quinta-feira, novembro 02, 2006

CRIMES SEM CASTIGO? ( 31 Outubro 2006)

Dirigentes que passam a semana a acirrar os ódios, antes de enfrentar o adversário e que fazem gestos obscenos para o público; uma equipa que entra a jogar duro e feio até arrumar o melhor jogador adversário; e um árbitro que assiste, impávido. E tudo deve passar impune?


PEÇO desculpa ao Vítor Serpa e a todos os benfíquistas cuja opinião respeito, mas eu não posso concordar com o raciocínio que está subjacente ao editorial que ele ontem aqui assinou. Escreveu ele: «Era legítima a esperança que, terminado o jogo no Dragão, FC Porto e Benfíca não se envolveriam numa discussão que continuasse o destrambelho de toda a semana... seria do mais elementar bom senso dar o caso por encerrado... E, se ambos insistirem, ao menos que a Liga encontre «maneira de castigar os dois, pelo mal que andam a fazer ao futebol. »

Não poderia estar mais em desacordo: não era legítima a esperança que aquilo que de muito grave rodeou o FC Porto-Benfica de sábado morresse após o jogo; passar uma esponja sobre tudo o que aconteceu, não seria um sinal de bom-senso mas de impunidade; castigar ambos, não seria uma justiça salomónica, mas apenas hipócrita. Aconteceu que um dos lados passou a semana a insultar o outro; que uma das equipas entrou em jogo com uma atitude de intimidação e provocação a roçar a arruaça; um jogador de uma das equipas teve uma entrada de uma violência extrema sobre um adversário, arrumando-o para o jogo e para o futebol, durante os próximos meses, com graves prejuízos financeiros e desportivos para o seu clube; um dirigente de um dos clubes provocou o público com gestos obscenos; e um árbitro consentiu tudo o que viu numa atitude de vamos lá, que isto não tem importância. E tudo isto foi feito apenas por um dos lados em confronto: o Benfica.

É fácil dizer que o bom-senso mandaria encerrar o caso ou então castigar ambos por igual. Mas seria o mesmo que um ladrão assaltar uma casa, espancar o marido, violar a mulher, roubar as pratas e atemorizar os filhos e, à saída, dizer para o dono da casa: «Vamos por fim a isto e decretar tréguas». Talvez se possa achar de bom-senso não reagir, mas achar justo, isso é que, desculpem-me lá, só mesmo por temor reverenciai ao ladrão

Luís Filipe Vieira passou a semana a atacar, ofender e provocar o presidente do FC Porto e o clube. Na semana anterior, Pinto da Costa reagiu às provocações, mas na semana que passou, antecedendo o jogo, manteve-se em silêncio, não ajudando a contribuir para a criação de um clima de crispação e ódio entre ambos os clubes e os seus adeptos. Agora é fácil mandar calar os dois, mas teria sido mais útil e mais pedagógico ter mandado calar o presidente do Benfíca, quando ele era o único a acirrar ódios e destilar insultos. Sim, eu sei, que ele tinha uma eleição difícil na sexta-feira: candidato único, precisava de atrair as atenções para que alguém fosse votar e nada melhor para tal do que atacar o FC Porto — é uma receita clássica dos presidentes do Benfíca, raramente com sucesso, conforme o outrora muito idolatrado Vale e Azevedo demonstrou. Mas ninguém tem culpa que, no segundo maior clube do mundo, com 160.000 sócios, menos de 8.000, representando menos de 5%, se tenham dado ao trabalho de votar em Vieira, apesar das facilidades do voto electrónico, nas casas e etc. (Sócrates também era candidato único ao PS e votaram nele 25.000 dos 80.000 militantes registados)... Se a ideia de Vieira era arranjar problemas para si próprio, para depois se arvorar em vítima, não o conseguiu: pelo terceiro ano consecutivo, ele só pode reconhecer que esteve no camarote presidencial do Dragão «sem problema algum». Pergunto-me se o mesmo poderia dizer Pinto da Costa, se se arriscasse à experiência...

Na atitude habitual de comigo o puto vai sempre atrás, também o inacreditável José Veiga, (juntamente com Valentim Loureiro, um dos mais bem apanhados no Apito Dourado), veio chegar-se à conversa, tendo até o supremo desplante de falar no Apito Dourado. E acabou a fazer aquele eloquente gesto para o público do Dragão que Cristiano Ronaldo fez para o da Luz e que tanta popularidade lhe vale lá por aquelas bandas. Não adianta a Vieira falar em transparência, exigência, isto e aquilo: enquanto o seu José Veiga estiver no futebol, não há credibilização possível - nem para o que diz Vieira, nem para o Benfica, nem para o futebol.

Enfim, aquilo que mais interessa, o que verdadeiramente me dói e revolta. Os meus leitores sabem o quanto vinha elogiando, deslumbrado, o génio desse miúdo Anderson. Não apenas nem sobretudo, porque ele veste a camisola do meu clube, mas porque ele faz parte daquela rara categoria de jogadores que tornam o futebol um espectáculo incomparável, arrebatante, lindo. Quem passa à história e divulga o futebol são jogadores assim: é o Eusébio e não o Stiles, o Pele e não o Morais, o Cruyft e não o Nando, o Anderson e não o Katsouranis, o génio e não o seu carrasco.

Pois o miúdo acaba de ser arrumado — no mínimo por quatro meses, na realidade, hão-de ver, por uns seis. Foi arrumado, varrido dos estádios e do nosso deslumbramento, para que no seu lugar fiquem os caceteiros ou os jogadores medíocres, de que alguns treinadores tanto gostam. E porquê? Porque era bom de mais, reduzia à insignificância os que tinham que o marcar e perseguir. Porque o seu talento ofendia a mediocridade, desequilibrava as forças em campo, desesperava o facciosismo clubístico. Sem ele em jogo, os adversários podem até afectar um pesar de circunstância, mas, lá no fundo e no íntimo, esfregam as mãos de contentes: o adversário ficou mais fraco e os medíocres têm mais chances. E viva o futebol!

Há várias hipóteses para explicar aquela entrada para arrumar de Katsouranis. Premeditação, resultado de uma estratégia táctica? Não, sinceramente, não acredito, apesar da coincidência ser terrível: em três Benfica-Porto dos últimos dois anos e meio, foram arrumados, com entradas semelhantes, três jogadores do FC Porto que eram decisivos na altura — Diego (um mês de paragem), Lisandro (um mês e meio) e Anderson (três a seis meses). Mas, se calhar apenas e só pelo carácter de Fernando Santos, eu não acredito nesta sinistra hipótese.

Outra hipótese, a benevolente: foi sem querer. Também não acredito. Não foi sem querer. Não, não deu na bola (vejam a decomposição das imagens no Jogo de ontem). A entrada era escusada, a jogada passava-se na lateral do meio-campo, sem perigo para o Benfica, e nada justificava aquela violência, que, conforme o relatório médico, causou fractura grave do perónio por «traumatismo directo» (isto é, pela porrada directa na perna), rotura dos ligamentos do tornozelo e da membrana de ligação.

Resta portanto perceber o porquê daquela violência. A minha tese é que se tratou de uma atitude de violência induzida. Porque Anderson é um génio que dá cabo da cabeça a jogadores banais como o Katsouranis, porque o Benfica estava a perder por 2-0 aos 20 minutos e de cabeça perdida. Mas também pelo clima de incitamento ao ódio que toda a semana foi atiçado pelos dirigentes do Benfica. E é por isso que nem uns nem outros podem passar impunes, se é que alguém pretende verdadeiramente defender o futebol-espectáculo. É face aos casos concretos que se mede a seriedade das propagadas boas intenções. O Inferno está cheio delas.

Mas há outro protagonista desta vergonha pública que não pode passar impune: o Excelentíssimo Senhor Lucílio Baptista. Que ele seja, manifestamente, o mais incompetente dos árbitros portugueses e continua a ser chamado para os grandes jogos envolvendo o FC Porto, já é grave. Que, de há três ou quatro anos para cá, seja, de encomenda, nomeado para todos os derbys do FC Porto com o Sporting e o Benfica e sempre, sempre, prejudicando o FC Porto, e continuando a ser nomeado, é sintomático. Que seja um dos suspeitos do Apito Dourado e continue como uma eminência parda da nossa arbitragem, é chocante. Mas que assista de braços cruzados a duas entradas que arrumam com dois jogadores do FC Porto em dois jogos consecutivos contra o Benfica no Dragão, sem ao menos mostrar uma amarelo, isso já é mais do que grave: é insustentável para a integridade física dos jogadores. Este árbitro não respeita o espectáculo nem os jogadores. Que apite em Malta ou em Chipre, aqui não. Reconheço que este texto não tem, porventura, o bom-senso recomendável. Mas se o bom-senso é pactuar ou amochar perante o discurso grosso do Benfica, então que se lixe o bom-senso! Jogadores como o Anderson merecem que quem gosta de futebol os defenda. E não é só com lágrimas de carpideira.

OS SÍMBOLOS CONTAM ( 24 Outubro 2006)

Ao menos isso: devolvam-nos os equipamentos das nossas equipas, tal como eram e sempre foram até ao dia em que os «marqueteiros» resolveram vender clubes como quem vende sabonetes


1- A jornada europeia da semana passada veio adensar as piores perspectivas: que nenhum dos três grandes consiga seguir em frente na Liga dos Campeões e que o Braga morra na fase de grupos da Taça UEFA. Braga e Benfica foram inapelavelmente derrotados por margem que não deixa dúvidas: 3-0. Sim, já sei, não tiveram a sorte do jogo; ao contrário dos adversários, falharam só na concretização; os resultados foram enganadores, já que dominaram os respectivos jogos em largos períodos; etc. e tal, o fado do costume. Certo, certo, é que ambos nunca chegaram verdadeiramente a discutir o resultado. O mesmo choradinho se ouviu a propósito da derrota caseira e comprometedora do Sporting: que «dominou 80% do jogo» (do qual, metade jogando contra dez), que só falhou na concretização, e por aí fora, mais do mesmo. Certo, porém, é que o Bayern entrou em Alvalade a pôr o Sporting em sentido desde o primeiro minuto e só abrandou quando chegou ao golo e se viu em inferioridade numérica. O FC Porto, depois de um arranque altamente negativo na competição, cumpriu a sua obrigação de vencer em casa um Hamburgo desfalcado e até fez o seu melhor jogo da época. Poderia ter reentrado na luta pelo segundo lugar se, lá longe em Moscovo, um árbitro espanhol não se tivesse lembrado de anular ao Arsenal, e já ao cair do pano, um golo limpíssimo do Thierry Henry. Foram dois pontos dados ao CSKA que, tudo indica, virão a ser decisivos, a menos que o FC Porto consiga a proeza de vencer dois dos três jogos que faltam e empatar o outro.

