segunda-feira, janeiro 19, 2009

ERROS MEUS, MÁ FORTUNA (13 JANEIRO 2009)

1- É assim o futebol: uma semana vai-se à frente, na outra passa-se para trás; numa semana joga-se bem e abre-se um sorriso onde cabem todas as esperanças, na outra desaba sobre nós um peso de chumbo e sai-se do estádio curvado à decepção; uma semana a culpa foi do árbitro, na outra foi ele quem nos salvou.

O regresso à normalidade que o FC Porto assegurara há oito dias foi de novo interrompido por mais um percalço caseiro, de todo fora das previsões. Porque tropeçou o FC Porto no Trofense? A meu ver, por três razões: falta de sorte, atitude do adversário e erros do treinador. Uma de cada vez.

Normalmente, quando um grande empata em casa a zero com uma equipa do fundo da tabela, já é clássico concluir que o melhor em campo foi o guarda-redes adversário. Não foi o caso do FC Porto-Trofense de anteontem: ao contrário do que sucedera contra o Benfica, o guarda-redes do Trofense, Paulo Lopes, não evitou nenhum golo nem chegou a fazer nenhuma grande defesa. Viu-se, sim, batido para golo um sem número de vezes e de todas escapou ileso: duas vezes porque os companheiros o substituíram na linha de golo, outra vez porque um jogador do FC Porto substituiu ele os defesas já batidos do Trofense, outra porque a bola beijou o poste e mais umas quatro vezes porque Rolando falhou todos os cabeceamentos para golo, nos inúmeros cantos de que os portistas dispuseram. Esse facto, por si só, mostra que o Trofense chamou a si toda a sorte do jogo e não deixou nada para os da casa.

À sorte, o Trofense juntou uma atitude que pode e deve ser chamada de anti-jogo. Com todo o respeito pela cidade da Trofa, com toda a compreensão pelo modesto mas honesto Trofense e com toda a compreensão para com quem se bate com orçamentos de pigmeu contra equipas com orçamentos de gigante, o tipo de jogo posto em cena pelos da Trofa é daqueles que fazem com que haja jogos entre primodivisionários com 600 ou 400 ou 200 pessoas a assistir. Em 90 minutos de futebol, o Trofense, não só não dispôs de uma única ocasião de golo, como também não conseguiu construir um único ataque ou contra-ataque digno desse nome. Em contrapartida, os seus jogadores chamaram quatro vezes a maca para os levar, chegaram a ficar caídos três ao mesmo tempo e, quando o capitão foi expulso, já nos descontos, demorou exactamente 1'40'' a sair de campo. Compreendo que Tulipa estivesse contente com o resultado, não compreendo que estivesse «orgulhoso» dos seus jogadores. Quando em mais de metade dos jogos, há sempre uma equipa que só quer jogar para o 0-0, não há volta a dar às bancadas desertas e à morte a prazo do futebol como espectáculo ao vivo. Não sou só eu que sei porque fico em casa.

À falta de sorte e ao anti-jogo do Trofense, juntaram-se as infelizes decisões de Jesualdo Ferreira, para explicarem o resultado final. Felizmente, há muito pouco tempo elogiei aqui o trabalho dele e proclamei-me seu apoiante - com a ressalva de que seria critico, quando o entendesse justo. É o caso.

Recuemos um pouco: Jesualdo Ferreira (conforme o notei logo no início da época), não dispõe de extremos, porque os dispensou todos. O único extremo verdadeiro que tem, que é Candeias, vive afastado, a caminho de mais um empréstimo, por falta de oportunidades de crescimento, que o treinador não lhe dá. Não admira, pois, que Jesualdo, mesmo antes deste jogo, se queixasse das dificuldades de lateralização do futebol atacante da equipa, as quais, mais uma vez, foram gritantes contra o Trofense. E não admira também que Jesualdo tenha abdicado do seu preferido 4x3x3, em benefício de um arremedo de 4x4x2, pois que à falta de extremos se veio juntar a obrigação de meter em jogo Hulk - cuja genialidade ele foi o último dos portistas a ver. Mas, mesmo com Hulk a desequilibrar lá à frente, acontece contra as «equipas do autocarro» que a capacidade de penetração está seriamente diminuída: porque não há flanqueadores naturais e porque a penetração vertical, que era assegurada pelos passes de ruptura de Lucho González, desapareceu face ao prolongado desaparecimento em combate do argentino. Neste contexto, e sem querer lançar mão de Candeias, a Jesualdo só restaria uma opção e de risco: fazer regressar Lisandro às suas antigas funções de ponta-de-lança descaído sobre o flanco, por troca com Hulk, que é bem mais letal a arrancar de trás e do centro. Mas Jesualdo é um homem fidelíssimo às boas memórias: assim como não se atreve a prescindir de Lucho nem por um minuto e por mais confrangedora que seja a sua ausência do jogo, também não se atreve a pedir ao melhor marcador do campeonato passado que derive para o lado, em benefício de um recém-chegado.

