quinta-feira, maio 31, 2012

O LADO BOM DO FUTEBOL (12 ABRIL 2011)

1- A boa notícia da semana foi a reacção de tantos e tantos adeptos do Benfica, anónimos ou conhecidos, contra a decisão da sua direcção (já não há dúvidas sobre isso...) de mandar apagar as luzes do estádio e regar os jogadores do FC Porto que festejavam um justíssimo título de campeão conquistado na Luz. Esses adeptos representam o melhor do Benlica e a parte saudável do futebol — que. acredito, continua a ser a maioria dos que gostam deste jogo. Sendo reflexo da própria sociedade, todos os clubes tem a sua parte saudável e a sua parte doentia. Infelizmente, a parte saudável tem sido aos poucos afastada, empurrada para fora dos estádios, pela turba selvagem dos arruaceiros, por dirigentes que espalham o ódio para disfarçar a sua incompetência e também, é forçoso dizê-lo, por uma imprensa que privilegia o conflito, as questiúnculas e as discussões idiotas, ao espectáculo em si mesmo. É inadmissível que ir a um estádio num jogo entre os principais rivais se tenha transformado num exercício de alto risco, num ambiente de ódios à solta, incendiadas previamente por dirigentes irresponsáveis e depois consumados à vista de todos por multidões organizadas de vândalos, a quem o futebol, como jogo, nada diz. É inadmissível, por exemplo, que os contribuintes portugueses (todos, até os que não gostam de futebol), tenham de pagar horas extraordinárias a exércitos policiais mobilizados para conterem uma violência programada e transformada tantas vezes no principal acontecimento de um jogo de futebol.

Felizmente, a honra do SL Benfica foi resgatada por tantos e tantos dos seus adeptos, que, apesar do clima de confronto instalado, souberam parar para pensar no que tinham visto no Estádio da Luz. E eu, talvez ingenuamente, gosto de pensar que um dia a parte saudável de todos os clubes conseguirá juntar-se, organizar-se, num movimento de cidadania desportiva que, a benefício de todos, devolva o futebol aos desportistas e devolva ao futebol a alegria que era a sua imagem de marca. Porque uma coisa é a rivalidade, que só faz bem ao jogo; outra é o terrorismo pseudo-desportivo.

2- Agora, gostaria de não ter que falar no rescaldo do Benfica-Porto, mas foram tantos e tão eloquentes os factos ocorridos, foram de tal forma ofensivos para um clube que acaba de se sagrar campeão nacional, que é impossível calá-los, sob pena de amanhã tudo se repetir igual. E é preciso que algumas coisas mudem, é preciso que algumas pessoas sejam corridas do futebol, a bem da sanidade pública.

Tudo começou, logo na segunda feira seguinte, com a prestação televisiva do maior espalha ódios do futebol português, o vice-presidente do Benfica, Rui Gomes da Silva. Interpelado sobre o apagão da Luz, começou logo, em tom arrogante, por dizer que nao era electricista, depois que nao estava no estádio, a seguir que estava no camarote, não tinha visto nada. Perguntado se não tinha sentido vergonha, como tantos benfiquistas, respondeu que vergonha era se o seu presidente tivesse sido condenado pela justiça desportiva. Ou seja, continua ainda a fingir acreditar que aquele desacreditado Conselho de Disciplina da Liga, organizado e comanditado pela direcção do Benfica, representa alguma forma de justiça - mesmo depois de desautorizado em toda a linha por quatro tribunais que se debruçaram sobre os mesmos factos e, entre outras coisas, concluíram que testemunha arregimentada pelo Benfica e acarinhada pelo dr. Costa e pela dr.ª Morgado, era perjura e tinha, ela sim, contas largas que prestar à justiça. Constando que Rui Gomes da Silva é advogado, não deixa de ser notável o conceito que tem de justiça: prefere uma encomenda de tribunal do que um tribunal a sério. A seguir, tentou também justificar o caso com um antecedente idêntico que teria ocorrido no estádio do FC Porto, na noite dos tempos. Mentiu: no Porto, e em dois jogos consecutivos, faltou a luz durante alguns minutos, regressando depois. Foi uma avaria da instalação ou da rede, que nada tem que ver com o acto voluntário de mandar apagar as luzes e ligar a rega para estragar os festejos ao adversário. E depois veio dizer ainda que as provocações tinham começado pelo FC Porto, ao recusar-se a entrar em campo de mão dada com as crianças equipadas à Benfica, conforme é praxe. Esqueceu-se foi de dizer que a recusa do FC Porto se deveu ao facto de toda as crianças estarem equipadas à Benfica, contrariando a praxe que estabelece que as que acompanham as jogadores da casa devem estar equipadas com as cores do adversário, numa provocação gratuita, que o FC Porto, muito bem, não aceitou.

