quarta-feira, julho 31, 2013

AGORA JÁ NÃO É DE CATEDRAL, É DE CAPELA (23 ABRIL 2013)

1- Provavelmente, o Benfica ganharia sempre o jogo contra o Sporting. Provavelmente, mesmo que começasse a perder, daria sempre a volta ao jogo, como já fez uma dúzia de vezes esta época. Provavelmente, mesmo que não ganhasse o jogo, ganharia na mesma o campeonato, pois que está longe de ser garantido que o FC Porto o derrote no Dragão e a seguir vença em Paços de Ferreira. Mas a verdade é que nunca o saberemos, porque a vitória no derby - e, por arrasto, no campeonato - ficará para sempre ligada, não ao fabuloso segundo golo de Gaitán/Lima, mas ao indecoroso desempenho do Sr. João Capela. E, por isso, provavelmente, os adeptos sãos do Benfica estarão a lamentar que aquele que se portou como o 12º jogador dos encarnados (e o único português no onze inicial) lhes tenha roubado parte substancial do mérito de um triunfo final na Liga — que, como aqui escrevi há quinze dias, era, até agora, incontestavelmente justo. Era, mas, para mim, deixou de ser. O futebol tem injustiças destas: uma equipa pode passar uma época quase inteira a mostrar superioridade e mérito na liderança, mas se, chegada a um jogo decisivo, beneficia de uma arbitragem que claramente falseia o resultado, o mérito esvai-se todo aos olhos dos seus adversários.

Porque a verdade é que ninguém sabe o que teria sido o desfecho do jogo (e do campeonato) se, aos oito minutos, o Sr. Capela não tivesse feito já vista grossa a dois penalties cometidos na área do Benfica e uma cotovelada de Garay na cara de Wolfswinkel. Ou se, com o resultado em 1-0, não tivesse assobiado para o ar a uma agressão a pontapé de Maxi Pereira e depois ao seu segundo penalty impune — confirmando o extraordinário estatuto de excepção de que este uruguaio goza perante os árbitros portugueses. Talvez o quarto penalty invocado por Jesualdo Ferreira, já no final do jogo, tenha sido duvidoso, mas uma coisa é certa: das dez ou doze decisões controversas que o jogo teve, em todas elas, o Sr. Capela decidiu a favor do Benfica. E não apenas penalties e agressões: também faltas evidentes sobre jogadores do Sporting que ele desprezou, cantos a favor do Sporting transformados em pontapés de baliza e vice-versa, cartões por mostrar, etc. Dizia Pedro Henriques, na Sport TV que o árbitro estava com um «critério largo» mas imparcial e que os jogadores teriam que se habituar a ele. As duas afirmações estão erradas: o critério foi tudo menos imparcial e os jogadores só tem que se regular pelas dezassete leis do jogo e não pela particular interpretação que delas faz um qualquer árbitro. Se um jogador vai chutar à baliza, isolado e dentro da área, e, no momento do remate, é atingido no pé de apoio, não há critério largo que escamoteie um penalty por assinalar; se um jogador salta com um adversário a uma bola alta e, antes de a tentar cabecear, estica o cotovelo para atingir a cara do outro, não há critério largo que disfarce a agressão. O Sr. Capela não teve um critério largo: teve um critério à medida - só com uma direcção, uma cor e um sentido. E o seu critério escandalosamente unilateral falseou o jogo. Mas outra coisa eu não esperava quando, na véspera do jogo, vi Rui Gomes da Silva elogiar a equipa de arbitragem - logo ele, que acha que quase todos os árbitros são desonestos.

E daqui resultam dois problemas. Um é que uma época relativamente pacifica, em termos de arbitragem, foi decisivamente manchada, justamente num dos jogos em que o não podia ser. E outro, é que não sei como é que Bruno de Carvalho vai agora poder gerir a sua pouco sub-reptícia aproximação Benfica (cujo apoio para a discussão com os bancos parece bem conveniente). Depois de o sistema ter sido exposto perante todo o povo sportinguista e à sua custa, como poderá ele aprofundar esta janela de amizade sem cair em contradição?

