terça-feira, julho 24, 2007

Férias ( 24 Julho 2007 )

Não houve crónica.

Férias ( 17 Julho 2007)

Não houve crónica.

MANUAL DE CONDUTA PARA JOGADORES DO FCPORTO ( 10 Julho 2007)

Hoje, você têm vinte anos e é milionário. Mas a vida não vai ser sempre assim. Se for inteligente, você saberá tirar partido dos seus tempos livres, em lugar de se dedicar ociosamente às três coisas que hoje ocupam em exclusivo a cabeça dos jogadores de futebol: automóveis de luxo, penteados e tatuagens.


Agora, que estamos naquela época do ano em que desaguam no Porto levas de novos jogadores de futebol destinados ao FCP— quase todos estrangeiros, sul-americanos e imberbes — deixo-lhes aqui alguns conselhos de comportamento que, se eu mandasse, lhes faria entregar no aeroporto:

- Livre-se de chegar ao FCP a pensar ou a dizer que já está a almejar mais altos voos (como ainda ontem vi o Leandro Lima — que nem sequer ainda chegou — a afirmar). Primeiro, porque os Chelsea, Manchester United e Barcelona não compram todos os jogadores bons do planeta, mas apenas um número restrito dos verdadeiramente excepcionais. Segundo, porque, ao chegar ao FCP, você já está num grande da Europa. É verdade que há, pelo menos, uma dúzia de clubes maiores na Europa a nível financeiro, mas não há sequer uma dúzia que lhe dê as condições e o prestígio que o FCP lhe pode dar.

- O FCP foi 19 vezes campeão de Portugal, duas vezes campeão da Europa e duas vezes campeão do Mundo. Você ainda não foi nada. É uma honra para si vestir esta camisola e estar ao serviço deste clube. Comece pois, por ser humilde, se quiser vir a ser verdadeiramente grande.

- O FCP tem mais de cem anos de história: ainda o seu avô não tinha nascido e já as cores azul e branca (homenagem à antiga e lindíssima bandeira nacional) jogavam futebol. Visite a sala de troféus, fale com os funcionários mais antigos, com velhas glórias do clube, com adeptos de várias gerações. Aprenda a história do clube para aprender a respeitá-lo.

- Como todos os clubes, também o FCP nasceu e vive graças à dedicação dos seus sócios e adeptos. Nunca confunda quem lhe assina os cheques com quem lhe paga: o seu patrão é o FC Porto e o FC Porto é dos seus sócios. É a eles, antes de mais, que você deve respeito e dedicação — a mesma que eles dão ao clube.

- Desde que foi inaugurado, o Estádio do Dragão tem a mais elevada média de assistências em Portugal. No último campeonato, a média foi de 40.000 espectadores por jogo. Não há muitos clubes no Mundo que se possam gabar disto, não há nenhum em toda a América do Sul. Isso dá-lhe bem a noção do amor ao futebol e da dedicação ao clube dos seus adeptos. E deve dar-lhe também a noção da sua responsabilidade em campo. Nunca esqueça, por exemplo, que o público que paga bilhete e se desloca ao estádio, fá-lo para assistir e vibrar com 90 minutos de futebol, e não apenas com 30, 50 ou 70: se estamos a ganhar por dois ou três a zero, isso não o dispensa nem à equipa de continuar a jogar o melhor que sabe pelo prazer do público.

- Você vai poder jogar no mais bonito estádio do Mundo, vai poder treinar num centro de treinos moderno e impecável onde nada falta, vai estagiar em hotéis de luxo, viajar em autocarro de luxo e 1.º classe de aviões fretados, vai ter técnicos, médicos, enfermeiros, pessoal de apoio ao seu serviço 24 horas por dia: nada o dispensa de não dar o máximo sempre. Devem ser raríssimas as actividades e empresas em todo o Mundo em que alguém disponha das mesmas condições de trabalho que o FCP lhe proporciona. Faça por merecer o privilégio.

- Você faz aquilo de que mais gosta e tem a sorte de poder fazer, profissionalmente, o que milhões de miúdos em todo o Mundo pagariam para poder fazer. Você é principescamente pago para jogar futebol ao serviço de um clube. Não tem desculpas para não encharcar essa camisola, nos treinos e nos jogos.

- Jamais venha com a desculpa de que está cansado porque jogou ao fim-de-semana para o campeonato e a meio da semana para a Liga dos Campeões. Esse é o sonho de qualquer jogador e, se você é bom profissional, tem obrigação de estar preparado para isso e muito mais. Mesmo que oiça essa desculpa ao próprio treinador, não alinhe nela. Os grandes jogadores das grandes equipas sabem que o contrato é claro: são anos de glória e de fortuna, em troca de sacrifícios e trabalho árduo. Para descansar, pode esperar pelos 30 anos. E, se não gosta, pode sempre escolher: há outras profissões de menor desgaste físico, em que se pode fazer noitadas, fumar e beber. Mas têm horários de trabalho de 40 ou mais horas, recebe-se cinquenta ou cem vezes menos e não há multidões a aplaudir o nosso trabalho.

- Hoje, você tem 20 anos e é milionário. Mas a vida não vai ser sempre assim. Se for inteligente, você saberá tirar partido dos seus tempos livres, em lugar de se dedicar ociosamente às três coisas que hoje parecem ocupar em exclusivo a cabeça da maioria dos jogadores de futebol: automóveis de luxo, penteados e tatuagens.

- Em vez disso, procure crescer, aprender, cultivar-se, interessar-se pelas coisas. Além do mais, quanto mais mundo e conhecimentos você adquirir, mais inteligente ficará e hoje o futebol que se joga depende muito da inteligência que os jogadores são capazes de integrar no seu jogo.