Eu, todavia, olho para este cenário carregado com uma dose grande de fatalismo e pessimismo. Acho que o futebol europeu ao mais altíssimo nível, que é o da Liga dos Campeões, é hoje praticamente inacessível a qualquer equipa portuguesa. O FC Porto de Mourinho foi um epifenómeno resultante de um conjunto de circunstâncias de felicidade e mérito que acontecem uma vez em cada geração, se tanto. Lembro-me de quando estava a abandonar o Arena AufSchalke, em Gelsenkirchen, nessa noite inesquecível, pensar que certamente nunca mais, em dias da minha vida, eu iria ver o meu clube ou qualquer outro clube português ser campeão da Europa. Quando olhamos, por exemplo, para o banco do Real Madrid e do Barcelona, no derby espanhol deste domingo, ou quando vemos o CSKA jogar contra o Arsenal com três brasileiros, dois dos quais da Selecção, e o Arsenal jogar sem nenhum inglês e onze internacionais de oito países diferentes, percebemos que o tradicional jeito português para a bola já não chega nem pode chegar para fazer frente a estas multinacionais do futebol.

Por isso mesmo, eu compreendo o desabafo do José Manuel Delgado: que o Benfica leve três do Celtic em Glasgow, ainda vá que não vá, agora que nem ao menos jogue de encarnado e branco, optando por aquele horrendo equipamento cor de minhoca desenterrada, isso é que, mais do que uma derrota, é o desfazer de uma história. Ao menos isso: devolvam-nos os equipamentos das nossa equipas, tal como eram e sempre foram até ao dia em que os marqueteiros resolveram vender clubes como quem vende sabonetes.


2- O Sporting-FC Porto, o primeiro derby do ano, foi um mau e marcado pelo mau estado do terreno, pelo cansaço europeu das duas equipas e pela ausência do astro maior que actualmente brilha nos estádios portugueses: Anderson, de seu nome. Jesualdo Ferreira assumiu, com seriedade, o mau jogo e a má exibição portista - assim como podia ter assumido também o erro que foi desfazer, no lado direito, a dupla Fusile-Quaresma, que estava a pôr em sentido o Sporting, ou como podia ter assumido a vã teimosia de continuar a apostar num Lucho González que parece a alma penada do outro que por aqui passou na época transacta. Mas já Paulo Bento, revelando menor ambição, achou que o Sporting jogou bem, que teve várias oportunidades de golo (?!) e nem sequer teve pudor em reclamar uma mais que duvidosa expulsão de Paulo Assunção (teriam sido duas faltas, dois cartões amarelos...), para que, pela segunda vez consecutiva, o Sporting pudesse ter beneficiado da vantagem de jogar toda a segunda parte em superioridade numérica. Pelos vistos, onze contra onze é um problema insolúvel.


3- E com tudo a juntar-se no malto da tabela, aí vem um Porto-Benfica - espero eu e todos os portistas, já com o Anderson, que, como se demonstrou em Alvalade, representa 60% da capacidade ofensiva da equipa.

Infelizmente, o Porto-Benfica já começou mal, com o episódio dos bilhetes, onde o FC Porto aproveitou para se vingar, na mesma moeda, da patifaria que o Benfica lhe fez há dois anos. Actos destes são um recado directo aos espectadores: quando o jogo é grande, dispensamos a presença de adeptos do clube forasteiro. Eis o que indubitavelmente contribui para atrair público aos estádios!

E, como se não bastasse o episódio dos bilhetes, o presidente do Benfica, tentando certamente fazer esquecer aos benfiquistas a hecatombe de Glasgow e visando animar a mais chata campanha eleitoral de que há memória nos anais da democracia, resolveu abrir fogo de barragem, em termos pessoais, contra o presidente portista. O qual respondeu à letra, no mesmo tom de elevada elegância. Eis o contributo de ambos para um bom ambiente no Dragão, no próximo sábado.


4- Imagem igualmente eloquente e marcante a de João Loureiro virando costas à equipa quando esta ficou a perder 3-0. Se houvesse alguém acima dele no clube, talvez o tivesse despedido na hora. Como não havia, foi ele que despediu o treinador.


5- Outra imagem marcante, e vai sendo repetida quase todas as semanas e, esta sim, a valer a pena ver: todos os putos do FC Porto que marcam golos, correm para abraçar... Vítor Baía. É curioso que Baía possa ser, pelos vistos, mais importante sentado no banco de suplentes do que alguns que andam lá dentro. E é curioso que sejam os putos a lembrar o que alguns parecem ter esquecido: que foi a geração de jogadores do Baía que levou ao clube o célebre e inimitável ambiente de balneário que fez do FC Porto um clube vencedor. Hoje, resta só ele e Pedro Emanuel.

Por ter percebido isso, é que Mourinho foi buscar de volta o Jorge Costa e é por perceber essas coisas que ele foi campeão europeu. Por o não terem percebido, é que Octávio e Adriaanse se permitiram desdenhar do Jorge Costa e por isso é que ambos não passaram da vulgaridade.

Durante anos a fio, Jorge Costa foi também desprezado por quase todos os não portistas. Que era lento, que era caceteiro, que era isto ou aquilo. Mas nós, portistas, sorríamos para dentro: nós sabíamos o que ele valia e sabíamos que a sua importância na equipa começava e continuava muito para além do tempo dos jogos. E sabíamos, por exemplo, que o que faltava e continua a faltar ao Benfica é um ou dois jogadores e homens como Jorge Costa para ensinar aos outros o que é um clube, o que é o espírito de sacrifício e o que é a ambição de vitória. Agora, que, retirado, Jorge Costa recebeu os elogios do mundo, e agora que o capitão do FC Porto é um estrangeiro chegado no ano passado, a voz de inspiração e de comando dos miúdos que jogam de azul e branco é o Baía, mesmo sentado no banco de suplentes!

20.45 TMG ( 17 Outubro 2006)

Tal como o país, o FC Porto vive com o que não tem, acima das suas possibilidades. Mas enquanto o país já começa a reagir, no FC Porto continua a contar-se com a venda extraordinária do património ou com epopeias desportivas para poder continuar a gastar o que se gasta


1- Às 20.45 europeias de hoje, 19.45 em Portugal, Benfica e FC Porto começam a poder fazer contas e a antecipar o que poderá vir a ser, em grande parte, a sua época europeia de 2005/06. A derrota nos respectivos jogos desta noite significará para ambos, quase inevitavelmente, a perspectiva de ficarem desde já limitados a lutar apenas pelo terceiro lugar no grupo e o prémio de consolação de acesso à Taça UEFA — no caso do FC Porto, mesmo esse objectivo de difícil realização. Em caso de vitória, ao Benfica abrem-se razoáveis perspectivas de poder chegar a um dos dois primeiros lugares do grupo, que dão continuidade na Champions. Ao FC Porto, a quem só a vitória pode rigorosamente interessar, ela por si só nada mais garante do que continuar na luta pelo segundo lugar, dependendo ainda de uma vitória do Arsenal sobre o CSKA para que as esperanças não sejam apenas aritméticas. Enfim, o empate não seria um mau resultado para o Benfica, que joga em Glasgow, no terreno do adversário directo na luta pelo segundo lugar, mas já para o FC Porto significaria o fim de qualquer ilusão. A experiência mostra que começar a Champions em casa é uma vantagem, desde que não se deixe fugir a vitória; em caso inverso, significa quase sempre deixar fugir a qualificação. O empate inaugural do FC Porto contra o CSKA soou como uma pré-sentença de morte e, a partir daí, a equipa ficou obrigada a correr atrás do prejuízo, não desperdiçando mais pontos em casa e tentando ir resgatar fora os que perdeu na primeira jornada. Por isso, o jogo de hoje é para os portistas de vida ou morte: tudo o que não seja uma vitória sobre o Hamburgo deixá-los-á na unidade de cuidados intensivos. Quanto ao Benfica, na eventualidade de uma derrota contra o Celtic, poderá vir a lamentar, como aqui previ na altura, os dois pontos deixados em Copenhaga, num jogo e frente a um adversário em que a vitória estava perfeitamente ao seu alcance mas em que se limitaram a jogar para o empate.

Diferente, para bem melhor, é a situação do Sporting, que passará de confortável a excelente se amanhã tiver engenho e coragem para levar de vencida o Bayern, em Alvalade.

2- Assinale-se que foi mais uma jornada sem casos de arbitragem nos jogos que envolveram os grandes, o que é sempre de aplaudir. Aliás, já lá vão cinco jornadas e ainda não houve um caso controverso em qualquer dos jogos envolvendo FC Porto e Benfica. Apenas com o Sporting houve dois erros de arbitragem com influência directa no resultado - um beneficiando-o, o outro prejudicando-o. Contas feitas, o saldo destas cinco jornadas é anormalmente positivo. Que assim continue!

Não vi o Jogo do Benfica em Leiria, que me dizem ter sido o melhor dos encarnados, desde há muito tempo. Vi bocados da segunda parte do jogo do Sporting no Estoril, que me pareceu cientificamente jogado para o resultado, face a uma equipa menos do que banal. Já o jogo do FC Porto, obviamente, vi-o todo. Vi um Postiga autor de dois excelentes golos, o que a mim, devo dizê-lo com toda a sinceridade, me surpreende: já estava conformado com um Hélder Postiga capaz de passar jogos inteiros a fugir da zona de responsabilidade do pon-ta-de-lança e sem nunca correr o risco de rematar à baliza. Será possível que um jogador ressuscite de quatro anos de frustração? Oxalá que sim! Vi também o regresso simbólico do Bruno Moraes, cujos únicos 50 minutos jogados num particular, na Holanda, me deixaram a pensar que ali estava o único ponta-de-lança fiável do plantei azul e branco, no caso de alguém conseguir deslindar o mistério da sua permanente indisponibilida-de física. Enfim, vi também mais uma exibição exuberante desse menino Anderson, um prodígio como há muito não via em estádios portugueses, e vi mais uma exibição apagada, quer do Quaresma quer do Lucho, ambos verdadeiramente irreconhecíveis esta época. E, que me desculpe Jesualdo Ferreira, mas continuo a não ver qualquer ideia ou estratégia pensada no jogo do FC Porto, cujos jogadores dão a sensação de não saberem o que hão-de fazer em cada momento do jogo.