2- Ao contrário de tantos outros, falta-me a paciência para estar a registar ou decorar os factos da arbitragem para memória futura. Os factos e os próprios nomes. O que me fica é o futebol e a sua beleza - como o segundo golo do Benfica, anteontem - e não os erros ou malfeitorias dos árbitros. Não fossem, por exemplo, as declarações de Pinto da Costa, e eu nem associaria João Capela à final da Taça da Liga, ocorrida apenas uma semana antes. E foi assim que constatei que, no espaço de oito dias, o mesmo árbitro tinha sido testemunha privilegiada da derrota do FC Porto na Taça da Liga e, provavelmente, no campeonato. Coincidência, acasos do destino. E, embora eu aqui tenha defendido a existência do penalty que ele assinalou e que resolveu a Taça da Liga a favor do Braga (opinião que não foi unânime e de que, por exemplo, discordou Cruz dos Santos), agora foi com espanto que constatei que o mesmo árbitro que, numa só jogada de dúvlda, se decidiu logo pelo penalty e expulsão de Abdoulaye, que resolveram o jogo de Coimbra, foi o mesmíssimo que esteve anteontem na Luz. E que, em três ou quatro penalties na área do Benfica, não viu razão para assinalar nenhum, e que, face a agressões cometidas por Garay, Maxi e Matic, não viu razão sequer para um amarelo. O mesmo árbitro do critério rigoroso em Coimbra aparece transfigurado em adepto de um critério largo, na Luz. Talvez, afinal, eu ande demasiadamente distraído e tenha também de começar a fazer registo das coincidências e descoincidências do futebol. Passo a registar, por exemplo, que João Capela tem, na opinião de Jorge Jesus, um grande futuro pela frente. Ou será antes um grande passado pela frente?

3- Tenho de confessar que tenho admiração por Jorge Jesus e não me importava nada de o ver como treinador do FC Porto. Reconheço que o homem percebe de futebol, sabe escolher e transformar para melhor jogadores que lhe são confiados, e aposta num futebol de ataque que, como eu gosto. Mas também lhe acho muita graça e delicio-me com o tom de catedrático nonchalant que ele gosta de afectar. Rio-me quando ele trata os jornalistas por tu e lhes explica, em tom paternal/professoral, coisas como «Importa é que sejas decisivo na zona de finalização» - e o pagode fica todo rendido. Sorri quando o ouvi na conferência de imprensa após o jogo, fazer o elogio da arbitragem e dizer que tinha ganho «limpinho». E rime a sério quando lhe perguntaram se aquele fabuloso golo construído por Gaitan e finalizado por Lima era resultado do génio individual ou do treino, e ele, começando por dizer que era resultado de ambas as coisas, acabou por, sem se desfazer, explicar que era tudo treinado; quando a jogada sai, os jogadores já estão treinados para saberem onde devem estar e como devem fazer. Ou seja: o Nico Gaitan recebe a bola à entrada da área, faz uma serpentina entre dois adversários, toca para o meio e desloca-se para o lado, recebe e cruza outra vez para o meio por entre três adversários, aparecendo o Lima a finalizar em vólei ao canto oposto. Uma obra de arte em quinze segundos vertiginosos e de uma precisão geométrica digna da NASA. E tudo, afinal, treinado?! A sorte que o Messi tem em não ser treinado pelo Jorge Jesus!

4- Longe das capelas e sacristias onde, afinal, ocorrem tantas coisas de espantar, um FC Porto regressado à normalidade desenvencilhou-se do Moreirense, numa vitória tão convincente como provavelmente inútil. A normalidade de que falo é jogar sem Defour e Varela, com Lucho de volta a uma boa exibição e Jackson de volta aos golos, mas também com Helton a garantir a vitória, antes e depois do golo inaugural. Uma coisa eu sei: não há uma só voz, com um mínimo de seriedade, que possa dizer que o FC Porto ganhou este ano um ponto que fosse graças à arbitragem. Nós não tivemos arbitragens como a do Sr. Capela nem jogos decididos ao minuto 96, com penalties inventados em desespero de causa. Mal ou bem (e mais mal que bem) fomos a jogo sozinhos.

terça-feira, julho 30, 2013

QUANDO NÃO SE QUER APRENDER, NÃO SE APRENDE MESMO (16 ABRIL 2013)