- Comece, por exemplo, por se interessar e aprender coisas sobre a cidade do Porto, onde terá de viver nos próximos anos. Descubra a história da cidade que deu nome a Portugal, descubra a sua arte, os seus costumes, os seus restaurantes, os seus monumentos, a história do vinho do Porto, a cultura da sua gente. E o mesmo em relação ao seu novo país de acolhimento. Deixe de lado o estereótipo do jogador que diz que é muito caseiro e que só faz vida treino-casa-estágio. Você tem metade dos dias livres: aproveite-os para fazer qualquer coisa de útil.

- Se realmente quer chegar ao topo, deixe as tardes de volta da Playstation, como se fosse um miúdo de doze anos, e ponha-se a aprender línguas, por exemplo: inglês, espanhol, italiano (e português, claro) vão-lhe dar muito jeito para o futuro, dentro ou fora do futebol.

- Contribua para afastar de vez aquela imagem do jogador de futebol que só sabe falar com os pés. Aprenda a exprimir-se como uma pessoa normal, aprenda a falar com a imprensa e, mesmo quando as perguntas são sempre iguais e desinteressantes, como tantas vezes são, procure dar respostas que tenham algum conteúdo e algum interesse para os adeptos. Se só sabe responder por lugares-comuns e banalidades, mais vale então ficar calado: poupa a sua imagem.

- Quando entrar em campo, pense que faz parte de uma equipa e que está ali para dar a vitória ao seu clube. Lá em cima, na bancada, nós não queremos saber se o seu carro custou 123.000 euros, como um dos três carros do Cristiano Ronaldo; não queremos saber se o seu penteado é ainda mais interessante que o do Miguel Veloso, as suas tatuagens mais sexys que as do Beckham e o seu look ainda mais in(?) que o do Abel Xavier. Nem queremos saber se você, como dizia o Valdano, é capaz de fintar três jogadores dentro de uma cabina telefónica — se depois não dá com a saída. Quando estiver em jogo, deixe de se preocupar consigo próprio: use a inteligência a par do talento, levante a cabeça, olhe para o jogo e faça o que for melhor para a equipa, em cada momento.



Se fizer tudo isto, seja bem-vindo ao FC Porto!

SALDOS DE VERÃO ( 03 Julho 2007)

A hipótese da venda de Quaresma é simplesmente devastadora - quer desportivamente ( vale metade das assistências para golo em toda a época), quer financeiramente, uma vez que não seria vendido pelos 30 milhões de Anderson, e ele vale-os bem.

1 - Até agora, o Benfica gastou três vezes mais do que os seus rivais nas compras de Verão: 12,6 milhões de euros, contra 3,5 do FC Porto e 3,2 do Sporting. Mas as contas ainda não estão fechadas: Soares Franco já anunciou que vem mais um ponta-de-lança para os leões e Pinto da Costa disse que o plantel do FC Porto não está fechado. De qualquer forma, e se Cardozo provar valer os mais de 9 milhões nele investidos, fica a sensação de que o Benfica, por uma vez, poderá ter saído, teoricamente pelo menos, vencedor deste campeonato particular do defeso.

No que respeita ao FC Porto, o que mais me interessa, há boas e más notícias. Boa notícia é, desde logo, a contenção nos gastos, absolutamente essencial para quem apresentou 30 milhões de euros de prejuízo nas contas de 2005/06 e seguia pelo mesmo caminho na gestão corrente (a venda de Anderson permitirá disfarçar em muito o défice de exploração). Boa notícia é também a venda de Ricardo Costa ao Wolfsburgo por 4 milhões, melhor só mesmo a venda de Ricardo Rocha, do Benfica, ao Tottenham.

Mas a venda de Anderson tão cedo foi, como já aqui o expliquei, um péssimo negócio. Os 4 milhões recebidos pela cedência definitiva de Hugo Almeida ao Werder Bremen também são um fraco negócio para quem não dispõe de um ponta-de-lança que faça a diferença. Ao todo, o FC Porto facturou até agora 38 milhões em vendas e gastou 3,5 em compras — não está mal como negócio mas seguramente que a equipa ficou incomparavelmente mais fraca depois de perder Anderson. Má notícia é também a continuada tendência portista para comprar em quantidade: embora gastando três vezes menos que o Benfica, o FC Porto já vai em oito jogadores novos, quase todos desconhecidos e alguns, como é costume, para posições que já se encontram saturadas. O caso mais evidente é o lateral-esquerdo Lino, que vem para um lugar onde já existem quatro clientes mais, fora os que estão emprestados.

Mas há uma boa novidade, que é o facto de, pela primeira vez desde há muito tempo, haver dois jogadores novos que vêm por um ano à experiência, contrariando a política suicida habitual de contratar todos em definitivo e com contratos de quatro ou cinco anos. A principal razão do défice da SAD advém desta política de novo-rico deslumbrado, que tem como consequência a imensa folha de pagamentos mantida para pagar ordenados a jogadores emprestados a outros clubes. Alguém se lembra que o FC Porto paga ordenados a jogadores como Areias, Pittbull, Leandro do Bonfim, Léo Lima, Bruno, Maciel, etc., etc.?

Outra das causas dos prejuízos de gestão crónicos são os ordenados elevadíssimos que se pagam lá pelo Dragão. Temos agora um bom exemplo, com o interesse reiteradamente noticiado do FC Porto no médio Bolatti, um desconhecido jogador de uma obscura equipa argentina, em processo de falência judicial. O jogador é disputado pelo Corunha e pelo FC Porto: o Deportivo, que pertence a um campeonato rico, oferece 35 mil euros mensais de ordenado; o FC Porto, segundo a imprensa local, oferece mais do dobro: 83 mil. E isto, para um lugar de trinco, onde já estão o Paulo Assunção, o João Paulo e uma das contratações novas, Luís Aguiar!

