segunda-feira, fevereiro 25, 2008

APITO ENCRAVADO (12 FEVEREIRO 2008)

Se Maria José Morgado estiver realmente interessada em apurar o que se passa nesse mundo submerso das transacções com jogadores, não deve haver clube ou presidente algum que não mereça ser investigado. E devia fazê-lo, porque, de outro modo, fica a suspeita de que este é apenas um processo «ad hominem», a caça a um homem só.


1- Aquele a que chamam o «processo-mãe» do «Apito Dourado» chegou finalmente a julgamento. É coisa pouca para tanto estardalhaço feito: trata-se de tentar provar que o Gondomar, com a colaboração de Pinto de Sousa, ex-presidente da Comissão de Arbitragem, e o alto patrocínio de Valentim Loureiro, ex-presidente da Liga, passou uma época inteira a escolher os árbitros que queria para os seus jogos e a presenteá-los depois com «recordações» em ouro. Uma história de pilha-galinhas. Como toda gente percebeu desde o princípio, não era aqui que se queria chegar com o «Apito Dourado»: queria-se chegar a Pinto da Costa e ao FC Porto e fazer prova «científica» de que foi a corrupção de árbitros que transformou o FC Porto na potência futebolística que hoje é.

Milhares de diligências processuais, de interrogatórios a testemunhas e de perícias feitas, milhares e milhares de euros depois, parece bem que ao desígnio traçado para o «Apito Dourado» nada mais resta do que as acusações de Carolina Salgado. Mais uma vez, é pouco, muito pouco, quando tudo assenta na credibilidade de uma testemunha cujo curriculum só regista dois factos notáveis: ter trabalhado numa casa de alterne e ter gasto os últimos anos a vingar-se do homem que de lá a tirou, a levou ao Papa e a entronizou no inadmissível estatuto de «Primeira Dama» do FCP, e que depois a deixou. Como já aqui o escrevi, qualquer advogado estagiário tem obrigação de estilhaçar as acusações em tribunal.

Não admira pois, que, conforme relatava ontem o «Público», o «dream team» de Maria José Morgado tenha, de há vários meses para cá, reorientado as suas investigações, com base em novas denúncias de Carolina Salgado. Trata-se agora de passar à lupa todas as operações financeiras que envolveram a compra e venda de jogadores do FC Porto nos últimos anos e que tiveram a intervenção de Pinto da Costa. Parece-me campo bem mais promissor: eu próprio já frequentemente manifestei a minha estranheza perante tantas e tantas aquisições de jogadores e uma situação financeira que não se percebe que não seja desafogada, de 2004 para cá. Mas isso, como também toda a gente sabe, está longe, muito longe, de levantar dúvidas apenas em relação a Pinto da Costa e ao FC Porto. Se Maria José Morgado estiver realmente interessada em apurar o que se passa nesse mundo submerso das transacções com jogadores, não deve haver clube ou presidente algum que não mereça ser investigado. E devia fazê-lo, porque, de outro modo, fica a suspeita de que este é apenas um processo «ad hominem», a caça a um homem só: se não o apanham por um lado, tentam por outro. E todos os outros passam impunes.

2- Entretanto, das célebres «revelações» do «livro» de Carolina Salgado, uma havia que parecia a mais fácil e mais urgente de investigar: a de que fora ela própria, por inspiração de Pinto da Costa, quem organizara e comandara o pelotão de linchamento que agrediu violentamente o vereador de Gondomar, Ricardo Bexiga. Era fácil de investigar porque, inadvertidamente, a testemunha fatal se incriminara a si própria, na ânsia de incriminar Pinto da Costa; e urgente, porque se tratava do mais grave dos crimes arrolados em todo o processo. É verdade que, ao entrar nos detalhes da operação, a história dela começava logo a não bater certa: disse que, por precaução, haviam destruído previamente as câmaras de vigilância do parque de estacionamento onde a agressão teve lugar, mas não teve o cuidado de confirmar se o parque tinha câmaras de vigilância — não tinha. Mas, mesmo que desta mentira circunstancial resultasse a crença na mentira de toda a história, não se compreende como é que o Ministério Público não a acusou por crime de falsas declarações e denúncia caluniosa.

