segunda-feira, dezembro 28, 2009

ESTRANHA FORMA DE JORNALISMO (15 DEZEMBRO 2009)

1- A situação repete-se desde há anos e gostaria que alguém ma esclarecesse: porque será que de cada vez que há desordens nas bancadas durante um jogo de futebol transmitido na televisão, nós somos pudicamente postos visualmente à margem dos acontecimentos? Será que há «instruções superiores» para ocultar a violência nos estádios, de modo a fazer crer que essa coisas não existem por cá, ou de modo a não nos impressionar? Não sei, mas seria bom sabê-lo porque, para todos os efeitos, estamos perante um acto de censura, deliberado e em directo. E, perante um anti-jornalismo, que, confrontado com a notícia a acontecer nesse momento, opta por desviar o olhar e assobiar para o ar, fingindo que nada de importante se está a passar.

Sábado, em Olhão, viveu-se mais uma situação dessas, em que durante largos minutos, quinze ou vinte, o relator e o comentador da Sport TV iam fazendo vagas referências às «cenas lamentáveis» que se estavam a viver na bancada, sem ousarem dizer ao certo do que se tratava e, sobretudo, com o realizador a ter um extremo cuidado para evitar mostrar qualquer imagem da cena. E durante largos minutos, foi possível apenas ao espectador aperceber-se da gritaria que vinha das bancadas, da chegada de constantes reforços policiais e até mesmo da apreensão patente nos rostos de jogadores e árbitro - a certa altura, chegando mesmo a suspender o jogo por instantes. O pudor foi ainda levado ao ponto de ocultar quem estava a protagonizar os desacatos - embora não fosse difícil de adivinhar, visto que eles tinham começado logo após o golo inaugural do Olhanense. Mas, a certa altura, houve um ligeiro descuido do realizador e durante breves segundos lá foi possível ver uma entusiasmada claque benfiquista lançando cadeiras e tudo o que tinha à mão para cima da bancada dos sócios do Olhanense.

A esta hora, talvez o presidente do Olhanense já não esteja tão certo que foi uma boa decisão, «uma homenagem aos sócios do clube», renunciar a jogar antes no inútil monumento do Estádio dos Contribuintes do Algarve. Afinal de contas até, e como vem sendo habitual, a anunciada enchente que sempre se anuncia com as visitas do Benfica afinal traduziu-se em meia-casa, se tanto. Este é , aliás, um fenómeno curioso: porque será que quando o Benfica visita um clube «pequeno» se anuncia sempre uma enchente que depois nunca ou quase nunca se confirma? Será que há alguma relação entre isso e o comportamento habitual das claques benfiquistas?


2- Outra coisa que também já entrou nos hábitos futebolísticos nacionais são as declarações do presidente do Benfica na véspera destes jogos. Recebido e apaparicado nas Casas do Benfica ou nos Paços do Concelho locais, Luís Filipe Viera aproveita sempre para dar início ao jogo do dia seguinte ou dessa noite, com um pouco subtil jogo de pressão psicológica. E uma das coisas recorrentes nas suas jogadas prévias são as queixas de que estes adversários costumam jogar muito contra o Benfica - coisa que, para Vieira, é altamente suspeita... Também desta vez, em Olhão, o presidente do Benfica voltou a queixar-se da «motivação extra» dos adversários quando jogam contra o Benfica. Essa motivação extra (contra o Benfica e contra os outros grandes) que, aqui e em todo o lado, é reconhecida por jogadores e treinadores e saudada como coisa louvável por todos os comentadores, isso que, por exemplo, dá origem ao tal «espírito da Taça», para o presidente do Benfica é uma coisa lamentável e motivo de suspeitas. «Não podemos confirmar, mas sabemos o que se passa e como se fazem as coisas...» - disse ele, a propósito, e lançando mão dessa linguagem da insinuação tão cara ao futebol português.

Assim, o principal responsável pelo autoproclamado maior candidato ao título deste ano estranha e lamenta que o Olhanense, por exemplo, não facilite quando enfrenta o Benfica. Aqui está alguém que verdadeiramente contribui para o fair-play e para a «verdade desportiva».

O que valeu ao Benfica em Olhão foi, como é habitual também, os últimos minutos do jogo, um fiscal de linha desatento à posição de Nuno Gomes no golo do empate e um árbitro atento ao facto de domingo haver um Benfica-Porto, quando se encaminhou para Cardozo, depois de expulsar Djalmir, e pelo caminho mudou o vermelho a Cardozo para amarelo.


3- Para aqueles que insistem em continuar a não perceber, o F.C.Porto voltou a mostrar em Madrid porque razão é o único clube com dimensão europeia do nosso futebol. Com ou sem crise do Atlético, não é qualquer um que chega a Manzanares e dá uma lição de bola ao Atlético, acompanhada de um retumbante 3-0, que ainda podia ter sido mais. Quem conta no futebol espanhol viu certamente com muita atenção a portentosa exibição de Bruno Alves e aquele incrível golo a frio, o pânico que Hulk conseguia gerar entre a defesa colchonera, e a facilidade exuberante com que Fucile meteu ao bolso Simão Sabrosa, deixando-o reduzido ao habitual expediente de se atirar para o chão na área - que tão bons resultados dava com árbitros portugueses e ao serviço do Benfica, mas que na Europa só leva os árbitros a aconselhar-lhe juizinho.

As grandes equipas, como os grandes jogadores, são as dos grandes jogos. Esta época, a equipa tem sido medíocre nos jogos menos importantes (ainda anteontem, contra o Setúbal), mas, nos momentos a sério - como em Stamford Bridge, contra o Chelsea - nota-se a diferença. Mas, para ter um lugar certo entre o clube dos dez mais da Europa, faltam a esta equipa algumas peças essenciais: um guarda-redes de top e dois médios de ataque criativos. Depois, falta que Cristián Rodríguez comece a jogar qualquer coisa e que Fernando deixe de ser apenas um bom médio defensivo, alargue o seu raio de acção no jogo, perca o medo de ir à frente e melhore muito a qualidade dos seus passes. Mas, para já, conquistou o seu habitual lugar, pelo menos, nos dezasseis avos-de-final da Champions, já cobrou 18 milhões de proveitos e, pela situação actual do campeonato, já tem praticamente garantida a participação na Champions do ano que vem, mesmo que fique em segundo lugar (porque, como cabeça de série, é de prever uma eventual qualificação acessível).