Ao mesmo tempo que já vai em oito novas contratações, mais dois juniores promovidos, o FC Porto prepara-se para deitar fora, emprestados, jogadores como Alan, Vieirinha (tão mal aproveitado!), Diogo Valente (para que foram comprá-lo?), Ivanildo e o guarda-redes Bruno Vale, infinitamente melhor do que Nuno Espírito Santo, agora recomprado. E a fazer fé no que consta nos mentideros, Jesualdo também estará a fim de prescindir de Ibson e Bruno Morais. Todos jogadores de indiscutível valor e margem de progressão longe de estar esgotada e bem aproveitada. Para quê ficar com a despesa deles, sem a respectiva contrapartida, e ir buscar outros, de valor absolutamente desconhecido, para os substituir? Jesualdo tem o direito de não gostar de jogadores como Vieirinha, Bruno Morais ou Ibson. Mas, num clube que tem excesso de jogadores e excesso de prejuízos, não compreendo que o presidente não se vire para o treinador e lhe diga: «Não gosta? Paciência. São estes que temos. E até que terminem os seus contratos, é com estes que vai ter de contar.» Depois de anos e anos em roda livre de contratações, à SAD do FC Porto deveria aplicar-se o mesmo princípio que à Função Pública: por cada um que entrar há dois que têm de sair da folha de pagamentos.

Acresce que, como já foi notado, parece estar-se a assistir a uma opção pela razia de extremos: Ivanildo, Alan, Vieirinha. Resta Ricardo Quaresma… e se restar. Não é preciso ser bruxo para perceber que a Direcção está mortinha por vender Quaresma — de outro modo, aliás, o Atlético Madrid não continuaria a alimentar esperanças, muito bem documentadas na imprensa espanhola. Se isto tem fundamentos sérios, como parece, julgo que a SAD estará apenas à espera de que esteja vendido um número razoável de lugares de época no estádio para anunciar que, além de Anderson, também se foi Quaresma.

A hipótese da venda de Quaresma é simplesmente devastadora — quer desportivamente (vale metade das assistências para golo em toda a época), quer financeiramente, uma vez que seguramente não seria vendido pelos mesmos 30 milhões de Anderson, e ele vale-os bem. Pior ainda é que, se bem conheço a maneira de funcionar de Pinto da Costa nestas situações, a venda de Quaresma seria compensada por uma qualquer asneira, caríssima — tipo Miccoli —, destinada a acalmar as hostes. Espero bem que esteja enganado e que logo à noite já haja um comunicado da SAD a anunciar que não, nunca, jamais, foi equacionado vender o Quaresma e especialmente ao preço de saldo oferecido pelo Atlético Madrid.

2 - Francamente, não consigo entender como é que o Benfica consente em vestir os equipamentos alternativos que a Adidas lhe propõe a cada ano que passa. É difícil escolher pior e mais horrível. Foi, primeiro, aquele preto, misturado com o encarnado, numa combinação cromática verdadeiramente impossível. Depois, veio aquela cor de minhoca desenterrada, extensível aos fatos de treino, e que foi, talvez, o equipamento mais feio que alguma vez vi numa equipa de futebol. E agora vem aquele cor-de-rosa, com o preto a reincidir, que, enfim… como hei-de dizer? Olhem, é aquilo que vocês estão a pensar! Estas coisas têm (pelo menos, para mim) mais importância do que se julga.

Por exemplo, só há dias e pela mão dos Rolling Stones, tive ocasião de conhecer por dentro o Alvalade XXI — que, por fora, já achava a coisa mais feia feita em Lisboa, nos últimos 30 anos. Pois, meu Deus, por dentro aquilo é absolutamente indescritível! Não apenas é horrendo, deprimente, como também tem um ar sujo, prematuramente degradado, parece um palácio de congressos africano construído por chineses. Coitados dos sportinguistas, tão chiques e com um estádio daqueles! Que inveja, que depressão devem sentir quando vão ao Dragão!

E JÁ ESTREBUCHA NA FORCA COMO UM MORTO ( 26 Junho 2007)

Desde que Maria José Morgado foi nomeada «ad hoc» para o Apito Dourado, Pinto da Costa endendeu que a melhor estratégia de defesa era o silêncio - deixar ela trabalhar em paz e no fim se veria. Em minha opinião, fez mal.

1 - Alguns já discutem quais serão os campeonatos que Benfica e Sporting dividirão entre si, depois de eles serem retirados ao FC Porto pelo CD da Liga. Outros preferem antes uma condenação para o futuro e a dúvida é saber se o FC Porto deve ir parar à Liga de Honra ou à Segunda Divisão-Zona Norte. Elegante, como sempre, o presidente do Benfica, por seu lado, já vê Pinto da Costa a «estrebuchar como um morto», certamente pendurado da forca que lhe está destinada.

A terceira acusação deduzida contra Pinto da Costa diz que ele terá comprado o árbitro do Nacional-Benfica de 2004 — jogo que, segundo o Correio da Manhã, foi decisivo para afastar de vez o Benfica do título desse ano. Infelizmente, não vi lembrado em lado algum quando é que o jogo teve lugar, a quantos pontos estava o Benfica do FC Porto, quando é que o Benfica esteve em risco de ganhar esse campeonato e, já agora, que favores de arbitragem terá o árbitro proporcionado no dito jogo em troca do suborno. Em contrapartida, o Ministério Público refere na acusação em que terá consistido o suborno: num bilhete — um — para o jogo FC Porto-Manchester United.

Se o preço parece barato, convém não esqueçer que, também neste aspecto, está em vigor e amplamente cultivada pela imprensa, uma teoria que se espera consiga suprir as deficiências ou fraquezas da acusação. A teoria diz que o FC Porto manteria com os árbitros uma espécie de «conta-corrente», a qual faria deles avençados permanentes ao serviço do clube. Um bilhetinho para o futebol hoje, as atenções de uma menina amanhã. Ou, se a coisa ainda continuar a parecer barata de mais, entra o testemunho da D.ª Carolina, falando em sacos de notas de quinhentos contos, contados e entregues à sua frente, enquanto ela servia cafezinhos e desempenhava eficazmente o seu papel de agente infiltrado para mais tarde recordar.