A seguir, entrou em acção o CD da Liga, para castigar os incidentes da Luz. Pelo apagão e rega, deu ao Benfica a astronómica punição de 1.500 euros de multa. Pelo comportamento de parle dos seus adeptos - que atacaram à pedrada e com bolas de golfe, os carros, autocarros e a marcha escoltada dos adeptos azuis; que mantiveram uma batalha campal com a polícia, que resultou em vários feridos e treze presos; que, mal iniciado o jogo, forçaram a sua interrupção com lançamentode bolas de golfe e tudo que tinham à mão para os jogadores portistas — o CD da Liga multou o Benfica em 2.500 euros. E para o FC Porto, pelo comportamento dos seus adeptos — que foram agredidos à pedrada sem reagir, não provocaram, fora ou dentro do Estádio, qualquer incidente com adeptos benfiquistas ou com a polícia e que se mantiveram tranquilos nos seus lugares, nao aproveitando o apagão para causar problemas - toma lá os mesmos 2.500 euros de multa. Deve ser força do hábito.

Seguiu-se a Comissão de Arbitragem, que, através do observador do jogo da Luz, resolveu atribuir ao árbitro a classificação máxima. Não vou repetir a análise de uma arbitragem que todos viram o escândalo que foi. Limito-me a dizer que, quando um árbitro, em dez decisões controversas, erra todas elas e erra sempre para o mesmo lado, não há muitas dúvidas para alimentar: se aquela arbitragem tem sido ao contrário, em prejuízo do Benfica, o país já estava a arder. Só não digo que foi a pior arbitragem que vi neste campeonato, porque essa aconteceu em Coimbra, quando Académica e FC Porto foram forçados pelo árbitro a jogar num terreno absolutamente impossível para um jogo de futebol, mais parecendo um arrozal do Vietname, na época das cheias. É óbvio que, quando tudo o que os jogadores podem fazer é dar pontapés para o ar e para a frente e fazer aquaplaning, uma equipa de terceira divisão tem tanta hipóteses de vencer como uma equipa de topo. Esse árbitro do jogo de Coimbra sabia, pois, muitíssimo bem, que, ao fazer jogar naquelas condições, estava a falsear um jogo que podia vir a ser decisivo para as contas finais do título e estava, sobretudo. a prejudicar a melhor equipa técnicamente, que era o FC Porto. Custou-me muito acreditar que tivesse sido apenas uma má decisão. E custou-me mais ainda depois de ver que esse árbitro de Coimbra foi, afinal, o mesmo árbitro deste jogo da Luz. que conseguiu tomar dez decisões, todas erradas e influentes, e todas contra o FC Porto. Chama- se Duarte Gomes, de Lisboa, e, como aqui escrevi, prevejo-lhe uma carreira de sucesso, apadrinhado pela CA e desculpado pela comunicação social.