4- O que acima escrevi, significa que acho que o Sporting já foi e que o Braga não chegará lá - aos dois primeiros lugares do campeonato. Uma e outra coisa venho aqui prevendo desde o início do campeonato. O Sporting, porque toda a gente vê, a olho nu, que não tem equipa e, quando assim é, não bastam a vontade ou a fé. O Braga, porque muito tem já feito - e muita coisa com alguma sorte - mas não acredito, não vejo, que a equipa tenha a consistência e a resistência de um líder. Um líder tem de jogar sempre para ganhar e, para tal, precisa de individualidades que resolvam os jogos que o conjunto não consegue resolver. Para isso é preciso ter um Saviola ou um Hulk, e o Braga não tem. Ao longo de trinta jornadas, isso acaba por fazer diferença.

5- O «Apito Dourado» morreu de vez, esta semana, no Tribunal da Relação de Coimbra, com a confirmação da absolvição de Pinto da Costa e restantes co-arguidos, no caso do suposto suborno do árbitro do Beira-Mar-FC Porto de 2004 - um jogo que já não contava para nada, excepto para alimentar a inveja e maledicência nacionais. Olhando para o teor dos acórdãos, qualquer um pode concluir facilmente que, se tivesse tido um mínimo de isenção e bom-senso, nunca o Ministério Público teria assumido aquela acusação, pela simples razão de que tudo o que tinha baseava-se apenas na vendetta pessoal de uma testemunha que merecia zero de credibilidade. Porque escrevi isso aqui desde o primeiro dia, sinto-me também vencedor do processo. E só lamento que os notavelmente vencidos não assumam agora as suas responsabilidades. O único que o fez foi o pateta do Platini - mas, tal como agora se retratou, também antes acusou e difamou sem fazer ideia do que estava a falar. Mas a dr.ª Maria José Morgado, o dr. Pinto Monteiro e o dr. Ricardo Costa nem essa desculpa têm. O que lhes vale é que este é o país da impunidade.

"MENGO"! (08 DEZEMBRO 2009)

1- Corria o ano de 1992 quando o Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, se sagrou campeão brasileiro pela última vez. Nessa altura, recebia o Rio a Cimeira da Terra, onde 108 Chefes de Estado do mundo inteiro foram fingir estarem muito preocupados com a saúde do planeta. Dezassete anos depois e no dia em que em Copenhaga se abre a Cimeira Mundial do Clima, o Flamengo chegou outra vez, e pela sexta na sua história, ao título de campeão federal ﷓ ou seja, campeão nacional do Brasil. Entre uma e outra data decorreram dezassete anos, catorze dos quais os mais quentes de sempre. O planeta avançou dramaticamente no caminho do aquecimento global e o Flamengo nunca mais foi campeão. Dezassete anos é muito tempo: foi o tempo que o F.C.Porto esteve sem ganhar um campeonato, entre a minha infância e a idade adulta; foi o tempo que também o Sporting esteve depois sem ganhar um campeonato, nos anos da imparável hegemonia portista.

Mas o Flamengo, que podemos considerar o Benfica do Brasil (sendo o Fluminense o Sporting e o Corinthians o F.C. Porto), é mais do que um simples clube, fundado para se dedicar ao remo na Lagoa Rodrigues de Freitas, onde hoje ainda mantém instalações. O Mengo é o mais popular clube do Brasil e uma religião no Rio de Janeiro. É impossível andar na rua ou na praia sem tropeçar a cada momento com alguém vestido com a alvi-negra ﷓ a camisola vestida, por exemplo, pelo imortal «Pelé branco», Zico de sua alcunha, ou por Romário e Bebeto. Pois, este ano e uma vez mais, o Mengo pareceu quase toda a época arredado do título ﷓ que parecia destinado ao campeão S. Paulo, com a perseguição, a distância controlada, do também paulista Palmeiras e do gaúcho Internacional de Porto Alegre. Mas, subitamente, no ultimo terço do campeonato, o S. Paulo começou a acusar stress e cansaço e Inter e Palmeiras chegaram-se à frente, já a uma distância de perigo. E foi então que, aos poucos, foi acontecendo aquilo que às vezes acontece nas maratonas mais emocionantes: vindo lá de trás, vitória após vitória, o Flamengo foi-se chegando à frente e acabou por passar primeiro o Inter, depois o Palmeiras e, na penúltima jornada, beneficiando da derrota do S. Paulo em Goiás e arrancando uma vitória decisiva na visita ao Corinthians, chegou enfim ao topo da classificação. Mas, para ser campeão, precisava de vencer, num Maracanã lotado desde há dias, o Grémio de Porto Alegre. Começou a perder e chegou ao empate antes do intervalo. Nessa altura, a 45 minutos do final de um campeonato de 38 jornadas, quatro equipas estavam empatadas em pontos no primeiro lugar ﷓ coisa jamais vista em lugar algum. A manterem-se as coisas assim, o campeonato iria para o Internacional, que beneficiava das regras do desempate. Contou-me um amigo brasileiro que, na segunda parte do jogo do Maracanã, foi visível, porém, o peso histórico da rivalidade (melhor dizendo, do ódio) existente entre os dois maiores clubes do Rio Grande do Sul: Grémio e Inter. A torcida do Grémio, dizem, não perdoaria aos seus jogadores que roubassem o título ao Mengo para o dar… ao Inter. Parece que à boca da baliza do Fla houve quem não conseguisse fazer o mais fácil, que era marcar golo e acabar com o sonho. E então, o Mengo lá chegou ao 2-1 glorioso e ao título que buscava há 17 anos. Título particularmente importante para o «Imperador» Adriano, fugido do Inter, de Mourinho, para se sagrar o melhor marcador da Copa, e, sobretudo, para o sérvio Petkovic, de 37 anos de idade e cronicamente classificado como um dos melhores do campeonato. O Rio explodiu como se o Brasil tivesse acabado de ganhar a Copa do Mundo. E só lamento que, com 150 mil imigrantes brasileiros em Portugal, a Sport TV tenha estado tão desatenta que não se lembrou de transmitir o jogo do século no Brasil.


