quarta-feira, janeiro 19, 2005

Quaresma no banco e PitBull em campo... (18 Janeiro 2005)

Isto talvez pareça um pormenor mas para mim não o é: eu não quero que,no próximo jogo do FC Porto transmitido para o Mundo inteiro, o meu clube e campeão europeu apareça com um jogador chamado Pitbull. Acho humilhante, desprestigiante e motivo de anedota geral.

1- Comecemos pelo momento mais bonito desta 17.ª jornada, a fechar a primeira volta. Aconteceu no Estádio da Luz, ao minuto 94: Pedro Mantorras viu Simão com a bola nos pés, pensando o que fazer com ela, e, com um gesto de braço, indicou-lhe por onde se iria desmarcar, entre os centrais do Boavista; Simão meteu-lhe a bola, rasteira, exactamente para onde ele a pedia e Mantorras surgiu então em corrida, por detrás de Éder, recebendo a bola sobre a direita, dentro da área, e, acto contínuo, fez aquilo que um bom ponta-de-lança aprende a fazer de pequenino: chutou-a rasteira, cruzada, para o canto oposto. Dois anos depois, voltámos a ver aquele sorriso de criança inconfundível, de quem joga futebol num estádio com a mesma alegria com que, em pequeno, jogava no musseque, com uma bola de trapos. E, depois, porque os homens sérios não esquecem a gratidão nos momentos de glória, Pedro Mantorras correu para o abraço a Rodolfo Moura - esse outro homem, entre todos o mais
discreto dos que andam no futebol, e que deve ter qualquer coisa de mágico para que sucessivas gerações de futebolistas do FC Porto, do Sporting e agora do Benfica corram para os seus braços, quando regressam aos estádios e aos golos, depois de longas e penosas recuperações.
Há jogadores que têm esta capacidade de nos fazer esquecer que pertencem ao adversário e, portanto, são uma ameaça aos interesses desportivos do clube do nosso coração. Pedro Mantorras é um desses. Ele faz do futebol emoção e alegria, ele transforma o futebol numa festa. Bem-vindo seja de volta!

2- Às vezes há críticas que logo se têm de engolir e há também elogios que se engolem mal acabaram de ser feitos. Neste caso, devo confessar que até nem me custa muito: tinha eu, na semana passada, elogiado o futebol que o Sporting vinha jogando e classificado de justíssima a sua liderança quando, oito dias volvidos, o Sporting perde a liderança (e para o FC Porto!), depois de assinar uma exibição má de mais para um candidato ao título. Eu sei que jogar bem na Choupana é praticamente
impossível: o campo não tem dimensões, o relvado é irregular, o vendaval é constante e o ambiente é de Feira do Relógio. Mas, apesar de tudo, há mínimos a cumprir: o Sporting passou 60 minutos de jogo sem criar uma oportunidade de golo e dos quais 50 (!) sem sequer fazer um remate à baliza; chegou ao 1-2 graças à versão enganadora do Liedson, que fabricou um penalty clássico (bola adiantada para um lado e o corpo deliberadamente desequilibrado para o outro, para ir de encontro às
pernas do guarda-redes e proporcionar aos comentadores televisivos tipo Vítor Manuel o habitual comentário de «houve contacto! »); no minuto seguinte, em mais um livre arrancado pelo Liedson, lá surge, finalmente, o primeiro remate à baliza, excluindo o penalty, e o Sporting vê-se empatado sem saber ler nem escrever. Mas o deus da Choupana não estava adormecido e, sem chegar aos requintes de crueldade que teve para com o FC Porto quando por ali passou, estabeleceu a sua justiça divina ao cair do pano. E assim vai o campeonato entre os grandes: ora empatas tu ora perco eu. Deve ser uma concertação secreta entre eles, para manter viva a emoção e mais ou menos compostas as bancadas.

3- Graças a uma providencial ausência do País, livrei- me de ver no sábado mais uma desilusão portista. À distância, segui o jogo por telefone e, pelos comentários então ouvidos e confirmados pelos jornais do dia seguinte, foi como se tivesse visto. Percebi que o que o FC Porto de Fernandez fez em Coimbra foi mais do mesmo, isto é, nada, desesperadamente nada. Já nem me lembro bem do último jogo que o Porto ganhou, acho que foi uma miséria de uma sofrida vitória por 1-0 contra o
Moreirense, no Dragão. Não me lembro de um só jogo, esta época, em que o Porto tenha ganho tranquilamente e em que os adeptos não tenham tido de sofrer até ao fim. Todos os recordes negativos foram batidos: a pior pontuação dos últimos 20 anos, ao fim da primeira volta; a primeira vez, em 30 anos, com duas derrotas caseiras seguidas para o campeonato; a primeira vez em 20 anos que saiu da Taça à primeira eliminatória; a primeira vez, em não sei quantas décadas, que não conseguiu atingir a média de um golo marcado por jogo (26 golos em 27 jogos oficiais).