Teorias simplificadoras há várias. Há uma, por exemplo, que se destina a contornar a objecção lógica de perguntar que necessidade tinha o FC Porto dos gloriosos anos de 2003/04 de comprar o árbitro para levar de vencida o Estrela da Amadora no Dragão ou empatar com o Beira-Mar, fora de casa. A resposta aconselhada é: um árbitro, uma vez comprado, nem que seja com um bilhete de futebol, está comprado para todos os jogos — o Estrela da Amadora e o Beira-Mar são apenas exemplos. Presumo, é claro, que tenham tentado também encontrar vestígios de crime naqueles jogos que mais atenções movem: os FC Porto-Benfica, Boavista-FC Porto, Sporting-FC Porto. Mas Lucílio Baptista apitou tantos deles que não foi possível encontrar vestígios para incriminar os portistas. A teoria, porém, mantém-se de pé: é para isso que servem as teorias.

Há muitas teorias e informações cruzadas. O Correio da Manhã, que anda muito bem informado sobre o Apito, descobriu agora que o dito se vai ocupar também de uma conversa gravada entre Valentim Loureiro e João Bartolomeu, em que o presidente do Leiria negoceia com o major a escolha de um árbitro para um jogo. Esta teoria está manifestamente errada. Primeiro, porque desde que Maria José Morgado chamou a si o Apito, só tem havido investigações e acusações a Pinto da Costa. O major tem visto os seus casos serem arquivados paulatinamente e dos outros nada consta. Segundo, porque conversas a negociar árbitros não são relevantes para o Apito — como se conclui do facto daquela tão elucidativa conversa entre o major e o presidente do Benfica, escolhendo cautelosamente o nome do árbitro para um jogo com o Belenenses, nunca ter sido motivo para qualquer investigação, penal ou desportiva.

Comentando as declarações de Pinto da Costa nas comemorações dos 25 anos da Casa do FC Porto em Lisboa, A BOLA dizia que o presidente portista tinha decidido que a melhor defesa é o ataque. Infelizmente, chega tarde e em resultado de uma má análise da situação.

Desde que Maria José Morgado foi nomeada ad hoc para o Apito, Pinto da Costa entendeu que a melhor estratégia de defesa era o silêncio — deixar que ela trabalhasse em paz e no fim se veria. Em minha opinião fez mal. Primeiro, porque as declarações logo então proferidas pelo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, sobre a importância que dava ao livro de Carolina Salgado, foram um sinal evidente de que, para o Ministério Público, já havia um pré-juízo sobre a culpabilidade de Pinto da Costa. A partir daí tornou-se mais ou menos claro que a tarefa de Maria José Morgado consistia em reatar os processos arquivados contra o presidente portista e, baseando-se no testemunho de Carolina Salgado (com quem pôde trabalhar livremente o tempo que quis), deduzir todas as acusações que conseguisse contra ele. O Apito Dourado ficou desde logo restringido à caça a Pinto da Costa. E o seu silêncio, ao longo de nove meses em que foi cirurgicamente cozido em lume brando, com as habituais fugas de informação e comentários de imprensa, equivaleu para a opinião pública predisposta a tal, a uma confissão de culpa.

Desde a primeira hora que Pinto da Costa deveria ter dito o que disse domingo passado: estou inocente de todas as acusações. Em vez disso, preferiu confiar em que fosse a investigação a dizê-lo, em vez dele. Enganou-se e agora parte para o contra-ataque e para a instrução do processo — a primeira altura em que, processualmente, se pode defender — em posição de inferioridade. Também acho, e escrevi-o na altura, que ele se deveria ter então demitido — não por causa do Apito Dourado, mas por causa dos danos que consentiu que a sua vida privada causasse ao clube —, como se viu já transparentemente no campeonato que acabou e como, seguramente, se vai ver no próximo. Demitir-se não significava uma assunção de culpa, mas o assumir da responsabilidade que advém de certos cargos que se ocupa. Pode ser um preço injusto a pagar, mas é o ónus da função: sair e provar cá fora a sua inocência.



2 - Não percebo nada de vela, mas tentei seguir atentamente a segunda regata da Taça América, em Valência, através da Sport TV. Com dois comentadores em estúdio, que não escondiam a sua expertize na matéria, confiei em que eles me iriam elucidando ao longo da regata sobre aquilo que se ia passando, nomeadamente explicando como funcionava a tripulação, o significado de manobras a que assistíamos, as jogadas tácticas de-senvolvidas, a influência dos ventos na estratégia, a razão da opção por certas velas em alguns momentos e noutros não, etc, tudo aquilo que um leigo e espectador comum precisava de ir sabendo para poder acompanhar a regata com um mínimo de interesse. Afinal, deparei-me com dois comentadores a falarem para si próprios e sem a menor noção de como se faz um comentário desportivo em televisão — como tantas vezes sucede na Sport TV, por exemplo, com os comentários de ténis de Tânia Couto, que são autêntico ruído de imagem. Apesar de tudo, comecei a achar estranho, a certa altura, que eles só falassem, totalmente a despropósito, da situação da vela e dos velejadores portugueses, de outras provas nacionais decorridas ou a decorrer e de outros assuntos absolutamente exdrúxulos onde aproveitavam para mostrar até que ponto pertenciam ao milieu. Enfim, falavam de tudo, menos da regata a que estávamos a assistir. Finalmente, percebi a razão: eles não percebiam nada do que se estava a passar.



