1- Provavelmente, o Benfica ganharia sempre o jogo contra o Sporting. Provavelmente, mesmo que começasse a perder, daria sempre a volta ao jogo, como já fez uma dúzia de vezes esta época. Provavelmente, mesmo que não ganhasse o jogo, ganharia na mesma o campeonato, pois que está longe de ser garantido que o FC Porto o derrote no Dragão e a seguir vença em Paços de Ferreira. Mas a verdade é que nunca o saberemos, porque a vitória no derby - e, por arrasto, no campeonato - ficará para sempre ligada, não ao fabuloso segundo golo de Gaitán/Lima, mas ao indecoroso desempenho do Sr. João Capela. E, por isso, provavelmente, os adeptos sãos do Benfica estarão a lamentar que aquele que se portou como o 12º jogador dos encarnados (e o único português no onze inicial) lhes tenha roubado parte substancial do mérito de um triunfo final na Liga — que, como aqui escrevi há quinze dias, era, até agora, incontestavelmente justo. Era, mas, para mim, deixou de ser. O futebol tem injustiças destas: uma equipa pode passar uma época quase inteira a mostrar superioridade e mérito na liderança, mas se, chegada a um jogo decisivo, beneficia de uma arbitragem que claramente falseia o resultado, o mérito esvai-se todo aos olhos dos seus adversários.
Porque a verdade é que ninguém sabe o que teria sido o desfecho do jogo (e do campeonato) se, aos oito minutos, o Sr. Capela não tivesse feito já vista grossa a dois penalties cometidos na área do Benfica e uma cotovelada de Garay na cara de Wolfswinkel. Ou se, com o resultado em 1-0, não tivesse assobiado para o ar a uma agressão a pontapé de Maxi Pereira e depois ao seu segundo penalty impune — confirmando o extraordinário estatuto de excepção de que este uruguaio goza perante os árbitros portugueses. Talvez o quarto penalty invocado por Jesualdo Ferreira, já no final do jogo, tenha sido duvidoso, mas uma coisa é certa: das dez ou doze decisões controversas que o jogo teve, em todas elas, o Sr. Capela decidiu a favor do Benfica. E não apenas penalties e agressões: também faltas evidentes sobre jogadores do Sporting que ele desprezou, cantos a favor do Sporting transformados em pontapés de baliza e vice-versa, cartões por mostrar, etc. Dizia Pedro Henriques, na Sport TV que o árbitro estava com um «critério largo» mas imparcial e que os jogadores teriam que se habituar a ele. As duas afirmações estão erradas: o critério foi tudo menos imparcial e os jogadores só tem que se regular pelas dezassete leis do jogo e não pela particular interpretação que delas faz um qualquer árbitro. Se um jogador vai chutar à baliza, isolado e dentro da área, e, no momento do remate, é atingido no pé de apoio, não há critério largo que escamoteie um penalty por assinalar; se um jogador salta com um adversário a uma bola alta e, antes de a tentar cabecear, estica o cotovelo para atingir a cara do outro, não há critério largo que disfarce a agressão. O Sr. Capela não teve um critério largo: teve um critério à medida - só com uma direcção, uma cor e um sentido. E o seu critério escandalosamente unilateral falseou o jogo. Mas outra coisa eu não esperava quando, na véspera do jogo, vi Rui Gomes da Silva elogiar a equipa de arbitragem - logo ele, que acha que quase todos os árbitros são desonestos.
E daqui resultam dois problemas. Um é que uma época relativamente pacifica, em termos de arbitragem, foi decisivamente manchada, justamente num dos jogos em que o não podia ser. E outro, é que não sei como é que Bruno de Carvalho vai agora poder gerir a sua pouco sub-reptícia aproximação Benfica (cujo apoio para a discussão com os bancos parece bem conveniente). Depois de o sistema ter sido exposto perante todo o povo sportinguista e à sua custa, como poderá ele aprofundar esta janela de amizade sem cair em contradição?