2- E muito pouco futebol vi no fim-de-semana. Vi parte dos dois derbies da jornada em Itália: o Roma-Lazio e o Juventus-Inter. E, mais uma vez, fiquei espantado como o calcio consegue manter a sua força com um futebol assim. Tacticamente, como sabemos, é brilhante: tudo aquilo é estudado, ensaiado, nada acontece por acaso e os jogadores parecem saber sempre o que fazer, em cada momento. Tecnicamente, jogam ali os melhores executantes do mundo e isso vê-se bem em cada pormenor: a maneira como dominam as bolas, como rematam, como passam, como cabeceiam. Mas, depois, o jogo é de feios, porcos e maus, cacetada de criar bicho e cenas de sopapo sem mais nem menos, gritos racistas do público, estádios jamais cheios e um espectáculo raramente emocionante. O Inter, de José Mourinho, então, é o paradigma do calcio: ganhar, ganha, jogos e títulos, tudo é mecanizado sem falhas e dirigido a um único objectivo que é o de vencer. Mas eu, francamente, não pagava bilhete para ver aquilo. Ai, Ricardo Quaresma, que desperdício ser suplente naquela equipa de marionetas!


3- Passei o Guimarães-F.C.Porto e logo passei um dos raros jogos em que, pelo menos durante a primeira parte, os portistas não tiveram de viver com o credo na boca. (Deixem-me informar que, quando o F.C.Porto vence em Guimarães, costuma ser campeão). O Sporting de ontem à noite passei também, por razões à vista.

E, assim, o melhor que vi, este fim-de-semana, acabou por ser o Benfica. Volto a dizer que me impressionou muito bem a capacidade de criação de jogo de ataque daquela equipa, em especial Saviola (o Real Madrid é, de facto, uma fábrica de desperdício de talentos, como só os milionários o podem ser…), e Cardozo ﷓ que, na época passada e contra a opinião de muitos benfiquistas, estranhava que ficasse tantas vezes de fora. Sem dúvida que o Benfica teve a sorte do jogo em vários detalhes, começando logo pelo golo marcado aos 6 minutos, no primeiro remate à baliza. E, embora a Académica tenha sido inofensiva em termos de ataque, não se fechou atrás e mostrou qualidade para mais do que aquilo. Mas aí, sim, é que é marcante ver a atitude de conquista e a facilidade de criação de jogadas de golo por parte do Benfica, e, para mais, num terreno difícil, como estava. Vai ser curioso constatar se, daqui a quinze dias, quando receber o F.C.Porto na Luz ﷓ no que será o seu primeiro grande teste de fogo da época ﷓ o Benfica vai conseguir manter a mesma atitude de conquista, face a uma equipa que faz justamente disso o seu grande trunfo. Em minha opinião, vai ser um jogo sem favorito à partida. Porque, se o Benfica me parece bem melhor na frente, é mais fraco atrás ﷓ em especial no flanco esquerdo da defesa, onde David Luiz e César Peixoto oscilam facilmente, se apertados. Caminhamos para um potencial grande jogo e, a quinze dias de distância, só espero que não comecem, dum lado ou do outro, os «jogos por fora» ﷓ porque, quanto ao clima de intimidação e violência criado pelas claques, isso, infelizmente, vai ser como de costume. Que bom que seria um jogo grande sem claques!

DRAGÃO, ALVALADE, BARCELONA (01 DEZEMBRO 2009)

1- «Vicky, Cristina, Barcelona», de 2008, é o pior filme de Woody Allen, um frete comercial pago pelo Ayuntamiento de Barcelona e que ele transformou num pastiche turístico-politicamento correcto sobre a «alma feminina». Tão longe de Manhattan...E Barcelona, essa cidade ressurgida com os Jogos Olímpicos de 1992, nem precisava do frete, porque é, seguramente, uma das três melhores cidades da Europa para se estar e para viver. Por estes dias, Barcelona e a Catalunha vivem em suspenso da decisão do Tribunal Constitucional sobre o novo Estatuto da Catalunha - que, à luz da Constituição Espanhola, só pode ser declarado inconstitucional, porque aquilo é praticamente uma declaração de independência, que faria a inveja de A. J. Jardim. Mas as coisas chegaram a tal ponto, que o próprio Zapatero torce para que o TC não veja o que todos vêem e não ouse afrontar os demónios catalães - mal adormecidos desde que, em 1640, Castela teve de optar entre opor-se à reconquista da independência portuguesa ou enfrentar o autonomismo catalão, e escolheu travar e vencer os revoltosos da Catalunha, deixando Portugal para os Braganças. Não por acaso, as reivindicações autónomas em Espanha estão directamente ligadas à riqueza das regiões: são os ricos do País Basco ou da Catalunha que querem ser independentes do poder fiscal de Madrid, para não terem de pagar impostos a favor dos pobres. Também em Itália, é o norte rico que se quer ver liberto de ter pagar a favor do Mezzogiorno, e em Inglaterra é a Escócia que quer ser independente do Midwest deprimido. A autonomia regional é quase sempre uma revolta dos ricos contra os pobres e contra o Estado central, cuja tarefa fundamental é distribuir a riqueza por todos. É por isso que eu sou ferozmente anti-regionalista, porque não tenho a mais pequena dúvida de que, ao contrário do que imaginam alguns incautos ou oportunistas, a regionalização lançaria Lisboa e o Porto contra todos os outros e ai dos alentejanos ou transmontanos, sem a República a protegê-los!

O que ainda obsta a que a Catalunha se lance num processo sério de independência de Madrid são algumas coisas formais, mas que ganharam força de tradição e acabaram por ser um desafio para os próprios catalães. Uma delas é o futebol: independente de Espanha, o grande e histórico FC Barcelona (o F.C.Porto de Espanha), ficaria reduzido a disputar um campeonato nacional em que o seu principal e único rival seria o Espanhol de Barcelona - um modestíssimo clube de bairro, que nem o Belenenses. E alguém imagina o grande Barça não enfrentar o Real, o Sevilha, o Valência, e, mesmo assim, conseguir receitas para encher Camp Nou e atrair as televisões do mundo inteiro? De onde viria o dinheiro para pagar a Messi ou a Ibrahimovic? Que glória substituiria a glória de ser campeão de Espanha e ir a Chamartin dar 6-2 ao Real, no inesquecível jogo de consagração do título, como sucedeu na época passada?

