quarta-feira, janeiro 25, 2006

25 DE ABRIL SEMPRE! (24 Janeiro 2006)

Sinto que anda no ar uma atmosfera do antigamente, um projecto subliminar de subversão das regras democráticas do jogo, para regressar aos pacíficos tempos em que o mais forte mandava e os outros obedeciam.


1- Anteontem, tal como milhões de outros portugueses, fui votar nas eleições presidenciais. Nos últimos 31 anos, desde que vivemos em democracia, nunca deixei de votar. Muitas vezes votei em branco (o mais político e significativo dos votos) mas nunca deixei que os outros decidissem por mim, sem que eu próprio fosse consultado. Esse é o meu direito e simultaneamente o meu dever. Na minha maneira de ver as coisas, quem foge aos impostos e abstém-se nas eleições não tem o direito de se queixar do que quer que seja. A cidadania democrática exige que se cumpram primeiro os deveres e só depois se reclamem os direitos.

Além do mais, gosto dos dias de eleições. Gosto da alegria tranquila dos portugueses nas ruas, daquela sensação de que é um dia especial - o nosso dia, o dia em que somos ouvidos e tudo se decide às claras, em que a opinião de cada um conta exactamente o mesmo que a opinião dos outros. Gosto dessa festa da democracia que se sente no ar, das famílias caminhando para as assembleias de voto, dos fatos domingueiros, dos vizinhos que se encontram para votar e falam-se, como às vezes não se falam durante um ano inteiro. Vivi toda a minha infância e juventude à espera disto e nunca ninguém mais me tirará isto. O meu 25 de Abril.

Meio a sério, meio a brincar, costumo dizer que o 25 de Abril só se cumpriu verdadeiramente quando a democracia chegou também ao futebol. Quando, em 1978, o FC Porto pôde, enfim, ser campeão e pôr fim ao oligopólio lisboeta do Benfica-Sporting, instalado nos hábitos e cultura do Estado Novo e do País. Nesse dia o país futebolístico democratizou-se também, abriu-se a uma nova fronteira - o Porto e o Norte - a que, mais tarde, se juntou também o Boavista. Não aceitarei em silêncio que ninguém mais me volte a tirar isto. E se hoje o escrevo, tendo como ponto de partida de reflexão as eleições de domingo passado, é porque sinto que anda no ar uma atmosfera do antigamente, um projecto subliminar de subversão das regras democráticas do jogo, para regressar aos pacíficos tempos em que o mais forte mandava e os outros obedeciam. Há um nevoeiro de arrogância reencontrada e subserviência correspondente, um todo-poderoso que atropela as regras, reclama privilégios de autoridade e exige dos outros silêncio, medo e obediência. Sabem a que me refiro: os sinais estão todos aí.

2- Perguntava Maló que interesse poderá ter tido um clube como a Académica em emprestar um jogador ao Benfica. O contrário sempre se viu, agora um clube pequeno emprestar um jogador a um grande nunca se tinha visto. Tentemos perceber olhando mais de perto uma história contada com grandes cerimónias e dúvidas silenciadas.

Marcel era o melhor jogador da Académica. Em 15 jogos tinha marcado nove dos 14 golos da equipa. Depois dele julgo que a Académica não voltou a marcar. Custou caro aos estudantes, em Julho passado, e tinha uma cláusula de rescisão de 3,5 milhões de euros. Quinze dias antes do jogo com o Benfica deixou de comparecer no clube, com quem tinha contrato válido e, que conste, salários em dia e nenhum motivo de conflito. No dia seguinte ao jogo com o Benfica, a que não compareceu, apresentou-se na Luz, como novo reforço benfiquista e declarando que tinha sido contactado "oficialmente" pelo Benfica... 15 dias antes - ou seja, exactamente quando desapareceu de Coimbra. Já José Fonte, do Vitória de Setúbal, tinha feito semelhante: rescindiu unilateralmente com o Vitória na véspera do jogo com o Benfica e apareceu na Luz, como novo reforço, no dia seguinte ao jogo. E ambos confessando-se ben-fiquistas desde a infância. Transparente.