3- Verdadeiramente aterrador o resultado do exercício 2005/06 apresentado pela SAD do FC Porto: 30,4 milhões de euros de prejuízo, ou seis milhões e oitocentos mil contos, na moeda antiga. Mais assustador ainda, foram as razões apresentadas para este défice de exploração: o afastamento na primeira fase da Liga dos Campeões e o facto de se ter optado por não vender nenhum dos grandes jogadores (o que não é bem correcto, visto que sempre se vendeu o McCarthy e o Diego e só se compraram segundos ou terceiros planos). E assustador, porque isto significa que a SAD do FC Porto assume só conseguir equilibrar as contas, ou ao menos menorizar os prejuízos, através de receitas extraordinárias, que espera conseguir realizar todos os anos. Ou seja, tal como o País, o FC Porto vive com o que não tem, acima das suas possibilidades. Mas, enquanto o País já começa a reagir e o objectivo principal da política financeira é hoje reduzir o défice das contas públicas até chegar ao ponto de equilíbrio, já no FC Porto continua a contar-se com a venda extraordinária do património ou com epopeias desportivas para poder continuar a gastar o que se gasta no resto. Aparentemente, o FC Porto só é viável financeiramente se conseguir vencer a Liga dos Campeões ou se conseguir vender um jogador por milhões. Só que nem de dez em dez anos se ganha uma Liga dos Campeões e nem de cinco em cinco anos aparece um Deco ou um Anderson. E, aliás, uma e outra coisa são incompatíveis: não se pode ganhar uma Liga dos Campeões sem um Deco ou um Anderson. Dir-me-ão que também se pode ganhar primeiro com eles e depois vendê-los. Pois pode: mas para ganhar a taluda duas vezes só mesmo alguém que compra os bilhetes premiados depois do sorteio, para lavar dinheiro.

4- E sempre assim: primeiro, passa-se o mandato inteiro em campanha eleitoral para o mandato seguinte e a fomentar o culto da personalidade, até um ponto tão extremo e tão ridículo que só o próprio é que não se dá conta disso; depois, ameaça-se constantemente com a demissão, para logo suscitar jantares de apoio e movimentos de desagravo; repete-se até à exaustão que o clube não pode ser entregue a aventureiros nem ambiciosos, e que só por isso é que ele não abandona, conforme é seu veemente desejo; enfim, depois de assim ter secado tudo à roda e atingir a triste condição de candidato único, entra-se em pânico ao aperceber-se subitamente que a resposta dos eleitores a uma pugna tão entusiasmante pode vir a ser uma abstenção inconveniente. Chatices da democracia.

ASSIM VAI O FCPORTO ( 10 Outubro 2006)

Quando, com apenas dois jogos disputados na Liga dos Campeões, o próprio Pinto da Costa vem dizer que o objectivo mínimo é o apuramento para a Taça UEFA, os sonhos não podem ser o que já foram até há ainda bem pouco tempo



APROVEITANDO esta pausa no futebol nacional, procedo a um primeiro balanço deste início de época do FC Porto - no plano desportivo e não só - seguindo a par e comentando os temas abordados por Pinto da Costa, na longa entrevista ontem concedida ao jornal O Jogo e com a qual quebrou um silêncio de meses.

AS DUAS DERROTAS SEGUIDAS, em Londres e em Braga, também foram vistas com preocupação pelo presidente portista. Em especial a segunda, em relação à qual ele até se permitiu uma rara critica à falta de atitude da equipa, afirmando estar confiante de que a mesma se não repetirá. De facto, houve uma falta de ambição e de atitude, mas que não foram os únicos factores das derrotas. Em ambos os jogos, particularmente contra o Arsenal, a equipa também mostrou que lhe faltam jogadores de qualidade em alguns lugares-chaves e o próprio treinador cometeu erros de aprendizagem em ambos os casos: em Londres, mudando o esquema habitual para reforçar a capacidade defensiva, e em Braga, experimentando o Anderson como ala-direito - duas apostas falhadas.

A CONTRATAÇÃO DE JESUALDO FERREIRA por um só ano e depois de ter pago um milhão de euros de indemnização ao Boavista, não foi explicada por Pinto da Costa. Assim como não o foi o facto de ter sido preciso um empresário para negociar com o Boavista, em vez da negociação directa.

A SURPRESA DO COMPORTAMENTO DE CO ADRIAANSE, pode ter sido uma surpresa para todos, como diz Pinto da Costa, mas está dentro da lógica do seu comportamento habitual e que teve sempre muito pouco de lógico e bastante de intempestivo e desequilibrado. Coisa que só parece ter escapado ao presidente portista.

AS DISPENSAS DE JOGADORES, impostas por Co Adriaanse e aceites por Pinto da Costa, já se sabia que iam ser um erro quando foram feitas — particularmente as de McCarthy e Hugo Almeida, quando o clube andava à procura de um ponta-de-lança e não encontrou nenhum (já agora, é um mistério como é que o Hesselink custava 8 milhões de euros para o FC Porto e só custou 5 milhões para o Celtic).

AS VENDAS DE ANDERSON e dos outros em relação aos quais o clube recebeu propostas no defeso (Quaresma, Lucho e Helton — vejam lá como os interessados não são parvos e só querem os bons...), ficam suspensas para já, no dizer do presidente portista, que explica e bem que é um erro, para o clube e para os jogadores, vendê-los cedo de mais. Em relação jóia da coroa, o Anderson, Pinto da Costa desmente a informação que eu aqui havia veiculado de que constava que o FC Porto teria vendido recentemente 10 por cento do seu passe. Afinal, comprou mais 15 por cento, estando agora detentor de 85 por cento. Eis uma boa notícia para os portistas. Não que isso impeça a sua venda próxima ou inevitável num futuro breve, mas ao menos será melhor negócio.

SOBRE COMPRAS DE JOGADORES EFECTUADAS ESTA ÉPOCA Pinto da Costa não fala nesta entrevista. Mas o tema é interessante, porque se o grosso dos accionistas está disposto a encaixar mais um exercício com «elevado prejuízo», que em breve será revelado, e em troca de se manterem no clube os activos representados pelos seus principais jogadores com mercado, também é verdade que talvez não houvesse prejuízo com uma melhor gestão das compras. Volto a dizer que não entendo porquê que se compra uma série de jogadores numa época (Paulo Ribeiro, Ezequias, Diogo Valente, Fucile, João Paulo, Tarik) nenhum dos quais tem valor para se impor como efectivo na equipa. E não percebo como é que, com três defesas-esquerdos no plantei, se deixa ir embora o César Peixoto, com provas dadas como defesa e como extremo e depois de um ano a recuperá-lo clinicamente, e se deixa continuar emprestado no Brasil, com parte do ordenado a pagar pelo clube, outro jogador com provas dadas, como o Leandro. E, depois de abrir mão dos dois, se vai comprar... o Ezequias.

AS DÍVIDAS DO DÍNAMO DE MOSCOVO que julgo ter sido a primeira vez que foram mencionadas por Pinto da Costa, é também um tema preocu-pante. O FC Porto vendeu ao Dínamo, a dois tempos, o Costinha, o Maniche, o Derlei e o Seitari-dis. Pelos vistos, vendeu sem as devidas garantias de pagamento e voltou a vender mesmo depois de o Dínamo não estar a cumprir os primeiros pagamentos. Entretanto, o Dínamo já revendeu o Costinha e o Maniche para o Atlético de Madrid e ocorre perguntar se esses dois já estariam pagos ou se o Dínamo fez dinheiro com jogadores que não pagou e sem que o FC Porto tenha assegurado o seu direito de regresso em relação ao Atlético de Madrid. A queixa à FIFA, por si só, não assegura o pagamento e o fraco rendimento dos atletas portugueses ao serviço do Dínamo não deve motivar muito os russos a pagarem as suas dívidas.

SOBRE O «APITO DOURADO» Pinto da Costa refere que, das onze certidões extraídas para eventual procedimento disciplinar contra ele, nove foram já arquivadas sem que ele tenha sequer sido ouvido, o que significa que os magistrados do Ministério Público entenderam não haver matéria para a instauração de processo. Restam, portanto, duas. E resta conhecer toda a documentação sobre o Apito Dourado, a transcrição de todas as conversas escutadas a toda a gente e ouvir todas as defesas, para se perceber se há matéria criminal ou simplesmente disciplinar, se houve corrupção ou apenas tráfico de influências, se tudo era uma batota organizada e quase generalizada ou apenas a habitual bandalheira tão portuguesa das cunhas e empenhos, centradas na figura tutelar do major Valentim Loureiro.

SOBRE A DEFUNTA DIRECÇÃO DA LIGA DE CLUBES Pinto da Costa é certeiro e incisivo. Foi obra congeminada a duas mãos entre Valentim Loureiro e Luís Filipe Vieira — que depois disse «querer regenerar a Liga que ele próprio havia feito». E, porque nesta direcção perdeu o poder que detinha na anterior, passou logo a inimigo declarado desta, antes mesmo que ela tivesse mexido uma palha.

Eis o universo portista na actualidade, passado em revista pelo seu presidente e acrescentado dos meus comentários. Percebe-se que os tempos dourados de Mourinho, no futebol, não voltarão tão depressa. Percebe-se, e percebe-se mal, que a situação financeira é má e que não se aproveitaram os lucros excepcionais conquistados nos anos de ouro de 2003 e 2004. Os tempos são de transição, tentando consolidar a supremacia interna, sem grandes veleidades europeias. Quando, com apenas dois jogos disputados na Liga dos Campeões, o próprio Pinto da Costa vem dizer que o objectivo mínimo é o apuramento para a Taça UEFA, os sonhos não podem ser o que já foram até há ainda bem pouco tempo.

O CHOQUE DA EUROPA ( 03 Outubro 2006)

Diga-se de passagem que ontem, em Braga, o FC Porto confirmou o que já em patente para quem tivesse estado atento, independentemente dos primeiros resultados positivos: que esta equipa do FC Porto, até ver, tem mais estatuto que qualidade.

O futebol português, a nível de clubes, viveu este ano uma conjuntura altamente favorável na participação europeia, fruto do 6.Q lugar que ocupamos no ranking da UEFA e que é ainda e em grande parte herança dos dois anos dourados de Mourinho à frente do FC Porto, acrescentados de uma boa prestação do Sporting na Taça UEFA em 2005 e de uma razoável prestação do Benfica na Liga dos Campeões da época passada.

Por esse facto, temos três equipes na Liga dos Campeões da edição corrente e três na Taça UEFA. O risco deste excesso de representação é o inverso da razão de estarmos nesta posição: com mais equipas em competição na Europa, a probabilidade dos maus resultados acentua-se. E, com eles, o ranking recua e vão ser necessários outros anos de ouro de dois ou três emblemas para nos puxar de novo para cima. Porque, anos e anos passados, o essencial da nossa participação europeia mantém-se: um tremendo défice de competitividade e um antiquíssimo e inultrapassável espírito provinciano quando chegamos aos grandes palcos europeus.