1- É verdade que tivemos o Del Neri, aquele surrealista italiano que pegou numa equipa que tinha acabado de ser campeã da Europa com um futebol assente na força e criatividade do meio-campo e resolveu inventar o futebol de sobrevoo: a bola era directamente batida pelos defesas ou pelo Baía em longos pontapés para o ataque sobrevoando um meio-campo reduzido à função de controlo aéreo. Bastaram três jogos de pré-época para que Pinto da Gosta percebesse o buraco em que se tinha metido, quando deixou que lhe impingissem o italiano, numa noite num hotel em Dusseldorf.

E tivemos também o louco do Co Adriaanse, que jogava com quatro e cinco avançados e não conseguia marcar golos. Também ele abandonou na segunda pre-época, depois de uma fúria cujos motivos nunca se perceberam bem, mas causaram um profundo suspiro de alívio entre as hostes portistas. E, como a pré-época é, decididamente, o pior período do futebol portista, tivemos ainda a pré-época em que Villas Boas se foi embora subitamente, a dias de começar o estágio com a equipa, dando origem à impensável promoção de Vítor Pereira - o adjunto do adjunto do mestre, como então o defini. E, com excepção de Del Neri, não vejo quem pior tenha ocupado o posto de treinador do FC Porto, desde que Octávio foi substituído por Mourinho.

O que mais caracteriza Vítor Pereira é não aprender com o que vê em campo, não aprender com os erros cometidos, não aprender com nada. A excepção de Mangala, que é daqueles jogadores destinados a evoluir fatalmente, não há um só jogador mais que, às ordens de Vítor Pereira, se tenha tomado melhor nestes últimos dois anos. Andou tudo para trás ou estagnou, a começar por ele próprio.

Em Málaga, no decisivo jogo da Champíons, Vítor Pereira reincidiu no erro que já cometera um ano antes, na mesma competição: deixou em campo, e depois de ter levado um cartão amarelo, um jogador nitidamente nervoso e sem sangue frio, até que ele cometesse nova asneira e fosse expulso. No ano passado, fora Fucile, este ano foi Defour. Depois de Málaga, o mínimo que se poderia esperar era que Vítor Pereira pusesse Defour de castigo uns largos tempos - até porque, além da banalidade do seu jogo, já mais do que provara que a sua utilização como suposto extremo-esquerdo era uma invenção sem pés nem cabeça, não apenas inútil, mas até prejudicial à equipa. Mas o que Vítor Pereira fez foi exactamente o contrário: deixou-o a titular e nas mesmas funções, à espera de um milagre em que só ele acreditava, ou talvez porque se sentia solidário com o outro elemento que, além dele próprio, enterrara o FC Porto em Málaga. No sábado passado, frente ao Braga, depois de 70 minutos a ver Defour na sua habitual inutilidade, Lucho a arrastar-se como vem fazendo há meses, e sem o seu querido Varela disponível, Vítor Pereira, na iminência do desastre, deitou mão a Atsu e Kelvin, e a sua simples entrada conseguiu resolver em 20 minutos o que antes parecera sem solução. Toda a gente viu o que sucedera e porquê. Toda a gente, menos o homem que é pago para ver antes e melhor do que todos: o treinador. Como aqui escrevi na semana passada depois do jogo, a prestação salvadora de Atsu e Kelvin iria ter, como prémio, o seu regresso ao banco, preteridos outra vez por Lucho e Defour - ou Varela, se estivesse apto.

E claro que foi isso mesmo que sucedeu, no jogo da final da Taça da Liga. Um 4x3x3 com um único verdadeiro avançado de raiz, Jackson Martinez, a desgastar-se sozinho, à espera de bolas que nunca lhe chegavam. Ah! Mas Vítor Pereira estava feliz, quando, por volta dos 45 minutos, aquele seu adjunto que anda sempre de auricular no ouvido (estará a escutar o relato e os comentários?) e de caderno de esquemas sempre em punho (estará a conferir a táctica com a practica?) lhe segredou ao ouvido; “Estamos bem, com 70 por cento de posse de bola”. Estavam sim; nem uma ocasião de golo, nem um único remate enquadrado com a baliza. Mas a equipa estava, como Vftor Pereira gosta de dizer e de a ver, «com os seus princípios e a sua identidade próprias». Até que...