Terça-feira, assisti, nas Ramblas, ao orgulho dos catalães, depois de terem dado uma lição de bola ao Inter de José Mourinho, mesmo com Messi e Ibrahimovic no banco, a pouparem-se para o Real. E este domingo, vi, pela televisão, o Camp Nou cheio até deitar por fora, na expectativa de mais uma vitória sobre o eterno rival e inimigo, símbolo da tão odiada Castela. Que a guerra se possa fazer eternamente entre as bancadas de um campo de futebol!

Seis dos dez melhores jogadores do mundo, segundo a lista divulgada no próprio domingo, estiveram em campo no Barça-Real. E, embora não tenha sido um jogo espectacular, foi sempre um jogo jogado ao mais alto nível técnico, com detalhes de jogo só ao alcance dos melhores entre os melhores. O melhor do mundo em título, Cristiano Ronaldo, voltou para jogar este jogo, que não há futebolista no planeta inteiro que não sonhe disputar um dia. E até esteve bem, apesar dos dois golos perdidos, um dos quais quase indesculpável. Do outro lado, e sempre espectacular, esteve o seu anunciado sucessor, Leonel Messi - que há quatro anos aqui saúdo como o melhor jogador da actualidade e que, finalmente, vou ver consagrado como tal pelos «especialistas». Mais vale tarde que nunca!

2- Mais do que natural e previsível a derrota do F.C.Porto com o Chelsea, o destacado líder do campeonato inglês. Se até o Arsenal leva 3-0 em casa do Chelsea, como se pode achar que não seja natural que o F.C.Porto perca também por 1-0? Mas o resultado podia ter sido melhor, com um pouco mais de sorte e um pouco mais de atenção de Jesualdo Ferreira. Eu até aceito que ele tenha deixado o Hulk no banco (apesar de ser o jogador mais temido pelos ingleses) e aceito que mais tarde, com a necessidade de ganhar - era esse o único objectivo útil do jogo - o tenha posto em campo. Só não percebo é que, para tal, tenha desfeito a consistência defensiva do flanco direito, tirando o Varela e deixando o pobre Sapunaru entregue a si mesmo, quando estava à vista de todos que era por ali que o Chelsea queria chegar ao golo. Bastaram três minutos para que Maluda metesse o desamparado Sapunaru ao bolso e cruzasse para o fatal golo de Anelka, que tudo arrumou.

Também contra o Rio Ave, empatado até nove minutos do fim e com a necessidade imperiosa de ganhar, não ocorreu a Jesualdo tirar antes, por exemplo, o Fernando (que, por acaso, nem anda a jogar nada), recuar o Meireles para «trinco» e o Cristian Rodriguéz para nº 10. Mas aí foi ainda mais incompreensível ver o F.C.Porto a precisar desesperadamente de marcar e Jesualdo a manter uma estrutura defensiva de quatro elementos mais um trinco... para enfrentar o João Tomás.

Começa a ser enervante ver a lentidão com que o Professor reage ao jogo e se mantém escravo de regras auto-﷓estabelecidas, das quais nunca se afasta, suceda o que suceder. Por exemplo: nunca faz substituições antes de decorridos 60 minutos, mesmo que sejam gritantemente necessárias; e faz sempre substituições a partir dos 60 minutos, mesmo que sejam inúteis e até contraproducentes. E faz sempre as mesmas, seja quem for o adversário, esteja como estiver o jogo: parece um relógio suíço no pulso de um japonês. Ah, mas nem tudo são más notícias: desapareceu o Mariano González e reapareceram o Varela e o Belluschi e assim voltamos, pelo menos, a jogar com onze; e, após quatro penosos anos de malabarismos e rezas estéreis, o Helton foi remetido para a bancada e o Beto conquistou o lugar. É uma imensa lufada de ar fresco, que começa logo nas reposições de bola em jogo: agora temos um guarda-redes que entende que a reposição da bola pode ser uma oportunidade de contra-ataque ou, ao menos, de começar a organizar o jogo logo à saída, e não uma simples oportunidade de um pontapé à toa para a frente, invariavelmente detido pelos adversários, como tão diletantemente fazia Helton. Aos poucos, o professor vai-se deixando de fantasias e rendendo-se ao óbvio. Eu sempre achei que o futebol é muito menos complicado do que nos dizem os «especialistas». Por exemplo: está na cara de qualquer um que o Falcao não faz ideia de como se deve marcar um penalty: em dois falhou dois e ambos falhados por deficiências técnicas evidentes. Quanto tempo irá demorar Jesualdo Ferreira a percebê-lo também?

3- O «derby» de Lisboa não foi mal jogado, mas foi um jogo «morto», marcado pela falta de coragem de ambas as equipas: o Sporting porque tinha o terror de perder; o Benfica, bastante melhor equipa e jogadores, porque não teve a ousadia de tentar ganhá-lo. Retenho duas coisas: a declaração pertinente de Jorge Jesus sobre o estado do relvado de Alvalade, que, de facto, é inimigo do bom futebol; e o comportamento inqualificável de alguns adeptos sportinguistas, desmentindo a tão proclamada filosofia do clube de «gentlemen». As claques estão a matar o futebol, como espectáculo para gente normal, quanto mais para simples amantes do jogo. Eu sei, e sempre o disse, que o problema é de todos, mas, aqui em Lisboa, insistem em dizer que não, que os selvagens estão todos a norte. Ah, pois é, mas há quanto tempo não há incidentes no Dragão? E há quanto tempo é que não deixa de os haver nos jogos grandes, na Luz ou em Alvalade?

segunda-feira, dezembro 14, 2009

UM LUGAR EM ÁFRICA (24 NOVEMBRO 2009)