Mas o negócio de Marcel é, de facto, curioso. A Académica ficou sem ele, teve de ir ao mercado comprar um substituto e não viu um tostão do Benfica pelo negócio. Foi emprestado, com direito de opção em Julho próximo. Quer isto dizer que, mesmo que o Benfica pague a totalidade dos seus salários até Julho, a Académica só pode sair a perder do negócio: ou o Benfica o devolve em Julho, porque não gostou dele, ou exerce o direito de opção, mas de certeza que por menos que os 3,5 milhões, porque nessa altura tanto o Benfica como o jogador estarão numa posição de força privilegiada (e que agora já demonstraram) para forçar o desconto que quiserem. Que ganhou a Académica? E, se cair na II Divisão (como caiu o Estoril no ano passado, depois de ter sido forçado ao negócio da troca de campo no jogo com o Benfica), quanto lhe terá custado o voo de rapina da águia?
Veja-se o Vitória de Setúbal: já sofreu tantos golos em três jogos sem o Moretto como os que tinha sofrido em 15 com o Moretto. E foi forçado a vendê-lo tão barato que o próprio presidente do Benfica se comoveu e decidiu acrescentar uma gorjeta ao preço pago (?). E o patético Chumbita ainda se prestou a uma coisa inédita, que foi participar na cerimónia de apresentação do jogador aos sócios do Benfica. Agora a única esperança de viabilidade do Vitória é esperar que o Governo aprove um projecto de urbanização que é uma vergonha pública mas permitirá salvar um clube que está falido por actos de gestão como este.

Este fim-de-semana, pelo menos, houve uma alteração de métodos. Na véspera de jogar com o Gil Vicente o Benfica não tratou de seduzir ou desviar nenhum jogador do adversário (não havia nenhum que o justificasse): desta vez limitou-se a prometer que, depois do jogo, lhe emprestaria dois jogadores. Uns cavalheiros.

3- Em Braga, quando se viu derrotado, Nuno Gomes sugeriu por gesto explícito que os adversários estavam drogados. O País inteiro viu na televisão e percebeu a mensagem. Na Figueira da Foz, contra a Naval, Co Adriaanse terá exclamado para dentro do campo "é falta!", a propósito de uma jogada qualquer. Ninguém viu nem ouviu, excepto o árbitro. Nuno Gomes levou de castigo 450 euros de multa; Co Adriaanse levou dois jogos de suspensão. Que falta que têm feito este ano as cotoveladas do McCarthy! Desde que ele recolheu os cotovelos, já repararam que nunca mais houve uma cotovelada no futebol português? Anda tudo tão santinho que até um tipo dizer "é falta!" é considerado uma ofensa grave...

4- Mas, à falta de cotovelos portistas, temos mãos. Uma abundância de mãos, de adversários benfiquistas. Encomendei uma sondagem à Euroteste: nos últimos 30 jogos da Liga (o que abrange também a parte final do campeonato do ano passado), 90 por cento das mãos ou supostas mãos sancionadas dentro das áreas resultaram empenalties a favor do Benfica.

5- 0 campeonato está na sua fase decisiva, em que quem se destacar agora tem todas as possibilidades de já não ser alcançado. Sábado joga-se o Benfica-Sporting, domingo o Rio Ave-FC Porto. Pois foi justamente nesta altura que a FPF engendrou um acontecimento chamado Torneio Vale do Tejo, em que a Selecção B de Portugal (uma coisa que nem sabíamos que existia) vai ter de defrontar, entre quarta e sexta-feira próximas, umas obscuras selecções do Leste. Convocados para este importantíssimo torneio estão quatro jogadores do Sporting, todos eles titulares habituais, e cinco do FC Porto, entre os quais o decisivo Ricardo Quaresma. Do Benfica... nenhum. Segundo explicou o seleccionador, o Manuel Fernandes, por exemplo, "está debilitado fisicamente e nos próximos tempos nem sei se posso contar com ele". Será o mesmo Manuel Fernandes que, no sábado passado, jogou a partida inteira contra o Gil Vicente?

Que torneio irão inventar na semana do Benfica-FC Porto - o Torneio Segunda Circular ou o Torneio Benfica Campeão?

Coisas que acontecem (17 Janeiro 2006)

É falacioso dizer-se que uma equipa como a do FC Porto é favorita à partida num campo como o da Reboleira. Não é: se as suas principais armas, que caracterizam a tal superioridade teórica, estão anuladas ab inicio pelas condições físicas do terreno de jogo, não pode ser favorita.