Ao minuto 1 do jogo, o Hulk arrancou do flanco direito, onde Jesualdo o mandou desterrar, entrou na área, fintou um por dentro, outro por fora, e serviu o golo de bandeja a Meireles, que falhou o remate e viu Lisandro falhar a emenda. Essa simplicidade e crença no golo, que são a imagem de marca de Hulk, deveriam logo ter posto Jesualdo a pensar. Mas, não: havia muito tempo para chegar lá pela «via clássica». Porém, ao minuto 95, Guarin, na posição de ponta-de-lança, evitou o golo de Rodriguéz, fazendo de defesa do Trofense e, no minuto seguinte, a última imagem do jogo foi a de Hulk a acorrer à sua defesa para cortar um incipiente «ataque» do Trofense. O absurdo destas duas cenas é bem o espelho dos sucessivos erros cometidos por Jesualdo Ferreira.

É certo que o professor, em minha opinião, nunca se destacou por saber ler e emendar o jogo em andamento. Os seus méritos são outros, mas não esse: parece fazer substituições só por fazer, a ver se resultam, raramente adequadas ou no tempo certo. Mas, anteontem, exagerou. A meia hora do fim (longe ainda da fase do tudo ou nada) resolveu passar o Fucile para a esquerda e meter o inevitável Mariano a defesa-direito: com isso, obviamente, não ganhou nada do lado direito, mas perdeu o seu melhor flanqueador até aí, visto que Fucile à esquerda vale metade do que vale à direita. Cinco minutos depois, meteu o Guarin para o lugar de Raul Meireles: perdeu clarividência no miolo e ganhou só confusão e trapalhadas, culminadas com o colombiano a fazer de salvador do Trofense, tamanha era a ânsia de se mostrar salvador do Porto. E, mais cinco minutos volvidos, meteu o Farías - que, sem nunca ter tocado na bola em vinte minutos, serviu para congestionar o ataque e obrigar o Lisandro e o Hulk a saírem dali. Mexer quando as coisas não vão bem, qualquer treinador sabe fazer; resistir a mexer só porque as coisas não vão bem, é seguramente mais complicado.


2- O problema com Renteria são os golos certos, no resto ele até vai fazendo umas coisas jeitosas. Mas, quando o golo é quase imperdível e, sobretudo, se a oportunidade aparece no fim e se serve para alterar o resultado, o rapaz fica paralisado de terror. Ao minuto 85 do jogo da Luz, completamente isolado, posição frontal, bola na relva, ninguém ao lado e só o guarda-redes pela frente, ele acertou no Moreira. Mesmo assim, melhor do que há três anos atrás, naquele mesmo estádio e naquela mesma baliza, mas com a camisola do FC Porto, quando, até sem guarda-redes pela frente, ele acertou… em nada.

Se Renteria tem marcado, o Braga tinha, pelo menos, empatado o jogo, que era o mínimo que merecia e que a estatística da Sport TV resumiu: 60% de posse de bola contra 40% do Benfica; 36 ataques contra 31; 18 remates à baliza contra 8; 13 cantos contra 3; 5 oportunidades de golo contra 1. E Jorge Jesus escusava de ter acrescentado a outra estatística: golo do Benfica em off-side, penalty a favor do Benfica inexistente (bem mais óbvio foi idêntico lance a favor do Porto e que passou sem penalty, como notou Jesualdo Ferreira), e dois penalties a favor do Braga não assinalados. Destes, num não vi penalty, mas aquela entrada do Luisão de carrinho às pernas de Mateus, caramba, se não é penalty e ao menos cartão amarelo será o quê?

