do Benfica, que vinham ao quê? Exercer um direito democrático de manifestação, respondem os que acham que ao Benfica tudo é devido e nada é de mais. Não, vinham provocar e tentar humilhar, digo eu. E podem-me dizer o que quiserem que desta não saio. Sei muito bem como é que se provocam incidentes destes e o que se pretende com eles. Já vi escrito, e com justiça, que o presidente do Benfica se soube portar à altura na hora da vitória. Mas não vi escrito, e também seria justo, que todos os dirigentes, técnicos e jogadores dos clubes vencidos — Porto, Sporting, Braga — igualmente souberam aceitar a derrota tranquilamente. Para quê, então, tentar chegar o rastilho a um fogo que não ardeu?

4- E começa a época de todas as minhas angústias: a do corrupio de entradas e saídas no FC Porto. A par de algumas boas perspectivas, tanto nas saídas como nas entradas, anunciam-se algumas outras que fazem antever a repetição de erros anteriores. Um deles é a insistência na recuperação de emigrantes, de que a última época nos deu dois exemplos negativos: Hélder Postiga e Hugo Leal. Agora anuncia-se o Fernando Meira. Santo Deus, para quê o Fernando Meira, que falta faz ele ao FC Porto? Outra teimosia que tem saído cara é a de tentar ressuscitar no FC Porto os falhados do Benfica: depois do Iuran e do Jankauskas, agora ameaçam-nos com o Sokota — seguramente para jogar na bancada ou fazer figura de corpo presente em campo. E, ao mesmo tempo que se pretende comprar um ponta-de-lança que vale dois golos por época, insiste-se em mandar embora o McCarthy, que é o único ponta-de-lança com categoria que passou pelo Porto desde o Jardel. Parece que para o ano vai haver lugar para todos: o Postiga, o Sokota, o Hugo Almeida, o Lizandro López, oBruno Morais e, se calhar também, o Jankauskas. Só não vai haver lugar para o único valor seguro, aquele que rende pontos na Liga dos Campeões, aquele que os adversários tanto temem, que a Comissão Disciplinar da Liga se esforça para deixar jogar o menos que pode: McCarthy. Resta esperar que Co Adriaanse veja com atenção os vídeos e se oponha a esta auto mutilação. Se ainda fora tempo.

Não nos peçam aplausos ( 24 Maio 2005)

O facto de ninguém, claramente, ter merecido mais do que os outros, não faz do Benfica, por direito natural ou privilégio de grandeza popular, um campeão justo. Por isso, digo: peçam-nos compreensão e aceitação pela sua alegria, mas não esperem que lhes demos os parabéns

«Espero que ganhe o pior!»
Manuel Alegre, confiando numa vitória do Benfica, no jogo contr ao Sporting

1-Para os meus muitos e grandes amigos benfiquistas a hora é de alegria ou, ao menos de alívio. Saber que eles estão felizes é, em horas destas, a consolação dos que acabam de ser desportivamente derrotados.O Benfica é um grande clube e eles são grandes amigos. De norte a sul do país, milhares ou milhões de benfiquistas, pequenos, velhos, de meia idade, tiveram enfim o dia de felicidade pelo qual esperaram onze anos. Quem gosta de futebol, quem compreende que o atractivo do futebol está na competição e esta não existe se não houver rotatividade, compreende e aceita que hoje estejam uns felizes e amanhã outros. Assim como me fez impressão a profunda tristeza e decepção dos sportinguistas, que desceram dos céus aos infernos em apenas dez dias, assim também compreendo, aceito e respeito, como não podia deixar de ser, a alegria dos benfiquistas todos.

Sabendo eu o que o futebol significa como descompressor de tantas e tantas tristezas, como matéria de sonho palpável contra a frustração de tanta realidade, só posso respeitar um clube que canaliza em si uma fatia decisiva de tanta alegria e tanto sonho. Essa é, indesmentivelmente, a força do Benfica. E não esquecerei nunca que, num passado já longínquo, as vitórias europeias do Benfica eram a única réstia de luz para todos,mas todos mesmo, no meio das trevas do silêncio e da mediocridade reinantes em Portugal.