Pelo contrário, o Ministério Público, escudando-se na falta de provas, acaba de determinar o arquivamento do processo. Ou seja: a testemunha-chave do Ministério Público merece credibilidade quando acusa Pinto da Costa, mas já não a merece quando se acusa a si própria. E assim se resolve o problema de poder manter como testemunha-chave alguém que deveria figurar como arguida num outro processo e por crime mais grave.

3- Lá se jogaram os oitavos-de-final da Taça e sem tomba-gigantes. Também não é fácil quando, com uma regularidade impressionante, os clubes maiores têm a sorte de receber os mais pequenos numa eliminatória a um só jogo. O Benfica, então, é um caso à parte: não me lembro da última vez e em que época é que o Benfica teve de jogar fora da Luz para a Taça. Nas últimas doze eliminatórias disputadas, tal não deve ter acontecido mais do que uma ou duas vezes.

Não acho justo que o caminho para o Jamor possa depender apenas ou principalmente da sorte, seja quem for o contemplado. Há anos que defendo que até aos quartos-de-final as eliminatórias deveriam jogar-se apenas a uma mão mas sempre no campo do clube de divisão inferior ou do de pior classificação actual na mesma divisão; e a duas mãos os quartos e meias. Agora, o presidente da Liga pretende, pelo menos, meia coisa: os quartos e as meias a duas mãos. Acho excelente ideia, de justiça e interesse desportivo acrescido. Já vi um treinador queixar-se de que isso, mais a Taça da Liga, são jogos a mais. Jogos a mais? Então a Taça da Liga não foi inventada exactamente porque havia jogos a menos?

4- O Benfica é um clube profundamente sebastiânico. Os seus adeptos vivem na eterna esperança de ver chegar um D. Sebastião (de preferência, chamado Eusébio), que, por si só e em golpes de magia, seja capaz de acordar a grande nação vermelha há longo tempo adormecida. Sucedem-se os anunciados salvadores mas a neblina não se deixa romper. Só nos últimos tempos, foram sucessivamente o Mantorras (que valeria 100 milhões de euros, segundo Vieira), o Freddy Adu, potencial novo Pélé (comprado por um ou dois milhões de euros ?!), e agora é o Makukula, que faz lembrar o Eusébio a rematar.

Há três coisas elementares que, pelos vistos, custam muito a interiorizar. A primeira é que um Eusébio aparece de vinte em vinte anos e nada garante que venha para o futebol português, quando os grandes clubes mundiais já fazem prospecção directa nas fontes (veja-se o Manucho no Manchester United); segunda, que se um novo Eusébio aparecer por cá, não dura muito (veja-se o Ronaldo no Manchester United); e terceiro que, nos tempos de hoje, se bem que os génios continuem, como sempre, a resolver jogos, nenhum clube se consegue manter duradoramente no topo se tudo o resto — a organização interna, as estruturas de apoio, as escolas do clube, os treinadores, a equipa e o espírito de vitória e de sacrifício — não acompanharem.

Ainda na passada sexta-feira, aqui na «BOLA», o ex-benfiquista e ex-portista Iuran explicava as diferenças fundamentais que encontrou num clube e no outro e que, em sua opinião, fazem do FC Porto o crónico campeão português. É certo que o Iuran não foi um jogador por aí além nem um exemplo de virtudes fora do campo. Mas o que interessa notar é que ele é apenas mais um dos inúmeros jogadores e treinadores que, tendo passado por ambos os clubes, disseram o mesmo que ele. E nunca ouvi ninguém a dizer o contrário…

RICARDO SHOW QUARESMA (05 FEVEREIRO 2008)