Na semana que passou, esta realidade e esta atitude foram particularmente evidentes, a um ponto que só nos pode deixar deprimidos e pensativos, Vejamos, caso a caso:

O Vitória de Setúbal ficou feliz por não repetir a derrota frente ao Hereven e por fechar a eliminatória conseguindo um empate, embora tenha conseguido zero golos em 180 minutos de futebol. Como, mesmo assim, o esforço parece ter sido imenso, o seu treinador logo veio declarar, em vésperas de regresso às competições internas, que a equipa estava cansada. Há 200 equipas profissionais em competição na Europa e ninguém se lembra se tiveram um jogo a meio da semana, quando chega a altura de jogarem internamente. É um choradinho que já não tem lugar em equipas profissionais, até porque não se percebe a razão pela qual uma equipa de clube pequeno há-de acusar mais o cansaço que uma de clube grande. Se não têm capacidade física para aguentar um ou dois jogos extra a meio da semana, mais vale que desistam da Europa e se confinem aos seus horizontes de ambição e preparação.

O Nacional da Madeira entrou bem no seu jogo e conseguiu anular a desvantagem de 1-0 antes do intervalo. Mas, a partir daí, a equipa encostou-se, passou a jogar para a sorte, para o prolongamento e os penalties~e foi muito justamente eliminada por um adversário que mostrou ter muito mais ambição e categoria para estar na Europa.

O Sporting de Braga - muito saudado pelo marco histórico de, pela primeira vez, ter passado à fase de grupos da Taça UEFA, fez, em minha opinião, um jogo miserável contra o Chievo, em que só depois de estar a perder 0-2 e a jogar contra dez, é que se atreveu a fazer mais qualquer coisa do que ver o tempo a passar e o adversário a ter todas as des-pesas do jogo. Tiveram sorte e voltaram felizes, mas não sei se mereciam. E, ontem à noite, em Braga, contra o FC Porto, voltaram a ser felizes, mas beneficiando de uma exibição do FC Porto tão miserável quanto a do Braga em Verona.

O mesmo se diga do Sporting, no seu jogo de Moscovo, a seguir ao brilharete contra um Inter em crise. A tão explorada desculpa do relvado sintético (igual para ambos) serviu às mil maravilhas para desculpar uma exibição totalmente falha de coragem e vontade de vencer e serviu também para fazer esquecer que o problema de defrontar as equipas russas na sua terra não é o de jogar em relvados sintéticos em Setembro, mas o de jogar em relvados queimados pela neve e com temperaturas negativas, em Dezembro. Apenas a sorte, também, (e o génio de Nani), permitiu ao Sporting sair de Moscovo com um empate bem melhor que a exibição.

O Benfica fez o que pode e o mais que pode, na primeira parte do jogo contra um Manchester que ainda está longe de voltar a ser a temível equipa que era antes de José Mourinho ter chegado a Inglaterra. A estratégia passava também por desestabilizar o Cristiano Ronaldo a partir das bancadas, mas o tiro saiu pela culatra e ele mostrou porque é um grande jogador: porque aparece nos grandes momentos e tem a faculdade de, por si só, resolver um jogo. O Benfica foi até onde pode e esse ponto mostra bem a diferença que há entre um candidato ao título em Portugal e um em Inglaterra.

A mesmíssima coisa aconteceu FC Porto, no seu embate erante essa multinacional que dá pelo nome de Arsenal. Tal como aqui escrevi, no próprio dia do jogo, a minha crença num bom resultado era diminuta, porque entendo que os portistas não têm equipa para competir ao nível mais allto da Europa. Mas chegou a ser confrangedora â diferença de classe, de atitude e de capacidade técnica entre uma equipa que caça com um Thierry Henry e outra que caça com um Hélder Postiga. Que o FC Porto iria naturalmente perder eu já sabia. Não esperava é que Jesualdo Ferreira, também ele, cometesse o eterno crime dos treinadores portugueses frente aos grandes jogos: entrar em jogo a medo, mudando a estrutura rotinada da equipa para introduzir corpos estranhos e malabarismos tácticos, cujo único sentido é sempre o de reforçar a capacidade defensiva. Como seria de esperar, Ricardo Costa só atrapalhou, Postiga foi totalmente inócuo e Lucho González assinou mais uma exibição de valor zero, mas com direito divino a manter-se sempre em campo. E, como era também de temer, a mensagem assim dada pelo treinador passou à equipa: o FC Porto entrou em campo borrado de medo, aproveitando o pontapé de saída para gastar minuto e meio a passar a bola de uns defesas para os outros, muito contentes porque o Arsenal ainda não tinha criado perigo. Não admira que, ao fim de dois jogos europeus, ainda não tenha conseguido sequer marcar um golo. Ora, quem tem medo compra um cão, não vai à Liga dos Campeões. Diga-se de passagem que ontem, em Braga, o FC Porto confirmou o que já era patente para quem tivesse estado atento, independentemente dos primeiros resultados positivos: que esta equipa do FC Porto, até ver, tem mais estatuto do que qualidade.

PS: O director de informação da RTP, Luís Marinho, entendeu desmentir o que aqui escrevi a semana passada sobre as influências movidas pela FPFpara afastar o jornalista Carlos Daniel dos relatos dos jogos da Selecção, por não gostarem do seu espírito crítico nem do programa Trio de Ataque, que ele apresenta. Para além da confirmação da veracidade de parte das minhas afirmações já feita pelo próprio Carlos Daniel, na edição seguinte de A BOLA, quero expressamente dizer aos leitores que tudo o que eu escrevi é rigorosamente verdade, como o Luís Marinho bem sabe. Não retiro nem uma vírgula ao que escrevi, pois, como é óbvio, não o escrevi sem confirmação nem fundamento. Passo por cima das restantes considerações feitas por Luís Marinho que, além de despropositadas e absurdas, nos levariam a uma desagradável lavagem de roupa suja a que não desejo submetê-lo.

ONDE ACABA A LIBERDADE ( 26 Setembro 2006)

Que fique estabelecido para todos os prudentes:a Seiecção é sagrada, Madail é um génio, Scolari é infalível e a Pátria não se discute. Como dizia o outro.


1- Parece que Scolari, ou Madail, ou alguém da «família da Selecção», não gosta da forma excessivamente livre ou independente do jornalista da RTP Carlos Daniel relatar e comentar os jogos da Selecção (suponho que não se possa dizer, por exemplo, que o Ricardo sofreu três golos por entre as pernas, contra a Dinamarca, porque o Ricardo é o melhor guarda-redes do mundo e está acima de qualquer critica). Parece que também não gostam do programa da RTP "Trio de Ataque», apresentado igualmente por Carlos Daniel e que é, a milhas de distância, o melhor programa do género na televisão portuguesa, em que três homens cultos, inteligentes e independentes, falam livremente sobre futebol sem ter de falar «futobo-lês» nem prestar vassalagem aos senhores feudais do nosso futebol.

Demasiados contras para certas sensibilidades, saudosas dos tempos em que Suas Excelências falavam e os outros calavam e Oíjedeciam. Vai daí, e ao contrário do que foi oficialmente desmentido, a Federação pressionou a RTP (que tem o exclusivo da transmissão dos jogos da Selecção), e a RTP calou o Carlos Daniel, sem lhe dar sequer conhecimento prévio. Deve ser agora uma questão de tempo até calar também o «Trio de Ataque». Eis-nos de volta aos bons velhos tempos da «Pátria somos nós» — para utilizar o ridículo título do «livro» daquele pobre pateta chamado Afonso Melo, que, tendo-se prestado a tudo (fazer de «gauleuter» nas conferências de imprensa da Selecção, sabujar Scolari e insultar, a mando, os «anti-patrióticos críticos» da Selecção) conseguiu, mesmo assim, ver dispensados os seus obsequiosos serviços.

Que fique estabelecido para todos os prudentes: a Selecção é sagrada, Madail é um génio, Scolari é infalível e a Pátria não se discute. Como dizia o outro.

2- Se fosse eu a escolher, o FC.Porto entraria hoje no Estádio dos Emirates, contra o Arsenal, em 4x2x2x2, com a seguinte composição: Helton; Bosingwa, Bruno Alves, Pepe e Cech; Paulo Assunção e Raul Meireles; Lucho e Anderson; Quaresma e Lisandro.

Mas, com esta ou outra escolha, confesso a minha falta de optimismo para este jogo. Em minha opinião, o FC Porto tem equipa que chegue e baste para Portugal, não a tem para a Europa — como se viu bem contra o CSKA. Esta equipa tem cinco grandes jogadores e um génio; depois, tem mais uns três jogadores razoáveis e todos os restantes são banais. É uma equipa desequilibrada, com falta de bons jogadores em lugares fulcrais e falta de um banco à altura. A este propósito, mais uma vez constato, .e contesto, uma política de aquisições (apesar de tudo, este ano, comedida, em comparação com os anos anteriores), em que se compram sete ou oito jogadores novos e nenhum deles é titular. Não seria melhor política comprar só dois que fossem mesmo reforços?

Por mais que Jesualdo Ferreira insista em contrariar a ideia de que a equipa está crescentemente dependente do génio e inspiração do miúdo Anderson (e nem ele pode fazer outra coisa...), a verdade é que, como ainda este fim-de-semana se viu, sem o Anderson em campo, o FC.Porto pode estar horas a tentar marcar um golo a um Beira-Mar, sem o conseguir.

Nas bancadas do Dragão comenta-se que o miúdo não vai ficar ali muito tempo, até porque o FC.Porto já não terá nem metade do seu passe, tendo vendido recentemente 10% a um daqueles «empresários» que por lá parasitam. Não sei se será verdade ou não, mas obviamente não tenho grandes dúvidas que este génio que está a despontar na relva do Dragão não ficará lá tempo suficiente para chegarmos a ter saudades: está condenado a passar por nós como um cometa, em direcção ao céu infinito. Espero, ao menos, que, quando for vendido o que nos restar do seu passe, seja bem vendido e o dinheiro não sirva para ser desbaratado na compra de um cabaz de jogadores de segunda ou terceira linha.

3- Quando vi as imagens do presidente do Gil Vicente a ser levado em ombros na assembleia-geral do clube, vieram-me à memória idênticas imagens dos sócios do Benfica em êxtase com Vale e Azevedo, naquelas célebres assembleias-gerais com «jagunços» contratados para intimidarem os discordantes. Sabe-se como acabou Vale e Azevedo e os benefícios que trouxe ao Benfica. Esperem agora para ver o que António Fiúza vai fazer ao Gil, por teimosia e vaidade. Infelizmente, a democracia tem limitações: garante que a maioria elege quem quer, mas não garante que elege quem deve. Do clube e do seu presidente não tenho pena — escolheram a cama em que se quiseram deitar. Tenho pena é dos jogadores que irão para o desemprego, dos miúdos das escolas do clube que ficarão sem poder competir e da Câmara de Barcelos, que construiu um estádio novo, com dinheiros públicos, para o Gil Vicente e agora fica com mais um dos elefantes brancos do futebol em braços. Ainda há mais uma hipótese, a última, de haver juízo e sentido das realidades. Mas não sei se os advogados deixam e se o presidente não temerá perder protagonismo, recuando.

