quarta-feira, maio 30, 2012

NÓS É QUE APAGÁMOS A LUZ! (05 ABRIL 2011)

I – NÃO SABER PERDER

A última recordação que guardo de um jogo que obviamente nunca esquecerei, é da conferencia de imprensa dada por Jorge Jesus, já a frio, mais de meia hora depois do apito final. Perguntaram-lhe se ele achava que o FC Porto tinha sido um justo campeão. E, antes de ele responder, lembrei-me que, em circunstâncias idênticas, na época passada, Jesualdo Ferreira tinha reconhecido o mérito do triunfo do Benfica (e apesar do túnel), tal como o fez André Villas Boas, como o fizeram todos os comentadores portistas, eu incluído. Estaria Jorge Jesus ao nível que se lhe exigia? Não, não esteve; andou à roda da pergunta, fez-se de desentendido, chutou para canto, não respondeu. Daí a pouco, repetiram a pergunta e, antes que ele começasse outra vez a desconversar, interpôs-se o João Gabriel (que, desde que virou assessor, adoptou uma estranha concepção do que é o jornalismo) e impediu a resposta, em tom de quem mete os meninos jornalistas na ordem.

Eis dois dos derrotadas da época, que mostraram não saber perder. Jorge Jesus, que começou por ver fugir a Supertaça e depois levou 5-0 no Dragão, manteve intacta a jactância, avisando que o miúdo não ia aguentar a pressão e que «isto» não era como começava, mas como acabava. Pois acabou com mais uma lição de bola do miúdo em pleno Estádio da Luz, que só por milagre não degenerou em nova humilhação extrema. Mas não foi capaz de reconhecer que perdera para quem fora melhor. Ganhar uma vez, quando se dispõe de uma grande equipa e os adversários estão diminuídos, não é o mais difícil; difícil é ganhar habitualmente. É isso, por exemplo, que distingue Jesus de Mourinho - a quem logo o quiseram comparar, na época passada. Saber perder, reconhecer e aprender com o mérito dos adversários, é uma das condições para progredir. E ele mostrou que não a tem: ou por falta de humildade ou por medo de contrariar a voz do patrão.

Quanto ao João Gabriel, presumo que seja determinante naquilo a que se poderá chamar a estratégia de co-municação do Benfica. Se nao é determinante, é conivente; se não a concebe, executa-a, obediente. Deve, pois ser-lhe assacada uma dose sempre grande de responsabilidade pelo outro campeonato perdido este ano pelo Benfica: o campeonato da imagem e da mensagem. Apesar da entusiástica compreensâo e apoio que sempre goza na imprensa desportiva, o Benfica consumou esta época alguns feitos de haraquiri comunicacional e de imagem que perdurarão - e com danos - anos muitos a fio. Conseguiu ser o primeiro clube do mundo a apelar aos seus adeptos para não irem ver a equipa jogar — um apelo que os próprios adeptos se encarregaram de descartar, expondo a Direcção e os seus conselheiros ao ridículo; conseguiu comprar um jogador adversário na própria manhã do jogo e a tempo de o impedir de jogar à noite; conseguiu, esta semana, inventar o direito de exigir que os adeptos de um clube adversário não entrassem no seu estádio com símbolos desse clube, confirmando que no Estádio da Luz há uma lei especial em vigor que faz com que ali os jogos não sejam um espectáculo público sujeito às regras gerais do país; transformou o speaker de serviço no estádio num hooligan, incitando à arruaça; e rematou com a atitude jamais vista de apagar as luzes do estádio e ligar o sistema de rega para que os jogadores adversários não pudessem festejar a vitória junto dos seus adeptos - mas com isso, e como seria de prever, acabou a proporcionar imagens que ficarão para história do anti desportivismo e, ainda por cima, lindíssimas. E, quando eu achava que já não havia mais tiros no pé a dar, eis que vejo o João Gabriel a exercer o magnânimo e estalinista direito de controlar as perguntas que podem ser feitas ao treinador do Benfica e aquelas a que ele está autorizado a responder. Parabéns à estratégia: foi um êxito retumbante, para recordar durante muito tempo.

