segunda-feira, janeiro 09, 2012

TUDO COISAS ÓBVIAS (08 MARÇO 2011)

1- Eu avisei aqui, na semana passada: este campeonato ia ser do Porto. Não porque duvidasse do valor do Benfica ou da sua extraordinária capacidade de produzir energias quando já ninguém as tem e de, no último suspiro dos jogos, ir buscar a salvação. Mas porque há muitos anos sigo intimamente o FC Porto, conheço-o como se fossemos casados há décadas e, por mais que mudem os jogadores ou os treinadores, há ali um fio condutor, que é uma cultura de vitória e de conquista que se repete ao longo dos tempos e que se aprende a conhecer. E, em Olhão, no outro sábado, houve uma altura chave do jogo onde reconheci essa marca do Porto-campeão.

Mas ainda nem quinze minutos tinham passado sobre a derrota do Benfica em Braga e já o meu telemóvel estava inundado de mensagens de dois jornalistas benfiquistas: «jogo encomendado», «campeonato marcado desde o início», a «fruta», o «sistema», etc. e o costume. Nenhum mérito nosso, nem pensar; como todos vêem, nem o Fucile, o Álvaro Pereira, o Otamendi, o Belluschi, o James, o Falcão, o Hulk ou o Varela fazem uma boa equipa. As 20 vitórias e dois empates em 22 jogos foi tudo obra do «sistema»; os dois golos apenas sofridos fora de casa são «fruta»; os 5-0 do Dragão foi «encomenda» da arbitragem. Nem jamais o homem pousou pé na Lua nem a Terra gira à volta do Sol. Ser benfiquista é uma religião diferente.

2- Nada menos do que quatro árbitros internacionais recusaram apitar o Benfica em Braga. Eu percebo-os: para que correr o risco de uma decisão que, bem ou mal, possa ser tomada como prejudicial ao Benfica e logo ser acusado de todas as desonestidades e malfeitorias do mundo? Eis o que dá a cruzada do Benfica pelo que dizem ser a lula pela «verdade desportiva»: não há quem os queira arbitrar fora da Luz.

Vejam o Carlos Xistra, o único dos contactados que lá aceitou expor-se ao incêndio: logo levou com a insidiosa declaração de Jorge Jesus de que, no seu tempo de treinador em Braga, Xistra era por lá muito bem visto. Pode-se sempre responder que é pena que Jesus não tenho dito isso quando era treinador do Braga - então, ficar-lhe-ia bem; dito agora pareceu quilo que era: uma prévia tentativa de condicionar o árbítro. Mind games? Mind games uma ova: jogo por fora é o que é. Como vir dizer, antes do jogo, que o Braga não tinha razões para ter uma grande motivação, mas já esperava que fizessem deste o jogo do ano; e, depois do jogo, vir-se queixar da «motivação anímica» do Braga. Ou seja, e traduzindo: se eles se esforçam muito contra nós é porque estão pagos pelo Porto para isso. Eis a verdade desportiva: quem não facilitar contra o Benfica é suspeito.

3- A esta hora, Carlos Xistra deve estar mais do que arrependido — se o Benfica não vai ser campeão, a culpa é dele. Não do Benfica - que, sem ter sequer feito um ataque, viu-se a ganhar aos 25 minutos (de livre, claro), e nunca mais, em todo o jogo, teve uma ténue oportunidade de golo que fosse. Também não é mérito do Braga, obviamente — que, onze contra onze ou contra dez, assumiu todas as despesas do jogo e ainda perdeu três golos feitos. Não, o resultado é apenas obra de Xistra. Por exemplo, o golo do empate do Braga: a culpa não é do Roberto, que se deixou sobrevoar por uma bola chutada da lateral a trinta metros de distância. A culpa foi do árbitro, que assinalou mal o livre.

O que fez Xistra, então? Viu um duvidoso livre à entrada da área contra o Braga, de que resultou o golo do Benfica. Premiou uma grosseira simulação de Coentrão com um livre e cartão amarelo contra o Braga. E expulsou mal o Javi Garcia (embora escrevendo direito por linhas tortas, já que compensou todas as cotoveladas e pontapés nos adversários que ele vinha exibindo, sempre impunemente), assinalando mal o tal livre que deu o empate. Dizem também os meus amigos benfiquistas que anulou indevidamente o que teria sido o segundo golo do Benfica, mas o meu televisor, talvez por estar longe de Braga, não me mostrou nenhum golo anulado, mal ou bem, do Braga ou do Benfica.