1- Sempre me bati contra uma escola estabelecida na crítica futebolística portuguesa e que consiste em embandeirar em arco de cada vez que um pequeno bate o pé a um grande, independentemente da forma como o consegue. Ora, eu também sempre gostei de ver o David vencer o Golias, mas é preciso que a luta seja leal e não com aspectos de emboscada. Além do mais, e no que ao futebol diz respeito, já não vivemos no tempo em que uns eram profissionais e os outros só tinham direito a uma sanduíche e uma laranjada. Hoje são todos profissionais, os métodos de treino são conhecidos e copiados e em aspectos determinantes, como a condição física (que, acima de tudo, depende do trabalho e do sofrimento), nada justifica que um pequeno seja mais fraco que um grande - até porque normalmente têm muito menos jogos disputados e muito menos cansaço e stress acumulados. Se hoje ainda fosse assim uma coisa tão extraordinária ver um pequeno a vencer um grande não faria sentido algum termos um campeonato com 18 equipas. Mas a generalidade da nossa crítica não pensa assim: olha apenas para o resultado e delira de cada vez que o David empata ou vence o Golias - sobretudo se, no papel de Golias, estiver o FC Porto..

O jogo de anteontem na Reboleira foi um bom exemplo disto. A forma como o Estrela derrotou o FC Porto e a forma entusiástica como a crítica saudou esse triunfo são o espelho fiel de uma certa crítica que, a meu ver, transforma em motivo de celebração coisas que caracterizam um futebol subdesenvolvido. Em países de futebol adulto, como a Inglaterra, seria impossível lerem-se críticas como aqui se leram a propósito deste jogo. E, desde logo, porque lá o fundamental é a qualidade do espectáculo e a igualdade de armas. Um campo como o da Reboleira - com dimensões mínimas, relva tipo chapa ondulada, sem espaço nas laterais sequer para marcar um canto em condições - só pode assegurar um mau espectáculo de futebol, porque necessariamente a técnica individual e o aproveitamento dos espaços, que são o bonito do futebol, ficam desde logo anulados. E, assim sendo, é falacioso dizer-se que uma equipa como a do FC Porto é favorita à partida num campo como o da Reboleira. Não é: se as suas principais armas, que caracterizam a tal superioridade teórica, estão anuladas ab inicio pelas condições físicas do terreno de jogo, não pode ser favorita. Pelo contrário, entra em desvantagem, porque vai ter de aprender do zero os truques que aquele terreno impõe e o adversário conhece bem.

Mas não foi apenas isso que aconteceu na Reboleira. Aconteceu também que houve uma equipa cheia de sorte e outra sem sorte alguma. Não quero com isto tirar o mérito aos jogadores do Estrela, que viram o seu esforço compensado no final. Mas acho que a vitória já foi prémio mais que suficiente para esse esforço; quererem ainda vê-la reconhecida como justa é demasiado e não o justificaram. Vejamos.

Desde logo, o Estrela beneficiou de uma coisa de que não teve culpa nem mérito, que foi o regresso de Adriaanse à sua obsessão com o Jorginho, preferindo jogar sem ponta-de-lança só para, uma vez mais, dar uma oportunidade a esse seu protegido, esse fantasma do Jorginho de Setúbal, que vagueia em campo, perdido, descrente, negligente, abúlico, totalmente inútil. Depois, como sucede frequentemente com o FC Porto, no primeiro remate que fez à baliza o Estrela marcou - de livre, que não foi nada evidente, e aproveitando um ressalto na barreira, que mudou por completo a trajectória da bola e apanhou Baía ainda a colocar a barreira. Como se não fosse suficiente, no segundo remate, zás, o Estrela faz o segundo golo - um remate inofensivo que, graças a um ligeiro desvio no lamaçal à frente da baliza, traiu outra vez Baía. Um golo na própria baliza, o outro marcado pelo relvado. A seguir foi um porradão cirúrgico no Quaresma, obrigando-o, como já sucedera em Guimarães, a ficar na cabina ao intervalo (será que temos de lançar a campanha "deixem jogar o Quaresma!"?). Na segunda parte nem sequer se pode falar em domínio do FC Porto e contra-ataques do Estrela. O que se viu foi um massacre consumado em 20 metros de campo. O Estrela foi uma única vez à área do FC Porto e jogou largos períodos, não com 11 atrás da linha do meio-campo ou sequer atrás da linha da bola: jogou com 11 dentro da grande área. Escreveu José Manuel Freitas que o Estrela "soube defender muito bem a vantagem conquistada". Discordo completamente: a defesa do Estrela passou toda a segunda parte aos papéis, chutando a bola para onde estavam virados e, às vezes até, uns contra os outros, e o seu guarda-redes deu suficientes baldas para justificar quatro ou cinco golos sofridos. Mas há jogos-assim: sucedem-se os milagres e a bola não entra. Veja-se a estatística de A BOLA: oito cantos para o FC Porto, três para o Estrela; dezassete remates para o FC Porto, sete para o Estrela;21 faltas cometidas pelo FC Porto, 33 pelo Estrela. Imaginem que a estatística era ao contrário, que tinha sido o FC Porto a passar metade do jogo metido dentro da sua área e o Estrela a falhar golos, e que o resultado tinha sido o oposto: alguém teria escrito que a vitória do FC Porto era justa?