Enfim, não sei que mais recordes destes é que Fernandez ainda será capaz de conseguir. O treinador é bem-intencionado, é trabalhador, é um cavalheiro, diz coisas com lógica e senso comum e é até forçoso reconhecer que não tem sorte. Mas há coisas de cuja responsabilidade é difícil isentá-lo. A primeira de todas é a imprevisibilidade do jogo da equipa: ao fim de cinco meses de trabalho não se percebe qual é o sentido, a lógica, a estratégia de jogo que pretende; não se sabe se o Porto joga em 4x3x3 ou em 4x4x2 ou ao deus-dará; não se percebe se prefere jogar com dois extremos, com um ou com nenhum; não se percebe se privilegia dois trincos ou só um; não se alcança que jogadas paradas estão ensaiadas e que rotinas de jogo existem. Não se compreende que seja quase banal a equipa sofrer um golo no primeiro remate que o
adversário faz e, depois, excepção feita ao jogo com o Chelsea, nunca consiga virar o jogo , demonstrando uma impotência e uma falta de capacidade anímica que nunca antes moraram por aquelas bandas. Também não é explicável que a equipa cometa tantas faltas e tantos jogadores levem amarelos por protestos. Que Fernandez resista tanto tempo a deixar de fora jogadores em clara má forma - como era o caso do Derlei e vai sendo o do Costinha - e de repente, de uma só penada, meta três novos jogadores na equipa que mal conhecem os companheiros, como fez em Coimbra. Para além disso, eu, pessoalmente, não hei-de compreender nunca a dispensa do Rossato, em favor do Areias, que afinal não serve, e jamais me hei-de conformar com a leviana dispensa do Carlos Alberto. E,obviamente, só entendo por medo a atitude de deixar o Quaresma jogos a fio sentado no banco - ele que é o maior desequilibrador da equipa e tem resolvido tantos problemas a Fernandez-e que depois se vá ao Brasil buscar um tal de Cláudio Pitbull (assim mesmo, sem aspas nem nada). E não percebo, já agora, para quê começar uma limpeza aos brasileiros do balneário numa semana, para na semana seguinte regressar ao ciclo infernal da compra de brasileiros por atacado. Dá-me ideia, mas oxalá esteja enganado, de que o senhor Victor Fernandez está completamente à deriva. Não sabe o que fazer, não sabe mais o que experimentar, nem sequer tem ideia de qual seja o seu onze ideal, e, quanto ao futuro, não é capaz de prever minimamente o que vai acontecer daqui a três meses ou já no sábado, em Leiria. O que vier, virá.

4- Mesmo nestes momentos de completo deslustre do brasão é bom não esquecer que o FC Porto não é um clube qualquer, que tem um historial e um prestígio, a nível mundial, conquistados a duras penas e com o esforço de muitos e muitos jogadores que honraram aquela camisola. O FCPorto é campeão nacional, campeão europeu e campeão mundial de futebol, em título. Isto talvez pareça um pormenor mas para mim não o é: eu não quero que, no próximo jogo do FC Porto transmitido para o Mundo inteiro, o meu clube e campeão europeu apareça com um jogador chamado Pitbull.
Acho humilhante, desprestigiante e motivo de anedota geral. Se esse é o nome de guerra dele, e não se importa de o usar, alguém no clube lhe deveria ter dito que deixasse o nome à porta, porque isto não é o Caxinense mas o campeão do Mundo. Não quero ver na equipa nem um Cláudio Pitbull nem um César Dobberman nem um Adriano Rottweiller. Isto é um clube de futebol, centenário, não é uma agremiação de luta livre nem um clube de cães de combate. Se, de facto, o Cláudio é assim tão bom jogador (e deve ser, para o contratarem logo por quatro anos e meio...),então pode perfeitamente dispensar o Pitbull - alcunha que não engrandece um jogador de futebol e prenuncia mais problemas disciplinares. Haja um mínimo de auto-respeito se queremos que nos respeitem.