4- Não viram, não ouviram, não leram. Continuam todos em funções, sem sequer sentirem o incómodo de consciência ou a reacção de pudor de prestarem explicações públicas. Como se nada se tivesse passado, acobertados atrás da tal «legitimidade democrática». O que distingue um cavalheiro dos demais é que ele não precisa de ir a votos para ser sério, nem precisa dos votos para poder não ser sério: ou é ou não é. E o que mais falta no nosso futebol são cavalheiros: gente de honra, de palavra e de vergonha.

O SILÊNCIO DOS CULPADOS ( 19 Setembro 2006)

Que o governo tome posse administrativa da liga e da Federação, e que, nomeando gente séria e fora do futebol, instrua os processos que forem necessários e corra com todos os implicados de uma vez para sempre.

1- Como já se percebeu, em termos penais, o Apito Dourado vai dar em nada: vai dar em apito encalhado, como eu escrevi logo de início. Uma vez mais, sucedeu o que já se vem tornando uma regra nos chamados processos mediáticos: a justiça avança com todo o espalhafato possível, querendo mostrar ao pagode que não recua perante os poderosos. Escudados no secretismo das investigações e no desconhecimento que os suspeitos têm sobre o valor real das suspeitas que sobre eles, os responsáveis pela instrução dos processos vivem dias de glória no seu papel de incorruptíveis justiceiros, tratando aos poucos de ir promovendo a condenação dos seus alvos junto da opinião pública, através de judiciosas fugas de informação - mais tarde investigadas pelo senhor Procurador-Geral da República, sempre para concluir que não há responsáveis, apenas os irresponsáveis dos jornalistas. Assim se vão consumindo os suspeitos em lume brando, sem possibilidade efectiva de defesa e tidos já como bandidos aos olhos da opinião pública. Mas eis que chega o momento da verdade: a instrução chega ao fim e entram em cena os advogados de defesa e os mestres especializados em vendas de pareceres jurídicos. Em breve se conclui que não há matéria efectiva para condenação em juízo e os processos são arquivados, sem que as pessoas percebam como. E este o destino mais do que provável do Apito Dourado.

Mas sobra, entretanto, o foro desportivo-disciplinar. Se as escutas não são válidas ou suficientes para obter uma condenação criminal dos implicados, ou se as provas recolhidas nada provam, resta que há, no que vem sendo divulgado, matéria mais do que suficiente para acusar disciplinarmente todos os implicados nas escutas e varrê-los a todos, sem excepção, iniciando uma vasta operação de higiene e limpeza, verdadeiro acto refundador do futebol português. Mas, como é óbvio, tal operação não será nem poderá ser levada a cabo pelos órgãos da Liga e da Federação actualmente em funções e que são, eles próprios, os principais implicados nesta geral porcaria.

Pelo que, sugiro medidas de excepção: que o governo tome posse administrativa da Liga e da Federação, que as regenere se for possível, que as extinga se for inevitável, mas que, nomeando gente séria e fora do futebol, instrua os processos que forem necessários e corra com todos os implicados de uma vez para sempre: dirigentes associativos, dirigentes de clubes, agentes, árbitros, treinadores e intermediários.

O que não é possível é continuar a escutar o silêncio ensurdecedor deste bando de cavalheiros e continuar a vê-los, impávidos, em funções, como se nada tivesse sucedido e nada tivéssemos sabido. A ver se o pau vai e vem e as costas folgam.

2- Agora, o futebol, propriamente dito. O Sporting pagou o preço da sua brilhante vitória sobre o Inter e da falta de maturidade competitiva da sua jovem equipa - tal qual como José Mourinho tinha previsto que poderia suceder e como Paulo Bento tinha também avisadamente temido. É verdade que perdeu contra o Paços de Ferreira com um golo falso e irregular, mas no jogo anterior tinha também ganho com um golo irregular. Contas feitas, perdeu um ponto em Alvalade e ganhou dois na Madeira: o saldo ainda é positivo.

O Benfica ganhou como habitualmente, quando ganha: sem talento e sem garra. Na Dinamarca, jogando para a Champions contra uma equipa menor, Fernando Santos cometeu o erro de declarar previamente que o empate já não era mau. E os jogadores tomaram-no à letra, com uma exibição confrangedora de falta de ambição e coragem. Ficaram todos muito aliviados por não terem perdido, mas, ou muito me engano, ou vão pagar caro este empate.

O FC Porto de Jesualdo vai em três vitórias tranquilas nos três jogos feitos para o campeonato e um empate comprometedor no mais importante dos desafios: o da Champions, contra o CSKA. Teve azar neste jogo, desperdiçando suficientes oportunidades para ter ganho, mas não disfarçou nunca a falta que faz McCarthy ou um ponta-de-lança para jogos a sério, e deu sempre a sensação de ser uma equipa vulgar arrastada por um génio, o miúdo Anderson.

A meu ver, Jesualdo Ferreira é um homem sério, inteligente e que sabe de futebol. Gosto da atitude dele fora do campo, incluindo o mau humor que lhe atribuem. Mas falta-lhe o teste de fogo de ganhar com um grande. E, quando digo ganhar, não é ganhar o campeonato nacional, porque isso qualquer um pode conseguir à frente do FC Porto. Ganhar é ganhar o respeito da Europa, ultrapassar a fase de grupos da Champions, pôr a equipa a jogar um futebol que leve gente ao estádio, estar atento aos novos valores e dar à equipa uma verdadeira atitude de campeão. Compreendo e acho inteiramente legítimo que ele ainda esteja na fase de conhecer os jogadores e só por isso não é urgente tentar dizer-lhe desde já que, por exemplo, ele não vai a lado nenhum na Europa com o Bruno Alves a central e o Hélder Postiga na frente: a seu tempo, sem dúvida que o perceberá por si. Para já, o mais preocupante é a estranha onda de lesões que já pôs no estaleiro jogadores importantes como o Pedro Emanuel, o Ib-son, o Raul Meireles ou o Bruno Morais, e a extrema dificuldade, que já vem de Adriaanse, de a equipa conseguir chegar ao golo contra adversários que se fecham e defendem bem.

3- Jogo após jogo, vou cimentando a minha opinião, manifestada logo após o primeiro jogo que lhe vi fazer: este gauchinho do Anderson, a menos que alguma coisa de muito má e muito estranha lhe aconteça, está destinado a vir a ser um dos melhores jogadores do Mundo, não tarda nem um par de anos. E, se dúvidas houvesse, aí está já o baile dos vampiros voando sobre a sua cabeça para ficarmos esclarecidos. E lá vamos nós, portistas, viver a habitual saga que já conhecemos do Jorge Andrade, do Ricardo Carvalho, do McCarthy ou do Deco: cada vez que há um fora de série na equipa, ninguém nos dá tréguas, no desejo expresso de o ver rapidamente pelas costas, exportado à primeira oferta. Mas, neste caso, ficaria bem um pouco de pudor: o miúdo tem só 18 anos, chegou há apenas um ano e foi preciso esperar seis meses para que começasse a jogar. Dêem-lhe ao menos tempo de aquecer a camisola e não o queiram ensinar já a transformar-se num mercenário!

ZAMGAM-SE AS COMADRES, SOA O APITO ( 12 Setembro 2006)

HÁ mais de ano e meio que uma vasta legião de jornalistas, comentadores e dirigentes desportivos vivem agarrados ao Apito Dourado como bóia de salvação capaz de lhes trazer, servida numa bandeja, a única conclusão e a única "verdade" que ansiosamente esperam: a "prova" de que a hegemonia do FC Porto, nas últimas duas décadas do futebol português, tem uma única razão de ser - a compra dos árbitros, É por isso, segundo o seu esperançoso discurso, que o FC Porto ganha bem mais e mais vezes que os seus rivais do sul.

Em vão lhes foram constante mente fornecidos motivos de reflexão para outras razões possíveis, que eles desprezaram sempre, porque reconhecer o mérito alheio seria reconhecer o demérito próprio. Foi e é inútil argumentar com outro tipo de razões lógicas. Por exemplo, que se os árbitros(e, aparentemente, todos eles) se dispõem a vender os seus bons ofícios ao FC Porto, é natural que também o façam com os outros clubes. Por exemplo, que é difícil de perceber como é que um clube que só ganha internamente graças a batota, conseguiu ser, no espaço de dezasseis anos, duas vezes campeão da Europa e do Mundo, juntando ainda uma Taça UEFA e uma Supertaça Europeia ao rol dos seus triunfos internacionais. Por exemplo, que é difícil aceitar a batota como , única razão para a supremacia portista, quando, uns após outros, jogadores e técnicos, portugueses e estrangeiros, que ,têm passado pelo FC Porto são unânimes em elogiar a sua 'superior organização, profissionalismo e atitude competitiva, em 'comparação com os seus rivais. Ou, por exemplo, que é difícil .perceber como é que o FC Porto conseguiria exercer tão duradouramente tal poder subterrâneo, quando há vários anos se encontra afastado de todos os órgãos de decisão que integram a Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol - que são os órgãos onde se decide as nomeações de árbitros, as suas classificações e punições disciplinares. Enfim, como é que alguém de boa-fé pode sustentar que é por batota que o FC Porto ganha e os outros não, quando todos temos, semanalmente, acesso a todos os jogos dos "grandes" e o que vemos é demasiado evidente para poder ser explicado por "razões ocultas". Depois de ver jogar o Benfica no Bessa, este sábado, alguém acredita que é por falta de "transparência" e de "rigor" que o Benfica é a desilusão continuada que tem sido?Alguém se lembra quando foi o último ano que o Benfica teve uma equipe de categoria, a jogar um futebol de categoria?

A muita gente, incapaz ou incompetente, que tem dirigido os destinos do Benfica e do Sporting dava muito jeito convencer o pagode que só razões extrafutebol é que explicam os seus fracassos e os sucessos portistas. O Apito Dourado - um processo mal instruído e mal amanhado desde o início, construído mais para os jornais do que para os tribunais, como é hábito entre nós - foi a tábua de salvação a que se agarraram para provar a sua razão. E, mesmo quando os primeiros indícios recolhidos e as primeiras fugas do processo começaram a revelar, sem margem para dúvidas, que o grande implicado do processo era o sócio benfiquista na Liga, o major Valentim Loureiro, as esforçadas almas benfiquistas não pararam de alimentar a lenda e a "verdade" de que tudo se resumia às tropelias de Pinto da Costa e do FC Porto.

