quinta-feira, dezembro 15, 2011

CAMPEÃO À VISTA: AZUL (01 MARÇO 2011)

1- Por três segundos apenas, o Benfica não se despediu definidamente do campeonato, contra o Marítimo. Os finais de jogo do Benfica são sempre demolidores e eu não entendo que os treinadores adversários não preparem as equipas para isso. Desistindo por completo, não só de tentar o contra-ataque, mas também de segurar a bola, após ter chegado à vantagem a 15 minutos do fim, o Marítimo escancarou a porta para sucessivas vagas de bolas despejadas para a área por alto: mal uma era sacudida, logo vinha a segunda vaga e assim sucessivamente até à reviravolla final. Outra coisa que não percebo é como é que não se marca o Fábio Coentrão homem-a-homem, todo o jogo e em todo o campo; deixado sozinho duas vezes, ele resolveu sozinho o jogo. É um jogador fabuloso, com uma alma e um talento incríveis, apenas com um pequeno senão que é o de ter aderido à moda das cotoveladas impunes que se está tornar também uma imagem de marca do futebol do Benfica. Com um juiz de linha com estofo para aguentar a pressão do Estádio da Luz, como disse o treinador do Marítimo, o Fábio Coentrão não teria ficado em campo para ganhar o jogo. Mas, enfim, as coisas são o que são. E não gosto descamotear o essencial: o Benfica mereceu ganhar pelo que atacou na segunda parte.

2- Jorge Jesus devia ter mais contenção, devia, de vez em quando, ver a gravação das figuras que faz em campo. Não se percebe porque razão vai sempre enfiar-se em confusões com os adversários no final dos jogos, tendo de ser os seus jogadores a acalmá-lo; não se percebe como é que numa semana reclama contra os árbitros que mostram cartões amarelos por simples faltas (a propósito do cartão a Maxi, contra o Sporting), e, na semana seguinte, põe-se aos saltos desvairados na lateral a reclamar um cartão para um jogador do Maritimo, após uma falta também banal; não se percebe como pode reclamar penalty num cruzamento que vai ao braço de um adversário que está de costas e nem vê a bola vir; não se percebe como é que, antes de ver as imagens do lance, fez tamanho charivari, incitando as bancadas ao tumulto, pela anulação do golo de Luisão, quase no final; e não se percebe como é que depois, já a frio, com a vitória garantida e as imagens certamente já vistas, consegue insistir em que o golo foi mal anulado, quando toda a gente, comentadores da Sport TV e milhões de espectadores, viram o descarado abalroamento de Cardozo ao guarda-redes do Marítimo, impedindo-o de chegar à bola.


3- Não obstante a vitória inarticulo mortis do Benfica, permitindo-lhe manter a tal distancia de «cinco pontos» para o FC Porto, de que fala Jorge Jesus, tenho uma má notícia para o treinador do Benfica: este sábado em Olhão, não sei se viu ou não, jogou o próximo campeão nacional.

Eu tinha avisado, quando Jesus andava a anunciar, eufórico, que ninguém jogava melhor que o Benfica, que o Porto ia fatalmente perder pontos e que se tratava apenas de recuperar cinco pontos, porque o jogo da Luz seriam favas contadas. Avisei que tivesse calma e que esperasse para ver o que sucederia quando o FC Porto pudesse voltar a dispor de dois dos seus mais influentes jogadores: Álvaro Pereira e Falcão. Pois bem, ei-los de volta, e em Olhão, num dos melhores jogos deste campeonato (muito por mérito também do Olhanense), viu-se a influencia que eles têm na equipa e a falta que lhe faziam.

Se, contra o Sevilha, o FC Porto passou ao lado de unia goleada, num jogo verdadeiramente atípico, em Olhão já vi de volta o FC Porto da primeira metade do campeonato, onde conquistou uma liderança cuja justiça só de má-fé pode ser contestada. Nestes dois meses de ausência de Alvaro e Falcão, o FC Porto foi afastado da Taça da Liga e praticamente afastado da Taça dc Portugal. Foi um preço caro, mas podia ter sido pior, porque nas duas competições mais importantes, campeonato e Liga Europa, nada se perdeu e tudo se consolidou. Hulk andou com a equipa ao colo e vai ser curioso ver como irá Villas Boas resolver o problema da sua ausência no próximo jogo, contra o Guimarães. Hulk foi o factor principal, mas também é justo salientar as grandes contribuições dadas para esse período de damage control de jogadores como Sapunaru, Otamendi, James e Belluschi. Em contrapartida, continuo (devo ser o único) a constatar, jogo após jogo, a inutilidade criativa de João Moutinho (que seria muito bem substituído por James, como um número 10), os calafrios causados por um Fernando sempre precipitado e trapalhão, e a impossibilidade de recuperar alguma utilidade a Ruben Micael ou ao Cristian Rodriguez ou de inventar alguma ao Mariano Gonzalez. O FC Porto caminha para um título disputadíssimo e justíssimo, porque o campeonato são 30 jornadas e não 26. De facto, como diz Pinto da Costa, toda a gente sobrevaloriza as vitórias do Benfica, mas poucos valorizam o fantástico campeonato que o FC Porto está a fazer — a par de uma carreira europeia notável, que só o imerecido desaire contra o Sevilha manchou ligeiramente. São 19 vitórias e 2 empates em 21 jogos; única equipa invencível do campeonato; única equipa com o pleno de pontos em casa; melhor ataque; melhor defesa; melhor marcador; 8 pontos de avanço sobre o segundo classificado e um eloquente 5-0 no jogo da «verdade desportiva» entre ambos. Vá lá que, seguindo as pisadas de Villas Boas, Jorge Jesus finalmente reconheceu isso mesmo, anteontem. Se o Benfica não for campeão este ano, é só porque o FC Porto fez um super-campeonato.


