quarta-feira, outubro 19, 2005

AS RAZÕES À VISTA DE ADRIAANSE ( 4 Outubro 2005)

AS RAZÕES À VISTA DE ADRIAANSE


Não vejo que vantagem possa haver em pedir a Co Adriaanse que ponha a equipa a jogar com base num sistema que depende do sector em que ela é mais fraca. Se não sabe defender, a umca coisa que o FC Porto pode fazer é atacar.


Nas semanas em que há jogos europeus a desvantagem de escrever no início da semana, como eu, é que os jogos europeus já estão desactualizados face aos jogos do campeonato que, entretanto, tiveram lugar ao fim-de-semana. É o caso, agora: para um portista o grande tema de meditação, esta semana, não pode deixar de ser a incrível derrota europeia frente àquela equipa com nome de agência de publicidade, e as subsequentes declarações que, sobre ela, fez o treinador Co Adriaanse, bem como as inúmeras reflexões que essa derrota e os comentários do treinador portista inspiraram. Só que, entretanto, houve o jogo da Madeira, susceptível ou não de mudar as conclusões que já teriam sido tiradas.

Ora bem. Sucede que, por acaso, eu acho que nem é assim. A derrota contra o Artmedia, o empate contra o Marítimo e as declarações de Adriaanse de que não iria mudar a sua filosofia e o seu estilo de jogo, apesar das sucessivas desilusões motivadas pelos descalabros defensivos dos portistas, permitem um julgamento comum sobre as razões do treinador do FC Porto. Os factos (os resultados) dão-lhe ou não razão, na sua crença de que o futebol de ataque é a solução adequada — em geral e, em particular, para o caso desta equipa do FC Porto? Há ou não razão para lenços brancos?

A minha opinião é que Co Adriaanse tem razão — e julgo que comigo está a generalidade dos adeptos portistas. No geral porque é mil vezes preferível, como espectadores, um futebol de ataque, que traz espectáculo, emoção e beleza ao jogo, que aquele futebol completamente estéril e passivo que a equipa jogava no ano passado. No particular porque, olhando para a actual equipa do FC Porto, é fácil perceber que, face àquela defesa de gelatina, a melhor defesa possível... é o ataque.

Muita gente criticou Adriaanse por ele não saber defender os resultados, ter uma estratégia suicida de ataque, nunca parar em busca do maior número de golos possível. Para esses espíritos desassossegados por tanta coisa nova e diferente Adriaanse deveria ter posto o FC Porto à defesa assim que chegou ao 2-2 em Glasgow e deveria ter parado de atacar assim que chegou ao 2-0 contra o Artme-dia, em lugar de continuar à procura do 3-0. Pois, mas os factos podem ser vistos de outra perspectiva, onde os críticos perdem a razão: mesmo a jogar com 10 o FC Porto teve duas oportunidades de chegar ao 3-2 em Glas-gow e, se o tem conseguido, pelo menos não acabaria a perder o jogo; teve uma oportunidade inacreditavelmente desaproveitada de chegar ao 3-0 contra o Artmedia e, se o tem conseguido, pelo menos não perdia o jogo; e, da única vez que recuou e defendeu o resultado — no Funchal a jogar contra 10, a um quarto de hora do fim —, acabou por consentir o empate. Moral da história, do meu ponto de vista: com uma defesa que, seja contra quem for, sofre habitualmente dois ou três golos, a única salvação possível é que o ataque e o meio-campo ofensivo consigam pelo menos marcar três e, de preferência, quatro.