1- Num fim-de-semana talhado à medida para ir à caça, a grande notícia foi a eliminação do Benfica da Taça, às mãos do Vitória de Guimarães e em pleno estádio da Luz. Parabéns ao Vitória que, nos últimos dois jogos que disputou, um para o campeonato e outro para a Taça, derrotou os dois líderes do campeonato. O Sporting chegou ao intervalo, na estreia de Carvalhal, a perder miseravelmente com uma equipa de que eu (peço desculpa) nunca tinha ouvido falar, assim tipo-Inválidos do Comércio: e lá deu a volta com um livre directo e um penalty. Quanto ao F.C.Porto, obrigado a ir a jogo em condições inqualificáveis sob pena de ser extraído da Taça por falta de comparência, mas lá conseguiu ver provado, em cima da hora, que tinha razão nos seus protestos. É incrível como a mesma Federação que, com inteira razão, se queixou das condições do estádio e do campo onde Portugal teve de jogar a segunda mão do play-off contra a Bósnia, tenha autorizado que o campeão nacional - uma equipa de profissionais pagos a peso de ouro e tão útil à Selecção - fosse forçada a disputar um jogo a eliminar da Taça naquele inconcebível campo da Oliveirense que as fotografias retratavam. Caramba, pois se está ali mesmo ao lado, o Estádio de Aveiro, eternamente às moscas e que não foi escolhido porque a Oliverirense diz que o aluguer é caro, a Federação que pague o aluguer. Não foi ela, afinal, que se bateu pela existência do luxuoso e inútil Estádio de Aveiro?

2- Felizmente, os meus desejos aqui expressos na semana passada cumpriram-se: vencemos na Bósnia, ganhámos o passaporte para a África do Sul, que tão tremido esteve durante tanto tempo. E ganhámo-lo com uma das mais convincentes exibições de toda a campanha de qualificação. Num ambiente de cortar à faca, num relvado escolhido à medida para prejudicar o melhor futebol, e num estádio preparado para nos intimidar desde o primeiro minuto, a Selecção uniu-se como um só - sem embargo de uns terem sido bem melhores do que outros. Mas, sinceramente, em matéria de esforço, de entrega e de consciência de que aquela era a hora da verdade e já não consentia mais adiamentos, penso que todos foram grandes, dignos da hora. Por uma vez, não entrámos no jogo naquela atitude de ver em que paravam as modas, não nos intimidámos nem demos algumas vezes mostras de ter medo do adversário e medo de ousar vencê-los, e nem sequer, ao contrário do que é regra, deixámos de atacar depois de chegar à vantagem. Ganhámos por um, mas bem merecíamos ter ganho por dois ou três - ao contrário do que sucedera na Luz, cinco dias antes.

3- Não me incomoda nem me regozija que a Selecção que ganhou no play-off a passagem para África não tivesse um único jogador do Benfica no onze inicial de ambos os jogos. A Selecção é a Selecção, e eu já torcia por ela em 66, quando era formada por dez jogadores do Benfica e um guarda-redes do Belenenses. Mas, é claro que gosto de ver uma Selecção com jogadores do meu clube e é claro que fiquei ainda mais feliz por ver que os dois jogadores que facturaram os dois golos da nossa passagem para África eram ambos do F.C.Porto. O Raul Meireles fez, na Bósnia, uma das melhores exibições que já lhe vi e, francamente, acho que é preciso uma grande imaginação ou má-vontade para não o considerar como o melhor de todos nesse jogo decisivo. E o Bruno Alves, com duas soberbas exibições, esse, dá-me um gozo particular, porque agora já não estou sozinho a considerá-lo um dos melhores centrais do mundo e com uma atitude em campo que, desculpem-me lá, é «a escola do dragão» em todo o seu esplendor. Pois, mas quando ele joga pelo F.C.Porto, cá dentro, é apenas um «caceteiro» e um jogador que, se pudessem, passava metade do campeonato de castigo. Mas, quando joga por Portugal, aí todos se calam, porque está bem de ver que, com onze como ele, esta Selecção iria a África para deixar marcas.

4- E agora, uma questão pessoal com o Sr. Eduardo - que, embora o não pareça, tem idade para ser meu filho. Eu escrevi aqui, a semana passada, que, na minha modesta opinião, o Eduardo não me dava confiança para defender a baliza de Portugal, porque domina tão bem o espaço aéreo quanto o seu antecessor Ricardo. Ou seja: não faz ideia onde isso fica nem o que fazer com esse problema. E dei o exemplo das duas bolas cabeceadas à trave da nossa baliza no jogo da Luz - em especial a primeira, onde a responsabilidade dele foi total e que, se tem tido a consequência mais provável, que era ter acabado em golo, talvez agora não estivéssemos a festejar a presença no Mundial do ano que vem. Mas esta foi e é apenas uma opinião técnica e de «treinador de bancada». Outros pensarão diferente, outros (a grande maioria) pensa o mesmo, mas não se atreve a dizê-lo. Porém, foi o suficiente para que, na euforia da vitória na eliminatória (para a qual pouco ou nada contribuiu, para além de ter desviado com os olhos as bolas para a trave), o Sr. Eduardo desembestasse contra os «abutres» que tinham ousado criticá-lo. Ora bem, quero dizer algumas coisas ao Sr. Eduardo.

Primeiro, que é muito feio, quando se quer atacar alguém, começar pelo insulto e nem sequer pôr o nome ao destinatário. Eu, quando quero criticar alguém, como o fiz com ele, não apenas não insulto nem chamo nomes, como também escrevo o seu nome e assino o meu por baixo.

Depois, quero-lhe dizer que ele não deve saber bem o que é um abutre. Um abutre é um animal que se alimenta de cadáveres de outro animal, e eu, tanto quanto me recordo, não considerei o Sr. Eduardo morto para o futebol e ainda menos cadáver: apenas lhe sugeri que aprendesse o que fazer com as bolas altas cruzadas por cima da pequena área, porque desconfio que isso pode ser importante na vida de um guarda-redes. Mas, se ele acha que não é importante ou se se considera a si próprio um cadáver futebolístico, sem ressurreição possível, o problema é seu.