2- Desigual, desigual, é a competição entre o Benfica e a Académica: aí é que se tornou bem visível o que pode um grande e o que tem de aceitar um pequeno. Com o seu melhor avançado previamente seduzido pelo Benfica, a Académica teve de aceitar passivamente a sua deserção dos treinos e do próprio jogo contra o futuro patrão. Sem Marcel, a Académica foi à Luz para, nas palavras do seu presidente, ser vítima de um árbitro que foi "um verdadeiro artista a construir o resultado". E, destroçado com o que todos tinhamos acabado de ver, desabafou ele que "não é fácil lutar contra tantas forças. Parece que, em vez de procurar avançados, vale mais procurar as pessoas certas para construir os resultados". Mas no fim do jogo, segundo antecipavam os jornais, o homem teve de se sentar à mesa a negociar o Marcel com aqueles mesmos de quem se queixava. Eis a lei do mais forte no seu esplendor.

Ilusões, aparências e farsas (10 Janeiro 2006)

Escreveram-se pungentes textos moralistas, em que o visto e o não visto, o real e o imaginário, se equivaliam até ao desejado ponto de poder legitimar os acontecimentos do aeroporto de Lisboa com os supostos acontecimentos do aeroporto de S. Paulo, fácil e expeditamente atribuídos à terrível gente do FC Porto


1- Tenho de voltar a este assunto sórdido. Doía-me a alma se o não fizesse. Seis profissionais de uma actividade a que chamam segurança, fardados como tal e presumivelmente a mando do Sr. José Veiga, director do futebol do SL Benfica, fizeram uma espera no aeroporto da Portela a um passageiro, acusado de ter incomodado («empurrado») o presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo e, perante os jornalistas, televisões e agentes da PSP, provocaram-no e enfiaram- lhe uma estalada como aviso. Ele encaixou a estalada e, por isso, a coisa ficou por aí. Foi um episódio verdadeiramente siciliano, revelador de várias coisas incontornáveis, tais como uma atitude de impunidade, de sobranceria, de quero, posso e mando que, por si só chegou e bastou para revelar a uma outra luz a face de alguns cavalheiros regeneradores da selva do futebol português. Com honrosas excepções, seguiu- se, na nossa imprensa desportiva, a tentativa de branqueamento do episódio. E nada melhor para tal do que a batota de meter no mesmo saco um facto e um não facto. O facto era a agressão encomendada por alguém que manda no Benfica; o não facto, a imaginativa encenação de atribuir o suposto empurrão ao presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo a um emissário do FC Porto. Mas se o primeiro episódio foi visto, fotografado e filmado por todos, se os seguranças contratados acompanhavam um director do Benfica, já o segundo episódio tem como testemunha, intérprete e acusador apenas e só o próprio presidente do Benfica. Quando eu estudei jornalismo, aprendi que tal era manifestamente insuficiente para se transformar em facto. Mas, à conta desta mais do que forçada semelhança de factos, atitudes e responsabilidades, escreveram-se pungentes textos moralistas, em que o visto e o não visto, o real e o imaginário, se equivaliam até ao desejado ponto de poder legitimar os acontecimentos do aeroporto de Lisboa com os supostos acontecimentos do aeroporto de S. Paulo, fácil e expeditamente atribuídos à terrível gente do FC Porto. E assim, não se dispensando de extrair uma condenação de princípio sobre o assunto, preservou- se cuidadosamente a figura de intocável do presidente do Benfica e do seu Richelieu de serviço. Quando Luís Filipe Vieira surgiu à frente dos destinos do maior clube português, não fiz cerimónia em elogiar aqui, e mais do que uma vez, o que me parecia ser uma postura de humildade, trabalho e empenho em defesa dos interesses do seu clube e até do futebol, em geral. Mas, com o correr do tempo, e em especial desde que se associou intimamente a José Veiga, venho notando que, se o trabalho e esforço pelo Benfica se mantêm e só lhe ficam bem, já a sua contribuição para a melhoria do futebol português cedeu lugar a uma atitude de hegemonia extradesportiva e prepotência entre pares, que sepultou de vez a elogiada humildade. Embriagado por uma imprensa que lhe dedica um verdadeiro e ridículo culto de personalidade, Luís Filipe Vieira parece-me estar a resvalar para próximo da fronteira onde acabará por achar que tudo lhe é lícito, impune e elogiado, apenas porque é presidente do maior clube português. Oxalá, digo-o sinceramente, seja só uma impressão minha.