Deixemos de parte o recente e estranho jogo contra o Marítimo, em que, a par da pior exibição da época, o FC Porto foi surpreendido (como todos fomos) por um Marítimo que, em quatro dias de trei-nador novo, ressuscitou da nulidade e apareceu pujante de futebol e de energia, correndo sem parar, ao ponto de, a jogar com 10, ter conseguido encostar o FC Porto lá atrás a 15 minutos do fim. Vamos ver se esta extraordinária e instantânea ressurreição se confirma e em que termos nos jogos seguintes. (Só dois apartes, para contrariar as verdades feitas: o golo anulado ao Marítimo foi, tal como o golo anulado ao FC Porto, bem anulado, porque entre o jogador do Marítimo e a linha de golo só havia um portista no momento do passe — o Bruno Alves; o invocado penalty que terá sido sofrido por um sujeito do Marítimo que se viria a distinguir por cuspir na cara dos adversários e entrar a matar sobre eles depende da vontade de cada um — para mim trata-se de um .penalty à João Pinto, um estafado número que consiste em adiantar a bola para onde já não se pode ir buscá-la e depois arrastar a perna deliberadamente para encontrar a perna do defesa que tenta cortar a bola.)

Mas, à parte esse atípico jogo com o Marítimo, o que o marcante jogo contra o Artmedia mostrou foi apenas aquilo que já se sabia. O que falta a este FC Porto, em minha opinião, é aquilo que aqui escrevi a seguir ao jogo contra o Glasgow Rangers: o fim do azar e uma defesa minimamente capaz. Compare-se com o Sporting, contra o Halmstads. Perdeu também por 2-3 mas o adversário ainda poderia ter marcado outros três. Já o Artmedia e o Rangers chutaram, cada um deles, quatro vezes à baliza do FC Porto, acertaram três vezes e das três foi golo. Em contraste, o FC Porto chutou 28 vezes à baliza do Artmedia, 25 à do Rangers, perdeu quatro ou cinco oportunidades flagrantes em cada um dos jogos, teve 62% de posse de bola no primeiro jogo e 68% no segundo, teve seis vezes mais ataques e seis vezes mais cantos que ambos os adversários... e perdeu os dois jogos. Independentemente dos erros defensivos, é forçoso reconhecer que apenas um pouco menos de azar e as histórias teriam sido outras.

Agora sobeja a outra verdade incontornável. O FC Porto tem o terceiro ataque entre as 32 equipas Liga dos Campeões, é a equipa que mais ataques fez, mais remates fez, mais posse de bola teve. E a pior defesa. Nenhuma equipa com aspirações europeias se pode dar ao luxo de marcar quatro golos em dois jogos e perder ambos. Ou de sofrer oito remates à baliza e encaixar seis golos. É simplesmente impensável.

Ao longo das últimas décadas o FC Porto habituou os seus adeptos a ter sempre um ou dois grandes defesas-centrais em acção, trás para a frente, foram os ciclos de Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Aloísio (10 anos!), Geraldão, Celso, etc. Nunca, que me lembre, o FC Porto iniciou uma época sem ter um grande central, pelo menos. Aconteceu este ano, em que o melhor deles, Jorge Costa, está, ainda por cima, encostado ou lesionado. A dupla dos últimos jogos — Ricardo Costa e Bruno Alves — é a pior de todas, com a agravante de ter nos flancos dois laterais adaptados. E, quando assim é, não há milagres. Ricardo Costa bem pode justificar dizendo que a responsabilidade de defender é de todos e não apenas dos defesas: é tão verdade como dizer que a responsabilidade de marcar golos é de todos. O que sabemos é que a frieza dos números demonstra que o ataque tem cumprido a sua obrigação, a defesa é que não.

O problema só tem solução de fundo e esta só pode chegar em Dezembro e cara. Daqui até lá, porém, decide-se o destino do FC Porto na Liga dos Campeões. Para que ele seja feliz é preciso que a sorte mude e a defesa portista seja capaz, ao menos, de não encaixar dois ou três golos todos os jogos. Entretanto, não vejo que vantagem possa haver em pedir a Co Adriaanse que ponha a equipa a jogar com base num sistema que depende do sector em que ela é mais fraca. Se não sabe defender, a única coisa que o FC Porto pode fazer é atacar. E quanto mais melhor.

DO QUE O POVO GOSTA ( 27 Setembro 2005)

O exemplo prático do FC Porto de Co Adriaanse, a coragem do seu futebol de risco, a beleza dos espectáculos que proporciona e o público que enche o Dragão para o ver vão ser, não tenham dúvidas, o grande motivo de reflexão deste campeonato.