Perdidos nas férias (11 Janeiro 2005)

O FC Porto sai destas férias de Natal completamente desnorteado e enfraquecido. Perdeu a liderança, perdeu o 12.º ponto no Dragão, voltou a mostrar um futebol sem sentido, um balneário perturbado por impensáveis casos de indisciplina e um plantel ainda mais enfraquecido e notavelmente insuficiente, até para consumo interno


1- Escrevi aqui, há duas semanas atrás, ao entrar-se nas prolongadas férias natalícias do campeonato, que a liderança provisória do FC Porto não me convencia por aí além e, a continuar a jogar pior que o Sporting — como estava—,não seria preciso esperar muito para perder essa liderança. É que, apesar do forçado ambiente de desconfiança e suspeita geral que sempre se instala quando o FC Porto vai à frente (isto é, quase sempre), ainda continuo a acreditar que nenhuma equipa consegue liderar consistentemente se não mostrar em campo argumentos para tal. Os factos deram- me razão e apenas foi preciso esperar que o campeonato se retomasse para que o Sporting saltasse para o primeiro lugar—e com toda a justiça. A 16.ª jornada do campeonato e primeira de 2005 veio confirmar aquilo que só por má fé pode ser escamoteado: que o Sporting está a jogar o melhor e mais consistente futebol (mas calma, que ainda não ganhou o campeonato e a justiça final mede-se... a final); que o FC Porto joga um futebol desgarrado, com bloqueios evidentes em vários sectores e sem chama de campeão; que o Benfica tem uma equipa sem sombra de classe e o Boavista lá se vai chegando à frente, comas armas do costume e muita sorte à mistura.

2- A rábula da semana foram as trapalhadas argumentativas inventadas por José Peseiro para tentar fingir que só na véspera do jogo iria decidir se Liedson jogava ou não contra o Benfica. Eu apostei que nem que ele chegasse na manhã do jogo Peseiro deixaria de o colocar em campo e julgo que ninguém ficou com dúvidas sobre isso, o que tornou as tentativas de Peseiro de fingir que mantinha a disciplina, ao mesmo tempo que não prescindia do jogador que lhe resolve os jogos, um exercício penoso de assistir. Mais valia ter assumido claramente que era mais importante ganhar o jogo que dar um ar de intransigência para com os sagrados «princípios».

E, tal como previ, Liedson foi obviamente perdoado das suas luxuosas férias prolongadas em oito dias, depois de ter resolvido o derby à sua maneira: com dois golos característicos do grande jogador que é e com uma simulação a provocar a expulsão de Alcides, característica do «enganador», como lhe chamou José Mourinho, que também, e infelizmente, continua a ser.

3- No FC Porto só houve um ou dois dias de atraso mas foram muitos os atrasados, demasiados os casos de indisciplina sucessivos e por demais visíveis os danos causados ao ambiente interno pela extensa legião brasileira ao serviço do clube — como aqui escrevi a semana passada.

A solução teria de ser diferente e foi. Radical: quatro brasileiros receberam guia de marcha definitiva, com quatro soluções diferentes—duas boas, uma má, outra incompreensível. Solução boa é o envio de Maciel para onde quer que seja.

Solução melhor foi a venda, por 7 milhões de euros, de um Derlei esta época irreconhecível, depois de dois anos, que não merecem e não podem ser esquecidos, de notáveis serviços e sacrifícios em prol do clube.

Solução péssima foi a venda de Carlos Alberto. Primeiro, porque, tendo tido apenas por base razões disciplinares e havendo tantos jogadores no seu caso, ele aparece como um bode expiatório. Segundo, porque é uma confissão de fraqueza e de incapacidade, sobretudo por parte do treinador, que desistiu cedo demais de o disciplinar. Terceiro, porque foi um mau negócio, vendendo pelo preço de custo, acrescido dos salários entretanto pagos, um jogador que seguramente não tardará a estar de volta à Europa, a preço bem superior. E quarto, porque, somando-se à lesão de Maniche, às saídas de Deco, Pedro Mendes e Alenitchev, veio ainda deixar mais fraco o mais fraco dos sectores da equipa esta época: o meio-campo e, em especial, o meio-campo criativo. O empate de domingo, contra o Rio Ave, foi mais um desaire motivado em linha recta pelo total destroçar do meio-campo do campeão europeu.

