terça-feira, maio 29, 2012

ERA UMA VEZ UM JOGO FUNDADO POR CAVALHEIROS (29 MARÇO 2011)

1- Desejo as maiores felicidades ao novo presidente do Sporting - seja ele quem for. A avaliar pelo nível da campanha eleitoral e da votação em si mesma, quem quer que finalmente ocupe o cargo está condenado a governar uma facção contra todas as outras e, a menos que as coisas comecem logo a correr maravilhosamente bem, a exercer as suas funções num clima de contestação, ódio, insultos e ameaças ou mesmo agressões físicas. Sinceramente, custa a entender que haja quem aspire à função.

De cabeça perdida por anos de frustração desportiva e uma situação de ruína financeira e sem perspectivas de recuperação económica a médio prazo (tal qual o país), os sportinguistas entregaram-se a um desvario eleitoral que alguns, bondosamente, ainda tentaram ver como um sinal de «vitalidade». Foi sim um sinal de desintegração, de desnorte e de irresponsabilidade. Esperemos que o Sporting Clube de Portugal não fique conhecido como o Sporting Igual a Portugal. Esperemos, por Portugal - porque, quanto ao Sporting, não sei ja se terá salvação, neste clima e neste panorama. Os sinais de desvario e irresponsabilidade, o tom de vale tudo com que os candidatos se lançaram uns contra os outros, ficaram bem patentes no jogo perigoso de promessas irreais, discursos disparatados e suspeitas mútuas de toda a ordem. Não sei se, reflectindo ou nao, o sentimento dominante dos sportinguistas, os cinco candidatos revelaram uma notável leviandade na forma como anunciavam nomes aos quatro ventos e como apregoavam fundos e dinheiros, cuja origem ou existência em nada os preocupava, mesmo que viessem de lavagem de dinheiro, de negócios mafiosos ou pior ainda. Apenas Dias Ferreira destoou nessa espiral de populismo, mas já o seu número 2, Paulo Futre, não se conteve em alinhar nesse tsunami de disparates, anunciando mirabolantes negócios da China que não resistiam a uma simples reflexão de bom senso: os «novos-ricos» da China, como lhes chamou, iriam pagar 1,5 milhões de euros por cada jogo do Sporting (a custos chineses, significa um estádio de 60.000 lugares cheio) e à razão de um jogo por dia, durante uma semana! Eis o nível a que chegou o debate!

Tudo isto culminou num presidente eleito com um número de votantes significativamente inferior ao candidato que ficou em segundo lugar, mas com uma maioria ridícula de votos, graças a um sistema eleitoral herdado dos tempos em que se queria preservar o club de aventureiros como Bruno de Carvalho. Um presidente eleito, que, mal anunciado, logo foi insultado, empurrado, apedrejado e só não foi sovado porque o protegeram outros, que não os adeptos. E cuja eleição é agora contestada, estatutária e judicialmente, pelo candidato derrotado, que lhe lança o repto de «não se apegar ao poder» e pôr o Sporting em primeiro lugar — como ele próprio, Bruno de Carvalho, tão bem exemplifica...

Na campanha eleitoral do Sporting foram evidentes alguns sinais de que o clube pode ser tomado de assalto pelas claques. Há presidentes que tem medo delas e lhes consentem tudo, e há outros que as usam em benefício de um projecto pessoal de poder. E é sobretudo nos momentos de crise e de desesperança que o perigo de elas tomarem conta dos clubes se torna mais real. Todos estamos lembrados do exemplo extremo de Vale e Azevedo, lançando mãos das claques como instrumento de terror e de intimidação interna e externa, e com as quais (e uma imprensa submissa e conivente), foi disfarçando a sua incompetência e desonestidade, que por pouco não levavam o Benfica à extinção. Não quero de forma alguma sugerir que seja esse o caso da candidatura de Bruno de Carvalho: primeiro, porque desconheço factos que o indiquem, depois porque não vejo nele nenhum Vale e Azevedo — ao contrário do que dele disseram outros candidatos. Mas as cenas que os seus apaniguados protagonizaram à porta de Alvalade fizeram lembrar cenas já vistas mais adiante na Segunda Circular.