3 - Como não se consegue exprimir bem em nenhuma das três línguas que fala — português, inglês e madeirense —, e como também não consegue conter a sua ânsia de protagonismo, Joe Berardo escorregou e espalhou-se ao comprido, com os insultos a Rui Costa. Agora, até ele já percebeu o preço a pagar: ou mete mesmo uns milhões, contados, no Benfica, ou pode ir pregar para outra freguesia.

ÓPÁ ( 19 Junho 2007)

É eloquente do estado de alma do «clube do povo» que a simples notícia de uma OPA tão pouco clara lançada pelo comendador Berardo tenha suscitado tamanho entusiasmo entre as «forças vivas» da nação benfiquista. Mas cada um sabe de si.


O Benfica foi opado. Assim mesmo, sem mais nem menos, como qualquer banco ou fábrica de salsichas. É uma OPA amigável, já que o opante diz nada querer para si, apenas ajudar, e todos os notáveis da opada se mostram entusiasmados com a ideia. O entusiasmo é tanto que, apesar de a oferta ser claramente baixa, os «accionistas do coração» são incentivados a desfazerem-se das suas acções a favor do opante. Cada um sabe de si.

Eu, pessoalmente, não veria com bons olhos a chegada de um raider ao FC Porto, portista ou não portista, que quisesse fazer seu um clube que é de todos os de coração azul. Bem sei que os novos tempos, o mercado, a necessidade de concorrência internacional, etc. e tal… Sei tudo isso, mas um clube de futebol é um clube de futebol, não é um banco nem uma fábrica de salsichas. Haveria duas coisas que eu pensaria: se o coração portista do raider fosse assim tão grande como a sua carteira, não perceberia que não tivesse comprado acções logo no início, ao preço de subscrição, e só se tivesse lembrado de comprar quando elas estavam cá em baixo. E eu que, como portista, tinha ido à subscrição por razões do coração, era agora convidado a desfazer-me delas a preço de saldo porque chegara alguém como maior coração e maior carteira que eu?

As razões do coração, invocadas pelos notáveis benfiquistas, resumem-se à esperança de que Berardo esteja disposto a avançar com dinheiro para o Benfica comprar bons jogadores. As suas vagas referências a um «fundo de investimentos» fizeram soar campainhas de esperança em muitos corações benfiquistas — os quais, todavia e como temos visto em tempos recentes, raramente acompanham de perto a razão. Mas talvez alguma prudência fosse de aconselhar: Berardo terá muitas qualidades e uma argúcia fina para o negócio, mas nunca foi conhecido por dar ou acrescentar valor. Para já, as únicas coisas que ele prometeu dar aos benfiquistas foram uma águia de pedra que comprou na China e entradas a preços especiais para ver a sua Colecção Berardo no seu CCB (estará isto previsto também no fantástico acordo assinado com o Governo?). E, por esse pouco que promete dar, já recebeu muito em troca, aquilo que ele mais gosta: notoriedade e popularidade.

Joe Berardo move-se com inteligência e à vontade num mercado bolsista que tem tudo à sua medida: é um mercado puramente especulativo e de dimensão tão pequena que basta um movimento seu ou umas frases deixadas cair no momento certo para fazer evoluir os preços como ele deseja. Foi notável a forma como ele aproveitou a recente Assembleia Geral do BCP, onde se discutia uma proposta de alteração aos estatutos. Tendo comprado as suas acções baratas, anunciou que, se a proposta fosse recusada, no dia seguinte estaria a comprar mais acções do BCP. Resultado: as acções começaram a subir a toda a velocidade («compro hoje por 10 e amanhã vendo ao Berardo por 12»). Só que, no dia seguinte, Berardo não comprou (se calhar até vendeu), porque as acções já não estavam baratas. E ficou sentado em cima de mais uns milhões de mais-valias realizados com uma simples boca produzida a tempo.

Joe Berardo é a ilustração viva da velha frase de Marx de que o dinheiro faz dinheiro. Ele não compra empresas nem as gere. Ele não cria postos de trabalho nem acrescenta riqueza à economia. Limita-se a comprar barato bocados de empresas criadas por outros e a vender caro, quando o trabalho ou o mérito dos outros as valorizaram ou quando os seus movimentos especulativos na bolsa as fizeram subir artificialmente de preço. E, quando o Zé Povinho vai atrás, na ânsia de o imitar e também fazer fortuna da noite para o dia, já ele e o negócio sumiram para outras paragens.
É eloquente do estado de alma do «clube do povo» que a simples notícia de uma OPA tão pouco clara lançada pelo comendador Berardo tenha suscitado tamanho entusiasmo entre as «forças vivas» da nação benfiquista. Mas cada um sabe de si.

A notícia mais do que previsível da acusação deduzida por Maria José Morgado contra Pinto da Costa e o FC Porto, suscitou uma tamanha onda de euforia entre os inimigos indefectíveis do FCP que levou alguns, até com responsabilidade e capacidade de distinguir as coisas, a saltar entusiasticamente várias etapas, não só dando já a condenação judicial como consumada, como até acrescentando-lhe a pena. Aqui, neste mesmo jornal, houve quem anunciasse «o polvo finalmente cercado», escrevendo que o que mais interessava agora era a condenação desportiva, mais do que a criminal, e incidindo, claro ou sobre títulos ganhos no passado ou «visando os campeonatos a seguir». Não se pode ser mais claro nem mais descarado. Nem mais impaciente.