2- Ao contrário de tantos outros, falta-me a paciência para estar a registar ou decorar os factos da arbitragem para memória futura. Os factos e os próprios nomes. O que me fica é o futebol e a sua beleza - como o segundo golo do Benfica, anteontem - e não os erros ou malfeitorias dos árbitros. Não fossem, por exemplo, as declarações de Pinto da Costa, e eu nem associaria João Capela à final da Taça da Liga, ocorrida apenas uma semana antes. E foi assim que constatei que, no espaço de oito dias, o mesmo árbitro tinha sido testemunha privilegiada da derrota do FC Porto na Taça da Liga e, provavelmente, no campeonato. Coincidência, acasos do destino. E, embora eu aqui tenha defendido a existência do penalty que ele assinalou e que resolveu a Taça da Liga a favor do Braga (opinião que não foi unânime e de que, por exemplo, discordou Cruz dos Santos), agora foi com espanto que constatei que o mesmo árbitro que, numa só jogada de dúvlda, se decidiu logo pelo penalty e expulsão de Abdoulaye, que resolveram o jogo de Coimbra, foi o mesmíssimo que esteve anteontem na Luz. E que, em três ou quatro penalties na área do Benfica, não viu razão para assinalar nenhum, e que, face a agressões cometidas por Garay, Maxi e Matic, não viu razão sequer para um amarelo. O mesmo árbitro do critério rigoroso em Coimbra aparece transfigurado em adepto de um critério largo, na Luz. Talvez, afinal, eu ande demasiadamente distraído e tenha também de começar a fazer registo das coincidências e descoincidências do futebol. Passo a registar, por exemplo, que João Capela tem, na opinião de Jorge Jesus, um grande futuro pela frente. Ou será antes um grande passado pela frente?
3- Tenho de confessar que tenho admiração por Jorge Jesus e não me importava nada de o ver como treinador do FC Porto. Reconheço que o homem percebe de futebol, sabe escolher e transformar para melhor jogadores que lhe são confiados, e aposta num futebol de ataque que, como eu gosto. Mas também lhe acho muita graça e delicio-me com o tom de catedrático nonchalant que ele gosta de afectar. Rio-me quando ele trata os jornalistas por tu e lhes explica, em tom paternal/professoral, coisas como «Importa é que sejas decisivo na zona de finalização» - e o pagode fica todo rendido. Sorri quando o ouvi na conferência de imprensa após o jogo, fazer o elogio da arbitragem e dizer que tinha ganho «limpinho». E rime a sério quando lhe perguntaram se aquele fabuloso golo construído por Gaitan e finalizado por Lima era resultado do génio individual ou do treino, e ele, começando por dizer que era resultado de ambas as coisas, acabou por, sem se desfazer, explicar que era tudo treinado; quando a jogada sai, os jogadores já estão treinados para saberem onde devem estar e como devem fazer. Ou seja: o Nico Gaitan recebe a bola à entrada da área, faz uma serpentina entre dois adversários, toca para o meio e desloca-se para o lado, recebe e cruza outra vez para o meio por entre três adversários, aparecendo o Lima a finalizar em vólei ao canto oposto. Uma obra de arte em quinze segundos vertiginosos e de uma precisão geométrica digna da NASA. E tudo, afinal, treinado?! A sorte que o Messi tem em não ser treinado pelo Jorge Jesus!
4- Longe das capelas e sacristias onde, afinal, ocorrem tantas coisas de espantar, um FC Porto regressado à normalidade desenvencilhou-se do Moreirense, numa vitória tão convincente como provavelmente inútil. A normalidade de que falo é jogar sem Defour e Varela, com Lucho de volta a uma boa exibição e Jackson de volta aos golos, mas também com Helton a garantir a vitória, antes e depois do golo inaugural. Uma coisa eu sei: não há uma só voz, com um mínimo de seriedade, que possa dizer que o FC Porto ganhou este ano um ponto que fosse graças à arbitragem. Nós não tivemos arbitragens como a do Sr. Capela nem jogos decididos ao minuto 96, com penalties inventados em desespero de causa. Mal ou bem (e mais mal que bem) fomos a jogo sozinhos.
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