1 - O futebol é um jogo relativamente simples, do ponto de vista táctico. Em cada equipa há um grupo de jogadores mais numeroso cuja função é evitar o golo do adversário e um grupo, de entre dois a quatro elementos, cuja função é tentar marcar golos ao adversário; entre um e outro grupo funciona o meio-campo, que faz a ligação entre ambos os sectores e que tem de fazer um pouco de ambas as coisas: defender quando a equipa não tem a bola e atacar quando a tem. Basicamente, durante o jogo, o que o treinador tem de fazer é decidir com quantos ataca e com quantos defende e colocar os jogadores certos nas posições certas. O resto, o resto que faz a diferença, é o talento dos jogadores lá dentro.

Há jogadores que podem ser muito úteis a uma equipa mas que jamais marcarão a diferença, a não ser pela negativa: podem tornar-se responsáveis pela derrota, num lance feliz, mas jamais serão capazes de se transformar em responsáveis pela vitória. São os chamdos «carregadores de piano» e, não desfazendo na sua utilidade, eles não passarão à história e nunca justificarão por si sós uma ida ao estádio para os ver jogar. Depois, há uma outra categoria de jogadores, largamente maioritária, que umas vezes jogam bem, outras jogam mal, umas vezes constroem jogo, outras destroem-no, e ocasionalmente são os heróis de um jogo. E há, enfim, os desequilibradores, aqueles que sozinhos são capazes de resolver jogos, de marcar golos ou dá-los a marcar e de fazer com uma bola nos pés o que ninguém mais consegue. Estes são os jogadores que ficam para a história, os que enchem estádios, os que se transformam em lenda, que passa de pais para filhos e atrai sucessivas gerações para a paixão por este jogo planetário. Sábado à tarde, no Dragão, Ricardo Quaresma voltou a mostrar, pela enésima vez, a razão pela qual todos os que gostam de futebol jamais esquecerão o seu nome e ainda hão-de falar com saudade muito depois de Quaresma ter arrumado as botas num canto nostálgico do armário lá de casa.

Há quinze dias atrás, no mesmo estádio do Dragão, um grupo de adeptos portistas lembrou-se de assobiar Quaresma. Por razões de simples gratidão e memória, bem podiam ter estado calados. Por razões de elementar justiça, bem podiam ter escolhido outro alvo. Mas, sobretudo e por razões de simples vergonha, deviam ter ficado respeitosamente calados se, numa tarde como as outras, as coisas não sairam a Quaresma tão bem como de costume e tão bem como ele sempre quer. Porque esses que então assobiaram Quaresma não percebem nada de futebol. Repito: não percebem nada, rigorosamente nada, de futebol. Ó desgraçado grupo de adeptos do meu clube: vocês hão-de chorar amargamente a ausência de Ricardo Quaresma!

Quando há dois anos atrás, essa inteligência superior que era Co Adriaanse resolver prescindir do Quaresma e toda a crítica o apoiou porque, diziam, o Quaresma não defendia, só atacava, eu fiquei entre a vontade de rir e a vontade de chorar. E lembrei até o exemplo do Jardel, cuja especialidade era outra, mas os resultados idênticos. O Jardel passava o jogo inteiro instalado entre os centrais, não recuando nunca para apoiar o meio-campo em situações defensivas. Num jogo inteiro, não tocava na bola mais do que umas dez vezes, mas, quando tocava, ou era golo ou um susto para o adversário. Para quê pedir ao Jardel que se desgastasse a defender e depois não tivesse forças para a impulsão para o cabeceamento que marcava golo decisivo? Para quê pedir ao Quaresma que defenda, se o seu génio é atacar e se o que interessa é que ele mantenha as forças para partir os rins aos adversários e cruzar como não se via desde os tempos do Drulovic?