A seguir, queria explicar ao Sr. Eduardo uma coisa óbvia, que ele, todavia, parece não ter ainda percebido: a sua, tal como a minha, é uma profissão de exposição pública constante. Ambos actuamos à vista do público, o qual paga para apreciar ou criticar livremente o nosso desempenho. O mesmo acontece com os artistas de circo, os músicos, os actores de teatro, etc, etc. O que caracteriza a função específica do guarda-redes Eduardo é que ele é muito mais bem pago do que todos os outros - o que faz que seja maior a sua responsabilidade e muito mais exposto à critica o seu desempenho. Ou ele esperava que lá pelo facto de Carlos Queiroz lhe ter confiado a baliza da Selecção, tinha passado a ficar imune à critica, como se fosse uma florzinha de cheiro? Ponha os olhos no Ricardo Carvalho que, na hora da vitória (para qual contribuiu bem mais) afirmou que compreendia e reconhecia razão às criticas que os adeptos da Selecção tinham feito. Não por acaso, o Ricardo Carvalho joga num país que é a mais antiga e nunca interrompida democracia do mundo e onde a crítica futebolística é a sério e não a brincar, feita de salamaleques. Se se acha intocável, acima de qualquer crítica, com direito a passar impune, quer jogue bem quer jogue mal, escolha outra profissão. Há trabalhos mais fáceis - só não são é tão bem pagos.

E, finalmente, queria dizer ao Eduardo o seguinte: para representar Portugal, no futebol ou no resto, não basta estar profissionalmente qualificado para o fazer. É preciso também ter um comportamento cívico à altura da responsabilidade. Hoje mesmo, também eu estou em Barcelona, a representar Portugal, no meu domínio específico: numa conferência literária organizada pelo Instituto Cervantes, de Espanha. Não passa pela cabeça de ninguém que, se no final a minha intervenção for criticada, eu trate os críticos por abutres. Julgo que já lá vai o tempo em que os jogadores de futebol se achavam umas vedetas acima do comum dos mortais, com direito perpétuo a serem venerados, fizessem o que fizessem ou dissessem o primeiro disparate que lhes viesse à cabeça. Acorde, rapaz, o tempo dos cromos da bola já lá vai! E nunca se esqueça disto: quem mantém o futebol vivo não são os dirigentes, nem os patrocinadores, nem sequer os jogadores: são os adeptos. Nós somos os únicos que estamos no futebol por amor à camisola e sem nada esperar em troca. Todos os outros vão e vêm e são sempre substituíveis.

MAIS UM MILAGRE, PRECISA-SE (17 NOVEMBRO 2009)

Sim, precisamos ainda de mais um milagre para chegarmos enfim à África do Sul. Um milagre como o das traves e postes do Estádio da Luz, substituindo, com brilho, a inércia de Eduardo entre os postes, vendo o jogo aéreo passar-lhe em frente do nariz sem se mexer, um milagre como a cabeça salvadora do Bruno Alves já nos descontos, em Tirana, permitindo arrecadar três pontos decisivos, ou a outra cabeça salvadora, sábado passado, na Luz, substituindo, em local que não era seu, a inépcia atacante da Selecção.

Pois, jogador por jogador, nós somos francamente melhores que a Bósnia ou a Dinamarca. Mas, ninguém entende porquê, aquele conjunto de estrelas internacionais, uma vez reunido, não funciona. Certas coisas, nós vemos que resultam de deficiente trabalho de casa: livres e cantos que não foram ensaiados de forma alguma, nenhuma «jogada de laboratório» estudada. Outras coisas, que se esperariam espontâneas, como a inspiração individual ao serviço do colectivo, nunca acontecem: Deco, Cristiano Ronaldo, Simão ou Nani são apenas estrelas desmaiadas, invariavelmente menores na Selecção do que o são nos respectivos clubes. Acontece.

Estava a ver o Portugal-Bósnia junto com uns amigos estrangeiros quando Portugal chegou ao 1-0 e eles comentaram: «Bom, agora é aproveitar e cair em cima deles, para resolver isto já aqui». Expliquei-lhes que não, que não é assim que as coisas funcionam aqui: quando a Selecção consegue chegar ao 1-0, toca a reunir, missão cumprida e trata-se depois e apenas de «gerir a vantagem», como dizem os entendidos. Eles não acreditaram, mas depois viram. Tirando uns doze minutos na segunda parte, culminados com aquela grande oportunidade criada por Liedson a partir do nada (e que Carlos Queiroz comparou ao azar da Bósnia, com três remates na madeira!), nada mais fez a Selecção que justificasse o 2-0. Foi curto, muito curto, para quem quer estar no Mundial do Verão que vem. A verdade, passada já quase uma dúzia de jogos no caminho para África, é que apenas uma vez - e logo no primeiro jogo, frente à Dinamarca - é que a Selecção de Portugal mostrou, sem margem para dúvidas, que merecia estar no Mundial. O resto tem sido uma eterna gestão de «tem-te, não caias», que, tudo indica, vai durar até ao último minuto do último jogo, amanhã, próximo de Sarajevo. E, de todas as vezes, em cada um dos jogos a história repete-se: acreditamos sempre que desta é que é, desta é que a Selecção das tão louvadas vedetas vai finalmente arrancar um jogo que nos faça sentir que temos equipa para chegar ao Mundial e fazer alguma figura. E, depois, mesmo quando tudo começa bem, mesmo quando os deuses estão do nosso lado, parece que se instala ali um cansaço de bem jogar, um indisfarçável tédio de ter que provar, com trabalho e esforço, uma superioridade que todas as estatísticas nos conferem. Enfim, mas isto vai acabar: acaba amanhã. Amanhã, sim, vamos finalmente mostrar ao mundo porque merecemos estar na África do Sul.

Suponho que, não havendo lesionados, Queiroz irá repetir, tal e qual, a equipa da Luz. Assim, e à maneira dos jornais desportivos, vou deixar aqui a minha apreciação individual dos doze da Luz (Tiago e Hugo Almeida não jogaram os minutos necessários para poderem ser avaliados). Esclareço que a minha classificação vai de zero a cinco valores e que sou muito mais exigente que a generalidade dos críticos desportivos, porque adoro bom futebol mas não tenho paciência para mau futebol. Aqui vai, então:

EDUARDO (1) - Quem leu as últimas apreciações que fiz aos seus desempenhos na baliza do Braga, sabe que eu não tenho confiança nele no jogo aéreo, em que é um digno sucessor de Ricardo. Contra a Bósnia e a terminar a primeira parte, ofereceu literalmente o empate, ao permitir um cabeceamento na pequena área a um metro de distância do local onde estava e se deixou ficar, estático. Repetiu o mesmo ao findar o jogo, permitindo novo cabeceamento, embora mais distante, e nova bola na trave. Desculpem-me, mas eu permaneço fiel à «escola Vítor Baía», onde, antes das traves, estavam lá as mãos de Baía. Era bem mais tranquilo. Que o digam os portistas, que também lá têm o Helton…

PAULO FERREIRA (0,5) - Há muito que deixou para trás a forma que permitiu ao F.C.Porto vendê-lo ao Chelsea por 20 milhões. Mal a defender, inexistente a atacar. Alturas houve em que me cheguei a esquecer que estava em campo.