2- Realmente, e para terminar o rescaldo do palpitante episódio Moretto, Pinto da Costa tem razão na pergunta que fez e que permanece sem resposta: se o Moretto só queria ir para o Benfica, se Chumbita Nunes só queria que ele fosse para o Benfica e se mantinha contrato válido com o Setúbal, que necessidade havia de ir ao Brasil raptá-lo das garras do FC Porto? Porque não esperar tranquilamente que ele regressasse a Setúbal e assinar então contrato com ele? É verdade que não produzia o mesmo efeito espectacular para enganar parolos, mas era mais simples, mais lógico e, sobretudo, mais revelador das verdadeiras intenções negociais de Moretto - (hoje, tal como Marco Ferreira, benfiquista desde pequenino).

3- Abandonados à sua sorte, os futebolistas profissionais do Estoril-Praia lamentaram que o «accionista principal» (com 60% das acções) não tenha aparecido na hora da verdade, a dar a cara e a responsabilizar- se pelos vários meses de salários em atraso. E porque não apareceu o accionista principal? Porque ele supostamente não o é nem pode sê-lo. Trata-se do Sr. José Veiga, dirigente do Benfica e que, pelos estatutos da Liga, não pode acumular as duas funções e, por isso mesmo, foi dito e anunciado, há mais de um ano, que tinha deixado de as acumular. Afinal, parece que não. Mas, entretanto, já lá vai o célebre jogo deslocado da Amoreira para o Estádio do Algarve e que tanto jeito deu para o título do ano passado. O tal jogo que, a troco da batota desportiva, iria servir justamente para pagar os ordenados aos jogadores do Estoril. Francamente, também, já começam a ser coincidências a mais: onde há ordenados em atraso, aparece sempre o Benfica a tirar partido da situação.

4- 53.000 espectadores na Luz, 42.000 no Dragão, é notável — em contraste com os 14.000 de Braga (a ganância dos bilhetes a 50 euros paga-se e é bem feito). Mesmo assim, juntando estes três números aos resíduos das restantes assistências da 17.ª jornada da Superliga, pode-se dizer que a média andou pelos 15.000 por jogo. Seria reconfortante se a estatística não fosse uma ciência morta. Neste caso, o que a estatística não explica mas confirma é que só temos três ou quatro clubes com sustentação popular para disputar uma primeira divisão. É triste, mas é um facto, que deveria servir de ponto de partida a qualquer reflexão séria sobre a inadiável reforma dos quadros competitivos do futebol profissional.

5- Notável também que, em todos os jogos envolvendo os primeiros da classificação, não tenha havido um só caso de arbitragem. É verdade que Carlos Brito, lá de baixo do banco, viu um penalty que, posso-lhe garantir que, lá de cima da bancada ninguém viu — pelo menos na área do FC Porto. E a dualidade de critério disciplinar de que ele fala, existiu sim, mas a favor do Boavista e, particularmente de Tiago, um jogador que parece ter como principal prazer no futebol distribuir cacetada pelos adversários.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Há Moretto na costa ( 3 Janeiro 2006)

Há Moretto na costa ( 3 Janeiro 2006)

Como disse Luís Filipe Vieira, as cenas que o país teve ocasião de ver ontem pela televisão ficarão para a história do futebol português.