Enfim, a solução incompreensível foi a dispensa, dois meses depois da compra, do jovem central brasileiro Thiago, que andava a rodar na equipa B e de quem se dizia que em Janeiro estaria de pedra e cal como titular da equipa principal. Afinal foi mais um brasileiro contratado directamente para ser dispensado a seguir. Este ano já lá vão três: o Rossato, o Paulo Assunção e, agora, o Thiago.

Mas toda esta intensa movimentação em apenas uma semana, com todo o ar de limpeza de balneário e reafirmação de intransigência disciplinar, caiu pela base quando ao intervalo do jogo com o Rio Ave, e vendo-se a perder, Victor Fernandez mandou a disciplina às urtigas e o Diego para o campo, na impossível ilusão de que ele pudesse ser o Liedson de serviço.

4- Tudo visto e somado, o FC Porto sai destas férias de Natal completamente desnorteado e enfraquecido. Perdeu a liderança, perdeu o 12.º ponto no Dragão (onde, em nove jogos, apenas ganhou quatro!), voltou a mostrar um futebol sem sentido, uma defesa à deriva e um meio-campo que não defende nem ataca, um balneário perturbado por impensáveis casos de indisciplina e um plantel ainda mais enfraquecido e notavelmente insuficiente, até para consumo interno —isto depois de ter gasto seis milhões de contos em compras! Não há dúvida de que o sucesso, às vezes, acaba por se tornar um problema.

Agora as esperanças parecem todas depositadas no argentino Lucho González, cujo custo é capaz de levar todos os lucros da venda do Derlei, senão mais ainda. Mas, venha ou não, é muito pouco para as necessidades. Ele substituirá o Carlos Alberto (veremos se com vantagem) mas quem substituirá um Pedro Mendes e um Alenitchev? Quem preencherá a ausência, mesmo que breve, do Maniche? Isto para já não perguntar, sequer, quantos Diegos seriam necessários para fazer esquecer um Deco.

Faltam não um mas três médios de ataque no meio-campo do FC Porto. E, com as saídas do Derlei e do Maciel e com a continuada demonstração de fiasco do César Peixoto (só mesmo Fernandez é que continua a insistir nele, em lugar de ir para a equipa B), faltam igualmente dois extremos no ataque. E, obviamente, continua por resolver o lugar de defesa-esquerdo, onde, após três aquisições(!), Fernandez — que dispensou Rossato a favor de Areias—continua a preferir um central adaptado ao lugar e cuja (in)adaptação tem tido custos tremendos para a equipa, como se viu, mais uma vez, contra o Rio Ave.

São faltas a mais para uma equipa que, numa só época, viu chegar 14 novos jogadores. E, desses 14, quantos têm sido opções regulares do treinador? Apenas quatro: Seitaridis, Diego, Quaresma (às vezes) e Fabiano (desde que ficou capaz). Os meus leitores portistas mais atentos sabem como há anos venho escrevendo que a minha grande crítica à gestão do futebol do clube (e com repercussões evidentes na sua gestão financeira) é a tentação indomável para comprar em quantidade, em vez de comprar pouco e com qualidade e formar muito. Se pensarmos há quantos anos é que o FC Porto não tem, na equipa principal, um jogador vindo dos escalões de formação é caso para nos interrogarmos, por exemplo, para que serve a equipa B: para absorver excedentários das compras anuais e castigados da equipa principal? Durante o reinado de Mourinho houve uma clara inversão desta tendência e uma contenção notória: Mourinho comprou muito no primeiro ano, para formar a equipa, e a seguir só voltou a comprar pontualmente, duas ou três vezes, para substituir lesionados de longa duração ou para apostar em valores que tinha como seguros no futuro, como foi o caso de Carlos Alberto. Mas, depois que ele se foi embora, voltou-se ao habitual, como se a lição de nada tivesse servido.

No próximo Verão, quando se fizerem as contas à época desportiva e financeira, ver-se-á os resultados de uma e outra políticas. Para já fica a campainha de alarme a tocar, depois destas desastradas férias de Natal.

Os brasileiros ( 4 Janeiro 2005)

Não deixa de ser curioso que os três melhores jogadores estrangeiros que jamais passaram pelos três grandes fossem todos africanos e que nunca tenham tido seguidores da sua nacionalidade e ao seu nível nesses clubes: o Benfica nunca mais encontrou um moçambicano como Eusébio, o Sporting nunca mais encontrou um maliano como esse fabuloso Salif Keita e o FC Porto nunca mais encontrou no Magrebe uma sombra que fosse do fantástico Rabat Madjer.

