quinta-feira, maio 31, 2012

O LADO BOM DO FUTEBOL (12 ABRIL 2011)

1- A boa notícia da semana foi a reacção de tantos e tantos adeptos do Benfica, anónimos ou conhecidos, contra a decisão da sua direcção (já não há dúvidas sobre isso...) de mandar apagar as luzes do estádio e regar os jogadores do FC Porto que festejavam um justíssimo título de campeão conquistado na Luz. Esses adeptos representam o melhor do Benlica e a parte saudável do futebol — que. acredito, continua a ser a maioria dos que gostam deste jogo. Sendo reflexo da própria sociedade, todos os clubes tem a sua parte saudável e a sua parte doentia. Infelizmente, a parte saudável tem sido aos poucos afastada, empurrada para fora dos estádios, pela turba selvagem dos arruaceiros, por dirigentes que espalham o ódio para disfarçar a sua incompetência e também, é forçoso dizê-lo, por uma imprensa que privilegia o conflito, as questiúnculas e as discussões idiotas, ao espectáculo em si mesmo. É inadmissível que ir a um estádio num jogo entre os principais rivais se tenha transformado num exercício de alto risco, num ambiente de ódios à solta, incendiadas previamente por dirigentes irresponsáveis e depois consumados à vista de todos por multidões organizadas de vândalos, a quem o futebol, como jogo, nada diz. É inadmissível, por exemplo, que os contribuintes portugueses (todos, até os que não gostam de futebol), tenham de pagar horas extraordinárias a exércitos policiais mobilizados para conterem uma violência programada e transformada tantas vezes no principal acontecimento de um jogo de futebol.

Felizmente, a honra do SL Benfica foi resgatada por tantos e tantos dos seus adeptos, que, apesar do clima de confronto instalado, souberam parar para pensar no que tinham visto no Estádio da Luz. E eu, talvez ingenuamente, gosto de pensar que um dia a parte saudável de todos os clubes conseguirá juntar-se, organizar-se, num movimento de cidadania desportiva que, a benefício de todos, devolva o futebol aos desportistas e devolva ao futebol a alegria que era a sua imagem de marca. Porque uma coisa é a rivalidade, que só faz bem ao jogo; outra é o terrorismo pseudo-desportivo.

2- Agora, gostaria de não ter que falar no rescaldo do Benfica-Porto, mas foram tantos e tão eloquentes os factos ocorridos, foram de tal forma ofensivos para um clube que acaba de se sagrar campeão nacional, que é impossível calá-los, sob pena de amanhã tudo se repetir igual. E é preciso que algumas coisas mudem, é preciso que algumas pessoas sejam corridas do futebol, a bem da sanidade pública.

Tudo começou, logo na segunda feira seguinte, com a prestação televisiva do maior espalha ódios do futebol português, o vice-presidente do Benfica, Rui Gomes da Silva. Interpelado sobre o apagão da Luz, começou logo, em tom arrogante, por dizer que nao era electricista, depois que nao estava no estádio, a seguir que estava no camarote, não tinha visto nada. Perguntado se não tinha sentido vergonha, como tantos benfiquistas, respondeu que vergonha era se o seu presidente tivesse sido condenado pela justiça desportiva. Ou seja, continua ainda a fingir acreditar que aquele desacreditado Conselho de Disciplina da Liga, organizado e comanditado pela direcção do Benfica, representa alguma forma de justiça - mesmo depois de desautorizado em toda a linha por quatro tribunais que se debruçaram sobre os mesmos factos e, entre outras coisas, concluíram que testemunha arregimentada pelo Benfica e acarinhada pelo dr. Costa e pela dr.ª Morgado, era perjura e tinha, ela sim, contas largas que prestar à justiça. Constando que Rui Gomes da Silva é advogado, não deixa de ser notável o conceito que tem de justiça: prefere uma encomenda de tribunal do que um tribunal a sério. A seguir, tentou também justificar o caso com um antecedente idêntico que teria ocorrido no estádio do FC Porto, na noite dos tempos. Mentiu: no Porto, e em dois jogos consecutivos, faltou a luz durante alguns minutos, regressando depois. Foi uma avaria da instalação ou da rede, que nada tem que ver com o acto voluntário de mandar apagar as luzes e ligar a rega para estragar os festejos ao adversário. E depois veio dizer ainda que as provocações tinham começado pelo FC Porto, ao recusar-se a entrar em campo de mão dada com as crianças equipadas à Benfica, conforme é praxe. Esqueceu-se foi de dizer que a recusa do FC Porto se deveu ao facto de toda as crianças estarem equipadas à Benfica, contrariando a praxe que estabelece que as que acompanham as jogadores da casa devem estar equipadas com as cores do adversário, numa provocação gratuita, que o FC Porto, muito bem, não aceitou.

A seguir, entrou em acção o CD da Liga, para castigar os incidentes da Luz. Pelo apagão e rega, deu ao Benfica a astronómica punição de 1.500 euros de multa. Pelo comportamento de parle dos seus adeptos - que atacaram à pedrada e com bolas de golfe, os carros, autocarros e a marcha escoltada dos adeptos azuis; que mantiveram uma batalha campal com a polícia, que resultou em vários feridos e treze presos; que, mal iniciado o jogo, forçaram a sua interrupção com lançamentode bolas de golfe e tudo que tinham à mão para os jogadores portistas — o CD da Liga multou o Benfica em 2.500 euros. E para o FC Porto, pelo comportamento dos seus adeptos — que foram agredidos à pedrada sem reagir, não provocaram, fora ou dentro do Estádio, qualquer incidente com adeptos benfiquistas ou com a polícia e que se mantiveram tranquilos nos seus lugares, nao aproveitando o apagão para causar problemas - toma lá os mesmos 2.500 euros de multa. Deve ser força do hábito.