Mas, como acima escrevi, os árbitros erram, uma semana para um lado, outra semana para o outro. O problema é quando, no mesmo jogo, erram sempre para o mesmo lado, ou quando erram apenas uma vez e quem não soube ganhar se agarra a esse erro para justificar tudo. Ou quando se é tão lesto a gritar ao escândalo quando o árbitro erra contra nós, e a seguir se assobia para o ar, quando ele erra a nosso favor. Esta semana, garanto-vos que não vai haver benfiquistas a gritar fraude ou batota ou a declarar que esperam que os deixem ser campeões no campo.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

ANO NOVO, HÁBITOS VELHOS (06 JANEIRO 2009)

Três meses volvidos, treze jornadas cumpridas, o FC Porto retoma velhos hábitos e lá está, no seu lugar habitual das últimas duas décadas: o primeiro e isolado. Como se dissesse «pedimos desculpa por esta breve interrupção, a normalidade está reposta». Mas, não, não se pense que estou a cantar vitória antes de tempo, como é próprio de outros. Eu sei que teremos de lutar muito, muito mais para que «nos deixem ganhar o campeonato em campo» (para usar a frase de Luís Filipe Vieira, a que já irei). Eu sei que este está a ser o mais competitivo campeonato dos últimos anos e também sei perceber quando é que o caldeirão da frustração alheia está prestes a explodir e qual é a solução usada para aliviar a tensão.

Para virar o ano no primeiro lugar, ao FC Porto foi preciso ultrapassar a tradicionalmente difícil jornada da Madeira, contra o Nacional. E a coisa esteve tremida. O azar a abrir, com uma bola na barra ao minuto um e o Nacional a chegar ao golo, totalmente fortuito, no primeiro remate feito à baliza. Seguiu-se o desnorte da equipa, acusando o golpe e a injustiça e toda uma primeira parte assim perdida. Já vi este filme inúmeras vezes: um campo pequeno, um adversário que chama a si toda a sorte do jogo e o FC Porto acusando dificuldades antigas de dar a volta a um resultado negativo. Mais apreensivo fiquei ainda quando vi Jesualdo Ferreira fazer entrar Mariano González para defesa-direito, depois do intervalo: por mais que Jesualdo insista e volte a insistir, fazendo de Mariano extremo, médio ou defesa, não há volta a dar: o seu futebol confrangedor não é reciclável e foi pelo seu flanco que o Nacional chegou ao 2-2 e manteve a ameaça latente em toda a segunda parte. Felizmente, o resto da equipa esteve à altura do momento: a segunda parte só deu Porto, Porto, Porto. Uma cavalgada consistente para a vitória, selada com dois grandes golos, por entre os quatro marcados. Estofo de campeão.

Também sem espinhas e, felizmente, igualmente sem «casos», o Sporting havia já passado na véspera em Setúbal - com Liedson, uma vez mais, a fazer a diferença e a chegar ao número de golos do mítico Yazalde, com a camisola verde às riscas. Ao contrário da do FC Porto, foi uma vitória cedo obtida e assegurada, e gerida tranquilamente e sem grande rasgo, face ao um Vitória impressionantemente inofensivo, verdadeira sombra do Vitória da época passada. E assim o Sporting ultrapassou um Leixões que me pareceu bastante satisfeito com o 0-0 obtido em Coimbra, e assim se repôs a normalidade no pódio deste campeonato, com os três grandes na frente.

Para o fim ficou a excursão do Benfica à Trofa - a primeira de um grande à cidade minhota, em jogos a contar para a primeira divisão. Dia histórico, que se viria tornar inesquecível, em que o último derrotou o primeiro e o anunciado campeão baqueou, sem apelo nem agravo, aos pés do putativo despromovido. Não há dúvida de que, no futebol como na vida, a única coisa certa é a morte.