2- Domingo que vem bem gostaria de estar na Luz, a ver o FC Porto tentar sair de lá como campeão. Mas, infelizmente, tal não é possível. Porque gosto muito de futebol, não me passa pela cabeça ir ver o jogo para o meio das claques, onde o futebol é o que menos interessa e o que mais interessa é insultar o adversário. E a última vez que fui para a bancada num estádio a Sul do Tejo, foi em Setúbal, num jogo sem história em que o FC Porto começou a ganhar aos cinco minutos e trucidou tranquilamente o Vitória. Mesmo assim, estive à beira de ser espancado por um grupo de corajosos adeptos vitorianos, ofendidos pelo facto de eu me levantar a celebrar os golos do FC Porto. Umas semanas antes, em Alvalade, tinha-me sucedido exactamente o mesmo, quando Domingos de seu nome, de quem agora se fala para treinador do Sporting, destroçou esse clube de cavalheiros.

As claques, que espalham o ódio nos estádios e fora deles, que apedrejam autocarros e carros de dirigentes (na semana passada, foi o de Luis Filipe Vieira, atacado cobardemente), estão a matar o futebol. Clubismo é uma coisa, fanatismo é outra. Eles não gostam de futebol nem sequer gostam dos clubes que apoiam: usam o futebol e o clube como instrumentos de ódio e selvajaria, organizando-se em escolas de crime e actuando a coberto da pior forma de cobardia, que é a das multidões. Dir-me-ão que as claques são essenciais para trazer público aos estádios e apoio aos clubes. É mentira: afastam mais gente do que a que trazem e envergonham mais os clubes do que os ajudam. Dir-me-ão que há excepções entre as claques e eu acredito que sim: há excepções em tudo, mas, muitas vezes, são as boas excepções que servem para tolerar a intolerável maioria.

Seria muito bom que nenhuma declaração de parte a parte e incluindo toda a gente, viesse tornar insuportável o ambiente prévio do Benfica-Porto do próximo domingo. Já sem o campeonato em jogo, não há nenhuma razão para que as duas melhores equipas de Portugal não se entreguem ao jogo pelo jogo, sem que outros o tentem estragar de fora. Por uma vez, agradecia-se silêncio.

Embora sem nada em jogo, em termos de campeonato, o jogo da Luz tem, porém, várias outras coisas importantes em jogo. Já não há nada de determinante a ganhar mas há muito, de orgulho próprio a perder, e especialmente para o Benfica. O Benfica vai ter de impedir que o FC Porto seja campeão no seu estádio — o que seria traumático para os adeptos. Depois, vai ter de passar o testemunho de campeão ao FC Porto e tem bem presente a situação inversa, na época passada, em que um FC Porto sem nenhum favoritismo e reduzido a dez metade do jogo, encontrou talento e motivação para vencer 3-1 e evitar que o Benfica festejasse o titulo no Dragão. Mas o Benfica tem também de tentar interromper o campeonato sem derrotas do FC Porto, para que este não possa ameaçar o seu registo de ter sido o único clube que conseguiu ser campeão invencível, na época vitoriosa de Jimmy Hagam. E tem ainda de vingar os 5-0 da primeira volta no Dragão, que foi onde o FC Porto sentenciou o campeonato. É um caderno de encargos suficiente para que o jogo seja tudo menos a feijões.

Se pudessem concerlar o assunto entre ambos, talvez Andre Villas Boas e Jorge Jesus não se importassem de combinar deixar de fora alguns dos seus mais valiosos trunfos {Eu tiro o Fábio Coentrão e tu tiras o Álvaro Pereira e o Varela; eu tiro o Aimar, o Saviola e o Gaitan e tu tiras o Hulk; eu tiro o Cardozo e tu tiras ...o Walter). E que este, que era para ser o jogo do título, está agora claramente ultrapassado em importância pelos jogos europeus que ambas as equipes terão de enfrentar quinta-feira. E ambas chegam ao jogo da Luz com uma dúzia de jogadores cansados e desgastados pelos inúteis e incompreensíveis jogos amigáveis de selecções, agendados para o momento mais determinante da época dos clubes europeus.

3- Faz pena ver Ricardo Quaresma a jogar, hoje. Ele é mais um exemplo de como o FC Porto é uma grande escola de jogadores. Não o Sporting, que mal os começa a formar, logo os vende, mas o FC Porto, que foi quem transformou o Quaresma num grande jogador — que ele nunca mais voltou a ser depois de se ter ido embora. Eu bem que o avisei, aqui, na altura em que resolveu ir atrás da proposta de Mourinho e do dinheiro do Inter. Alguém que tinha um dom tao fabuloso como ele para jogar à bola, não tinha o direito de o deitar a perder assim.

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