E, para acabar, tivemos a anedota final do castigo a Jorge Jesus. A CD da Liga, depois de meses e meses a investigar uma coisa que todas viram e reviram na televisão — o treinador do Benfica a enfiar um estalo num adversário, no final do jogo - resolveu que o testemunho do agredido não contava e que a agressão passava, com o tempo e o esquecimento, a «tentativa de agressão» . O mesmo órgão de disciplina que inventou que os stewards eram agentes desportivos e que aplicou cinco meses de suspensão a Sapunaru e Hulk por supostas agressões passadas no interior do túnel da Luz, e que até hoje ninguém viu, resolveu castigar com uns suaves 11 dias de suspensão uma estalada dada à vista do país inteiro por um treinador a um jogador adversário (que, para o efeito, não deve ter sido considerado agente desportivo). E, para que a anedota fosse completa, o castigo só foi aplicado quando o Benfica já tinha perdido o campeonato e Jesus não faz falta no banco, e acaba precisamente na véspera de voltar a fazer falta — para o jogo da Taça, contra o FC Porto. Sinceramente, não tem mesmo vergonha alguma?

3- Entretanto, o campeão segue: notável jogo contra o Spartak de Moscovo, e mais uma vitória da vontade colectiva, em Portimão. Leva 26 jogos do campeonato, 24 vitórias, 2 empates: nunca lerá havido um campeão mais justo do que este. É preciso ter uma fé inabalável no fanatismo ou na estupidez alheia para dizer, como Luís Filipe Veira, que o Benfica voltará a ganhar quando voltar a haver justiça no futebol.

Mas este ciclo do FC Porto é absolutamente infernal. Repare-se: dia 3 de Abril, foi a vitória do título, na Luz; quatro dias depois, a fantástica vitória de 5-1 sobre o Spartak, num jogo dificílimo; menos de 72 horas depois, o país inteiro atravessado para vencer em Portimão um dos aflitos e manter a invencibilidade no campeonato; mais quatro dias e novo jogo em Moscovo, culminando uma viagem de doze horas, ida e volta, aos confins da Europa; mais três dias e jogo contra um repousadíssimo Sporting, a lutar pelo 3.º lugar; outros três dias e nova viagem à Luz, no ambiente que se prevê, para tentar a proeza de reverter a eliminatória da Taça; e, depois sim, uma semana de tréguas, antes de reentrar no ciclo de dois jogos por semana, com as meias-finais da Liga Europa. Até aí chegar, são 6 jogos em 17 dias, com uma viagem a Moscovo pelo meio. E todos eles a lutar por qualquer coisa: pelo título, por um campeonato invencível, pela Taça, pela Liga Europa.

Realmente, se houvesse Justiça e desportivismo no futebol português, os adversários do FC Porto recebê-lo-iam agora, à entrada em campo, como os jogadores do Real Madrid receberam há dois anos os do arqui-rival Barcelona, entrando em Chamartin depois de conquistado um justíssimo título: entre duas alas a baterem-lhes palmas.

E vice- versa, quando fosse o caso. Sonhar não ofende.

quarta-feira, maio 30, 2012

NÓS É QUE APAGÁMOS A LUZ! (05 ABRIL 2011)

I – NÃO SABER PERDER

A última recordação que guardo de um jogo que obviamente nunca esquecerei, é da conferencia de imprensa dada por Jorge Jesus, já a frio, mais de meia hora depois do apito final. Perguntaram-lhe se ele achava que o FC Porto tinha sido um justo campeão. E, antes de ele responder, lembrei-me que, em circunstâncias idênticas, na época passada, Jesualdo Ferreira tinha reconhecido o mérito do triunfo do Benfica (e apesar do túnel), tal como o fez André Villas Boas, como o fizeram todos os comentadores portistas, eu incluído. Estaria Jorge Jesus ao nível que se lhe exigia? Não, não esteve; andou à roda da pergunta, fez-se de desentendido, chutou para canto, não respondeu. Daí a pouco, repetiram a pergunta e, antes que ele começasse outra vez a desconversar, interpôs-se o João Gabriel (que, desde que virou assessor, adoptou uma estranha concepção do que é o jornalismo) e impediu a resposta, em tom de quem mete os meninos jornalistas na ordem.