DUDA (1) - Tentou atacar uma ou duas vezes, mas sem rasgo e inspiração. Periclitante a defender, às vezes até despachando a bola para onde estava virado.

RICARDO CARVALHO (3) - Um dos melhores, apesar da diferença de altura para os bósnios e apesar de ter de dobrar frequentemente Paulo Ferreira.

BRUNO ALVES (3) - Leva nota semelhante pelo golo, que pode valer ouro e diamantes (magnífica a crença com que acreditou e acompanhou o ataque, colocando-se na posição sobejante que lhe permitiu marcar), e pelo empenho de sempre. Mas não esteve tão inultrapassável como habitualmente.

PEPE (3) - Primeira parte à deriva, sem atinar com o lugar e a função no jogo, e segunda parte «à Pepe» - decisivo no apoio atrás, na impulsão do jogo para a frente e na motivação extra que deu a toda a equipa que o quis acompanhar.

DECO (0) - Já nos tempos áureos do F.C.Porto, eu achava que ele não devia ter lugar cativo na equipa, de tal maneira o seu futebol é intermitente, capaz do melhor e do desesperantemente mau. Foi o caso, mais uma vez, sábado passado. Estragou jogo sem cessar e ainda insistiu numa coisa que só em Portugal lhe é consentido pelos treinadores: cobrar cantos e livres próximos da área, para o que lhe falta em absoluto qualquer talento.

RAUL MEIRELES (3) - Uma vez mais, e ao contrário de Deco, esteve melhor na Selecção, bem melhor, do que tem estado no F.C.Porto. Teve um fantástico passe longo a isolar Nani, que o desperdiçou por má recepção, e teve um magnífico trabalho na esquerda a oferecer o golo frontal a Deco, que chutou… como de costume.

SIMÃO SABROSA (1) - Depois do bom desempenho na última chamada à Selecção, voltou à normalidade das más exibições. Nada fez digno de registo positivo.

NANI (0,5) - A começar, parecia que ia justificar a sua reivindicação de lugar cativo, mas rapidamente se deixou de veleidades. Fez tudo ou quase tudo mal e, no final, na flash interview, ainda se permitiu responder em tom sobranceiro, de quem nada ficou a dever a ninguém. Mas ficou, sim, ficou a dever uma boa exibição a todos os adeptos.

LIEDSON (2) - Este, sim, não sabe o que é poupar-se, mesmo e sobretudo se as coisas não lhe correm bem ou se o jogo não lhe chega. Ao contrário do que disse Queiroz, ele não desperdiçou uma oportunidade de golo: ele criou uma oportunidade saída exclusivamente do seu génio e que, se tem entrado, seria um golo para recordar por muito tempo.

FÁBIO COENTRÃO (0) - Li aqui n'A Bola, que «esteve bem tanto à direita como à esquerda». Pois, eu (cada cabeça, sua sentença) acho que esteve tão mal e tão inexistente à esquerda como à direita. Longe, muito longe de confirmar as boas exibições pelo Benfica e de justificar a sua estreia como internacional A. Desde que Queiroz o lançou, o ataque de Portugal morreu, sem remissão. Mas, ao contrário de Nani, teve a humildade de reconhecer que esteve mal - o que é meio caminho andado para que, da próxima, esteja melhor. E tem valor para isso.

TRÊS QUEDAS ANUNCIADAS (10 NOVEMBRO 2009)

Sexta-feira caiu Paulo Bento no Sporting; sábado caiu o Sp. Braga em Guimarães; e domingo caiu o FC Porto no Funchal. Para quem está atento ao futebol, nenhum destes desabamentos do fim-de-semana traz espanto algum.

Paulo Bento caiu por exaustão: mesmo a Senhora de Fátima, que dizem que faz tantos milagres, de vez em quando deve cansar-se. Se um clube não tem dinheiro, não pode comprar bons jogadores; se não tem bons jogadores, não pode ter uma boa equipa; se não tem uma boa equipa, ainda poderá disfarçar durante um tempo, mas fatalmente acabará por não ter bons resultados; e, sem equipa e sem resultados, não há nenhum treinador do mundo que se aguente. Tão simples quanto isto. Muito gostaria de saber o que fariam os tais «terroristas» de que fala Bettencourt, sentados na cadeira de Paulo Bento: conseguiriam transformar o Caicedo ou o André Marques ou o Pedro Silva ou o Postiga em bons jogadores? Ou conseguiriam inventar dinheiro, esgravatando nos já tantas vezes vendidos, revendidos e voltados a vender terrenos de Alvalade? Isto, a curto prazo. Porque, a longo prazo, pode ser que eu esteja enganado, mas mantenho a tese aqui exposta há uns tempos: há duas instituições em Portugal cujo destino inexorável me parece ser a morte lenta (visto que morte súbita não há, por aqui) - o PSD e o Sporting Clube de Portugal. Para já e como se viu, a saída do «suspeito n.º 1» não teve o efeito milagroso que os «terroristas» esperavam…

Caiu o Braga em Guimarães e com toda a lógica e justiça. Pese à simpatia que me merece Domingos Paciência e à infinita gratidão e saudade que tenho pelo seu passado de n.º 9 do FCP, eu tinha-me abstido, até agora, de abordar o desempenho do Braga e, menos ainda, de embarcar no coro de loas de tantos comentadores ávidos pelo aparecimento de mais um «candidato», fora do clube dos três. Compreendo e subscrevo o desejo, mas ele não passa disso: o Braga não é candidato. Não é, como o Guimarães nunca chegou a sê-lo há dois anos e como o Boavista de outros tempos também nunca o foi - excepto nas circunstâncias descritas no livro do Fernando Mendes, sobre o qual tem recaído um eloquente silêncio geral. O Braga não é candidato, como bem se viu em Guimarães, porque lhe falta cultura e atitude de vitória, regularidade na concentração e vontade, capacidade de querer, de acreditar, de ousar. E falta-lhe também uma equipa à altura dos desejos: tinha melhor, bem melhor equipa, no ano passado, quando «o novo Mourinho», como lhe chamou António-Pedro Vasconcelos, não conseguiu melhor do que um quinto lugar no campeonato. Este ano, o Braga tem uma boa defesa, um meio-campo aceitável, um ataque onde só Alan tem verdadeira categoria e um guarda-redes, que é o da Selecção, ilustre continuador da escola do seu antecessor, Ricardo - para quem cada bola aérea é um drama sem solução. É curto, é pouco, a juntar à falta de hábitos de conquista, para justificar uma candidatura ao título. E só lamento, pessoalmente, que a extensão do meu último texto não me tenho permitido dizer isto mesmo a semana passada - justamente após a vitória sobre o Benfica, que não me convenceu.