Dois dias antes, o presidente benfiquista tinha dado aqui uma entrevista de cinco páginas, cujo pretexto ou actualidade confesso que me escapou: talvez fosse por ser «campeão de Inverno» ou por, pela primeira vez em quinze anos, ter passado o Natal na liderança. Facto é que Luís Filipe Viera, para além do habitual rol de auto-elogios à sua liderança e ataques sibilinos e por antecipação a quem ouse disputar-lhe o lugar, nada de novo ou de interessante tinha para dizer.

Para a História ficará a sua afirmação de que, por via da decisão de três ou quatro senhores de uma coisa chamada Comissão Disciplinar da Liga, ficou estabelecido que todos os triunfos do FC Porto nos últimos vinte anos foram falsos e fruto de batota. Esqueçam, pois, tudo aquilo que viram nos estádios ou na televisão durante todos estes anos: o que conta é o que disse uma «testemunha» a propósito de um Beira-Mar-FC Porto, disputado em 2004 e que já só servia para contar feijões.

E, muito embora a dita «testemunha», mesmo sem jamais ter sido contra-interrogada, já ter sido apanhada duas vezes a mentir sobre factos, tendo mesmo obrigado um juiz (de direito, não de futebol) a indiciá-la por crime de perjúrio, é assim que se escreve a História, segundo Luís Filipe Vieira.

Gentilmente entrevistado, ele não se limitou, aliás, a abjurar e reescrever o passado do futebol português das últimas décadas. Também antecipou o futuro, traçando já a sua sentença, igualmente inapelável: se o Benfica não for campeão este ano, é porque não o deixaram ser em campo. Pese à confiança que só pode merecer-lhe uma Comissão de Disciplina e um Conselho de Justiça que já provaram estar no recto caminho, e uma Comissão de Arbitragem e Direcção da Liga que tiveram o seu voto e apoio - como já antes tinham tido as anteriores estruturas dirigentes, lideradas pelo seu ex-parceiro de estratégia (Valentim Loureiro, não sei se se lembram...).

Portanto, sentei-me eu em frente à Sport TV para assistir a mais uma manifestação da supremacia benfiquista em campo, e sinceramente rezando a todos os santos para que nem a mais leve decisão da arbitragem pudesse prejudicar o Benfica e fazer-nos ter de atravessar mais uma semana de lamúrias, insinuações e acusações retumbantes de «fraude». E o que vi, o que unicamente vi, foi uma derrota benfiquista em toda a linha.

Primeiro, porque perderam o jogo sem espinhas e sem qualquer caso de arbitragem de que reclamar;

segundo, porque assim perderam a invencibilidade, a liderança e o assaz breve título de «campeão de Inverno» (se é que o Inverno, por estas paragens, ainda vai até 21 de Março...);

terceiro, porque momentos houve em que o anunciado «campeão em campo» chegou a ser banalizado por uma esforçada equipa, lanterna vermelha e acabadinha de chegar ao mundo dos grandes da bola;

quarto, porque a derrota foi consumada por um portista, o melhor em campo, e desses muitos a quem a generosa Direcção do FC Porto paga ordenado para jogarem por outros emblemas: Hélder Barbosa, de seu nome;

quinto, porque os adeptos benfiquistas, como se não bastasse o desastre no relvado, ainda fizeram jus à sua fama de campeões do mau comportamento, chegando a atirar um petardo em chamas ao guarda-redes adversário - coisa que, num campeonato civilizado, costuma ter consequências bem desagradáveis para o clube;

e, finalmente, porque, assim perdendo, a luxuosa equipa do Benfica obrigou o seu presidente a engolir de enfiada cinco páginas deste prestigiado jornal. É o que dá falar sem ocasião nem ponderação...

A Sport TV mostrava, entretanto, a cara de Rui Costa, sentado no banco e abanando a cabeça, como se dissesse «que mais posso eu fazer para que estes tipos aprendam a jogar como campeões?» E, sentado a seu lado, ocupado a fazer desenhos e esquemas num papel com o seu adjunto, em lugar de substituir logo o Binya antes que ele fosse expulso, Quique Flores era a imagem de um treinador perdido e impotente. Ou muito me engano, ou não tarda nem um mês antes que a contestação interna se concentre toda em encontrar em Quique o bode expiatório. Who else? E, todavia, o espanhol acertou na mouche, quando caracterizou a exibição da sua equipa: «Não basta falar, é preciso ter mentalidade para ganhar».