1- Saí de Lisboa ontem, manhã muito cedo, e confesso que não sei como terminou o affaire, mas, segundo a imprensa de ontem, o presidente do Benfica, depois de uma viagem relâmpago ao Brasil, preparava-se para desembarcar à mesma hora na Portela, trazendo nos braços o ansiado Moretto. Dado há várias semanas como certo no Benfica, o guarda-redes sensação do Vitória de Setúbal não estava afinal tão bem controlado que tenha dispensado o incómodo de obrigar o infatigável Luís Filipe Vieira a passar o réveillon a bordo de um avião para S. Paulo com regresso no mesmo dia. Conforme relatavam os três diários desportivos de ontem (que abordavam o assunto como se da conquista de um título se tratasse), ao fim da manhã, Vieira iria apresentar a sua conquista aos sócios. E isto, depois de uma história que me pareceu muito mal contada e que terá metido uns emissários brasileiros do FC Porto (?) que, em pleno aeroporto de Cangonhas terão empurrado o presidente do Benfica e tentado evitar o embarque do messias Moretto (quem quiser que acredite...)

O Benfica entra assim em 2006 com esta grande conquista que é o Moretto, sem dúvida um bom guarda-redes, embora haja, como ele irá descobrir, uma imensa diferença entre ser bom guarda-redes num clube pequeno, onde nunca faltam as oportunidades para brilhar em defesas aparatosas, ou sê-lo num clube grande, onde se pode chegar a passar um jogo inteiro no frio e na solidão e de repente é preciso evitar o golo numa saída aos pés de um adversário que se isolou num contra-ataque.

Mas, deixemo-nos de desconversas: a grande conquista de Filipe Vieira nem é ter arranjado um guarda-redes para ocupar o lugar do desamparado Rui Nereu: a grande conquista é tê-lo arrebatado após uma luta titânica, aos que nos dizem, contra Pinto da Costa. É verdade que não houve nunca, dos lados do Porto, o menor sinal de tal refrega, à parte o facto de o empresário de Moretto ser irmão de um dirigente da SAD portista, o que é apenas uma suspeita de intenções. De resto, nem uma palavra de Pinto da Costa, de dirigentes, treinador, empresário ou do próprio Moretto (pode ser que agora a memória lhe possa ser reavivada...). Nada, apenas as suspeitas jornalísticas, sem dúvida sopradas por um vento de sudoeste...

No FC Porto, como se sabe, fazem falta, de facto, alguns jogadores, tal como um defesa-direito e dois centrais. Outros sectores poderiam eventualmente ser também reforçados, mas se há um que não precisa é a baliza. Na baliza, está lá Vítor Baía, que é somente o melhor guarda-redes português; está lá o Helton, que foi o melhor guarda-redes do campeonato anterior e que, face às notícias que já o davam à procura de clube, entalado entre a concorrência de Baía e a de Moretto, fez saber que não, que estava muito bem ali; e está lá, também, estagiando no Estrela da Amadora, o Bruno Vale, guarda-redes da Selecção de sub-21. Pelo que o Moretto, francamente, só mesmo para irritar o Benfica e deitar dinheiro à rua. É verdade que a gastar dinheiro com jogadores em rompantes de última hora, Pinto da Costa ganhou fama de ser um mãos largas. Mas é justamente por coisas dessas que hoje as finanças do clube voltaram ao vermelho e à campainha de alarme. Os tempos, espero eu, já não vão para exibicionismos desses.

2- 0 Manduca, sim, esse foi uma aquisição pacífica do Benfica, neste defeso natalício. É um grande jogador à vista, mas, tal como sucede com Moretto, também ele irá aprender que uma coisa é atacar contra equipas grandes, que jogam aberto, e outra é atacar contra equipas que jogam com dois defesas para cada avançado e tudo concentrado em trinta metros.

José Fonte é uma aquisição curiosa: aparentemente, segundo rezam os jornais, foi adquirido para ser emprestado - uma prática que eu tanto critiquei no FC Porto dos últimos anos e de que o Benfica parecia arredado. Mas mais curioso ainda são as circunstâncias da aquisição: no último jogo do campeonato, o Benfica ganhou em Setúbal, graças a um golo de Nuno Gomes no último suspiro . Mas Nuno Gomes apareceu liberto em zona proibida, justamente a zona de... José Fonte. Que, por coincidência, não estava lá: tinha rescindido o contrato com o Vitória na véspera, para dias depois, assinar... pelo Benfica. Deve ser a tal transparência de que falam...