Enfim, a terceira queda do fim-de-semana foi a do F.C.Porto às mãos do Marítimo. Quem, como eu, segue há tanto tempo e tão atentamente as sucessivas equipas do F.C.Porto, já podia prever facilmente o que ia suceder - e sobre isso, sim, venho escrevendo aqui, há algumas semanas. Bastou-me ver os primeiros quinze minutos de jogo, para mandar um sms a um outro portista: «Hoje perdemos».

Deixem-me ser directo: depois da última época de transacções (o momento futebolístico que eu mais temo em todo o ano!), o F.C.Porto ficou reduzido apenas a quatro bons jogadores: o Rolando e o Bruno Alves, o Falcão e o Hulk (embora a léguas do desempenho do ano anterior). Depois, tem cinco jogadores razoáveis e não mais do que isso: o Fucile, o Fernando, o Belluschi, o Meireles e o Rodriguez (estes dois últimos também em forma deplorável). E dois ou três, como o Nuno André Coelho e o Beto, que ainda não dispuseram de oportunidades para mostrarem o que valem. Tudo o resto são jogadores banais ou menos do que isso. É curto, também.

Ora, acontece, para agravar as coisas, que Jesualdo Ferreira - que tão bom foi a reconstruir equipas em anos anteriores - não parece ter percebido ainda que, desta vez, lhe deram cabo da equipa. E, onde as circunstâncias exigiam capacidade de inovação, de rasgo, de ousadia, tudo tem esbarrado no inamovível conservadorismo de Jesualdo. Jogo após jogo, ele parece preso da expectativa do milagre salvador do Hulk ou do Falcao (como sucedeu em Nicósia), ou então do ainda mais imprevisível milagre de ver gente como o Mariano, o Guarín, o Tomás Costa, o Sapunaru transformarem-se em bons jogadores.

No Funchal, concorreu ainda mais uma das características do seu enervante conservadorismo: ele precisa de 45 minutos inteiros para perceber o que já toda a gente percebeu - que a equipa não está a jogar nada e que é preciso mexer nela. (Contra o Belenenses, a pior equipa do campeonato, nunca consegui recuperar os danos de meio jogo desperdiçado; em Malta, safou-se a cinco minutos do fim; e, no Funchal, lixou-se com toda a lógica, uma vez que a primeira oportunidade de golo só apareceu aos 80 minutos e a segunda e última já nos descontos. E foi uma sorte não ter ido para o intervalo a perder por 3-0, se as baldas habituais de Helton no jogo aéreo tivessem tido as consequências lógicas). Incrível como é que não percebe que o grande problema desta equipa está no meio-campo e como é que, ao menos, não dá uma oportunidade ao miúdo Sérgio Oliveira (que, de castigo por tanto ter prometido no jogo da Taça, nunca mais foi convocado)? Como é que prefere ter o Belluschi, o único criativo, no banco, e o Guarín em campo - como sempre sem perceber sequer onde devia jogar, nem ao menos lhe ocorrendo tapar as auto-estradas abertas pelo Sapunaru, das quais nasceria o golo do Marítimo? Como é que, tendo finalmente entendido que o Guarín era um sitting duck, resolve trocá-lo por outro ainda pior - o Mariano - cuja «disciplina táctica», tão apreciada pelo treinador, é levada tão à letra que, quando recebe ordens para ocupar o flanco direito médio, já não sai mais dali: nem para avançar, nem para vir atrás ajudar!?

Sim, já sei: apesar da «crise de exibições», estamos com os mesmos pontos do ano passado e «apenas» a cinco de Braga e Benfica. E estamos nos oitavos-de-final da Champions. Contra factos não há argumentos? Há, sim, há este outro facto: esta equipa não joga nada. E, quando não se joga nada, o futuro não é risonho. Que o diga o Paulo Bento…

PS: Meu caro Eduardo Barroso: julgas e julgas bem que tenho amizade por ti. Julgas mal que tenho «alguma consideração profissional»: tenho toda, muitíssima mesmo. E uma grande admiração pelo homem a quem ouvi uma das frases-guia da minha vida, naquele célebre debate televisivo com o eng.º Macário Correia, pregando o fascismo antitabagista e exibindo, impante, a sua fantástica saúde de não fumador: «Olhe que a saúde é um estado passageiro que não augura nada de bom!». Mas, francamente, ó Eduardo, quando te vi, aqui há umas semanas, a queixares-te e a suspeitares do árbitro do Porto-Académica, porque ele tinha validado os dois primeiros golos do Porto - os quais tu reconhecias que tinham sido legais, mas que, em tua opinião, podiam perfeitamente ter sido também considerados off-﷓side por um árbitro e um liner menos atentos - eu confesso que tive de ler três vezes para ter a certeza de que não estava enganado! Já não te chega viveres a queixares-te dos erros, reais ou supostos, dos árbitros: agora queixas-te também dos não-erros contra os adversários!

Olha, mas, nestes tempos dolorosos para ambas as nossas cores, mando-te um abraço solidário pelo desfecho do Nacional de juniores, que o ilustre CD da Liga (o mesmo que quis enfiar o Benfica na Champions pela porta do lixo e à custa do F.C.Porto), queria atribuir ao Benfica. Felizmente não passou no CJ a tentativa infame de fazer campeões através da invasão planeada de campo para evitar a realização do jogo decisivo! E agora, espero que, se forem buscar o André Vilas-﷓Boas à Académica, não o façam à Benfica…