1 - Em Montreal, no Canadá, Luís Filipe Vieira anunciou que o Benfica já é o maior clube do Mundo, com 170.000 sócios e 70.000 kits vendidos. Transportado pelo próprio entusiasmo, o presidente benfiquista atreveu-se até a mais um salto qualitativo: este ano o objectivo e a previsão já não são só chegar à final da Liga dos Campeões mas sim vencê-la e fazer do «maior clube do Mundo» o campeão da Europa. Não mais de 30 mil benfiquistas — os que foram ver a estreia do seu clube na Champions — parecem comungar de igual entusiasmo. Mas pode ser que, aproveitando o momento insolitamente negativo que atravessa o Manchester United e as 10 baixas do seu plantel, o Benfica consiga esta noite em Manchester dar mais asas ao sonho presidencial e provar, no próximo jogo caseiro, que «certos estádios fizeram-se para estar cheios».

Sem nada prometer de semelhante, seja pela boca do seu presidente, treinador ou jogadores, e sem andar por aí a lembrar que o campeão do Mundo em título é ele, o FC Porto lá vai continuando a confundir esperanças com realidades. Quarenta e cinco mil espectadores estiveram no primeiro jogo do campeonato no Dragão; 37.000 no segundo; 41.000 no terceiro. Certos estádios fizeram-se para estar cheios: aqueles onde se joga bom futebol.

A receita de sucesso de Co Adriaanse é simples: futebol de ataque garante o espectáculo e o espectáculo garante o público. Dêem ao povo o que o povo gosta e a lua-de-mel será eterna. Houve quem se melindrasse pelo enunciado tão simples da sua receita; houve quem, num assomo de chauvinismo pacóvio, se melindrasse pelo facto de o holandês, tão verde entre nós, já se permitir considerações sobre os males do futebol luso; houve até quem visse nas suas declarações uma forma de desviar as atenções da sua brandura disciplinar contra McCarthy (que, por razões à vista, eles tanto desejavam que fosse levada aos limites...). Mas a vantagem de Adriaanse é esta: jogo após jogo ele mostra que as suas teorias não são apenas teorias mas sim uma filosofia de jogo, uma ideia do que deve ser o futebol e um projecto para salvar o «maior espectáculo do Mundo», que é levada a cena de cada vez que a sua equipa entra em campo.

Contra um excelente Belenenses viu-se um FC Porto de ataque continuado, incontrolável, insaciável. As jogadas para o golo sucedem-se, umas a seguir às outras, a imaginação anda à solta como uma febre sem controlo, os 90 minutos sabem a pouco. Dá gosto ver futebol assim! E os leitores que me permitam duas satisfações pessoais acrescidas: primeira, o triunfo do futebol de ataque, de que sou e sempre me confessei adepto incorrigível, contra os «meios campos superpovoados» e o «jogo de contenção» que fazem a doutrina dos nossos treinadores; segunda, a satisfação de ver o que vale um FC Porto com o onze que aqui venho defendendo há dois meses, ou seja, com McCarthy e Quaresma a titulares. Por mais voltas que o futebol dê, hei-de morrer sem que alguém me consiga convencer de que os grandes jogadores devem ceder lugar aos jogadores seguros ou disciplinados.