3- Há anos, largos anos já, o horrível Pinto da Costa definiu uma regra de comportamento: jamais iria comprar um jogador que estivesse em litígio com o seu clube ou que dele tivesse saído em litígio. A regra tem-se mantido firme até hoje e em benefício, sobretudo, dos clubes pequenos, mas também dos grandes, como o próprio Benfica. Mas tal regra nunca criou escola entre os dirigentes benfiquistas que se têm sucedido. Como alguém aqui escreveu há dias e como se tem visto ao longo dos anos, a grande ave de rapina destas situações é a águia - quem ainda não provou a bicada que se cuide. Deve ser a tal maneira diferente de estar no futebol...

Fosse o horrível Pinto da Costa a fazer uma destas e estaríamos já enjoados de textos moralistas e indignados. Mas, tratando-se do Benfica, até o patético Chumbita Nunes agradece a esmola que Filipe Vieira prometeu dar-lhe pelo José Fonte (só não disseram quanto, quando e como...). Deve ser a tal "generosidade" que dizem que o Benfica tem manifestado para com o Vitória de Setúbal ao ponto de, vejam lá, se ter disposto a pagar-lhes meio milhão de euros contra o direito de escolha sobre cinco jogadores!

PS: Afinal, ainda regressei a Lisboa a tempo de introduzir este post-scriptum sobre as inesquecíveis imagens do desembarque de Moretto na Portela e depois já na tão desejada Luz... Tal como acima previ, eis que o Moretto se revelou uma garganta funda a denunciar o que sofreu com o assédio infernal do FC Porto. Curioso é que só depois de ter chegado a acordo com o Benfica é que se deu mal com o assédio: até lá, e segundo o seu relato, reuniu, conversou, negociou e assinou com dirigentes portistas. Mas, afinal, desde pequenino que era benfiquista. Desejo-lhe as maiores felicidades.

Também deu para perceber que a tal história dos emissários portistas molestando o presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo, estava realmente mal contada. Ali há gato e o gato é com o Moretto e aquele sujeito que até ontem era seu amigo e que teve direito a um comité benfíquista de boas-vindas digno de remeter as proezas do célebre guarda Abel para a categoria dos contos de fadas. Como disse Luís Filipe Vieira, as cenas que o país teve ocasião de ver ontem pela televisão ficarão para a história do futebol português. Creio que todos ficámos elucidados: só não deu para perceber a que lei e a quem obedecem os agentes da PSP que testemunharam uma agressão encomendada, de braços cruzados e a assobiar para o ar.

Scolari têm um problema ( 27 Dezembro 2005)



A excelência do Ricardo Quaresmarob deve manter-se assim um segredo de Polichinelo partilhado entre os seus admiradores, sussurrado como segredo de Estado, Suficientemente baixo e ténue para que, no final, se ele for chamado, possa ficar a impressão que todo o mérito da escolha se deve a Luiz Felipe Scolari.


1- Scolari tem um problema e esse problema chama-se Ricardo Quaresma. Assim mesmo: foi assim que vi escrito algures e é assim que oiço comentar, entre amigos que gostam de futebol, o "problema que está a ser criado ao seleccionador nacional" pelas consecutivas exibições de luxo do n.Q 7 do FC Porto, hoje claramente o melhor jogador em palco na Superliga.

Mas afinal - perguntará alguém desembarcado de outro planeta - qual é o problema de Sco-lari? Desde quando é que o aparecimento de um grande jogador, em forma exuberante, fora da lista inicial dos conjecturáveis, constitui uni problema? Que seleccionador no Mundo não gostaria de ter um problema destes para resolver a seis meses de um Mundial?

Pois, dá-se o caso de o nosso seleccionador ter anunciado já há dois meses que, dos 23 que irão ao Mundial, 20 já estavam escolhidos, faltando apenas escolher três, entre os quais um guarda-redes. E, nos dois que sobram, não constaria Ricardo Quaresma, que o seleccionador generosamente se dis-poria a ceder à Selecção de Esperanças. Na lista fechada de Scolari não há lugar para revelações de última hora, nem sequer com seis meses de antecedência. Trata-se da sua lista, do seu grupo, dos seus rapazes de confiança, do seu célebre balneário - o tal que tem misteriosas regras que não consentem a inclusão de gente com personalidade e ideias próprias, como Vítor Baía. Enfim, é a Selecção de Scolari e, se ela se abrisse a importunos como Ricardo Quaresma, ou se se guiasse por estritos critérios de desempenho e de justiça consensuais, deixava de ser a Selecção de Scolari e passaria a ser a Selecção de Todos Nós, como gostam de dizer. Um perigo.