Sábado, contra o Leiria, Ricardo Quaresma não se limitou a tirar três cruzamentos perfeitos para outros tantos golos (um deles anulado por offside): rematou, passou, desmarcou, atacou por ambas as alas e pelo centro, e desbobinou um impressionante e entusiasmante reportório de golpes de classe de que alguns deles não há ninguém mais capaz de fazer neste momento, em todo o planeta futobolístico. Desde o Madjer que eu não via tanta classe pura num jogador de azul e branco! A exibição do FC Porto atingiu momentos de autêntico luxo — como já sucedera oito dias antes em Alvalade, onde só um azar dificilmente repetível evitou goleada semelhante. Mas, dentro dessa exbição colectiva, houve também o espectáculo extra de Ricardo Quaresma. Dizem que agora é o Liverpool que o quer por 25 milhões: eu acho que ele vale 4O, pelo menos. Vinte, por aquilo que ele representa nas vitórias do FC Porto; dez, pelas receitas que vamos perder depois de não haver Quaresma para ir ver jogar no Dragão nem camisolas dele para vender; e outros dez pelos danos morais que a nação portista vai sofrer depois de ver partir o seu menino de ouro.

2 - Depois da derrota em Alvalade, na semana passada, escrevi aqui que o FC Porto iria ganhar o campeonato tranquilamente. Bastou uma semana para o confirmar, mas também não foi uma previsão difícil: todos os que percebem alguma coisa de futebol pensaram o mesmo, apesar de o FC Porto ter acabado de ver os dois rivais mais directos encurtarem a distãncia em três pontos. Mas até podiam estar em igualdade pontual e a previsão mantinha-se: bastava ver jogar o Porto e comparar com Benfica e Sporting. Quem viu jogar os três «grandes» este fim-de semana ficou seguramente sem qualquer dúvida que ainda lhe pudesse restar. A diferença entre o futebol dos dragões e o futebolzinho de águias e leões é tamanha que eles nem parecem jogar na mesma Liga. O Benfica ainda conseguiu distrair as atenções com a vitória muito feliz em Guimarães, o suficiente para Luis Filipe Vieira anunciar que uma nova vida, uma nova atitude e uma nova possibilidade de conquista começavam aí. Enganou-se, provando mais uma vez que de futebol percebe pouco: o Benfica que se viu contra o Nacional só pode ter um objectivo que é o de segurar o segundo lugar, dê lá por onde der. Também as gentes sportinguistas quiseram acreditar que a crise estava ultrapassada porque se haviam ganho quatro jogos sucessivos. Pois ganharam: todos em Alvalade, dois deles contra equipas da segunda divisão, um contra uma equipa da quinta divisão e o outro o tal bambúrrio de sorte que foi o jogo com o Porto. Assim que se viram fora de Alvalade, contra uma equipa da mesma Liga e sem os favores da sorte, baquearam, sem mostrar qualquer capacidade e engenho para outra coisa.

O campeonato ficou mais chato, outra vez: concordo que sim. Mas a culpa não é do FC Porto com toda a certeza. A equipa está outra vez a subir de forma e na melhor altura, quando se aproxima a passos largos a eliminatória contra o Schalke, o momento decisivo da época, em que o FC Porto se pode ver entre os oito melhores da Europa, a disputar os quartos-finais da Champions. Jesualdo Ferreira parece ter começado já uma gestão cautelosa do esforço dos principais jogadores, que se sabe são determinantes para compensar algum desequilibrio da equipa, sobretudo na zona central da defesa e no meio-campo. Toda a gente sabe quem são esses jogadores: são os que os tubarões estrangeiros cobiçam — Bosingwa, Bruno Alves, Fucile, Lucho, Quaresma e Lisandro. É meia equipa e, até agora, Jesualdo Ferreira tem tido a sorte de não ver nenhum deles lesionado. Mas é avisado ir poupando-os sempre que possível. O lançamento de Castro, este fim-de-semana, com uma estreia bem positiva, já foi um bom sinal. Assim como a inesperada recuperação de Farías, que, de facto, ninguém previa e nada fazia prever. Ou o regresso ao lar de Helder Barbosa e a chegada antecipada de Rabiola. Pena que o Leandro Lima esteja embrulhado naquela confusão de registo civil e desaparecido em parte incerta. Mas estão agora reunidas todas as condições para que Jesualdo estenda o plantel de 13 ou 14 jogadores de estimação para 17 ou 18.