A acusação da Dr.ª Morgado reporta-se, por enquanto, ao célebre FC Porto-Estrela da Amadora de 2004 e assenta em três provas: uma escuta telefónica, cujo conteúdo foi explicado e contraditado em termos que levaram ao anterior arquivamento dos autos; a opinião de peritos em arbitragem, alguns contradizendo o que na altura haviam dito; e as declarações da testemunha Carolina Salgado. Como já aqui escrevi, nada melhor do que a Sport TV repetir, com aviso prévio, a transmissão desse jogo para que todos possam avaliar o que é um «jogo suspeito» na opinião da magistrada. Não sei porque não se faz uma coisa tão simples como isso…

Quanto ao testemunho da D. Carolina Salgado, esperem até vê-la a depor sem ser no segredo dos deuses, com a protecção do Ministério Público e de alguns civis benfiquistas voluntários da investigação… Esperem até ver a co-autora do livro (a quem a senhora se esqueceu de pagar), a explicar o que foram «as falsidades e invenções» que a forçaram a meter no texto… Esperem até ver um advogado minimamente capaz reconstituir o que foram os seus passos desde que viu desabar a sociedade conjugal que mantinha com o presidente do FC Porto…


A boa notícia é que Vítor Baía vai continuar ligado ao FC Porto. A má notícia é que abandonou o futebol, quando, em minha opinião, ainda é o melhor de todos os guarda-redes que por lá estão. Foi, juntamente com Américo, um símbolo eterno da baliza portista. Para sempre me hei-de lembrar da sensação de tranquilidade absoluta que era ver os adversários a cruzarem bolas sobre a baliza do Porto: ainda a bola não tinha partido e eu já podia distrair-me a olhar para outro lado, porque sabia que ela acabaria nas mãos de Baía, com aquele estilo inimitável e aquela calma a recolher a bola no alto que chegava a ser frustrante para os adversários. Dentro e fora do futebol dentro e fora do FC Porto, Baía foi sempre um senhor. Foi um senhor na forma como encaixou a proscrição de Scolari e a falta de solidariedade de muitos dos seus pares. Foi um senhor na criação da Fundação com o seu nome e que, ao contrário de tantas outras, não serve para chamar as atenções nem para fugir aos impostos. Foi um senhor na forma como, remetido a suplente, continuou a ser o jogador determinante do FC Porto no último ano e meio.

Nesta hora de despedida, gostaria de escrever um texto inteiro sobre ele, mas não há necessidade: quem sabe distinguir jogadores de mercenários, cavalheiros de deslumbrados, sabe o quanto Baía significou para o futebol português. E limito-me, assim, a reproduzir o que Lorca escreveu sobre o toureiro António Sanchéz Mejia: «Tardará mucho tiempo en nácer, si és que nace, un andaluz tan claro, tan rico de ventura…»

Há dois casais mediáticos que estão no topo da minha embirração planetária: o casal Tom Cruise e quem quer que o ature e o intragável casal Victória-David Beckham. David Beckham é um jogador banal, cujo único talento é cruzar bolas e cuja grande contribuição para o futebol foi a criação da moda dos penteados diferentes e tatuagens novas todas as semanas, que qualquer jogador de terceira hoje imita, na esperança de chamar as atenções de um grande. Ela é conhecida apenas pela sua futilidade e capacidade de esbanjar milhares de contos em jóias e roupas em menos tempo do que dura um jogo de futebol, além do orgulho com que declarou nunca ter lido um livro na vida…por falta de tempo! Ver a patética Victória e o imbecil do Cruise a torcerem pelo Real nas bancadas de Chamartin, como se percebessem alguma coisa de futebol, fez-me desejar ainda mais que o Barça fosse campeão. Mas a sorte e uma escandalosa arbitragem a favor do Real não tornaram possível o milagre. «Qué lástima!»

BENFICA CAMPEÃO DOS JOGOS FLORAIS ( 12 Junho 2007)

Sabendo-se como em Portugal, todos os cineastas são bissextos, eu fico contente por saber que o João Botelho conseguiu encontrar uma ideia genial para um filme. É mesmo um filão a explorar no futuro, quem sabe, com um novo filme, de título «Prisão», versando as aventuras de Vale e Azevedo e os seus apoiantes de então...


Nenhum benfiquista pode dizer que o seu presidente não é absolutamente infatigável a tentar manter em alta a chama dos benfiquistas espalhados pelo país inteiro e pelas comunidades emigrantes. Já Vale e Azevedo tinha descoberto essa regra elementar: um clube com a dimensão do Benfica não pode passar tanto tempo sem ganhar títulos, nas várias modalidades e, em especial, no futebol. Pelo que, à falta de títulos conquistados em campo, é preciso conquistar, fora do campo, o título de campeão dos jogos florais e isso consegue-se através de duas medidas: estar sempre a arranjar oportunidades para falar e gritar eternamente que, se o Benfica não ganha, é porque os outros fazem batota. Fazem batota em tudo: no hóquei, no básquete, no vólei, no andebol, no atletismo. E, no futebol, não se limitam a fazê-la nos seniores, mas também em todos os outros escalões etários.

Esta semana tivemos mais um bom exemplo desta máxima. Enquanto o presidente do Benfica, de visita a Barcelos, se saía com mais uma repetição daquele disco rachado da «transparência» e «verdade desportiva», em que, segundo ele, o Benfica é campeão nacional absoluto e crónico, lá, de dentro dos campos de futebol, vinham mais uns dolorosos factos: o título de juniores foi à vida, perdido para o FC Porto e, rezam as crónicas, que com toda a justiça; o de juvenis ficou seriamente comprometido com um empate caseiro com o Sporting; e o de iniciados desvaneceu-se numa humilhante derrota por 0-6, também contra o FC Porto. Como não há-de o homem deixar de tocar o seu disco rachado pelo país inteiro, para confortar e sossegar os mais crédulos benfiquistas?

Disse Vieira em Barcelos que, se tivesse ficado calado, o Benfica teria sido campeão (como, porquê, em que jogo?). Mas disse-o por dizer. Ele sabe que a inversa é que é verdadeira: se tivesse sido campeão é que tinha ficado calado. Se tivesse percebido, ao longo da época, que o Benfica tinha superioridade suficiente sobre os rivais para poder ser campeão, não tinha andado a vender a lenda do Apito Dourado pelas chafaricas do Portugal profundo. Não se lembram de o ter ouvido dizer que a arbitragem tinha melhorado, quando o Benfica foi campeão em 2005?