Eis dois dos derrotadas da época, que mostraram não saber perder. Jorge Jesus, que começou por ver fugir a Supertaça e depois levou 5-0 no Dragão, manteve intacta a jactância, avisando que o miúdo não ia aguentar a pressão e que «isto» não era como começava, mas como acabava. Pois acabou com mais uma lição de bola do miúdo em pleno Estádio da Luz, que só por milagre não degenerou em nova humilhação extrema. Mas não foi capaz de reconhecer que perdera para quem fora melhor. Ganhar uma vez, quando se dispõe de uma grande equipa e os adversários estão diminuídos, não é o mais difícil; difícil é ganhar habitualmente. É isso, por exemplo, que distingue Jesus de Mourinho - a quem logo o quiseram comparar, na época passada. Saber perder, reconhecer e aprender com o mérito dos adversários, é uma das condições para progredir. E ele mostrou que não a tem: ou por falta de humildade ou por medo de contrariar a voz do patrão.

Quanto ao João Gabriel, presumo que seja determinante naquilo a que se poderá chamar a estratégia de co-municação do Benfica. Se nao é determinante, é conivente; se não a concebe, executa-a, obediente. Deve, pois ser-lhe assacada uma dose sempre grande de responsabilidade pelo outro campeonato perdido este ano pelo Benfica: o campeonato da imagem e da mensagem. Apesar da entusiástica compreensâo e apoio que sempre goza na imprensa desportiva, o Benfica consumou esta época alguns feitos de haraquiri comunicacional e de imagem que perdurarão - e com danos - anos muitos a fio. Conseguiu ser o primeiro clube do mundo a apelar aos seus adeptos para não irem ver a equipa jogar — um apelo que os próprios adeptos se encarregaram de descartar, expondo a Direcção e os seus conselheiros ao ridículo; conseguiu comprar um jogador adversário na própria manhã do jogo e a tempo de o impedir de jogar à noite; conseguiu, esta semana, inventar o direito de exigir que os adeptos de um clube adversário não entrassem no seu estádio com símbolos desse clube, confirmando que no Estádio da Luz há uma lei especial em vigor que faz com que ali os jogos não sejam um espectáculo público sujeito às regras gerais do país; transformou o speaker de serviço no estádio num hooligan, incitando à arruaça; e rematou com a atitude jamais vista de apagar as luzes do estádio e ligar o sistema de rega para que os jogadores adversários não pudessem festejar a vitória junto dos seus adeptos - mas com isso, e como seria de prever, acabou a proporcionar imagens que ficarão para história do anti desportivismo e, ainda por cima, lindíssimas. E, quando eu achava que já não havia mais tiros no pé a dar, eis que vejo o João Gabriel a exercer o magnânimo e estalinista direito de controlar as perguntas que podem ser feitas ao treinador do Benfica e aquelas a que ele está autorizado a responder. Parabéns à estratégia: foi um êxito retumbante, para recordar durante muito tempo.

O Benfica não perdeu apenas um jogo e um campeonato ou um jogo e campeonato para o rival no seu próprio estádio. Perdeu muito mais do que isso: perdeu o respeito por si mesmo e, à vista de um país inteiro, cobriu-se de vergonha. E é por não perceber isto que eles vão continuar a perder e nós vamos continuar a ganhar. Mas o Benfica é, de facto, um clube muito maior do que as atitudes, os discursos e os comunicados de alguns dos seus podem fazer crer.

Nunca cometerei a aleivosia de confundir o sol com a nuvem que passa e o tapa.


II – SABER GANHAR

Pela terceira vez esta época, André Villas Boas deu uma lição a Jorge Jesus. Foi muito bem ganho o jogo na sua preparação, foi muito bem ganho em campo. As tarjas dos benfiquistas na bancada diziam eu sou campeão, mas não eram mais do que uma confissão de derrota, uma passagem de testemunho. O FC Porto foi superior em tudo: na estratégia, na atitude, no desempenho individual, na qualidade do jogo, na defesa, no ataque, no meio-campo. Não poderia haver outro vencedor e o resultado, de facto, só pecou por escasso - porque Falcão falhou dois golos em frente a Roberto e Cristian Rodriguez falhou outro. E porque assistimos a uma arbitragem sem pudor do lisboeta Duarte Gomes.