A FRAUDE (30 DEZEMBRO 2008)

Para o senso comum, senador é alguém cujo nome, estatuto ou posição lhe garante uma credibilidade acrescida perante os outros. Em matéria de opinião, por exemplo, um senador deve ser escutado com mais atenção, porque, tenha razão ou não, é suposto ter uma opinião mais isenta, mais ponderada e mais credível que o comum das pessoas. Foi certamente a pensar assim que a Direcção de A BOLA decidiu, já há uns tempos, introduzir às sextas-feiras as colunas dos senadores — um por cada clube grande. Todos, sem excepção, são figuras de valor intelectual e de carácter acima de qualquer controvérsia. Mas há uma diferença entre eles: Rui Moreira é simplesmente adepto portista e da chamada «ala critica» da respectiva direcção (que lida tão mal com as criticas quanto o azeite liga com a água); já Rogério Alves é membro dos actuais corpos gerentes do Sporting, no cargo de presidente da Assembleia Geral, e Sílvio Cervan é mesmo membro da actual Direcção do Benfica, ou seja, responsável directo pela sua gestão. E isto coloca um problema não escamoteável.

Há uma diferença entre independente e isento — neste caso e, a meu ver, essencial. Eu, por exemplo, desde o primeiro dia que aqui comecei a escrever, que tornei claro o meu estatuto: não sou nem passaria a ser independente, visto que tenho uma filiação clubística e é bem sabido como a paixão clubística tolda a independência de julgamento (a todos, e não apenas aos portistas, como costumam decidir os outros...). Mas, não sendo independente, nunca deixaria de ser isento — não apenas porque não ocupo e nunca ocupei qualquer cargo no meu clube, no seu jornal, televisão ou outros apêndices, e porque, também, e conforme julgo ser público e notório, não presto vassalagem nem silêncio aos seus dirigentes ou técnicos, sejam eles quem forem. Mas, por mais respeito que tenha por eles, que é muito, esta é condição que não assiste nem a Rogério Alves nem, sobretudo, a Sílvio Cervan. Eles não estão na posição de um adepto banal de um clube: são co-responsáveis, os êxitos e inêxitos do clube são também responsabilidade pessoal sua.

Mas, mesmo com essa capitis diminutio, Sílvio Cervan ostenta o título de senador do jornal A BOLA. O tal título que justifica que se espere dele opiniões mais ponderadas, mais isentas e, logo, mais credíveis do que, por exemplo, as minhas. Assim, quando o vi, na sua última coluna, declarar solenemente que «este campeonato está uma fraude» e que «a competitividade é feita com base na batotice», eu tive de partir do princípio de que falava com conhecimento de causa e certamente com motivos gravíssimos para proferir afirmação tão radical e perigosa quanto esta. Radical porque, a partir daqui e nem mesmo que o seu Benfica venha a acabar o campeonato com mais de 20 pontos de atraso do campeão, como sucedeu no ano passado, Sílvio Cervan, para ser coerente, poderá reconhecer qualquer justiça ao campeão ou qualquer seriedade ao campeonato. Perigosa, porque, se o campeão vier a ser o seu Benfica, a sua frase poderá ter um fatal efeito de boomerang: quem quer que ache que o Benfica não mereceu ser campeão, poderá usar as suas palavras para concordar que o campeonato foi uma fraude. Eu, por exemplo, não me esquecerei da frase, se vir motivos para tal. Retroactivamente e aproveitando a boleia do senador, posso até dizer agora que a maior fraude a que assisti nas últimas décadas, e designadamente em matéria de arbitragens, foi o último campeonato ganho pelo Benfica. Mas é só a minha opinião, a de um banal adepto...

O que sucedeu para que Sílvio Cervan tenha decretado desde já que o campeonato é uma fraude, quando apenas decorreram doze jornadas e o Benfica até o lidera? Não seria mais avisado esperar pelas dezoito jornadas que faltam? Pelas deslocações do Benfica a Alvalade e ao Dragão? Pelo cansaço que o tão temido FC Porto não deixará de acusar por ter de combater simultaneamente na Europa e na Taça de Portugal — duas competições onde o plantel de luxo do Benfica já não mora? É que, dito assim, até parece que o raciocínio foi o inverso: que avisado era ir prevenindo desde já uma justificação para um eventual insucesso do Benfica. Uma «fraude»...