Mas ser grande — grande em número de adeptos e seguidores não constitui,em si mesmo,um motivo de mérito ou de excelência. E, menos ainda, concede direitos de privilégio ou a expectativa de exigir e esperar a vassalagem geral. É aí que muitos grandes se transformam em pequenos e muitos pequenos se transformam em grandes. Por mim, no futebol e em tudo o resto, o que mais me incomodou nunca foi estar com os pequenos, mas sim com os grandes, e tenho vivido sempre com a tranquila certeza de que só existe justiça onde existe igualdade de tratamento. Às duas da manhã de domingo (depois disso, já não sei), as três estações de televisão nacionais continuavam a transmitir ininterruptamente, após sete ou oito horas de emissão, a festa do Benfica—primeiro antecipadamente e depois ao minuto e ao pormenor. Todas, até a televisão pública que é paga por todos, benfiquistas e não benfiquistas, e que nunca dedicou uma cobertura sequer parecida às recentes vitórias internacionais do FC Porto—muito menos, obviamente, às nacionais. Pergunto apenas: se tem sido o Porto a ganhar no domingo, assistiríamos a coisa semelhante? De repente, pareceu-me recuar no tempo, à cobertura dos grandes acontecimentos «nacionais e patrióticos » do Estado Novo, quando uma onda de unanimismo se impunha a uma só voz ao país inteiro. Jornalistas e comentadores que tinham passado um ano inteiro a fingirem-se neutros ou isentos, «passaram-se» em directo, assumindo as cores benfiquistas sem problema nem decoro, chegando até a ver um de cachecol no estúdio. Supostos especialistas de arbitragem esforçavam-se por nos apresentar como nítido o penalty que deu o golo ao Benfica no Bessa, enquanto os realizadores trataram de sanear as imagens de um possível penalty a favor do Boavista não assinalado, uns e outros aparentemente crentes de que toda a Gália já estava rendida ou que os desafectos das suas cores não tinham visto nada, eram cegos e desmemoriados. Num dos ecrãs de televisão, o benfiquista Rui Santos, no papel de comentador isento, proclamava que o «Benfica é um clube universal» (já não deve viajar há muito tempo...) e, como tal, os seus adeptos tinham o direito de se manifestar onde quisessem sem ser incomodados — mesmo que alguns tenham escolhido o lugar emblemático das comemorações portistas,um ou outro até, como vi na televisão, com cartazes ou cachecóis rezando «Odeio o Porto» ou «Porto é merda»,numa provocação rasteira e dispensável, destinada exactamente a atrair sarilhos. Reproduzida na imprensa escrita do dia seguinte, foi-se espalhando uma insidiosa onda de arrogância e intolerância, que aliás se sentia desde o inicio da época, e que, compreendem-no os benfiquistas ou não, é aquilo que representa hoje o reverso da vitória do Benfica: ter perdido o respeito e a admiração histórica que muitos adeptos de outros clubes lhe tinham. Porque, se é preciso saber perder, também é preciso saber ganhar.

Por mim falando, a vitória do Benfica no campeonato, não me incomodou mais de meia hora. Primeiro, porque nunca esperei que o Porto fosse campeão este ano, como várias vezes o escrevi; segundo, porque registei e nunca esqueci a afirmação feita pelo presidente do Benfica, logo a abrir o campeonato, que, fosse como fosse, o Benfica seria campeão este ano. E foi como o foi. Lamento por aqueles dentro desta equipa do Benfica, a começar pelo seu treinador, que não tenho dúvidas que trabalharam duramente e deram o melhor de si para chegar ao título,mas não consigo deixar de dizer que é a primeira vez em muito tempo que não reconheço mérito ao campeão. E tenho a certeza que não encontrarão em Portugal inteiro um só portista e um só sportinguista que reconheça neste Benfica um justo campeão. Eu vejo futebol há mais de quarenta anos, joguei futebol juvenil e amador muitos anos, e creio que sei reconhecer a marca dos campeões, quando uma equipa joga um futebol ou bonito ou vencedor, ou ambas as coisas.E o Benfica não joga nenhum deles. Consigo lembrar-me da forma como o Benfica ganhou inúmeros jogos neste campeonato, mas, se me puser a pensar, não consigo lembrar- me de mais do que dois jogos que tenha ganho com mérito indiscutível. É muito possível e manda a verdade que o diga, que se tem sido campeão qualquer um dos outros, a começar pelo meu Porto, o mesmo poderia ser dito: que não o tinha justificado em campo.Mas o facto de ninguém, claramente, ter merecido mais do que os outros, não faz do Benfica, por direito natural ou privilégio de grandeza popular, um campeão justo. Por isso, digo: peçam-nos compreensão e aceitação pela sua alegria, mas não esperem que lhes demos os parabéns.

2- Mais tarde terei ocasião de falar mais a frio sobre esta época do FC Porto. Sobre o que anteontem aconteceu, há pouco para dizer. Do mal o menos: poderíamos ter acabado desde o 1.º até ao 4.º lugar e acabámos em 2.º, com entrada directa na Liga dos Campeões. Também é verdade — e obviamente ninguém disso fala — que poderíamos, ao menos ter prolongado o sofrimento do Benfica mais um pouco, se o juiz-de-linha do Dragão não tem invalidado de forma incrível o que teria sido o segundo golo contra a Académica. Mas também isso era de prever: os sucessivos tiros no pé dados por esta equipa este ano, andaram sempre a par com as sucessivas e cirúrgicas decisões erradas da arbitragem e a perseguição sem tréguas da Comissão Disciplinar da Liga. Resta que, na sua despedida, José Couceiro—que passou pelo clube com uma imensa vontade, uma imensa dignidade e sem tempo nem calma para mostrar melhor —despediu-se sem glória, pagando o preço da falta de ousadia de entrar em campo, num jogo para ganhar e onde só a vitória interessava, com um avançado e meio (visto que um ponta-de-lança alérgico ao golo, como o Postiga, em termos práticos só pode contar por meio), com o maior desequilibrador (o Quaresma) a suplente, e com o eternamente inútil Diego a emperrar todo o jogo do Porto e a lançar os contra-ataques da Académica. Enfim, resta a grande consolação de saber que, a menos que venha aí uma nova catadupa de asneiras na formação da equipa, para o ano é impossível ser pior.


3- E agora, com o apaixonado do futebol, só desejo mais uma coisa para esta época: que deixem o Vitória de Setúbal bater-se com armas iguais pela Taça de Portugal.