Para não dizerem que não disse, anotem bem que eu não considero nem normal, nem aceitável que se corresponda ao pedido de um árbitro que queria os serviços de uma prostituta ou que o presidente de um clube receba em sua casa, para um "cafezinho", um árbitro que daí a dias vai dirigir um jogo do seu clube. Penso que ambas as coisa deveriam ser investigadas e punidas, no foro disciplinar, mesmo que arquivadas no foro criminal, como foram, Embora também não possa presumir a má-fé de Pinto da Costa, quando disse em depoimento que a visita do árbitro a sua casa foi inconveniente e não desejada por si, e embora também não seja tão ingénuo que não saiba ou não desconfie que os serviços sexuais aos árbitros ou as jantaradas de mariscos em restaurantes são urna prática habitual e disseminada por todos os clubes. Mas se os processos contra o FC Porto foram arquivados pelo Ministério Público é porque desde o início, como aqui escrevi, não se fez prova de duas coisas essenciais: nexo de causalidade e o móbil do suposto "crime". Ou seja, não se provou, antes pelo contrário, que aqueles árbitros tivessem beneficiado o FC Porto naqueles jogos. E, como era evidente, entendeu-se que era impossível demonstrar em tribunal, apenas com base na opinião dos benfiquistas ou sportinguistas, que o FC Porto de 2003-4, que era de longe a melhor equipa portuguesa de então, que jogava um futebol de encher o olho, treinada pelo melhor treinador português de sempre, que viria a ganhar o campeonato com mais de dez pontos de avanço sobre os seus rivais imediatos e viria a ser campeã da Europa, precisava de subornar os árbitros para ganhar em casa ao Estrela da Amadora ou fora ao Beira-Mar. Mas foi essa lenda que se alimentou durante ano e meio, através de "fugas" criteriosas do processo e extractos seleccionados das escutas telefónicas.

Sempre me perguntei porque é que ninguém falava de outros clubes e outras épocas, ainda mais recentes e pertinentes - como a época de 2004-5, em que o Benfica, sem jogar absolutamente nada, conseguiu ser campeão e entrar para o Guiness, através da proeza de, nos últimos dez jogos da época, marcar golos sempre e exclusivamente de "penalty" ou de livre à entrada da área, quase todos duvidosos e alguns escandalosos.

Mas eis que rebenta uma súbita zanga de comadres entre os sócios da Liga. Com Valentim Loureiro a negociar a sua própria sucessão na Liga, de forma a ficar com um pé dentro e o Benfica com os dois fora, a sociedade Benfica-Boavista estilhaçou-se e a mostarda subiu ao nariz do presidente do Benfica, e com razão. E, vai daí, começou ele a falar, dia sim, dia sim, do Apito Dourado, até que o Diário de Notícias de quarta-feira escarrapachava as escutas feitas à família Loureiro - cujo teor, não sendo logo integralmente desmentido, justificaria, se houvesse um pingo de vergonha, que eles se demitissem de todos os cargos que exercem nas horas seguintes.

E, sexta-feira, no Público, veio a vingança, Luís Filipe Vieira apanhado por tabela numa escuta feita a Valentim Loureiro, a escolher, sem pudor, o árbitro para uma meia-final da Taça e a dizer coisas tão sugestivas como "não quero mais esquemas nem quero falar muito" ou "não me quero chatear com isto porque eu estou a fazer isto por outro lado". Enfim, como ele próprio disse sem se rir, uma conversa que "revela o estado de espírito de um homem que pugna pela transparência e pelo rigor".

Mas o mais irónico ainda, é que a seguir o Público revelava uma conversa entre Pinto de Sousa e Pinto da Costa, que alguns bem intencionados se apressaram a declarar idêntica à conversa entre Loureiro e Vieira. Com estas diferençazinhas: enquanto Vieira recusava o árbitro indicado para o seu jogo, Pinto da Costa era confrontado com a recusa do árbitro por parte do adversário - o União de Leiria; enquanto que Vieira, a seguir, recusava mais quatro nomes indicados por Loureiro (nem ele nem a Liga tinham competência para escolher o árbitro dum jogo da Taça...) até aceitar o quinto, Pinto da Costa sugeria ao seu interlocutor um nome de consenso, a seguir propunha-lhe que escolhesse quem tivesse sido o melhor classificado e, finalmente, que escolhesse quem quisesse, que ele aceitaria qualquer um. E só para completar a história; nessa meia-final da faça de 2004, o FC Porto apanhou um dos dois árbitros que mais o prejudicam habitualmente e, na final contra o Benfica, apanhou o outro - e ganhou o Benfica, sem justiça alguma,

Pois é, o Apito Dourado transformou-se em "Apito Desgovernado" e agora apita em todas as direcções, E cada vez menos na direcção programada.

Mateus: uma questão de ética e desportivismo ( 05 Setembro 2006)

Já a semana passada tive ocasião de aqui escrever que o Gil Vicente está muito bem assessorado na sua persistente e talvez suicida demanda no chamado caso Mateus. Esses apoios e a aparente solidez das suas argumentações poderão levar os sócios e simpatizantes do Gil a imaginarem que têm a razão por seu lado mas o mundo inteiro contra si, por injustiça ou com idade. Eu, no lugar deles, tentaria, porém, ver as coisas com mais calma e distância, não deixando que a floresta das ambiguidades jurídicas impedisse de distinguir o essencial. O essencial não é saber se o Gil Vicente tem razão jurídica — (e, a meu ver, não a tem) — mas se tem razão do ponto de vista ético-desportivo. Porque o Gil Vicente não é uma sociedade de advogados nem um fórum de jurisconsultos, nem sequer uma empresa em litígio com o Estado devido a um acto administrativo. O Gil Vicente é um clube desportivo, cuja finalidade última é praticar desporto, entrar em competições segundo as respectivas regras e ser aceite de acordo com o comportamento de cavalheiros que, mesmo de forma longínqua, deve estar presente em todas as competições e todo o comportamento dos praticantes desportivos. Tanto quanto sei, o Gil Vicente está no desporto para competir e não para mudar, por via judicial, as regras das competições em que entra e que previamente aceitou. De nada lhe servirá—muito trabalho, muita discussão e muito tempo depois— ver um tribunal reconhecer-lhe razão jurídica, se essa vitória extrafutebol o desacreditar perante todo o país desportivo e o tornar um clube indesejado entre os seus pares. Como sabemos, o Gil é acusado de duas coisas, cuja validade contesta: —inscrever um jogador como profissional, quando, de acordo com o regulamento em vigor, não tinha ainda decorrido um ano sobre a sua inscrição como amador, só então podendo passar a profissional e jogar na Superliga; — ter apelado da decisão federativa que lhe negou a inscrição para os tribunais comuns, voltando a fazê-lo, quando nova decisão o relegou para a Liga de Honra. Em relação à primeira acusação, diz o clube de Barcelos que se trata de uma norma que limita a liberdade de trabalho. Penso que não tem razão alguma, nem jurídica, nem moral. Não é uma regra que limita a liberdade de trabalho, é apenas uma regra que estabelece uma das condições para se ser praticante federado de futebol profissional. Existem regras semelhantes em todos os desportos e, por maioria de razão, para profissionais. Ninguém pode, invocando a liberdade de trabalho, querer entrar no América’s Cup sem ter a carta de patrão de altomar e licença de competição em alto-mar, e ninguém pode correr na Fórmula 1 sem ter a Super Licença Desportiva. Mas é do ponto de vista ético que o comportamento da direcção do Gil Vicente é ainda mais reprovável. O clube contratou um jogador que sabia não poder ser inscrito desde logo como profissional. O Gil não ignorava o regulamento, aprovado pela Liga de clubes, de que faz parte, e que se integra num conjunto de regras essências para que haja competição em igualdade de circunstâncias, regras essas por todos assumidas voluntariamente. Pode-se discutir — em sede própria, que é a assembleia geral da Liga—se a regra é justa e se deve ou não manter-se. O que não se pode é fazer o que o Gil fez: sem nunca ter posto em causa tal regra na Liga, resolveu atacá-la quando tal lhe deu jeito, recorrendo para tal aos tribunais comuns, com isso visando obter um tratamento de excepção em relação a todos os outros clubes. E, para mais, fê-lo através de uma batota que em nada o dignifica, que foi a de fingir que tinha sido o jogador e não o clube a recorrer a tribunal, para defender a sua liberdade de trabalho. Por mais doutos pareceres jurídicos que consiga arregimentar a seu favor, nenhum conseguirá o milagre de lhe salvar a face em tal comportamento. A segunda acusação que pende sobre o Gil Vicente é a mais controversa: a da impossibilidade de recurso à justiça comum. Sobre isto, o Gil Vicente defende-se de duas formas. Por um lado, dizendo que não se trata de matéria estritamente desportiva, mas sim laboral: já vimos que o não é, salvo melhor opinião. Por outro lado, recorrendo à bomba atómica, ou seja, contestar o princípio em si mesmo da proibição de recurso à justiça comum em matérias do âmbito desportivo. Éaqui que alguns dos seus defensores já esfregam as mãos de contentes na perspectiva de um novo caso Bosman que volte a abalar o princípio da auto-replicação das entidades que gerem o futebol mundial . E é aqui também que a FIFA se mete ao barulho, ameaçando também com a sua bomba atómica, que é a suspensão das representações portuguesas nas competições internacionais — castigo que, diga-se, é totalmente absurdo e injustificado. Muito embora eu também seja, em muitas coisas, um crítico da prepotência da FIFA e da UEFA, devo dizer que, nesta matéria reconheço toda a razão de ser da sua intransigência. Ao contrário do que, em defesa do Gil escreveu o professor de direito de Coimbra, João Leal Amado, eu penso que aquilo a que ele chama «a submissão do poder desportivo ao direito» seria uma má notícia e não uma boa. Uma coisa é garantir que o futebol vive dentro da legalidade empresarial, fiscal, administrativa, etc. Outra coisa é impor que aquilo que apenas diz respeito ao futebol — como as regras de organização e de competição — passe a estar sujeito ao crivo da justiça. Porque a competição desportiva é, como disse, uma associação voluntária de equipas, países ou praticantes, que escolhem e têm o direito de escolher as próprias regras com que querem competir, sem que venham os omnipresentes juristas dizer-lhes que isso é ilegal, inconstitucional ou contrário ao direito comunitário. Depois, porque, apesar de tudo, o futebol, nomeadamente, funciona muito melhor do que a justiça (em particular a justiça portuguesa), e não pode, sob pena de morrer rapidamente, ficar sujeito aos prazos, formalismos e ambiguidades da justiça comum. Aliás, uma das coisas que funcionam mal no futebol entre nós — como o caso Mateus amplamente demonstrou mais uma vez—é a incompetência funcional dos juízes que habitam na justiça desportiva. E a estes guardiães do templo jurídico convém recordar que o tão louvado caso Bosman, onde a UE triunfou sobre a UEFA, não melhorou o futebol, piorou-o: permitindo a utilização sem limite de jogadores comunitários e aparentados por qualquer equipa, veio, obviamente, favorecer os clubes ricos dos países ricos, com isso distorcendo a concorrência e falseando a competição.