Vale a pena recordar: o sr. Duarte Gomes perdoou o segundo amarelo a Aimar por uma agressão, por trás, às pernas de um adversário; perdoou idêntica agressão e já sem bola ao Javi Garcia, um dos crónicos caceteiros do Benfica; perdoou todas as habituais cotoveladas em que os jogadores do Benfica se tornaram useiros e vezeiros; perdoou nada menos do que duas simulações de agressão (mais a simulação do penalty) e dois cortes de bola com a mão a Franco Jara, nos 45 minutos em que ele esteve em jogo; inventou do nada um penaty para repor em jogo um Benfica até aí inexistente; fez uma curiosa interpretação de uma claríssima regra do jogo para trocar um vermelho por um amarelo no penalty cometido por Roberto; expulsou o Otamendi, com dois amarelos - um, por falta que não cometeu (a do penalty), outro por uma simples obstrução na linha lateral — e, com isso, voltou a repor o Benfica em jogo. Enfim, fez o que pode para que o FC Porto não festejasse o título na Luz. Irá ser castigado, despachado para a jarra? Nao: vai ganhar o prémio de arbitragem Cervan/ Gomes da Silva. É claro que agora, com a vitória portista, já nada disto interessa. Mas convém reter o nome e a memória desta prestação: ou muito me engano ou ele está aprovado e destinado a arbitrar muitos mais clássicos.


III – SABER MODERAR AS EXPECTATIVAS

O FC Porto já conquistou dois dos objectivos da época: o campeonato — objectivo n.º 1 - e a Supertaça. Já é mais do que suficiente para dar os parabéns a André Villas Boas e todo grupo de trabalho, do presidente aos roupeiros, como ele disse. E eu dou-lhes a todos os meus parabéns mais sinceros, onde vai muita alegria, muito orgulho e muita gratidão. Além do mais, porque tem sido um campeonato absolutamente impecável e uma Liga Europa brilhante. Quinta-feira, lá estarei no Dragão, para ver o jogo contra o Spartak e para agradecer aos campeões. Mas sei que os três objectivos que nos faltam — a Liga Europa, um campeonato invencível e a Taça de Portugal - não são racionalmente possíveis nem são legitimamente expectáveis. Se pudesse escolher, eu escolheria, por ordem, a Liga Europa, o campeonato sem derrotas e a Taça. Todos não são possíveis, mas o que me conforta mais é saber, sem uma dúvida, que a equipa se vai bater até ao fim por todos e cada um destes objectivos. E que, quando perdermos, saberemos perder, reconhecendo mérito ao adversário aprendendo com a derrota, sem apagar a luz nem exigir que os nossos adeptos não vão aos jogos ou que os adeptos dos outros só vão disfarçados. E essa grandeza que nos faz grandes, na hora da vitória ou da derrota, que nos enche de orgulho e que nos transforma no alvo a abater no pequeno mundo dos medíocres e invejosos.

Os invejosos e medíocres ladram, o FC Porto passa. Passa, segue e vai em frente. Campeão de Portugal pela 25.ª vez. E a história continua. Se acham que já viram tudo, desiludam-se: a história vai continuar. É este o nosso destino.

terça-feira, maio 29, 2012

ERA UMA VEZ UM JOGO FUNDADO POR CAVALHEIROS (29 MARÇO 2011)

1- Desejo as maiores felicidades ao novo presidente do Sporting - seja ele quem for. A avaliar pelo nível da campanha eleitoral e da votação em si mesma, quem quer que finalmente ocupe o cargo está condenado a governar uma facção contra todas as outras e, a menos que as coisas comecem logo a correr maravilhosamente bem, a exercer as suas funções num clima de contestação, ódio, insultos e ameaças ou mesmo agressões físicas. Sinceramente, custa a entender que haja quem aspire à função.

