quarta-feira, janeiro 19, 2005

Quaresma no banco e PitBull em campo... (18 Janeiro 2005)

Isto talvez pareça um pormenor mas para mim não o é: eu não quero que,no próximo jogo do FC Porto transmitido para o Mundo inteiro, o meu clube e campeão europeu apareça com um jogador chamado Pitbull. Acho humilhante, desprestigiante e motivo de anedota geral.

1- Comecemos pelo momento mais bonito desta 17.ª jornada, a fechar a primeira volta. Aconteceu no Estádio da Luz, ao minuto 94: Pedro Mantorras viu Simão com a bola nos pés, pensando o que fazer com ela, e, com um gesto de braço, indicou-lhe por onde se iria desmarcar, entre os centrais do Boavista; Simão meteu-lhe a bola, rasteira, exactamente para onde ele a pedia e Mantorras surgiu então em corrida, por detrás de Éder, recebendo a bola sobre a direita, dentro da área, e, acto contínuo, fez aquilo que um bom ponta-de-lança aprende a fazer de pequenino: chutou-a rasteira, cruzada, para o canto oposto. Dois anos depois, voltámos a ver aquele sorriso de criança inconfundível, de quem joga futebol num estádio com a mesma alegria com que, em pequeno, jogava no musseque, com uma bola de trapos. E, depois, porque os homens sérios não esquecem a gratidão nos momentos de glória, Pedro Mantorras correu para o abraço a Rodolfo Moura - esse outro homem, entre todos o mais
discreto dos que andam no futebol, e que deve ter qualquer coisa de mágico para que sucessivas gerações de futebolistas do FC Porto, do Sporting e agora do Benfica corram para os seus braços, quando regressam aos estádios e aos golos, depois de longas e penosas recuperações.
Há jogadores que têm esta capacidade de nos fazer esquecer que pertencem ao adversário e, portanto, são uma ameaça aos interesses desportivos do clube do nosso coração. Pedro Mantorras é um desses. Ele faz do futebol emoção e alegria, ele transforma o futebol numa festa. Bem-vindo seja de volta!

2- Às vezes há críticas que logo se têm de engolir e há também elogios que se engolem mal acabaram de ser feitos. Neste caso, devo confessar que até nem me custa muito: tinha eu, na semana passada, elogiado o futebol que o Sporting vinha jogando e classificado de justíssima a sua liderança quando, oito dias volvidos, o Sporting perde a liderança (e para o FC Porto!), depois de assinar uma exibição má de mais para um candidato ao título. Eu sei que jogar bem na Choupana é praticamente
impossível: o campo não tem dimensões, o relvado é irregular, o vendaval é constante e o ambiente é de Feira do Relógio. Mas, apesar de tudo, há mínimos a cumprir: o Sporting passou 60 minutos de jogo sem criar uma oportunidade de golo e dos quais 50 (!) sem sequer fazer um remate à baliza; chegou ao 1-2 graças à versão enganadora do Liedson, que fabricou um penalty clássico (bola adiantada para um lado e o corpo deliberadamente desequilibrado para o outro, para ir de encontro às
pernas do guarda-redes e proporcionar aos comentadores televisivos tipo Vítor Manuel o habitual comentário de «houve contacto! »); no minuto seguinte, em mais um livre arrancado pelo Liedson, lá surge, finalmente, o primeiro remate à baliza, excluindo o penalty, e o Sporting vê-se empatado sem saber ler nem escrever. Mas o deus da Choupana não estava adormecido e, sem chegar aos requintes de crueldade que teve para com o FC Porto quando por ali passou, estabeleceu a sua justiça divina ao cair do pano. E assim vai o campeonato entre os grandes: ora empatas tu ora perco eu. Deve ser uma concertação secreta entre eles, para manter viva a emoção e mais ou menos compostas as bancadas.

3- Graças a uma providencial ausência do País, livrei- me de ver no sábado mais uma desilusão portista. À distância, segui o jogo por telefone e, pelos comentários então ouvidos e confirmados pelos jornais do dia seguinte, foi como se tivesse visto. Percebi que o que o FC Porto de Fernandez fez em Coimbra foi mais do mesmo, isto é, nada, desesperadamente nada. Já nem me lembro bem do último jogo que o Porto ganhou, acho que foi uma miséria de uma sofrida vitória por 1-0 contra o
Moreirense, no Dragão. Não me lembro de um só jogo, esta época, em que o Porto tenha ganho tranquilamente e em que os adeptos não tenham tido de sofrer até ao fim. Todos os recordes negativos foram batidos: a pior pontuação dos últimos 20 anos, ao fim da primeira volta; a primeira vez, em 30 anos, com duas derrotas caseiras seguidas para o campeonato; a primeira vez em 20 anos que saiu da Taça à primeira eliminatória; a primeira vez, em não sei quantas décadas, que não conseguiu atingir a média de um golo marcado por jogo (26 golos em 27 jogos oficiais).