Seguiu-se a Comissão de Arbitragem, que, através do observador do jogo da Luz, resolveu atribuir ao árbitro a classificação máxima. Não vou repetir a análise de uma arbitragem que todos viram o escândalo que foi. Limito-me a dizer que, quando um árbitro, em dez decisões controversas, erra todas elas e erra sempre para o mesmo lado, não há muitas dúvidas para alimentar: se aquela arbitragem tem sido ao contrário, em prejuízo do Benfica, o país já estava a arder. Só não digo que foi a pior arbitragem que vi neste campeonato, porque essa aconteceu em Coimbra, quando Académica e FC Porto foram forçados pelo árbitro a jogar num terreno absolutamente impossível para um jogo de futebol, mais parecendo um arrozal do Vietname, na época das cheias. É óbvio que, quando tudo o que os jogadores podem fazer é dar pontapés para o ar e para a frente e fazer aquaplaning, uma equipa de terceira divisão tem tanta hipóteses de vencer como uma equipa de topo. Esse árbitro do jogo de Coimbra sabia, pois, muitíssimo bem, que, ao fazer jogar naquelas condições, estava a falsear um jogo que podia vir a ser decisivo para as contas finais do título e estava, sobretudo. a prejudicar a melhor equipa técnicamente, que era o FC Porto. Custou-me muito acreditar que tivesse sido apenas uma má decisão. E custou-me mais ainda depois de ver que esse árbitro de Coimbra foi, afinal, o mesmo árbitro deste jogo da Luz. que conseguiu tomar dez decisões, todas erradas e influentes, e todas contra o FC Porto. Chama- se Duarte Gomes, de Lisboa, e, como aqui escrevi, prevejo-lhe uma carreira de sucesso, apadrinhado pela CA e desculpado pela comunicação social.

E, para acabar, tivemos a anedota final do castigo a Jorge Jesus. A CD da Liga, depois de meses e meses a investigar uma coisa que todas viram e reviram na televisão — o treinador do Benfica a enfiar um estalo num adversário, no final do jogo - resolveu que o testemunho do agredido não contava e que a agressão passava, com o tempo e o esquecimento, a «tentativa de agressão» . O mesmo órgão de disciplina que inventou que os stewards eram agentes desportivos e que aplicou cinco meses de suspensão a Sapunaru e Hulk por supostas agressões passadas no interior do túnel da Luz, e que até hoje ninguém viu, resolveu castigar com uns suaves 11 dias de suspensão uma estalada dada à vista do país inteiro por um treinador a um jogador adversário (que, para o efeito, não deve ter sido considerado agente desportivo). E, para que a anedota fosse completa, o castigo só foi aplicado quando o Benfica já tinha perdido o campeonato e Jesus não faz falta no banco, e acaba precisamente na véspera de voltar a fazer falta — para o jogo da Taça, contra o FC Porto. Sinceramente, não tem mesmo vergonha alguma?

3- Entretanto, o campeão segue: notável jogo contra o Spartak de Moscovo, e mais uma vitória da vontade colectiva, em Portimão. Leva 26 jogos do campeonato, 24 vitórias, 2 empates: nunca lerá havido um campeão mais justo do que este. É preciso ter uma fé inabalável no fanatismo ou na estupidez alheia para dizer, como Luís Filipe Veira, que o Benfica voltará a ganhar quando voltar a haver justiça no futebol.

Mas este ciclo do FC Porto é absolutamente infernal. Repare-se: dia 3 de Abril, foi a vitória do título, na Luz; quatro dias depois, a fantástica vitória de 5-1 sobre o Spartak, num jogo dificílimo; menos de 72 horas depois, o país inteiro atravessado para vencer em Portimão um dos aflitos e manter a invencibilidade no campeonato; mais quatro dias e novo jogo em Moscovo, culminando uma viagem de doze horas, ida e volta, aos confins da Europa; mais três dias e jogo contra um repousadíssimo Sporting, a lutar pelo 3.º lugar; outros três dias e nova viagem à Luz, no ambiente que se prevê, para tentar a proeza de reverter a eliminatória da Taça; e, depois sim, uma semana de tréguas, antes de reentrar no ciclo de dois jogos por semana, com as meias-finais da Liga Europa. Até aí chegar, são 6 jogos em 17 dias, com uma viagem a Moscovo pelo meio. E todos eles a lutar por qualquer coisa: pelo título, por um campeonato invencível, pela Taça, pela Liga Europa.

Realmente, se houvesse Justiça e desportivismo no futebol português, os adversários do FC Porto recebê-lo-iam agora, à entrada em campo, como os jogadores do Real Madrid receberam há dois anos os do arqui-rival Barcelona, entrando em Chamartin depois de conquistado um justíssimo título: entre duas alas a baterem-lhes palmas.

E vice- versa, quando fosse o caso. Sonhar não ofende.

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