Xistra é um pretexto, caído do céu. Sempre que o Benfica não ganha, o árbitro transforma-se no personagem central; quando o Benfica ganha, ninguém se lembra dele. A verdade é que o Benfica não fez nada para merecer sair de Braga com outro resultado, jogando com dez ou com onze. E eu já vi, tanto o Benfica como o Porto, ganhar jogos em inferioridade numérica metade do jogo (o Porto contra o Benfica no Dragão, no ano passado, por exemplo). E também não vi ninguém do Benfica tirar mérito ao seu próprio título de campeão em 2010, pelo facto de terem acabado inúmeros jogos em superioridade numérica sobre os adversários. Diz Jorge Jesus que, sem a expulsão de Javi Garcia, o Benfica marcaria a qualquer momento. Visto de fora, não parecia nada, mas, se ele o diz, deve ser verdade. Façamos então o seguinte: estes três pontos não contam e, no final, veremos se o Benfica consegue acabar o campeonato a menos de oito do FC Porto.


4- Há um FC Porto com Hulk e outro sem Hulk. Sem, Hulk, o FC Porto vegetou durante dois terços do jogo, até dar com o caminho da vitória frente ao Guimarães. Não que o Guimarães tenha feito o que quer que fosse para manter o desfecho do jogo suspenso: não criou uma só oportunidade de golo, não obrigou Helton a uma defesa apertada e em toda a segunda parte não fez um remate à baliza. Devemos tomar a declaração de Manuel Machado de que o resultado final foi injusto apenas como uma tentativa de branquear a demissão da sua equipa: o FC Porto fez dois golos e criou, apesar de tudo, oportunidades para mais outros dois; o Guimarães só por milagre chegaria ao golo. O resultado só é injusto na perspectiva de um futebol de pequeninos, que toma o nosso campeonato tão desinteressante. Eis a verdade: o Guimarães não joga nada nem tem razão para aspirar a coisa alguma. Aliás, fora do duelo particular Porto - Benfica, não há uma só equipa que se aproveite no campeonato português. Bazófia muita, futebol nenhum.

A ausência de Hulk, pese ao politicamente correcto a que André Vilas Boas, por inerência de função, deve tributo, só veio confirmar o que já sabíamos: sem ele, o Porto perde metade da alma — não do profissionalismo. Sem Hulk, vê-se melhor e sem disfarce o terror que o Fernando tem em aproximar-se da área adversária e a incrível capacidade que o João Moutinho tem de passar um jogo inteiro e jogos a fio a circular de um lado para o outro, a fazer não se percebe o quê, como se o futebol não fosse um jogo evidente por si e, no caso de um FC Porto, enfrentando quase sempre equipas que só querem defender, não tivesse como objectivo único construir caminhos para chegar ao golo. Moutinho não marca golos, não sabe rematar à baliza, não sabe fazer passes de ruptura nem assistências mortais, não desequilibra, não inventa, não rompe nem rasga: está, como escreveu um dos muitos críticos seus fãs, ocupado «a pensar o jogo ». O que vale é que, enquanto ele pensava o jogo, fazendo passes sem risco para trás e para os lados, o miúdo James Rodriguez, que gosta muito mais de jogar futebol do que ele, pensou para a frente e fez um passe carregado de lucidez e veneno para o Falcão abrir finalmente o caminho para a vitória. Mas felizmente que Hulk regressa já para a semana. Com ele em jogo, o campeonato não nos escapa.


5- Sexta-feira à noite, a meio de uma viagem de carro, paro para jantar num restaurante de província e sento-me numa mesa em frente a um televisor transmitindo o Académica-União de Leiria. Estádio magnífico, novo, feito para o Euro-2004, com capacidade para 30 000 pessoas, conforme o caderno de encargos do Euro. Estão 3 066 espectadores a assistir ao jogo, parecendo querer dar razão ao presidente da Académica, quando ele surgiu com a indecorosa afirmação de que aquele estádio não lhe servia e queria outro novo. Eu também acho: um campo de relva sintética numa escola pública, com lugar para 4 000 espectadores, parece-me suficiente para os espectáculos proporcionados. Frente a frente estavam duas equipas orientadas por treinadores para quem a crítica tem sido fértil em elogios. Uma que está tranquilamente a meio da tabela e sem objectivos visíveis; outra, jogando em casa e com a manutenção quase assegurada. Enfim, ambas com nada a perder e todas as condições para um jogo aberto, sem medo nem tacticismos. Em vez disso, vi duas equipas entregues a um jogo soporífero, renunciando ao risco e ao ataque, enquanto os seus treinadores desenhavam geniais esquemas tácticos no quadro de apontamentos. Uma vergonha de futebol, uma falta de respeito pelo jogo e pelo público.

Depois, queixem-se de que não há espectadores! O que não há é lugar para um campeonato de 16 equipas em que 12 delas apenas jogam sistematicamente para não perder.