Depois do disparate Del Neri, das soluções de emergência falhadas de Fernandez e Couceiro, depois da aventura vivida com Adriaanse, é mais do que tempo de a Direcção do FC Porto acertar na escolha do treinador
PARECE óbvio que o Boavista não pode ceder ao raide lançado pelo FC Porto sobre o seu treinador. Ceder seria um sinal de fraqueza e submissão, para além de um problema criado a poucos dias de começar o campeonato — criado ao vizinho e herdado deste. E, se João Loureiro não pode ceder, Pinto da Costa não pode forçar, sob pena de transformar um problema interno numa crise externa. Mas estes raides dos grandes sobre os pequenos ou médios causam sempre mossa, seja qual for o desfecho: se sair para o FC Porto, Jesualdo Ferreira abre uma crise entre os dois clubes que demorará muito tempo a sarar; se ficar, tendo já dado mostras suficientes de que queria sair, dificilmente terá ambiente no Bessa — a menos que comece a ganhar tudo e não pare durante três meses. Para este imbróglio a solução é imprevisível e jamais será boa. Compreende-se a tentação do FC Porto relativamente a Jesualdo. É tarde de mais para buscar quem, vindo do estrangeiro, consiga pegar numa equipa de tal maneira marcada pelo sistema de jogo e estilo de condução de Co Adriaanse. A única solução de recurso nesta emergência é, de facto, procurar quem, em Portugal, conheça o FC Porto fabricado por Adriaanse e se disponha a fazer uma transição lenta, gradual e de bom senso. Facto é que pela segunda vez em três inícios de época o FC Porto vê-se sem treinador, à beira de começar o futebol a sério. E, desde que Mourinho saiu, há dois anos, vai avançar o quinto treinador, não já para continuar a sua herança, porque dela já não resta nada, mas para tentar recolocar os portistas no lugar que a categoria da equipa e o seu historial recente justificam.
Depois do disparate Del Neri, das soluções de emergência falhadas de Fernandez e Couceiro, depois da aventura vivida com Adriaanse, é mais do que tempo de a direcção do FC Porto acertar na escolha do treinador. Ou então talvez seja tempo para ensaiar uma experiência radical, de deixar tudo entregue a Rui Barros mais um bom preparador físico e pedirlhes, simplesmente, que não compliquem o que é evidente. Para mim, pessoalmente, seria a ocasião para ensaiar uma teoria que há muito alimento: que, tirando casos excepcionais como José Mourinho, de treinadores que, de facto, acrescentam valor à equipe, na maioria dos casos os restantes só servem para complicar o que é fácil.
Veja-se o epifenómeno chamado Co Adriaanse, que Pinto da Costa prometia vir a ser treinador para muitos e bons anos. Desde o início que ele deu sinais de desequilíbrio, ao embirrar com o penteado de McCarthy ou o brinco de Quaresma: começou por implicar com o acessório, antes de se concentrar no essencial. E, quando o fez e começou a perder todos os jogos decisivos—como alguém já escreveu, jogando muito bem nos intervalos em que não sofria golos — decidiu-se pela fuga em frente, inventando o revolucionário sistema de 3x3x4, tão louvado pela crítica. O sistema era realmente atraente, assim como as suas promessas de espectáculo e golos. Simplesmente, o espectáculo revelou-se inócuo e os golos sumiram-se. Não fosse um inesperadíssimo golo de Jorginho em Alvalade, que valeu o campeonato, e o funeral teria sido retumbante. Este ano, longe de tentar perceber por que é que a equipa não marcava golos, apesar de ter tantos e tão bons alas e pontas-delança, longe de tentar perceber que escapara à morte apenas devido a um super-Pepe e a um incansável Paulo Assunção, que lhe salvaram a face e as ideias, ele resolveu não reforçar a defesa e livrar-se dos dois melhores pontas-de-lança que tinha — Hugo Almeida e McCarthy.
Por isso, agora o FC Porto não está apenas sem treinador e sem um pontade- lança de categoria: está também sem defesas-centrais e sem lateral-direito de raiz. Com a lesão de Pedro Emanuel, tudo agora repousa na capacidade de Pepe poder continuar a valer por dois durante toda a época: se ele por acaso se lesiona, tudo aquilo desaba lá atrás. Entretanto, o inteligentíssimo Adriaanse, que tudo sabia e que tinha sempre um culpado à mão para quem atirar as culpas das derrotas, mandou fora um naipe de jogadores como Leandro do Bonfim, Jorge Costa, Diego, McCarthy, Hugo Almeida e César Peixoto, e deixou em troca Sonkaya, Sektioui, Ezequias, João Paulo, Bruno Alves ou Diogo Valente, o único cuja aquisição parece ter alguma justificação.
Na hora da despedida (feita, como em tudo o resto, de forma abrupta e irresponsável), eu, que tanto o critiquei no passado, devo, todavia, reafirmar o que já várias referi como aquilo que ele trouxe de positivo. Primeiro, uma filosofia de futebol ofensivo e de espectáculo—que está certa, em teoria, mas que ele não mostrou ser capaz de levar à prática com resultados positivos; depois, uma disciplina, dentro e fora do campo, verdadeiramente inédita no futebol português — o FC Porto de Adriaanse jogava limpo, sem faltas, sem simulações, sem discussões com os árbitros. Possa quem vier a seguir aproveitar pelo menos esta parte da sua herança, esquecendo a parte má: a instabilidade que causava na equipa, a desumanidade com que por vezes tratava os jogadores, a incapacidade de ler o jogo de fora do campo e influenciá-lo e a sua tendência fatal para perder quase todos os jogos importantes. Desesperadamente, queremos agora alguém que seja normal, competente e ganhador. Alguém que perceba que está ao serviço da equipa e não esta ao serviço das suas teorias ou dos seus estados de alma.
PS — Com este texto dou por findo o período de reflexão que me atribuí. E, porque a reflexão não foi exactamente conclusiva, acho que não estou a trair nenhum segredo se disser que o regresso se deve exclusivamente à capacidade que o director de A BOLA, Vítor Serpa, teve para me convencer a fazê-lo.
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