PS: Eu sei que a coerência não abunda entre os nossos dirigentes, mas às vezes a falta de coerência confunde-se com a falta de pudor. É o que constato quando oiço o presidente do Nacional, Rui Alves — cuja providência cautelar interposta no tribunal administrativo impediu a nova direcção eleita da Liga de entrar em funções — vir acusar Valentim Loureiro de «se querer perpetuar no lugar». Ou quando oiço o presidente do Benfica, que defendeu (e praticou) que era mais importante ter o poder na Liga do que uma boa equipa para o campeonato, vir agora dizer que a Liga não serve para nada. Ou quando oiço o cidadão Luís Filipe Vieira indignar-se porque um jornal escreveu que ele ia ser constituído arguido num processo-crime, vir exigir todos os dias a condenção sumária, judicial e extrajudicial, dos que ele quer ver implicados no processo Apito Dourado, dos quais nenhum foi ainda confrontado com qualquer acusação de que se possa defender nem provas que possa contestar — excepto parte escolhida de supostas escutas telefónicas, não validadas nem autenticadas, saídas nos jornais sem direito de defesa, e o tal «nojento dossier» que Luís Filipe Vieira diz ter recebido anonimamente na tal casa onde «só três ou quatro pessoas» sabem que ele mora e que, não se percebe porquê, não entrega à polícia.

Os desmancha-prazeres ( 29 Agosto 2006)

Os desmancha-prazeres

Está escrito algures que os dirigentes do futebol português estão na modalidade não para a servirem mas para se servirem dela: para satisfazerem as suas vaidades pessoais, a sua sede de fama e protagonismo, facilitarem as suas oportunidades de negócios e conquistarem, através do futebol, uma acreditação social que os seus méritos não alcançavam por si. Ano após ano eles esforçam-se por reclamar para si todo o mediatismo, por se convencer de que são gente importante e respeitada, por insinuar, acusar no vazio, berrar e ameaçar, enfim, por tudo fazer para que o povo do futebol não possa viver tranquilamente apenas e só a alegria dos jogos. O futebol, para eles, é um campo de batalha onde se combate sem educação nem grandeza, onde vivem a acusar todos de banditismo, excepto eles próprios, onde tudo lhes é motivo de desconfiança, de insinuação, de calúnia, excepto as vitórias dos seus próprios clubes.

1 Ainda este Campeonato não tinha começado e já o presidente do Benfica o declarava «falseado». Apenas porque, contra a sua expectativa, o Benfica não foi integrado na direcção da Liga de clubes, tendo sido substituído pelo Sporting. Também o FC Porto ficou de fora, mas isso já não é motivo para desconfiar da seriedade do Campeonato — assim como não o era na anterior direcção da Liga, onde Porto e Sporting estavam de fora e o Benfica tinha representantes em todos os órgãos. Mas bastou que o novo presidente da Liga tivesse deixado de fora o Benfica e tanto ele como o próprio Campeonato passaram a estar sob suspeita.

2 A mesma coisa com o Nacional da Madeira, cujo presidente anunciou também a sua entusiástica adesão ao «projecto» e «ideias» da candidatura de Hermínio Loureiro. Mas, assim que descobriu que, em vez do Nacional, era o Marítimo que integrava a direcção de Hermínio Loureiro, adeus «projecto» e adeus «ideias», tudo passou a ser uma vigarice e uma ilegalidade súbita tão grande que o presidente do Nacional interpôs uma providência cautelar que suspendeu a tomada de posse da direcção eleita, mantendo-se em vigor a anterior direcção Boavista/Benfica.

3 O Gil Vicente ganhou em campo e pelos resultados obtidos, o direito a continuar na Superliga, em detrimento do Belenenses. Mas fez batota: utilizou um jogador que não podia segundo os regulamentos, fê-lo passar por profissional quando ainda tinha o estatuto de amador e, quando não conseguiu convencer a justiça desportiva da sua razão, recorreu aos tribunais comuns, fingindo que era o jogador a fazê-lo, para contornar a lei. Em todo o processo Mateus o Gil Vicente actuou sempre de má-fé, assessorado por bons advogados e fazendo tábua-rasa dos regulamentos, nacionais e internacionais, que vedam o acesso à justiça comum em casos de contencioso desportivo. Uma competição desportiva é uma associação livre de competidores: ninguém é obrigado a participar, aceitando as regras da competição; mas, se participa, tem de aceitar as regras em vigor. Sobretudo quando, como é o caso, essas regras foram feitas e aprovadas pelos clubes, como o Gil Vicente.

Sábado, através de uma providência cautelar no tribunal administrativo, o Gil Vicente quase conseguia suspender o Campeonato. Conseguiu apenas suspender os jogos em que ele, o Beleneneses e o Leixões (aparecido oportunistamente à última hora) participam. Embriagado pelo súbito poder e protagonismo conquistado, um tal de Fiúza, presidente do Gil, lançou-se então numa rábula patética de 48 horas non-stop de conferências de imprensa, entrevistas e comunicados, acabando por obrigar os jogadores a meterem-se no autocarro para vir a Lisboa apresentar-se no Estádio da Luz fechado, para a seguir desistir de se apresentar, anunciar que ia antes levar os jogadores ao Zoo de Lisboa e, finalmente, metê-los outra vez no autocarro e regressar a casa, 800 quilómetros feitos apenas para satisfazer a vaidade do Sr. Fiúza. Brincou com a dignidade profissional dos jogadores, mas o que é pior é que, quando já não conseguir atrapalhar nem empatar mais os outros e quando, como é de esperar, o Sr. Fiúza acabar irradiado do futebol e o Gil suspenso por vários anos, ele terá também brincado com o posto de trabalho dos seus jogadores.

4 Estava-se nesta trapalhada completa, num momento em que se requeria que o bom senso prevalecesse, quando o presidente do Benfica resolveu também ajudar à festa, anunciando que o Benfica iria entrar em campo para jogar contra o Gil, contra o Belenenses ou contra ambos, porque «o polvo também já chegou à organização dos jogos». Mas, surpreendentemente, no dia seguinte e através de um comunicado escrito num português indigno de alunos da 4ª classe, o Sport Lisboa e Benfica comunicava à nação que afinal já não jogava, porque se tratava de um clube «que sempre respeitou a lei e a verdade desportiva». E rematava ao estilo grandioso e autolaudatório que é o de Luís Filipe Vieira: «Percebe-se desta forma a razão pela qual o Sport Lisboa e Benfica e os seus dirigentes encetaram uma cruzada pela regeneração da Liga, que revela total incapacidade para dirigir os seus destinos». Ah grandes cruzados!

Só lhes faltou acrescentar que a Liga que revela total incompetência é aquela que ainda está em funções e que integra o Benfica na sua direcção, na mesa da Assembleia-Geral, no Conselho de Disciplina que foi incapaz de resolver o caso Mateus com celeridade e dignidade e no próprio cargo de director executivo.

6 De férias no Algarve, o tal benfiquista director executivo da Liga, Cunha Leal resolveu também fazer saber à distância da sua douta e tardia opinião, através de um comunicado igualmente notável de redacção. Valentim Loureiro respondeu-lhe a matar: que não estivesse de férias e não as tivesse prolongado, justamente quando era maior o trabalho e a agitação na Liga de clubes, onde é um dos quadros mais bem pagos. Terminadas as férias, ele tinha agendada para ontem uma conferência de imprensa, que ajudará certamente a resolver todo este imbróglio. Quarta-feira será a vez de a direcção da Federação, terminadas também as férias dos seus membros, entrar a matar para resolver o assunto, que agora, e via FIFA, já lhes queima as barbas.

Como era de esperar, pois, o futebol passou para segundo plano. Esta gente, estes preclaros dirigentes que mandam nos clubes e no futebol português, ocuparam todo o centro do palco e substituíram a alegria dos estádios pela emoção das providências cautelares, recursos, despachos, reclamações, comunicados e entrevistas grandiloquentes. Que estourem de vaidade, já que não estouram de incompetência!

Os três suspeitos do costume ( 22 Agosto 2006)

Os três suspeitos do costume

Não sei se já todos repararam, mas está ali a crescer no FC Porto, um génio do futebol, um miúdo com dezoito anos acabados de fazer e – desculpem-me o que pode ser uma heresia prematura – cujo futebol me faz lembrar irresistivelmente alguém que passou à história com o nome de Diego Armando Maradona

À partida para mais um campeonato nacional, os candidatos ao título são os mesmos três de sempre, com mais ou menos protagonismo previamente reservado a um ou dois «outsiders», dos quais o Sporting de Braga é o mais propagandeado – talvez de mais e talvez cedo de mais. Em minha opinião, FC Porto, Sporting e Benfica – pela ordem da última classificação – são os candidatos deste ano, pela mesmíssima ordem de probabilidades.

É verdade que o Sporting tem apresentado o melhor futebol da pré-época, que manteve todos os jogadores que lhe interessavam, que fez poucas e cirúrgicas aquisições e que tem o mais interessante treinador entre todos os dezasseis portugueses que vão iniciar o campeonato. Mas daí até atribuir--lhe desde já o primeiro lugar entre os favoritos, como muita gente se apressa a fazer (incluindo, o que não é desejável, os próprios jogadores da equipe), vai uma distância. O que mais merece para já elogios é a politica de gestão do clube, que, reduzindo o seu orçamento de ano para ano, consegue, mesmo assim, chegar à abertura do campeonato como um dos principais favoritos à vitória final. O Sporting parte para este campeonato com cerca de metade do orçamento para o futebol de que dispõe o FC Porto e, partindo igualmente como favorito, isso só pode significar que ganhou o campeonato da gestão financeira e desportiva. Para tal, muito contribui a qualidade dos seus dirigentes – que, é justo reconhecê-lo, constituem, a diversos títulos, um caso notavelmente excepcional no futebol português – a qualidade do seu jovem e nada deslumbrado treinador e a nunca de mais elogiada escola de formação de jogadores, que é um insaciável motivo de orgulho e de alegrias para os sportinguistas. Ganhe ou não ganhe este campeonato, julgo que não restam dúvidas a ninguém que o caminho do futuro para os «grandes» do futebol português (que, quanto muito, são «médios» a nível europeu), é aquele que o Sporting tem adoptado nos últimos anos.

Mas, para as contas que se começam a fazer sexta-feira próxima, acredito que o FC Porto será ainda e mais uma vez o «front runner» deste campeonato. Porque a jovem equipa do Sporting tem ainda de ser testada debaixo de fogo e não «a feijões», enquanto que a equipe do FC Porto – igualmente jovem ou mais ainda – traz, todavia, do balneário, uma experiência e uma escola dos grandes combates e das grandes vitórias, que é passada de mão em mão e de geração em geração, com os resultados que se conhecem. Mas essa é apenas uma das razões.