Até que sucedeu aquilo que qualquer aprendiz de treinador teria previsto: a expulsão de Abdoulaye. Desde que aos 15 minutos, a sua entrada louca sobre Mossoró se saldou por um generoso amarelo, o treinador deveria ter entrado em estado de alerta: estaria um miúdo de 19 anos, a ferver em pouca água, capaz de se aguentar até final - ele que nem sequer é titular habitual e fora lançado sem aviso numa final? Manifestamente, não estava: bastava olhar para ele e para o jogo para o perceber: Márcio Mossoró (este sim, bem faríamos em ir buscar!) encostou-se à linha, de onde evoluía para o centro à procura da zona de intervenção de Abdoulaye e, no um contra um repetido várias vezes entre ambos, era fatal que o bracarense iria sacar, mais tarde ou mais cedo, segundo amarelo ao jovem e nervoso portista. E assim foi, sacou-lhe não apenas o segundo amarelo, mas também o penalty e o golo que, mais uma vez, roubou ao FC Porto esta amaldiçoada Taça da Liga.

Pela terceira vez, em outros tantos jogos decisivos. Vítor Pereira não foi capaz de perceber que lhe competia agir antes de ter de reagir e evitar a expulsão adivinhada de um jogador. E, pela terceira vez, pagou isso com a derrota. Mas, como nada aprende, preferiu queixar-se do árbitro e dizer que não fora penalty o que a todos pareceu penalty. É certo e sabido que voltará a cometer este erro e todos os outros que o caracterizam as vezes que forem precisas. Não sei o que há com os Vítores que tornam estes dias tão cinzentos e cuja teimosia militante parece alimentar-se dos desastres em que se metem e da incompetência que exibem. Mais do que nome próprio, Vítor Pereira e Vítor Gaspar tem em comum uma fatal incapacidade de acertarem nas previsões, anteciparem crises, aprenderem com os desastres resultantes das suas malfadadas teorias e, ao menos, terem a humildade de arrepiarem caminho. Enfim, resta-me, como consolação, o desabafo do meu filho portista: «Já só faltam cinco jogos para nos livrarmos deste pesadelo!».

Quanto ao Braga, verdade se diga que teve toda a sorte do jogo. Primeiro, encontrou pela frente Vítor Pereira; depois, chegou ao golo sem nada ter feito para tal; e, mesmo com um a mais, passou toda a segunda parte a defender com dez jogadores atrás da linha da bola, obviamente em posição facilitada para lançar contra ataques predadores, que lhe deram a ilusão de que podia ter vencido tranquilamente e não sofridamente. Todavia, não contesto a justiça da sua vitória, mas sim o mérito dela. Mas é sempre bonito ver um clube mais pequeno ganhar nem que seja uma Taça da Liga e, a avaliar, pela festa feita, a Taça fica bem em Braga.

2- Na «narrativa» heróica, de que os sócios tanto gostam, Bruno de Carvalho vergou os bancos à sua indómita vontade. Esses abutres dos bancos, que achavam que lá porque já emprestaram 300 milhões ao Sporting não tinham que emprestar mais 80, ficaram a saber que quem manda no clube são os sócios que elegeram Bruno de Carvalho. Ao contrário do que disse em tempos Manuela Ferreira Leite, ali quem manda não é quem paga, mas quem deve. Mas ouso desconfiar que os sócios ainda não perceberam o filme todo. Por mais simpatias clubistas que o Sporting recolha a nível da administração do BES, a verdade é que ela deve explicações aos seus accionistas e depositantes quanto à forma como gasta o seu dinheiro. E se tantas empresas viáveis estão a ser mortas pela tesouraria porque não conseguem crédito na banca, por que há-de o Sporting consegui-lo eternamente? Já quanto ao BCP a questão é ainda mais delicada, visto que parte do seu dinheiro é actualmente dos contribuintes, uma vez que teve de recorrer a dinheiro do Estado. Com certeza que, de uma forma ou de outra, mais cedo do que tarde, isto há-de reflectir-se na vida do Sporting.