A «fraude» foi o golo anulado por Pedro Henriques, aos 94 minutos do jogo da Luz contra o Nacional — já reduzido a dez e depois de todo um jogo em que os madeirenses mostraram não merecer de forma alguma sair derrotados. Concordo que, aparentemente, não houve motivo para a anulação do golo. Mas esse não foi o único erro de Pedro Henriques — outros houve e contra o Nacional, que tiveram importância no jogo, como, legitimamente, recordou Manuel Machado. E, em matéria de erros e, decisivos, de Pedro Henriques, nem calcula o Sílvio Cervan o catálogo deles, em prejuízo do FC Porto, de que eu guardo memoria! Mas, esses, presumo que nunca o tenham incomodado, antes pelo contrário. Não deixa, aliás, de ser curioso que os árbitros que recentemente foram alvo de maiores criticas por parte de benfiquistas e sportinguistas, integrem todos eles a lista dos que mais consistentemente prejudicaram o FC Porto nos últimos anos: Lucílio Baptista, Bruno Paixão, Pedro Henriques. Em comum, o facto de serem ou sportinguistas ou benfiquistas e de esses erros nunca terem merecido nem um átomo da indignação jornalística que agora se levanta em apoio do Benfica e ontem em apoio do Sporting. O Bruno Paixão, por exemplo, que agora suscitou tamanha gritaria dos sportinguistas a propósito do jogo da Taça com o FC Porto (e como se não tivesse prejudicado bem mais os portistas...), é o mesmo árbitro do inesquecível jogo de Campo Maior — essa, sim, a maior fraude que alguma vez vi num campo de futebol — e que iria ter uma importância pontual decisiva na atribuição do título desse ano... justamente ao Sporting e em detrimento do FC Porto. Ironias da História...

Embora, segundo o seu testemunho, Pedro Henriques seja sportinguista, é ao FC Porto que Sílvio Cervan atribui a autoria moral do golo anulado pelo árbitro (porque, que me desculpem os sportinguistas, é do FC Porto que eles têm medo a sério). E daí que, citando-me, embora sem me nomear, ele diga que concorda com a minha frase de que «o FC Porto é o mais sério candidato ao título» — apenas discorda do uso da palavra «sério», neste caso. Ou seja, acha que o FC Porto é o mais sério candidato a um título que não será sério. Palavra de senador.

Ora, eu escrevi tal frase depois de ter assistido ao frustrante empate caseiro do FC Porto contra o Marítimo e antes de saber que o Benfica iria repetir o mesmo resultado contra o Nacional. Mesmo prevendo que a jornada acabaria com o FC Porto a quatro pontos do Benfica, escrevi que pensava ser ele o mais sério candidato. E explicava porquê, dando o exemplo do jogo anterior na Amadora, onde o FC Porto abriu em grande estilo, fez o 1-0, perdeu duas oportunidades incríveis do 2-0, viu o Estrela empatar num golo inconcebível e o árbitro ignorar dois penalties na área do Estrela — e continuou, imperturbável, até voltar a colocar-se em vantagem, sem se incomodar em juntar justificações para um desaire. E dizia, como já o disse muitas vezes, que é esta atitude de conquista, em contraste com a atitude de choradinho eterno dos seus rivais, a atitude de cigarra contra formigas, que torna o FC Porto um candidato e um competidor mais sério. Tivesse o Benfica feito contra o Nacional o jogo que o seu plantel de vedetas justificava e que os seus adeptos têm o direito de exigir, e não precisava de esperar pelas decisões de um árbitro, aos 94 minutos de jogo. Mas é mais fácil vir depois queixar-se do árbitro para os jornais ou sentenciar que isto é uma fraude do que reconhecer as culpas próprias. É uma questão de mentalidade e, desculpem que o diga: há nisto muito do que é a atitude mental dos portugueses em relação a tudo o resto e, por isso mesmo, é que estamos no fim da escala em qualquer índice de competitividade do País.