SEMANA EM CHEIO PARA O SPORTING (29 JANEIRO 2008)

Semana de ouro para o Sporting: uma pífia vitória caseira sobre o Beira-Mar que valeu uma final; um acordo com a CML que valeu uma oferta de 25,5 milhões; e uma valente tareia às mãos do F.C.Porto que valeu uma vitória, sem saber como nem porquê.

Há marés de sorte e esta semana o Sporting viveu uma delas. Terça-feira recebeu em Alvalade o modesto Beira-Mar, do meio da tabela da 2.ª Divisão e, após 70 minutos de desinspirado esforço, viu o guarda-redes de Aveiro escancarar-lhe as portas da sua baliza até ao 3-0 final. E, com essa simples vitória, e apesar da anterior derrota com o Vitória de Setúbal (e também em casa contra o Fátima, da 3.ª Divisão!), tem presença já garantida na final dessa confusa competição baptizada de Taça da Liga.
Quarta-feira foi a grande notícia, há muito esperada com ansiedade: graças aos votos do PS e do PP, recebeu da Câmara Municipal de Lisboa 39 mil metros quadrados de terrenos que eram do Metro, com direito a 80 mil metros quadrados de construção – direito já vendido a um promotor imobiliário por 27,5 milhões de euros. Uma bela prenda de Carnaval da mais arruinada autarquia do país. Para quem conhece os terrenos e o processo e sabe que o Metro viu ser ressarcido da «oferta» a que foi obrigado pela CML com outros terrenos no Cais do Sodré, não podem restar dúvidas de que se está perante uma decisão escandalosa, do ponto de vista político e urbanístico. E ainda falta decidir se a CML não irá atribuir mais outros 39 mil metros quadrados ao Sporting, fundando-se em «direitos adquiridos» por promessas políticas do passado. Concorrência desleal? Não, «saneamento financeiro» e «boa gestão».

Domingo, enfim, o Sporting recebeu em Alvalade o bicampeão nacional – ou melhor, o quase tricampeão. Casa cheia, como sempre acontece quando o F.C.Porto desce à capital, e garantia de que dos 2500 adeptos portistas não viriam nem cadeiras partidas, nem tochas incendiárias atiradas para o relvado em pleno jogo, nem adeptos leoninos esfaqueados, como por vezes acontece por outras paragens e com adeptos de outros clubes de «ética superior».

Ainda não havia um minuto de jogo e já Lucho González, todavia autor de uma exibição brilhante, falhava a primeira das quatro oportunidades de golo de baliza aberta de que dispôs. Aos oito, Lizandro – um portento à solta em todo o jogo, reduzindo a zona central da defesa leonina a uma casa de loucos – marcava um belíssimo golo, muito injustamente anulado por justo off-side. E dois minutos depois, Lizandro e Lucho entraram por ali adentro em tabelinhas, num tango de partir os rins àquela defesa, culminado com mais um remate de Lucho desviado do golo pelos deuses da fortuna. Aos dez minutos, o F.C.Porto podia estar a ganhar por 3-0…

Foi então que, como frequentemente acontece nos jogos tidos como mais importantes, o místico Helton resolveu entrar no jogo e ajudar os mais desfavorecidos. Primeiro, deixando passar um inofensivo remate entre as pernas – naquilo a que, segundo o próprio, só quem não percebe nada de futebol, como eu, é que pode classificar de frango. Tem razão, não foi frango: foi peru. Frango veio logo a seguir, sacudindo com uma diligente palmadinha para a cabeça do Ismailov uma bola que sobrevoou a pequena área – essa zona nevrálgica onde ele costuma viver entre a paralisia e a asneira. Tenho a melhor impressão do Helton, como pessoa e como profissional, o problema é que ele é também guarda-redes e logo do meu clube. E acontece, como desde há muito venho tentando explicar, que um guarda-redes que não domina o jogo aéreo, que treme de cada vez que tem que jogar com os pés e que revela uma estranha tendência para abrir buracos do tamanho de crateras nos jogos mais importantes, até pode fazer grandes defesas volta e meia, mas a mim dá-me tanta confiança como os administradores do BCP – os actuais e os antigos.

