O FC Porto sai destas férias de Natal completamente desnorteado e enfraquecido. Perdeu a liderança, perdeu o 12.º ponto no Dragão, voltou a mostrar um futebol sem sentido, um balneário perturbado por impensáveis casos de indisciplina e um plantel ainda mais enfraquecido e notavelmente insuficiente, até para consumo interno
1- Escrevi aqui, há duas semanas atrás, ao entrar-se nas prolongadas férias natalícias do campeonato, que a liderança provisória do FC Porto não me convencia por aí além e, a continuar a jogar pior que o Sporting — como estava—,não seria preciso esperar muito para perder essa liderança. É que, apesar do forçado ambiente de desconfiança e suspeita geral que sempre se instala quando o FC Porto vai à frente (isto é, quase sempre), ainda continuo a acreditar que nenhuma equipa consegue liderar consistentemente se não mostrar em campo argumentos para tal. Os factos deram- me razão e apenas foi preciso esperar que o campeonato se retomasse para que o Sporting saltasse para o primeiro lugar—e com toda a justiça. A 16.ª jornada do campeonato e primeira de 2005 veio confirmar aquilo que só por má fé pode ser escamoteado: que o Sporting está a jogar o melhor e mais consistente futebol (mas calma, que ainda não ganhou o campeonato e a justiça final mede-se... a final); que o FC Porto joga um futebol desgarrado, com bloqueios evidentes em vários sectores e sem chama de campeão; que o Benfica tem uma equipa sem sombra de classe e o Boavista lá se vai chegando à frente, comas armas do costume e muita sorte à mistura.
2- A rábula da semana foram as trapalhadas argumentativas inventadas por José Peseiro para tentar fingir que só na véspera do jogo iria decidir se Liedson jogava ou não contra o Benfica. Eu apostei que nem que ele chegasse na manhã do jogo Peseiro deixaria de o colocar em campo e julgo que ninguém ficou com dúvidas sobre isso, o que tornou as tentativas de Peseiro de fingir que mantinha a disciplina, ao mesmo tempo que não prescindia do jogador que lhe resolve os jogos, um exercício penoso de assistir. Mais valia ter assumido claramente que era mais importante ganhar o jogo que dar um ar de intransigência para com os sagrados «princípios».
E, tal como previ, Liedson foi obviamente perdoado das suas luxuosas férias prolongadas em oito dias, depois de ter resolvido o derby à sua maneira: com dois golos característicos do grande jogador que é e com uma simulação a provocar a expulsão de Alcides, característica do «enganador», como lhe chamou José Mourinho, que também, e infelizmente, continua a ser.
3- No FC Porto só houve um ou dois dias de atraso mas foram muitos os atrasados, demasiados os casos de indisciplina sucessivos e por demais visíveis os danos causados ao ambiente interno pela extensa legião brasileira ao serviço do clube — como aqui escrevi a semana passada.
A solução teria de ser diferente e foi. Radical: quatro brasileiros receberam guia de marcha definitiva, com quatro soluções diferentes—duas boas, uma má, outra incompreensível. Solução boa é o envio de Maciel para onde quer que seja.
Solução melhor foi a venda, por 7 milhões de euros, de um Derlei esta época irreconhecível, depois de dois anos, que não merecem e não podem ser esquecidos, de notáveis serviços e sacrifícios em prol do clube.
Solução péssima foi a venda de Carlos Alberto. Primeiro, porque, tendo tido apenas por base razões disciplinares e havendo tantos jogadores no seu caso, ele aparece como um bode expiatório. Segundo, porque é uma confissão de fraqueza e de incapacidade, sobretudo por parte do treinador, que desistiu cedo demais de o disciplinar. Terceiro, porque foi um mau negócio, vendendo pelo preço de custo, acrescido dos salários entretanto pagos, um jogador que seguramente não tardará a estar de volta à Europa, a preço bem superior. E quarto, porque, somando-se à lesão de Maniche, às saídas de Deco, Pedro Mendes e Alenitchev, veio ainda deixar mais fraco o mais fraco dos sectores da equipa esta época: o meio-campo e, em especial, o meio-campo criativo. O empate de domingo, contra o Rio Ave, foi mais um desaire motivado em linha recta pelo total destroçar do meio-campo do campeão europeu.
