Diga-se de passagem que ontem, em Braga, o FC Porto confirmou o que já em patente para quem tivesse estado atento, independentemente dos primeiros resultados positivos: que esta equipa do FC Porto, até ver, tem mais estatuto que qualidade.
O futebol português, a nível de clubes, viveu este ano uma conjuntura altamente favorável na participação europeia, fruto do 6.Q lugar que ocupamos no ranking da UEFA e que é ainda e em grande parte herança dos dois anos dourados de Mourinho à frente do FC Porto, acrescentados de uma boa prestação do Sporting na Taça UEFA em 2005 e de uma razoável prestação do Benfica na Liga dos Campeões da época passada.
Por esse facto, temos três equipes na Liga dos Campeões da edição corrente e três na Taça UEFA. O risco deste excesso de representação é o inverso da razão de estarmos nesta posição: com mais equipas em competição na Europa, a probabilidade dos maus resultados acentua-se. E, com eles, o ranking recua e vão ser necessários outros anos de ouro de dois ou três emblemas para nos puxar de novo para cima. Porque, anos e anos passados, o essencial da nossa participação europeia mantém-se: um tremendo défice de competitividade e um antiquíssimo e inultrapassável espírito provinciano quando chegamos aos grandes palcos europeus.
Na semana que passou, esta realidade e esta atitude foram particularmente evidentes, a um ponto que só nos pode deixar deprimidos e pensativos, Vejamos, caso a caso:
O Vitória de Setúbal ficou feliz por não repetir a derrota frente ao Hereven e por fechar a eliminatória conseguindo um empate, embora tenha conseguido zero golos em 180 minutos de futebol. Como, mesmo assim, o esforço parece ter sido imenso, o seu treinador logo veio declarar, em vésperas de regresso às competições internas, que a equipa estava cansada. Há 200 equipas profissionais em competição na Europa e ninguém se lembra se tiveram um jogo a meio da semana, quando chega a altura de jogarem internamente. É um choradinho que já não tem lugar em equipas profissionais, até porque não se percebe a razão pela qual uma equipa de clube pequeno há-de acusar mais o cansaço que uma de clube grande. Se não têm capacidade física para aguentar um ou dois jogos extra a meio da semana, mais vale que desistam da Europa e se confinem aos seus horizontes de ambição e preparação.
O Nacional da Madeira entrou bem no seu jogo e conseguiu anular a desvantagem de 1-0 antes do intervalo. Mas, a partir daí, a equipa encostou-se, passou a jogar para a sorte, para o prolongamento e os penalties~e foi muito justamente eliminada por um adversário que mostrou ter muito mais ambição e categoria para estar na Europa.
O Sporting de Braga - muito saudado pelo marco histórico de, pela primeira vez, ter passado à fase de grupos da Taça UEFA, fez, em minha opinião, um jogo miserável contra o Chievo, em que só depois de estar a perder 0-2 e a jogar contra dez, é que se atreveu a fazer mais qualquer coisa do que ver o tempo a passar e o adversário a ter todas as des-pesas do jogo. Tiveram sorte e voltaram felizes, mas não sei se mereciam. E, ontem à noite, em Braga, contra o FC Porto, voltaram a ser felizes, mas beneficiando de uma exibição do FC Porto tão miserável quanto a do Braga em Verona.
O mesmo se diga do Sporting, no seu jogo de Moscovo, a seguir ao brilharete contra um Inter em crise. A tão explorada desculpa do relvado sintético (igual para ambos) serviu às mil maravilhas para desculpar uma exibição totalmente falha de coragem e vontade de vencer e serviu também para fazer esquecer que o problema de defrontar as equipas russas na sua terra não é o de jogar em relvados sintéticos em Setembro, mas o de jogar em relvados queimados pela neve e com temperaturas negativas, em Dezembro. Apenas a sorte, também, (e o génio de Nani), permitiu ao Sporting sair de Moscovo com um empate bem melhor que a exibição.
O Benfica fez o que pode e o mais que pode, na primeira parte do jogo contra um Manchester que ainda está longe de voltar a ser a temível equipa que era antes de José Mourinho ter chegado a Inglaterra. A estratégia passava também por desestabilizar o Cristiano Ronaldo a partir das bancadas, mas o tiro saiu pela culatra e ele mostrou porque é um grande jogador: porque aparece nos grandes momentos e tem a faculdade de, por si só, resolver um jogo. O Benfica foi até onde pode e esse ponto mostra bem a diferença que há entre um candidato ao título em Portugal e um em Inglaterra.
A mesmíssima coisa aconteceu FC Porto, no seu embate erante essa multinacional que dá pelo nome de Arsenal. Tal como aqui escrevi, no próprio dia do jogo, a minha crença num bom resultado era diminuta, porque entendo que os portistas não têm equipa para competir ao nível mais allto da Europa. Mas chegou a ser confrangedora â diferença de classe, de atitude e de capacidade técnica entre uma equipa que caça com um Thierry Henry e outra que caça com um Hélder Postiga. Que o FC Porto iria naturalmente perder eu já sabia. Não esperava é que Jesualdo Ferreira, também ele, cometesse o eterno crime dos treinadores portugueses frente aos grandes jogos: entrar em jogo a medo, mudando a estrutura rotinada da equipa para introduzir corpos estranhos e malabarismos tácticos, cujo único sentido é sempre o de reforçar a capacidade defensiva. Como seria de esperar, Ricardo Costa só atrapalhou, Postiga foi totalmente inócuo e Lucho González assinou mais uma exibição de valor zero, mas com direito divino a manter-se sempre em campo. E, como era também de temer, a mensagem assim dada pelo treinador passou à equipa: o FC Porto entrou em campo borrado de medo, aproveitando o pontapé de saída para gastar minuto e meio a passar a bola de uns defesas para os outros, muito contentes porque o Arsenal ainda não tinha criado perigo. Não admira que, ao fim de dois jogos europeus, ainda não tenha conseguido sequer marcar um golo. Ora, quem tem medo compra um cão, não vai à Liga dos Campeões. Diga-se de passagem que ontem, em Braga, o FC Porto confirmou o que já era patente para quem tivesse estado atento, independentemente dos primeiros resultados positivos: que esta equipa do FC Porto, até ver, tem mais estatuto do que qualidade.
PS: O director de informação da RTP, Luís Marinho, entendeu desmentir o que aqui escrevi a semana passada sobre as influências movidas pela FPFpara afastar o jornalista Carlos Daniel dos relatos dos jogos da Selecção, por não gostarem do seu espírito crítico nem do programa Trio de Ataque, que ele apresenta. Para além da confirmação da veracidade de parte das minhas afirmações já feita pelo próprio Carlos Daniel, na edição seguinte de A BOLA, quero expressamente dizer aos leitores que tudo o que eu escrevi é rigorosamente verdade, como o Luís Marinho bem sabe. Não retiro nem uma vírgula ao que escrevi, pois, como é óbvio, não o escrevi sem confirmação nem fundamento. Passo por cima das restantes considerações feitas por Luís Marinho que, além de despropositadas e absurdas, nos levariam a uma desagradável lavagem de roupa suja a que não desejo submetê-lo.
Sem comentários:
Enviar um comentário