Como se não bastasse a colaboração generosa do Helton, também o juiz de linha do ataque do Sporting, ao contrário do seu colega do outro lado, estava três passos atrasado em relação à jogada e não viu o fora-de-jogo no segundo golo. E assim, em apenas dois minutos, sem ter ainda chutado à baliza e sem ter tido sequer necessidade de criar oportunidades de golo, o Sporting viu-se a ganhar por 2-0, sem saber ler nem escrever. Depois…enfim, Jesualdo Ferreira corrigiu alguns erros próprios e insistiu noutros (o Mariano, o Helton, até a pé coxinho!), e o F.C.Porto sujeitou o Sporting, daí até final, a uma das maiores tareias futebolísticas a que me lembro de ter assistido em Alvalade. Lucho perdeu mais outros dois golos feitos, Farias acertou uma em Polga no risco de golo e outra na trave e Quaresma e Lisandro levantaram tinta ao poste esquerdo da baliza de Rui Patrício, a ver as bolas passar. Houve largos períodos da segunda parte em que o Sporting só tinha um jogador para lá da linha de meio campo e, com toda a franqueza, houve jogadores de verde que eu nem me lembro de ter visto em campo, como o Moutinho, o Romagnoli ou o Liedson. Li por aí, e tal como esperado, que o «leão foi de raça», que a equipa ressuscitou e que a «organização» foi responsável pela vitória. Uma dedicada alma sportingusita mandou-me um SMS a seguir ao jogo: «assim se vê a força do leão!» Assim se vê? A força? Pois eu o que vi foi um jogo para 4-1 ou 5-1 que acabou em 0-2. Às vezes, acontece. Mas, tal como Jesualdo Ferreira, também acho que se viu e bem o porquê de o Porto ter o avanço que tem e porquê que vai ganhar este campeonato tranquilamente.

Na véspera, em Guimarães, o Benfica após muito e muito sofrimento, lá «saliu ganhando», como diz Camacho. Foi um jogo também de resultado injusto, porque a maioria das oportunidades e os períodos de melhor futebol pertenceram claramente ao Vitória. O jogo serviu-me para acentuar duas dúvidas que venho mantendo e confirmar uma certeza. A primeira dúvida é saber por que razão há benfiquistas que embirram com Cardozo – será que esperavam que ele sozinho resolvesse tudo? A segunda dúvida, de que já tenho falado, é saber qual terá sido a razão para Jesualdo Ferreira prescindir de um jogador como Alan, que é fundamental neste Vitória de Guimarães? Logo no princípio da época, ao ver formar-se o plantel, perguntei aqui como é que um treinador adepto fiel do 4X3X3 (e eu também sou), dispensa de uma assentada seis extremos – Alan, Pitbull, Vierinha, Ivanildo, Helder Barbosa, Diogo Valente – ficando apenas com três para toda a época e sabendo-se de antemão que um deles iria estar um mês fora, na CAN? Mas, prescindido do Alan, ele não prescindiu apenas de um extremo, prescindiu também de um jogador que, em minha opinião, qualquer treinador tem obrigação de perceber que, bem orientado, se pode vir a tornar um caso sério de bom futebol. Enfim, a certeza com que fiquei do jogo de Guimarães é esta (e à atenção do FC Porto): aquele rapaz chamado Geromel é a grande revelação deste campeonato e um central fabuloso: rápido, eficaz, elegante, de jogo limpo e capaz de sair a jogar e entregar a bola à distância e com visão de jogo. Faz-me lembrar o Aloísio, o que é o melhor elogio que posso fazer a qualquer central.