Enfim, a solução incompreensível foi a dispensa, dois meses depois da compra, do jovem central brasileiro Thiago, que andava a rodar na equipa B e de quem se dizia que em Janeiro estaria de pedra e cal como titular da equipa principal. Afinal foi mais um brasileiro contratado directamente para ser dispensado a seguir. Este ano já lá vão três: o Rossato, o Paulo Assunção e, agora, o Thiago.
Mas toda esta intensa movimentação em apenas uma semana, com todo o ar de limpeza de balneário e reafirmação de intransigência disciplinar, caiu pela base quando ao intervalo do jogo com o Rio Ave, e vendo-se a perder, Victor Fernandez mandou a disciplina às urtigas e o Diego para o campo, na impossível ilusão de que ele pudesse ser o Liedson de serviço.
4- Tudo visto e somado, o FC Porto sai destas férias de Natal completamente desnorteado e enfraquecido. Perdeu a liderança, perdeu o 12.º ponto no Dragão (onde, em nove jogos, apenas ganhou quatro!), voltou a mostrar um futebol sem sentido, uma defesa à deriva e um meio-campo que não defende nem ataca, um balneário perturbado por impensáveis casos de indisciplina e um plantel ainda mais enfraquecido e notavelmente insuficiente, até para consumo interno —isto depois de ter gasto seis milhões de contos em compras! Não há dúvida de que o sucesso, às vezes, acaba por se tornar um problema.
Agora as esperanças parecem todas depositadas no argentino Lucho González, cujo custo é capaz de levar todos os lucros da venda do Derlei, senão mais ainda. Mas, venha ou não, é muito pouco para as necessidades. Ele substituirá o Carlos Alberto (veremos se com vantagem) mas quem substituirá um Pedro Mendes e um Alenitchev? Quem preencherá a ausência, mesmo que breve, do Maniche? Isto para já não perguntar, sequer, quantos Diegos seriam necessários para fazer esquecer um Deco.
Faltam não um mas três médios de ataque no meio-campo do FC Porto. E, com as saídas do Derlei e do Maciel e com a continuada demonstração de fiasco do César Peixoto (só mesmo Fernandez é que continua a insistir nele, em lugar de ir para a equipa B), faltam igualmente dois extremos no ataque. E, obviamente, continua por resolver o lugar de defesa-esquerdo, onde, após três aquisições(!), Fernandez — que dispensou Rossato a favor de Areias—continua a preferir um central adaptado ao lugar e cuja (in)adaptação tem tido custos tremendos para a equipa, como se viu, mais uma vez, contra o Rio Ave.
São faltas a mais para uma equipa que, numa só época, viu chegar 14 novos jogadores. E, desses 14, quantos têm sido opções regulares do treinador? Apenas quatro: Seitaridis, Diego, Quaresma (às vezes) e Fabiano (desde que ficou capaz). Os meus leitores portistas mais atentos sabem como há anos venho escrevendo que a minha grande crítica à gestão do futebol do clube (e com repercussões evidentes na sua gestão financeira) é a tentação indomável para comprar em quantidade, em vez de comprar pouco e com qualidade e formar muito. Se pensarmos há quantos anos é que o FC Porto não tem, na equipa principal, um jogador vindo dos escalões de formação é caso para nos interrogarmos, por exemplo, para que serve a equipa B: para absorver excedentários das compras anuais e castigados da equipa principal? Durante o reinado de Mourinho houve uma clara inversão desta tendência e uma contenção notória: Mourinho comprou muito no primeiro ano, para formar a equipa, e a seguir só voltou a comprar pontualmente, duas ou três vezes, para substituir lesionados de longa duração ou para apostar em valores que tinha como seguros no futuro, como foi o caso de Carlos Alberto. Mas, depois que ele se foi embora, voltou-se ao habitual, como se a lição de nada tivesse servido.
No próximo Verão, quando se fizerem as contas à época desportiva e financeira, ver-se-á os resultados de uma e outra políticas. Para já fica a campainha de alarme a tocar, depois destas desastradas férias de Natal.
Textos de Miguel Sousa Tavares na Abola sobre futebol, que leio atentamente e de quem sou admirador. Este blog não tem nenhuma relação com o autor dos textos. As crónicas terão sempre desfasamento em relação à última em banca, no respeito pelos direitos do jornal onde são colocadas.
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