O Benfica não perdeu apenas um jogo e um campeonato ou um jogo e campeonato para o rival no seu próprio estádio. Perdeu muito mais do que isso: perdeu o respeito por si mesmo e, à vista de um país inteiro, cobriu-se de vergonha. E é por não perceber isto que eles vão continuar a perder e nós vamos continuar a ganhar. Mas o Benfica é, de facto, um clube muito maior do que as atitudes, os discursos e os comunicados de alguns dos seus podem fazer crer.

Nunca cometerei a aleivosia de confundir o sol com a nuvem que passa e o tapa.


II – SABER GANHAR

Pela terceira vez esta época, André Villas Boas deu uma lição a Jorge Jesus. Foi muito bem ganho o jogo na sua preparação, foi muito bem ganho em campo. As tarjas dos benfiquistas na bancada diziam eu sou campeão, mas não eram mais do que uma confissão de derrota, uma passagem de testemunho. O FC Porto foi superior em tudo: na estratégia, na atitude, no desempenho individual, na qualidade do jogo, na defesa, no ataque, no meio-campo. Não poderia haver outro vencedor e o resultado, de facto, só pecou por escasso - porque Falcão falhou dois golos em frente a Roberto e Cristian Rodriguez falhou outro. E porque assistimos a uma arbitragem sem pudor do lisboeta Duarte Gomes.

Vale a pena recordar: o sr. Duarte Gomes perdoou o segundo amarelo a Aimar por uma agressão, por trás, às pernas de um adversário; perdoou idêntica agressão e já sem bola ao Javi Garcia, um dos crónicos caceteiros do Benfica; perdoou todas as habituais cotoveladas em que os jogadores do Benfica se tornaram useiros e vezeiros; perdoou nada menos do que duas simulações de agressão (mais a simulação do penalty) e dois cortes de bola com a mão a Franco Jara, nos 45 minutos em que ele esteve em jogo; inventou do nada um penaty para repor em jogo um Benfica até aí inexistente; fez uma curiosa interpretação de uma claríssima regra do jogo para trocar um vermelho por um amarelo no penalty cometido por Roberto; expulsou o Otamendi, com dois amarelos - um, por falta que não cometeu (a do penalty), outro por uma simples obstrução na linha lateral — e, com isso, voltou a repor o Benfica em jogo. Enfim, fez o que pode para que o FC Porto não festejasse o título na Luz. Irá ser castigado, despachado para a jarra? Nao: vai ganhar o prémio de arbitragem Cervan/ Gomes da Silva. É claro que agora, com a vitória portista, já nada disto interessa. Mas convém reter o nome e a memória desta prestação: ou muito me engano ou ele está aprovado e destinado a arbitrar muitos mais clássicos.


III – SABER MODERAR AS EXPECTATIVAS

O FC Porto já conquistou dois dos objectivos da época: o campeonato — objectivo n.º 1 - e a Supertaça. Já é mais do que suficiente para dar os parabéns a André Villas Boas e todo grupo de trabalho, do presidente aos roupeiros, como ele disse. E eu dou-lhes a todos os meus parabéns mais sinceros, onde vai muita alegria, muito orgulho e muita gratidão. Além do mais, porque tem sido um campeonato absolutamente impecável e uma Liga Europa brilhante. Quinta-feira, lá estarei no Dragão, para ver o jogo contra o Spartak e para agradecer aos campeões. Mas sei que os três objectivos que nos faltam — a Liga Europa, um campeonato invencível e a Taça de Portugal - não são racionalmente possíveis nem são legitimamente expectáveis. Se pudesse escolher, eu escolheria, por ordem, a Liga Europa, o campeonato sem derrotas e a Taça. Todos não são possíveis, mas o que me conforta mais é saber, sem uma dúvida, que a equipa se vai bater até ao fim por todos e cada um destes objectivos. E que, quando perdermos, saberemos perder, reconhecendo mérito ao adversário aprendendo com a derrota, sem apagar a luz nem exigir que os nossos adeptos não vão aos jogos ou que os adeptos dos outros só vão disfarçados. E essa grandeza que nos faz grandes, na hora da vitória ou da derrota, que nos enche de orgulho e que nos transforma no alvo a abater no pequeno mundo dos medíocres e invejosos.

Os invejosos e medíocres ladram, o FC Porto passa. Passa, segue e vai em frente. Campeão de Portugal pela 25.ª vez. E a história continua. Se acham que já viram tudo, desiludam-se: a história vai continuar. É este o nosso destino.

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