Gente que, como eu, acha que Ricardo Quaresma faz parte daquela restrita lista de jogadores de futebol que justificam o preço dos bilhetes e o incómodo da deslocação ao estádio, aconselham a que se esteja calado nesse sentimento: quanto menos se falar do rapaz, mais-hipóteses tem ele, dizem, de poder vir a ser chamado à Selecção. Porque o que, antes de mais, está em causa, não é a competência nem o mérito, mas a fina susceptibilidade do seleccionador. A excelência do Ricardo Quaresma deve manter-se assim um segredo de Polichinelo partilhado entre os seus admiradores, sussurrado como segredo de Estado, suficientemente baixo e ténue para que,no final, se ele for chamado, possa ficar a impressão que todo o mérito da escolha se deve a Luiz Felipe Scolari.

Pois eu cá, não me consigo conter. Gosto suficientemente de futebol para não conseguir disfarçar o deslumbramento quando vejo um génio à solta em campo. São eles, sejam quem forem os seus clubes ou os seus países, que escrevem os momentos mágicos que nunca mais esquecemos quando falamos de futebol e que atraem para este jogo fabuloso sucessivas gerações de miúdos deslumbrados com as proezas dos seus ídolos.

2- Talvez o público de Guimarães, que tem o mérito de seguir sempre o seu clube e não falhar no estádio, faça parte do rol dos que não se importam de ver Ricardo Quaresma fora do Mundial. Há sempre gente para quem o despeito é mais importante do que a justiça ou até a qualidade do espectáculo. No futebol, todos têm uma paixão pelo seu clube, mas há quem se limite a isso e quem tenha também uma paixão pelo futebol. Se o meu clube ganha jogando mal ou beneficiando de um erro do árbitro, eu não gosto: fico frustrado, irritado, zangado com a equipa. Mas há muitos para quem tanto lhes faz: querem é que o seu clube ganhe, mesmo que com um golo mareado com a mão e sem nada ter feito para o merecer. Em Guimarães, aos 21 minutos dejogo e devido ao mau estado da relva, Ricardo Quaresma escorregou quando ia pontapear um livre frontal e acabou por fazer um passe ao guarda-redes. Os adeptos do Vitória romperam num coro de assobios, difícil de psicanalisar: que as-sobiavam eles - o génio do Quaresma, a sua infelicidade? Nunca saberemos explicar. Só sabemos que, volvidos dois minutos, o mesmo Quaresma, de dedo na boca, os fazia calar, depois de, à vista das bancadas, ter-lhes mostrado o que é capaz de fazer um grande jogador de futebol que recebe uma bola sobre a esquerda, a trinta metros da baliza e com um adversário a tapar-lhe o caminho. Vinte e cinco minutos volvidos, esse mesmo adversário, entrando-lhe às pernas pela terceira ou quarta vez, conseguiu enviá-lo definitivamente para o balneário - que é o lugar reservado aos génios como ele, quando jogam perante um público que não gosta de os ver jogar.

3- Maniche está no mercado. Para quem quiser um jogador que lhões de contos a um clube e um mês depois se dava ao luxo de se dizer "inadaptado". Que, por ignorância ou avidez, se convenceu que Moscovo era a Paris do Leste, que deve pensar que se pode ao mesmo tempo querer emigrar para ganhar uma fortuna e ter o sol e as sardinhas assadas ao dispor, que se acha tamanha vedeta que nada - clube algum, adeptos alguns, equipa alguma -jamais serão suficientemente importantes para acolherem a sua importância. Espero bem que Pinto da Costa não caia numa das suas habituais tentações de ir recomprar o que vendeu e bem. Os resultados dessas operações de pseudo-recuperação têm sido, regra geral, desastrosos.

4- Di Canio, obscuro jogador da Lazio de Roma, deve a fama ao seu exibicionismo ideológico, que o leva a celebrar em campo com a saudação fascista dirigida aos adeptos.: Os jogos de futebol não servem para os jogadores fazerem propaganda política das suas ideias, menos ainda quando as suas ideias são abjectas manifestações daquilo que a Europa civilizada rejeitou definitivamente. Espero bem que a FIFA remeta este fascistói-de italiano para o lugar que lhe pertence, longe dos estádios.