João Botelho e Cª fartaram-se de esperar que a justiça funcione. Tão ou mais impacientes que o próprio presidente do Benfica, eles estão cansados de esperar que a Dr.ª Maria José Morgado consiga provar que o campeão europeu de 2004 precisou de corromper o árbitro para vencer no Dragão um Estrela da Amadora já condenado à descida. Ou que o Ministério Público consiga pôr de pé uma acusação fundada na credibilidade testemunhal da D.ª Carolina Salgado e que não seja sumariamente desfeita em tribunal. Ou que o CD da Liga invente poderes instrutórios próprios e capacidade de investigação criminal adquirida ad hoc para lhes servir numa bandeja a tão esperada vingança de anos a fio de humilhação desportiva de todos os benfiquistas. A vingança tarda e não há como a arte ao serviço da verdade e do povo.

Assim, o João Botelho teve a genial ideia de se substituir à justiça, levando ele o Apito Dourado para o cinema. O título anunciado — Corrupção — diz tudo sobre as preocupações de justiça e verdade de tão cívica empreitada. Antes mesmo de qualquer acusação, de qualquer hipótese de defesa pública, ele já tratou do julgamento e da sentença.

Sabendo-se como em Portugal, todos os cineastas são bissextos, eu fico contente por saber que o João Botelho conseguiu encontrar uma ideia genial para um filme. É mesmo um filão a explorar no futuro, quem sabe, com um novo filme, de título Prisão, versando as aventuras de Vale e Azevedo e os seus apoiantes de então…Por outro lado, também fico contente por saber que este será um dos raros filmes portugueses que não precisa (e certamente não irá ter…) subsídio dos contribuintes.

É que, com seis milhões de benfiquistas, e alguns verdadeiramente militantes como o Barbas — capaz de assistir, de lágrima no olho, a sessões contínuas — está garantido o êxito.

Faço sempre um esforço consciente para distinguir, quando critico alguém, os aspectos públicos dos privados. Isto é, não faço críticas de carácter pessoal, mas apenas à actividade pública, profissional, dos visados — o que é completamente legítimo. Por exemplo: Ricardo, o guarda-redes do Sporting e da Selecção. Critiquei-o algumas vezes no passado, como guarda-redes e nada mais, e, por isso, consigo reconhecer, com toda a normalidade, que ele foi o melhor guarda-redes do campeonato, este ano. A experiência diz-me que isto não é compreendido pela generalidade das pessoas que andam no futebol, e, em particular, pelos jogadores. Estão habituados a só ouvir elogios ou silêncios, quando mereciam críticas. Alguns acham que têm o mundo aos pés e que estão acima do direito de crítica — mesmo alguns que viveram ou jogaram no estrangeiro e que sabem que lá a crítica não é tão branda nem tão hipócrita como aqui. Paciência, só resta esperar que aprendam que não são mais do que os escritores, os pintores, os músicos, os arquitectos, os políticos, qualquer um que desempenhe uma profissão ou uma função pública.

Vem isto a propósito da morte de Adriano Pinto, que anos, décadas a fio, foi presidente da Associação de Futebol do Porto. Li diversos obituários e opiniões sobre ele, mas em nenhum deles, alguém, nem sequer os seus inimigos de sempre, se atreveram a criticá-lo. É um hábito bem português: quando morremos, todos passamos a ser santos. Ora, eu não conheci o homem, que me merece o respeito devido a todos, mas conheci, de fora, o dirigente. É evidente para mim e para todos os que olham o futebol de fora, sem jamais aspirar a nada do que continuar a ser espectador, que Adriano Pinto representou um tipo de dirigente desportivo que nada trouxe, antes pelo contrário, ao crédito e prestígio que todos reclamam para a indústria do futebol. Que ninguém tenha sido capaz de o dizer, preto no branco, demonstra até que ponto essa indústria continua a ser um mundo fechado, de cumplicidades, conivências e solidariedades obscuras, em que os gritos de «moralização» ou «transparência» não passam de tiros de pólvora seca de quem episodicamente está a perder e quer voltar a ganhar. Soube agora que o Presidente Jorge Sampaio o condecorou com uma qualquer medalha de mérito, em 2005. Foi um dos 30.350 (!) comendadores que os nossos Presidentes da República resolveram distinguir nos trinta anos de democracia que levamos. E, se assim foi, devo ser eu que estou errado.

PARA ONDE VAI O DINHEIRO ( 05 Junho 2007)

E para onde vai agora o dinheiro da venda de Anderson? Vai para comprar mais uns Renterias e Mareques, com contratos por cinco anos e ordenados de 50 mil euros, e que para o ano estarão a ser emprestados..