4- Nem todos, claro, pensam assim. Nem todos sabem perder. Rui Gomes da Silva, dirigente do Benfica, acha, obviamente (seria de esperar outra coisa?) que o Porto só vai à frente porque foi ajudado pelos árbitros, enquanto o Benfica foi prejudicado nas quatro primeiras jornadas, onde perdeu três jogos. Não foram os frangos de Roberto, nem algumas estranhas prestações de alguns jogadores, nem nada mais: só os árbitros. (Tivesse ganho no Dragão, em lugar de ser esmagado e humilhado, e estaria a dois pontos de diferença e não a oito. E é curioso que, desde que o Benfica começou a ganhar e voltou a jogar o que sabe desapareceram misteriosamente as más arbitragens de que se queixavam…).

Nas três paginas de pura propaganda sem contraditório que A BOLA lhe concedeu generosamente na edição deste domingo - e onde, por exemplo, o deixaram dissertar livremente sobre a «verdade desportiva», sem lhe perguntar onde esteve a verdade desportiva na contratação de Jardel ao Olhanense, nas vergonhosas circunstâncias em que foi consumada (e isto sem insistir em coisas como o «túnel da Luz», o jogo do Estoril desviado para o Algarve, etc), Rui Gomes da Silva repetiu ad nauseum a cassete benfiquista, desenterrada de cada vez que o Benfica não vai à frente do campeonato. Não sei se os dirigentes do Benfica e os seus apaniguados na comunicação social têm a noção dos danos que este tipo de discurso causa à imagem do seu clube, junto dos não-benfiquistas.

Dou o meu exemplo: eu gosto de ver o futebol do Benfica de Jorge Jesus, quando, como no ano passado ou este ano, eles jogam um futebol de ataque puro, de risco, de velocidade e imaginação: é o futebol de que eu gosto. Até gosto de vê-los ganhar com categoria ao Estugarda, embora saiba que esta equipa do Benfica de portuguesa quase só tem o nome e o Fabio Coentrão. Fui capaz de reconhecer também a justiça do título da época passada, muito embora jamais me possa esquecer da golpada do túnel, porque, esse sim, foi o maior atentado à «verdade desportiva» e ao desportivismo que já presenciei, e muito embora também não esqueça que acabaram metade dos jogos a jogar contra equipas em inferioridade numérica. Mas jogaram o melhor futebol, o mais espectacular, mereceram ganhar. Também disse que mereceram vencer o Marítimo, neste domingo, sem prejuízo de ter vsto as cotoveladas que o assistente não viu ou de ter contado três livres à entrada da área a favor do ataque do Benfica e inventados pelo árbitro (e sabe-se como as bolas paradas são a arma mais poderosa do Benfica, ao contrário do FC Porto, cujos livres e cantos são absolutamente inofensivos). Mas já se viu alguém do Benfica reconhecer algum mérito a um adversário que os vença?

Rui Gomes da Silva insiste na fábula desacreditada das «décadas» de favores de arbitragem ao FCP — como se Portugal, a Europa e o mundo não se tivessem habituado a ver e admirar o futebol do Porto! Isto é tão ofensivo como se eu me atrevesse a declarar que o Benfica de 62,63, o Benfica de Eusébio, só vencia porque era ajudado pelos árbitros. É preciso ter algum decoro!

Algum decoro para não cair nesta declaração elucidativa e extraordinária de Rui Gomes da Silva: «É preciso, repito, que se diga que o nosso adversário teve ajudas…», porque, de outro modo «isso seria reconhecer apenas mérito a quem vai a nossa frente». Está tudo dito, aqui. E está explicado porque razão o Benfica é hoje o clube mais detestado por todos os não-benfiquistas.

Sei que isso em nada os preocupa, mas é pena: é o património do grande Benfica de Eusébio e outros desbaratado por quem não sabe perder nem competir de igual para igual.