De cabeça perdida por anos de frustração desportiva e uma situação de ruína financeira e sem perspectivas de recuperação económica a médio prazo (tal qual o país), os sportinguistas entregaram-se a um desvario eleitoral que alguns, bondosamente, ainda tentaram ver como um sinal de «vitalidade». Foi sim um sinal de desintegração, de desnorte e de irresponsabilidade. Esperemos que o Sporting Clube de Portugal não fique conhecido como o Sporting Igual a Portugal. Esperemos, por Portugal - porque, quanto ao Sporting, não sei ja se terá salvação, neste clima e neste panorama. Os sinais de desvario e irresponsabilidade, o tom de vale tudo com que os candidatos se lançaram uns contra os outros, ficaram bem patentes no jogo perigoso de promessas irreais, discursos disparatados e suspeitas mútuas de toda a ordem. Não sei se, reflectindo ou nao, o sentimento dominante dos sportinguistas, os cinco candidatos revelaram uma notável leviandade na forma como anunciavam nomes aos quatro ventos e como apregoavam fundos e dinheiros, cuja origem ou existência em nada os preocupava, mesmo que viessem de lavagem de dinheiro, de negócios mafiosos ou pior ainda. Apenas Dias Ferreira destoou nessa espiral de populismo, mas já o seu número 2, Paulo Futre, não se conteve em alinhar nesse tsunami de disparates, anunciando mirabolantes negócios da China que não resistiam a uma simples reflexão de bom senso: os «novos-ricos» da China, como lhes chamou, iriam pagar 1,5 milhões de euros por cada jogo do Sporting (a custos chineses, significa um estádio de 60.000 lugares cheio) e à razão de um jogo por dia, durante uma semana! Eis o nível a que chegou o debate!

Tudo isto culminou num presidente eleito com um número de votantes significativamente inferior ao candidato que ficou em segundo lugar, mas com uma maioria ridícula de votos, graças a um sistema eleitoral herdado dos tempos em que se queria preservar o club de aventureiros como Bruno de Carvalho. Um presidente eleito, que, mal anunciado, logo foi insultado, empurrado, apedrejado e só não foi sovado porque o protegeram outros, que não os adeptos. E cuja eleição é agora contestada, estatutária e judicialmente, pelo candidato derrotado, que lhe lança o repto de «não se apegar ao poder» e pôr o Sporting em primeiro lugar — como ele próprio, Bruno de Carvalho, tão bem exemplifica...

Na campanha eleitoral do Sporting foram evidentes alguns sinais de que o clube pode ser tomado de assalto pelas claques. Há presidentes que tem medo delas e lhes consentem tudo, e há outros que as usam em benefício de um projecto pessoal de poder. E é sobretudo nos momentos de crise e de desesperança que o perigo de elas tomarem conta dos clubes se torna mais real. Todos estamos lembrados do exemplo extremo de Vale e Azevedo, lançando mãos das claques como instrumento de terror e de intimidação interna e externa, e com as quais (e uma imprensa submissa e conivente), foi disfarçando a sua incompetência e desonestidade, que por pouco não levavam o Benfica à extinção. Não quero de forma alguma sugerir que seja esse o caso da candidatura de Bruno de Carvalho: primeiro, porque desconheço factos que o indiquem, depois porque não vejo nele nenhum Vale e Azevedo — ao contrário do que dele disseram outros candidatos. Mas as cenas que os seus apaniguados protagonizaram à porta de Alvalade fizeram lembrar cenas já vistas mais adiante na Segunda Circular.


2- Domingo que vem bem gostaria de estar na Luz, a ver o FC Porto tentar sair de lá como campeão. Mas, infelizmente, tal não é possível. Porque gosto muito de futebol, não me passa pela cabeça ir ver o jogo para o meio das claques, onde o futebol é o que menos interessa e o que mais interessa é insultar o adversário. E a última vez que fui para a bancada num estádio a Sul do Tejo, foi em Setúbal, num jogo sem história em que o FC Porto começou a ganhar aos cinco minutos e trucidou tranquilamente o Vitória. Mesmo assim, estive à beira de ser espancado por um grupo de corajosos adeptos vitorianos, ofendidos pelo facto de eu me levantar a celebrar os golos do FC Porto. Umas semanas antes, em Alvalade, tinha-me sucedido exactamente o mesmo, quando Domingos de seu nome, de quem agora se fala para treinador do Sporting, destroçou esse clube de cavalheiros.