No dia em que foi anunciada a venda de Anderson ao Manchester United, recebi pelo correio a carta anual convidando-me a renovar o meu lugar no Dragão, com a promessa de mais um ano de grandes espectáculos. Mas, sem Anderson em campo — e, provavelmente, sem Quaresma ou Pepe — o lugar passa a valer bem menos. Terça-feira passada, o FC Porto vendeu a maior fonte potencial de espectáculo e o mais promissor talento que passou por lá na última década. Vendeu-o, sem sequer ter chegado a tirar partido dele e do seu talento — 18 jogos na Liga e mais três na Liga dos Campeões.
Toda a gente diz que Anderson foi muito bem vendido e que por 30 milhões não há como recusar. Permito-me discordar: 30 milhões de euros é, de facto, muito dinheiro. Em termos de tesouraria é um grande negócio; em termos económicos é um mau negócio. Para começar, e como já disse, o FC Porto vendeu-o sem ter chegado a tirar partido dele. Depois, tem 19 anos, acabados de fazer, e prepara-se para jogar a Copa América — as duas coisas juntas, a prazo, fariam subir muito mais a sua cotação. Não tenho qualquer dúvida de que, se as coisas se passarem normalmente, se em Inglaterra não houver Katsouranis nem Lucílios Baptistas, se o próprio Anderson continuar a ser o miúdo ajuizado e profissional que é, ele pode vir a revelar-se como um jogador verdadeiramente espantoso. Os 30 milhões parecem-me pouco para tantas esperanças nele depositadas. Mas o pior é que os 30 milhões, contas feitas, são bem menos. São praticamente zero. Vejamos:Dos 30 milhões, o FC Porto só tem direito a 80 por cento — 24 milhões. A estes, tem de subtrair a comissão de Jorge Mendes: 5 por cento no mínimo, 1,2 milhões. A este montante tem de subtrair ainda os 10 milhões que pagou por 80 por cento do seu passe, mais os cerca de 1,8 milhões que gastou a mantê-lo durante dois anos e à mãe, que foi contratada pelo clube, para contornar a proibição de poder comprar um jogador com menos de 18 anos: restam 11 milhões. Destes, é natural que gaste metade em reforços, para colmatar a sua baixa, acrescida, ao que parece, à de Ibson, num sector — o meio-campo — fragilizado, mesmo com eles. Restam 5,5 milhões, que representam uma fase na Liga dos Campeões — provavelmente aquela que o FC Porto deixará de alcançar pelo facto de já não contar com Anderson. A esta luz, entre abatimentos e lucros cessantes, Anderson foi vendido a custo zero. Nada a ver com o negócio de Nani, que não custou nada ao Sporting.

É claro, porém, que os raciocínios económicos não são aplicáveis a um clube que apresentou 30 milhões de prejuízo no último exercício e que este ano vai a caminho dos 25 milhões. Era vender ou falir. Mas esse é o problema de fundo da gestão da SAD do FC Porto, que deveria ter sido discutido na campanha eleitoral e não o foi. Há anos que a SAD vive a vender os anéis de diamantes para comprar cachuchos. Vende uma pérola fina por 30 milhões e depois gasta-os a comprar uma dúzia de falsos brilhantes. Para quê? Ora, já não restam dúvidas a ninguém: para pagar comissões a muita e boa gente que parasita no clube. Para que queremos um Lino, para uma posição onde já existem seis jogadores sob contrato? Para quê ir recomprar um guarda-redes banal, como o Nuno, quando temos lá melhor, que vamos emprestar?Para quê o Renteria, o Mareque, o Sonkaya, o Pittbul, o Tarik, o Leo Lima, o Sokota (que, afinal, custou 3 milhões de euros, pagos a uma off-shore)? Para quê 70 jogadores sob contrato? Porquê não haver ninguém promovido dos juniores? Porque deixou de haver olheiros e só há comissionistas? Porque não há prospecção em África — porque é mais agradável ir ao Rio ou a Buenos Aires? Porquê o FC Porto, ao contrário até de grandes clubes europeus, nunca adquire jogadores por empréstimo, para testá-los, e os adquire sempre com contratos definitivos e a longo prazo, acabando a emprestá-los ao fim de um ano? Porquê até para ir buscar Jesualdo Ferreira ali ao lado é preciso recorrer aos serviços de um empresário sul-americano? , já agora, admite-se que um dos administradores da SAD tenha um irmão que faz negócios com o clube? E admite-se que uma SAD que todos os anos regista prejuízos de exploração e tem acumulado um passivo assustador, aproveite o único ano em que conseguiu obter lucros — graças a Mourinho e à Liga dos Campeões — para distribuir prémios de gestão aos administradores?

Há dias, Santos Neves tinha aqui um texto muito curioso, em que fazia contas aos milhões encaixados pela SAD do FC Porto com a venda de jogadores, desde que, há três anos, foram campeões europeus. Contabilizando todas as vendas, a dispersão integral da equipa campeã europeia, Santos Neves chegava à fantástica soma de 155 milhões de euros de vendas. E esqueceu-se, ainda, de acrescentar ao rol de jogadores que enumerava, os nomes de Diego, McCarthy, Hugo Almeida e Carlos Alberto (que grande jogador desperdiçado!). Com mais esses, o número chega perto dos 175 milhões de vendas conseguidas em três anos. Trinta e cinco milhões de contos! Para onde foi todo esse dinheiro se, no final de um ano normal, sem nenhuma compra relevante, a SAD consegue apresentar prejuízos de 30 milhões? Para onde foi? Eis o que eu gostaria de ver Pinto da Costa explicar.

E para onde vai agora o dinheiro da venda de Anderson? Se nos dissessem que vai para reduzir o passivo, ainda o podíamos perceber — embora continuando sem perceber como se acumularam tantas dívidas. Mas já sabemos que não é para aí que o dinheiro vai. Vai para comprar mais uns Renterias e Mareques, com contratos por cinco anos e ordenados de 50 mil euros, e que para o ano estarão a ser emprestados, com o FC Porto a pagar os ordenados para que eles joguem pela concorrência. Esta é que é a penosa verdade e muitos começam já a percebê-la. Por isso é que, com 50.000 pessoas no Dragão para o jogo do título e as urnas de voto dentro do estádio, apenas 3700 sócios se deram ao trabalho de votar na recondução do actual estado de coisas. É certo que — e graças a Jorge Mendes — ainda se vão descobrindo, de quando em vez, uns Andersons, que fazem manter viva a chama da esperança. Mas os efeitos úteis das suas contratações são rapidamente desperdiçados pela necessidade de tapar os buracos abertos por uma política suicida e nova-rica de contratações, que todos os anos se repete desgraçadamente nesta altura.