2 - 0 exemplo prático do FC Porto de Co Adriaanse, a coragem do seu futebol de risco, a beleza dos espectáculos que proporciona e o público que enche o Dragão para o ver vão ser, não tenham dúvidas, o grande motivo de reflexão deste campeonato. Foi porque já o perceberam que os sportinguistas despediram a sua equipa com uma assobiadela, após a magra e frustrante vitória caseira contra o V Setúbal e depois de terem visto Peseiro a defender o 1-0, em casa e em superioridade numérica, tirando o Liedson para colocar o Beto. Depois de uma época em que dispôs da melhor equipa nacional e jogou o melhor futebol, mas perdeu sempre nos momentos decisivos, José Peseiro acha que a solução é sacrificar o espectáculo e privilegiar os resultados. Depois do desastre contra o Nacional, a ordem parece ser clara: se a equipa está a ganhar por 1-0, defende-se o 1-0, com assobios ou sem assobios. Adriaanse pensa exactamente o contrário: se a equipa está a ganhar por 1-0, é preciso fazer o 2-0, continuando a atacar. Os resultados de ambos esta época já lhes deram razão, a um e outro, alternadamente. Mas não há dúvidas para que lado balança o coração dos adeptos, com qual das filosofias de jogo se defende melhor o futebol e com qual dos dois tipos de espectáculo se traz público aos estádios. Eu estou com as ideias de Co Adriaanse e ainda bem que elas estão ao serviço do meu clube.

3 - Ao minuto 19 do jogo de Al-valade o árbitro Paulo Baptista resolveu o jogo a favor do Sporting, assinalando penalty contra o Vitória e expulsão do guarda-redes setubalense. Resolveu-o, diga-se, de acordo com as regras e, portanto, nada há a dizer contra a decisão dele: considerou que Deivid foi tocado pelo guarda-redes, quando estava em posição de marcar golo, e, sendo assim, as regras mandam que assinale penalty e mostre o vermelho ao infractor. Não é a decisão do árbitro que está em causa mas a própria regra. Esta regra é equívoca, injusta e contra o espectáculo.

Equívoca porque exige do árbitro um juízo de valor totalmente subjectivo, as mais das vezes fundado num palpite: o jogador derrubado estaria ou não em posição flagrante de poder marcar golo? Cada cabeça sua sentença — o que, numa decisão de tal forma gravosa, não é recomendável...

Injusta porque, na prática, equivale a duas penalidades máximas na mesma jogada: a expulsão directa e o penalty. Faz muito mais sentido que o vermelho directo seja mostrado fora da área, a quem derruba um jogador que se vai isolar, que dentro da área. Porque, dentro da área, o penalty dá quase sempre como resultado um golo, enquanto o livre fora da área só raramente tem essa consequência. Um critério de adequação da justiça estabeleceria como regra que este tipo de jogada, se cometido fora da área, devia dar lugar a livre directo e expulsão e, se cometido dentro da área, a penalty e cartão amarelo.

Enfim, a regra em vigor contribui claramente para estragar o espectáculo, já que oferece uma clara oportunidade de golo a uma equipa e, simultaneamente, uma superioridade numérica que, se adquirida logo de início, como sucedeu em Alvalade, desequilibra o jogo e condena a equipa do infractor a remeter-se à defesa até final.

Mas esta regra tem também um mal acrescido: é que, ponderando todas as suas consequências para o próprio jogo, há muitos árbitros, incluindo alguns dos mais conceituados do Mundo, que se recusam a aplicá-la em todo o seu rigor: ficam-se pelo penalty e pelo amarelo. Mas como, apesar de muitos, não são todos, e há sempre os outros, como Paulo Baptista, que seguem a lei à letra, está estabelecido um critério aleatório, variando de árbitro para árbitro, com toda a incerteza e toda a injustiça a que isso se presta. Anteontem o Sporting beneficiou, e sem contestação possível, de um critério estrito do árbitro nesta matéria. Mas se amanhã o critério for outro, ou for o mesmo contra o Sporting, lá virá o inevitável dr. Dias da Cunha bramar contra a arbitragem e o sistema. Esperem para ver...

4 - Só um grande profissional, um grande jogador e um grande atleta, como o é Marco Aurélio, poderia atingir a marca impensável de 200 jogos consecutivos na I Liga, SuperLiga ou BetandWin qualquer coisa. Duzentos jogos são seis anos e meio a defender as balizas, sem falhar um jogo, por lesão ou por castigo. E, 200 jogos depois, aos 35 anos de idade, ele ainda prova que pode ser o melhor da equipa, como o foi sábado passado, na visita ao Dragão. Eis alguém que certamente merece cada euro que ganha.