A saída abrupta de Co Adriaanse, apesar do momento dificilmente ter podido ser pior, não foi um problema: foi uma oportunidade de solução. Porque há muito que dava para adivinhar que o seu temperamento, a sua teimosia, as suas ideias feitas e por demonstrar, iriam conduzir a crescente desgaste dos jogadores e da equipa. Como se viu, a «difícil transição» entre Adriaanse e um treinador «normal» foi resolvida, com tranquilidade e eficácia por Rui Barros, com três vitórias em três jogos e mais duas taças para a sala de troféus do Dragão. Como se demonstrou, não era o FC Porto que não estava habituado a ganhar: era Co Adriaanse. Aposto que sexta-feira o Dragão vai estar cheio, de um público de novo crente, entusiasta e aliviado.

Para além disso, acho sinceramente que o FC Porto tem melhor equipa que o Sporting: melhor onze-base e melhor «banco». Tirando raros casos pontuais, como o do ponta-de-lança, onde continua a ter o melhor que se exibe em relvados portugueses, julgo que o Sporting não tem jogadores com a dimensão extra de um Pepe, um Lucho González ou um Ricardo Quaresma.

E, enfim, falta o principal argumento a favor do FC Porto: não sei se já todos repararam, mas está ali a crescer um génio do futebol, um miúdo com dezoito anos acabados de fazer e – desculpem-me o que pode ser uma heresia prematura – cujo futebol me faz lembrar irresistivelmente alguém nascido mais a sul que Porto Alegre, também revelado aos dezasseis ou dezassete anos de idade, e que passou à história do futebol com o nome de Diego Armando Maradona. Anderson é daqueles jogadores que só sabem jogar para a frente, que joga em constante movimento, com e sem bola, que finta, fura, aguenta cargas, passa largo ou curto e acorre ao remate, com a desenvoltura, a coragem e a naturalidade dos verdadeiros e raros predestinados a número dez, a posição mais fantástica do futebol. Valeu a pena ir buscá-lo tão cedo, contratar a mãe para que ele pudesse ter licença de residente como menor, esperar tanto tempo até o fazer chegar à equipa principal. Este miúdo vai valer o seu peso em ouro e, ainda por cima, a avaliar pelas poucas falas que se lhe ouvem, não parece feito da frágil substância dos que se deslumbram com facilidade.

Ah, pois, e o Benfica! O terceiro candidato espera-se e deseja-se que comece por ultrapassar hoje à noite o incipiente obstáculo constituído pelo Áustria de Viena. Não só seria bom para o clube e para o futebol português, como ainda teria o atractivo extra de colocar os três grandes em pé de igualdade quanto ao calendário e às dificuldades para, pelo menos, a primeira metade da época.

A nível interno, porém, as suas hipóteses parecem-me à partida menores que as dos seus dois principais rivais. E, a avaliar pelo comportamento errático do seu presidente, a sua cara de «indivíduo eternamente zangado com o mundo», como ontem aqui escrevia Carlos Pereira Santos, sou tentado a adivinhar que Luís Filipe Vieira já está a ensaiar a habitual tese dos inimigos externos e das forças estranhas para preparar os benfiquistas para um ano falhado. De outro modo, não se compreende que, depois de ter sido dos primeiros apoiantes públicos da candidatura de Hermínio Loureiro à Liga, agora esteja em guerra com ele, sem que ninguém perceba porquê nem ele consiga explicar. Não se compreende que passe a vida a reclamar o andamento do «Apito Dourado», quando andou dois anos de braço dado na Liga com o principal suspeito do processo. Não se compreende a sua insistência em que lhe reconheçam o papel auto-atribuído de vestal moralizadora do futebol português, depois de ter cavalgado o indecente processo que levou ao arquivamento do caso de doping de Nuno Assis. E não se compreende que agora reclame a ingerência do poder político no futebol, depois de ter acabado de acordar com o banco público o recebimento de quinze milhões de euros, através de um processo saloiamente baptizado de «naming» e culminado no absolutamente ridículo nome de Caixa Futebol Campus atribuído ao centro de treinos do Seixal. Processo esse liderado, do lado do Estado, por um administrador da Caixa-Geral de Depósitos, chamado Armando Vara e que reunia, no caso, três condições fatais: ser benfiquista militante, ser um conhecido gastador de dinheiros públicos e ser um exemplo perfeito do alpinismo partidário como forma de estar na política.

É certo que o Benfica se reforçou com um ainda grande Rui Costa, que se «reforçou» com o Simão Sabrosa, depois de nova e pouco edificante novela de venda falhada. Mas os benfiquistas com quem falo não parecem ter muita fé nem na equipa nem no treinador escolhido, e o futebol até aqui mostrado tem sido confrangedor. Se a isso somarmos o constante espingardear em todas as direcções e sem sentido do seu presidente, é caso para desconfiar que ali esteja a germinar uma equipa de ganhadores. Mas a ver vamos.

O senhor que se segue ( 15 Agosto 2006)

Depois do disparate Del Neri, das soluções de emergência falhadas de Fernandez e Couceiro, depois da aventura vivida com Adriaanse, é mais do que tempo de a Direcção do FC Porto acertar na escolha do treinador

PARECE óbvio que o Boavista não pode ceder ao raide lançado pelo FC Porto sobre o seu treinador. Ceder seria um sinal de fraqueza e submissão, para além de um problema criado a poucos dias de começar o campeonato — criado ao vizinho e herdado deste. E, se João Loureiro não pode ceder, Pinto da Costa não pode forçar, sob pena de transformar um problema interno numa crise externa. Mas estes raides dos grandes sobre os pequenos ou médios causam sempre mossa, seja qual for o desfecho: se sair para o FC Porto, Jesualdo Ferreira abre uma crise entre os dois clubes que demorará muito tempo a sarar; se ficar, tendo já dado mostras suficientes de que queria sair, dificilmente terá ambiente no Bessa — a menos que comece a ganhar tudo e não pare durante três meses. Para este imbróglio a solução é imprevisível e jamais será boa. Compreende-se a tentação do FC Porto relativamente a Jesualdo. É tarde de mais para buscar quem, vindo do estrangeiro, consiga pegar numa equipa de tal maneira marcada pelo sistema de jogo e estilo de condução de Co Adriaanse. A única solução de recurso nesta emergência é, de facto, procurar quem, em Portugal, conheça o FC Porto fabricado por Adriaanse e se disponha a fazer uma transição lenta, gradual e de bom senso. Facto é que pela segunda vez em três inícios de época o FC Porto vê-se sem treinador, à beira de começar o futebol a sério. E, desde que Mourinho saiu, há dois anos, vai avançar o quinto treinador, não já para continuar a sua herança, porque dela já não resta nada, mas para tentar recolocar os portistas no lugar que a categoria da equipa e o seu historial recente justificam.

Depois do disparate Del Neri, das soluções de emergência falhadas de Fernandez e Couceiro, depois da aventura vivida com Adriaanse, é mais do que tempo de a direcção do FC Porto acertar na escolha do treinador. Ou então talvez seja tempo para ensaiar uma experiência radical, de deixar tudo entregue a Rui Barros mais um bom preparador físico e pedirlhes, simplesmente, que não compliquem o que é evidente. Para mim, pessoalmente, seria a ocasião para ensaiar uma teoria que há muito alimento: que, tirando casos excepcionais como José Mourinho, de treinadores que, de facto, acrescentam valor à equipe, na maioria dos casos os restantes só servem para complicar o que é fácil.

Veja-se o epifenómeno chamado Co Adriaanse, que Pinto da Costa prometia vir a ser treinador para muitos e bons anos. Desde o início que ele deu sinais de desequilíbrio, ao embirrar com o penteado de McCarthy ou o brinco de Quaresma: começou por implicar com o acessório, antes de se concentrar no essencial. E, quando o fez e começou a perder todos os jogos decisivos—como alguém já escreveu, jogando muito bem nos intervalos em que não sofria golos — decidiu-se pela fuga em frente, inventando o revolucionário sistema de 3x3x4, tão louvado pela crítica. O sistema era realmente atraente, assim como as suas promessas de espectáculo e golos. Simplesmente, o espectáculo revelou-se inócuo e os golos sumiram-se. Não fosse um inesperadíssimo golo de Jorginho em Alvalade, que valeu o campeonato, e o funeral teria sido retumbante. Este ano, longe de tentar perceber por que é que a equipa não marcava golos, apesar de ter tantos e tão bons alas e pontas-delança, longe de tentar perceber que escapara à morte apenas devido a um super-Pepe e a um incansável Paulo Assunção, que lhe salvaram a face e as ideias, ele resolveu não reforçar a defesa e livrar-se dos dois melhores pontas-de-lança que tinha — Hugo Almeida e McCarthy.

Por isso, agora o FC Porto não está apenas sem treinador e sem um pontade- lança de categoria: está também sem defesas-centrais e sem lateral-direito de raiz. Com a lesão de Pedro Emanuel, tudo agora repousa na capacidade de Pepe poder continuar a valer por dois durante toda a época: se ele por acaso se lesiona, tudo aquilo desaba lá atrás. Entretanto, o inteligentíssimo Adriaanse, que tudo sabia e que tinha sempre um culpado à mão para quem atirar as culpas das derrotas, mandou fora um naipe de jogadores como Leandro do Bonfim, Jorge Costa, Diego, McCarthy, Hugo Almeida e César Peixoto, e deixou em troca Sonkaya, Sektioui, Ezequias, João Paulo, Bruno Alves ou Diogo Valente, o único cuja aquisição parece ter alguma justificação.

Na hora da despedida (feita, como em tudo o resto, de forma abrupta e irresponsável), eu, que tanto o critiquei no passado, devo, todavia, reafirmar o que já várias referi como aquilo que ele trouxe de positivo. Primeiro, uma filosofia de futebol ofensivo e de espectáculo—que está certa, em teoria, mas que ele não mostrou ser capaz de levar à prática com resultados positivos; depois, uma disciplina, dentro e fora do campo, verdadeiramente inédita no futebol português — o FC Porto de Adriaanse jogava limpo, sem faltas, sem simulações, sem discussões com os árbitros. Possa quem vier a seguir aproveitar pelo menos esta parte da sua herança, esquecendo a parte má: a instabilidade que causava na equipa, a desumanidade com que por vezes tratava os jogadores, a incapacidade de ler o jogo de fora do campo e influenciá-lo e a sua tendência fatal para perder quase todos os jogos importantes. Desesperadamente, queremos agora alguém que seja normal, competente e ganhador. Alguém que perceba que está ao serviço da equipa e não esta ao serviço das suas teorias ou dos seus estados de alma.

PS — Com este texto dou por findo o período de reflexão que me atribuí. E, porque a reflexão não foi exactamente conclusiva, acho que não estou a trair nenhum segredo se disser que o regresso se deve exclusivamente à capacidade que o director de A BOLA, Vítor Serpa, teve para me convencer a fazê-lo.