Enfim, não sei que mais recordes destes é que Fernandez ainda será capaz de conseguir. O treinador é bem-intencionado, é trabalhador, é um cavalheiro, diz coisas com lógica e senso comum e é até forçoso reconhecer que não tem sorte. Mas há coisas de cuja responsabilidade é difícil isentá-lo. A primeira de todas é a imprevisibilidade do jogo da equipa: ao fim de cinco meses de trabalho não se percebe qual é o sentido, a lógica, a estratégia de jogo que pretende; não se sabe se o Porto joga em 4x3x3 ou em 4x4x2 ou ao deus-dará; não se percebe se prefere jogar com dois extremos, com um ou com nenhum; não se percebe se privilegia dois trincos ou só um; não se alcança que jogadas paradas estão ensaiadas e que rotinas de jogo existem. Não se compreende que seja quase banal a equipa sofrer um golo no primeiro remate que o
adversário faz e, depois, excepção feita ao jogo com o Chelsea, nunca consiga virar o jogo , demonstrando uma impotência e uma falta de capacidade anímica que nunca antes moraram por aquelas bandas. Também não é explicável que a equipa cometa tantas faltas e tantos jogadores levem amarelos por protestos. Que Fernandez resista tanto tempo a deixar de fora jogadores em clara má forma - como era o caso do Derlei e vai sendo o do Costinha - e de repente, de uma só penada, meta três novos jogadores na equipa que mal conhecem os companheiros, como fez em Coimbra. Para além disso, eu, pessoalmente, não hei-de compreender nunca a dispensa do Rossato, em favor do Areias, que afinal não serve, e jamais me hei-de conformar com a leviana dispensa do Carlos Alberto. E,obviamente, só entendo por medo a atitude de deixar o Quaresma jogos a fio sentado no banco - ele que é o maior desequilibrador da equipa e tem resolvido tantos problemas a Fernandez-e que depois se vá ao Brasil buscar um tal de Cláudio Pitbull (assim mesmo, sem aspas nem nada). E não percebo, já agora, para quê começar uma limpeza aos brasileiros do balneário numa semana, para na semana seguinte regressar ao ciclo infernal da compra de brasileiros por atacado. Dá-me ideia, mas oxalá esteja enganado, de que o senhor Victor Fernandez está completamente à deriva. Não sabe o que fazer, não sabe mais o que experimentar, nem sequer tem ideia de qual seja o seu onze ideal, e, quanto ao futuro, não é capaz de prever minimamente o que vai acontecer daqui a três meses ou já no sábado, em Leiria. O que vier, virá.

4- Mesmo nestes momentos de completo deslustre do brasão é bom não esquecer que o FC Porto não é um clube qualquer, que tem um historial e um prestígio, a nível mundial, conquistados a duras penas e com o esforço de muitos e muitos jogadores que honraram aquela camisola. O FCPorto é campeão nacional, campeão europeu e campeão mundial de futebol, em título. Isto talvez pareça um pormenor mas para mim não o é: eu não quero que, no próximo jogo do FC Porto transmitido para o Mundo inteiro, o meu clube e campeão europeu apareça com um jogador chamado Pitbull.
Acho humilhante, desprestigiante e motivo de anedota geral. Se esse é o nome de guerra dele, e não se importa de o usar, alguém no clube lhe deveria ter dito que deixasse o nome à porta, porque isto não é o Caxinense mas o campeão do Mundo. Não quero ver na equipa nem um Cláudio Pitbull nem um César Dobberman nem um Adriano Rottweiller. Isto é um clube de futebol, centenário, não é uma agremiação de luta livre nem um clube de cães de combate. Se, de facto, o Cláudio é assim tão bom jogador (e deve ser, para o contratarem logo por quatro anos e meio...),então pode perfeitamente dispensar o Pitbull - alcunha que não engrandece um jogador de futebol e prenuncia mais problemas disciplinares. Haja um mínimo de auto-respeito se queremos que nos respeitem.


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