ATRIBUI-SE a José Maria Pedroto a célebre frase de que se um brasileiro numa equipa de futebol é bom e dois é aceitável, três já é uma escola de samba.

O que a frase pretende simbolizar é que os futebolistas brasileiros têm tanto de bons, tecnicamente, como de maus, disciplinarmente. Juntem-se três ou mais brasileiros numa equipa europeia e imediatamente abranda o ritmo de jogo em campo, facilita-se o ambiente disciplinar no balneário e forma-se um «grupo parlamentar» à parte, que vai pôr em causa o bom funcionamento da maioria de governo e encher de cabelos brancos treinadores e dirigentes. É claro que há excepções e algumas bem
notáveis. Há casos de jogadores brasileiros, ao longo de gerações, que se adaptaram a Portugal de tal maneira que ficaram como referência eterna dos clubes por onde passaram, quer em termos de classe futebolística quer em termos de profissionalismo e dedicação ao clube.

Nas gerações mais recentes o caso mais impressionante é o de Aloísio,que, depois de ter comandado com uma classe incomparável a defesa do FCPorto durante mais de 10 anos, jogando até aos 37, por cá ficou, ligado ao clube, já lá vão mais de três anos. Mas as excepções confirmam a regra e não será por acaso que não encontramos nenhum grande clube europeu que tenha ao seu serviço simultaneamente mais de dois,excepcionalmente três, jogadores brasileiros.

Os clubes espanhóis, também por afinidades culturais, preferem reforçar-se no mercado espanhol-americano, o que também acontece em parte com italianos relativamente à Argentina. Os alemães preferem pesquisar nos mercados de Leste, e os ingleses, franceses, belgas e nórdicos no mercado africano. E há também quem recorra a mercados emergentes, como o norte-americano, o coreano ou australiano.

Não é o caso português: entre nós, os brasileiros levam a quota de leão no mercado das importações, fazendo de Portugal, de longe, o maior importador de futebolistas brasileiros. Benfica, Sporting e FC Porto têm, todos eles, duas escolas de samba ao serviço da equipa principal, para além de alguns outros que andam pelas equipas B ou emprestados a outros emblemas.

E não são só os três grandes: da Liga de Honra às Distritais há centenas de jogadores brasileiros ao serviço dos clubes portugueses. Em muitos casos, a maior tarefa de dirigentes de clubes completamente obscuros é a viagem anual que fazem ao Brasil para ir buscar «reforços» para o treinador. O excesso de concentração no mercado brasileiro tem, aliás, prejudicado em muito um trabalho mais sério, mais difícil e porventura mais profícuo, que seria o da prospecção de outros mercados, como o
sul-americano e, em especial, o africano.

Não deixa de ser curioso que os três melhores jogadores estrangeiros que jamais passaram pelos três grandes fossem todos africanos e que nunca tenham tido seguidores da sua nacionalidade e ao seu nível nesses clubes: o Benfica nunca mais encontrou um moçambicano como Eusébio, o Sporting nunca mais encontrou um maliano como esse fabuloso Salif Keita e o FC Porto nunca mais encontrou no Magrebe uma sombra que fosse do fantástico Rabat Madjer.

Não encontraram, isto é, nem sequer procuraram. Descansar no mercado brasileiro é mais cómodo, mais fácil e ao alcance de todos. Alguns factores objectivos contribuem, decerto, para isso, mas outros relevam apenas da preguiça ou dos interesses instalados. Temos, em primeiro lugar, a língua, que, sem dúvida é um factor que ajuda à integração mais rápida dos brasileiros. Mas não apenas a eles: como a generalidade dos nossos dirigentes, treinadores e «empresários» não falam outra língua que não o português, o Brasil é o único local que lhes permite falar de negócios sem medo de não perceberem o que se diz e combina. E é muito mais agradável viajar em negócios para o Brasil do que viajar para o Mali, a Argélia, o Peru ou a Bulgária. Temos, depois, a abundância de bons jogadores no mercado brasileiro, o que faz com que os seus preços sejam ainda relativamente baratos, embora já não o eldorado de tempos antigos. É possível, no Brasil, comprar, por um terço do que custaria um jogador português, um brasileiro que cá se revela a estrela da companhia.