As claques, que espalham o ódio nos estádios e fora deles, que apedrejam autocarros e carros de dirigentes (na semana passada, foi o de Luis Filipe Vieira, atacado cobardemente), estão a matar o futebol. Clubismo é uma coisa, fanatismo é outra. Eles não gostam de futebol nem sequer gostam dos clubes que apoiam: usam o futebol e o clube como instrumentos de ódio e selvajaria, organizando-se em escolas de crime e actuando a coberto da pior forma de cobardia, que é a das multidões. Dir-me-ão que as claques são essenciais para trazer público aos estádios e apoio aos clubes. É mentira: afastam mais gente do que a que trazem e envergonham mais os clubes do que os ajudam. Dir-me-ão que há excepções entre as claques e eu acredito que sim: há excepções em tudo, mas, muitas vezes, são as boas excepções que servem para tolerar a intolerável maioria.

Seria muito bom que nenhuma declaração de parte a parte e incluindo toda a gente, viesse tornar insuportável o ambiente prévio do Benfica-Porto do próximo domingo. Já sem o campeonato em jogo, não há nenhuma razão para que as duas melhores equipas de Portugal não se entreguem ao jogo pelo jogo, sem que outros o tentem estragar de fora. Por uma vez, agradecia-se silêncio.

Embora sem nada em jogo, em termos de campeonato, o jogo da Luz tem, porém, várias outras coisas importantes em jogo. Já não há nada de determinante a ganhar mas há muito, de orgulho próprio a perder, e especialmente para o Benfica. O Benfica vai ter de impedir que o FC Porto seja campeão no seu estádio — o que seria traumático para os adeptos. Depois, vai ter de passar o testemunho de campeão ao FC Porto e tem bem presente a situação inversa, na época passada, em que um FC Porto sem nenhum favoritismo e reduzido a dez metade do jogo, encontrou talento e motivação para vencer 3-1 e evitar que o Benfica festejasse o titulo no Dragão. Mas o Benfica tem também de tentar interromper o campeonato sem derrotas do FC Porto, para que este não possa ameaçar o seu registo de ter sido o único clube que conseguiu ser campeão invencível, na época vitoriosa de Jimmy Hagam. E tem ainda de vingar os 5-0 da primeira volta no Dragão, que foi onde o FC Porto sentenciou o campeonato. É um caderno de encargos suficiente para que o jogo seja tudo menos a feijões.

Se pudessem concerlar o assunto entre ambos, talvez Andre Villas Boas e Jorge Jesus não se importassem de combinar deixar de fora alguns dos seus mais valiosos trunfos {Eu tiro o Fábio Coentrão e tu tiras o Álvaro Pereira e o Varela; eu tiro o Aimar, o Saviola e o Gaitan e tu tiras o Hulk; eu tiro o Cardozo e tu tiras ...o Walter). E que este, que era para ser o jogo do título, está agora claramente ultrapassado em importância pelos jogos europeus que ambas as equipes terão de enfrentar quinta-feira. E ambas chegam ao jogo da Luz com uma dúzia de jogadores cansados e desgastados pelos inúteis e incompreensíveis jogos amigáveis de selecções, agendados para o momento mais determinante da época dos clubes europeus.

3- Faz pena ver Ricardo Quaresma a jogar, hoje. Ele é mais um exemplo de como o FC Porto é uma grande escola de jogadores. Não o Sporting, que mal os começa a formar, logo os vende, mas o FC Porto, que foi quem transformou o Quaresma num grande jogador — que ele nunca mais voltou a ser depois de se ter ido embora. Eu bem que o avisei, aqui, na altura em que resolveu ir atrás da proposta de Mourinho e do dinheiro do Inter. Alguém que tinha um dom tao fabuloso como ele para jogar à bola, não tinha o direito de o deitar a perder assim.