Mas também sucede o contrário: pagar uma fortuna por alguém que lá é uma estrela e cá joga a ritmo de samba, pouco disposto para a maior combatividade do futebol europeu. O caso paradigmático é Roger, que acaba de regressar para a sua terceira tentativa no Benfica, onde apenas tem sido uma caríssima decepção. E Diego, do FC Porto, tanto lhe pode seguir as pisadas como, pelo contrário, meditar no exemplo do Deco, que,também ele, esteve à beira de se perder mas que acabou por ser o que é
(entre outras coisas, o jogador que mais correu durante um jogo da Liga dos Campeões do ano passado-em Manchester, segundo um estudo da UEFA).

Neste talvez excessivamente prolongado defeso natalício, estas considerações vêm a propósito dos problemas que Sporting e F.C. Porto têm vivido com os seus brasileiros. Vale a pena meditar no que lhes tem acontecido e pensar friamente se as vantagens dos jogadores brasileiros valem os inconvenientes. Neste defeso, o Sporting viuse obrigado a fazer um «cut-loss», como dizem os economistas, e a livrar-se do Tinga - uma grande aposta que não se cumpriu. Ao mesmo tempo, e depois de ter visto o Liedson dar toda a ideia de ter forçado o quinto amarelo em Guimarães, para se pôr de fora do jogo contra o Benfica e prolongar as férias no Brasil, vive agora o suspense de todos os dias esperar que ele se digne aparecer pela Academia de Alcochete.

Mas, porque, de facto, o «Liedson resolve», o Sporting, não só não se envergonhou de recorrer a um expediente tão-pouco desportivista como o da antecipação do jogo com o Pampilhosa para queimar a suspensão do Liedson, como, inevitavelmente, terá de engolir segunda vez o orgulho e colocá-lo em campo contra o Benfica, nem que ele desembarque na manhã do jogo. E, dê-se o caso de ele marcar mais um golo decisivo, e tudo estará perdoado-como era perdoado ao Jardel, que, do alto do seu extraordinário estatuto de jogador que valia 40 golos por época, era praticamente inimputável a nível disciplinar.

No FC Porto as férias natalícias dos brasileiros foram ainda mais escandalosas. Excepção feita ao Luís Fabiano, que depois de passar dois meses a descansar de uma lesão contraída ao serviço da selecção brasileira e dois jogos a descansar em offside ao serviço do clube, e ao Leandro, que já tinha passado mais de um mês de férias no Brasil, depois de contratado directamente para a mesa de operações, e que agora vai passar mais uns tempos a «ganhar ritmo competitivo», ninguém mais apareceu ao trabalho quando o deveria ter feito. E se o Carlos Alberto teve mais férias porque ninguém sabe o que fazer ao seu imenso talento,se os novatos Diego e Pepe já era de esperar que não voltassem antes do réveillon, se o Maciel apenas confirmou a sua falta de profissionalismo, já o atraso do Derlei só pode ser tido como sinal dos tempos e exemplo prático dos malefícios da tal segunda escola de samba, esta época instalada no Dragão.

Anuncia-se que o FC Porto vai pôr todos de castigo no próximo jogo contra o Rio Ave, o que é uma forma de manter a face e dar o exemplo ao balneário, mas que não deixa de ser, também e prioritariamente, um castigo ao próprio clube que, sem o esquadrão brasileiro, arrisca terceira derrota caseira para o campeonato. O dilema não é fácil de resolver: o clube tem de fazer alguma coisa, sob pena de aquilo descambar na anarquia. Também não se pode prejudicar a si próprio e não pode igualmente alienar desde logo a motivação de jogadores que são miúdos de 19 e 20 anos e que, por mais bem pagos que sejam, não podem ter ainda maturidade para perceber todas as implicações de um estatuto de profissional de alta competição e resistirem, como se não fossem humanos, a todas as tentações que os seus verdes anos, o dinheiro e o prestígio de que dispõem e as oportunidades que lhes surgem tornam quase impossível contornar. Para mais, estão longe da pátria e da família, era Natal e ano novo, lá é Verão, faz calor e samba, e cá é frio, triste e longe. Por mais que se fuja à questão, só a língua os une a nós e só o dinheiro os prende aos clubes. A questão é de fundo e estes episódios natalícios devem levar a reflectir se é boa política para os clubes portugueses continuarem a investir, cega e exclusivamente, no mercado brasileiro.