sexta-feira, maio 31, 2013

ENTRE O SONHO E A REALIDADE (11 DEZEMBRO 2012)

1- Os benfiquistas têm uma característica que merece ser louvada e até invejada: mal acabam de perder uma competição, imediatamente se auto-declaram favoritos a vencer a próxima. Acabados de sair da Liga dos Campeões, já se proclamaram favoritos a vencer a Liga Europa, com aquela superioridade natural que os caracteriza e que faz com quem olhem sempre para os adversários como um obstáculo de menor importância para a concretização dos seus sonhos. Ano após ano, por exemplo, acreditam sempre que a sua equipa será suficiente para vencer o campeonato, e se, no final, quem o vence é o FC Porto, entramos no domínio dos fenómenos paranormais, em cujas explicações tanto se aplica o Dr. Rui Gomes da Silva e não só.

A confusão entre a realidade e o sonho chega mesmo a perturbar mentes brilhantes, e brilhantemente pagas, para distinguir uma coisa da outra. Assim, por exemplo, Jorge Jesus não se acanhou nada em explicar que em Barcelona o Benfica tinha sido a única equipa que ele tinha visto jogar de igual para igual - como se falasse para uma plateia de atrasados mentais, que não se deram conta de que o Barcelona que estava em campo, sem Daniel Alves, sem Xavi, sem Iniesta, sem Fabregas, sem Messi, sem Sanchez, sem Pedro Rodriguez, enfim, com apenas três titulares habituais e três jogadores a fazerem a sua estreia absoluta na primeira equipa, não era propriamente o Barcelona que ele e nós estamos habituados a ver. Na sua presunção, na sua urgência em fazer passar por quase vitória o que foi um empate-derrota inaceitável nas circunstãncias em que aconteceu, Jesus nem sequer se coibiu de afirmar de véspera, displicentemente, que não sabia que recorde era esse que Messi perseguia e sobre o qual tinha lido vagamente nos jornais. Pena que não tenha havido um só jornalista para lhe perguntar se ele era mesmo a única pessoa era todo o planeta futebol que desconhecia que Leonel Messsi perseguia (e alcançou anteontem) o recorde do jogador que mais golos marcou num só ano civil, depois de já ter batido o recorde de golos numa época. Ele não sabia, mas assim que Messi entrou em campo, logo Luisão tratou de o intimidar com uma entrada a varrer às pernas e a net levou ao mundo inteiro a imagem eloquente de Messi com a bola na área do Benfica, rodeado e cercado pelos dez jogadores de campo dos encarnados!

Mas uma coisa há de que Jesus não tem culpa alguma: aquele egoísmo de Rodrigo aos 18 minutos é imperdoável, e não vale a pena fingir que não viu o companheiro ao lado, porque ninguém consegue acreditar. Pode ter custado a qualificação e, por mais golos que ele marque no futuro, não há nada que o possa redimir. Já do ponto de vista colectivo, parece-me mais difícil de entender como é que o Benfica, vindo de onze dias de descanso de jogos, graças à sua sorte no sorteio da Taça, deu o berro no segundo tempo. Porque, de igual para igual, foi só a primeira parte - aliás, até com superioridade do Benfica.

2- Também Vítor Pereira não tem culpa do inacreditável frango de Helton contra o PSG (fruto, não do azar, mas de um grave erro técnico na forma como se lança à bola), ou do inconcebível falhanço de Lucho numa recarga de baliza aberta, sem guarda-redes e sem oposição, de frente para as redes. Um e outro erro também custaram ao FC Porto o primeiro lugar no grupo e o sorteio do dia 20 dirá se o prejuízo se ficou pelo milhão de euros de prémio que foi à vida. Dizia um portisla ao meu lado que o frango do Helton equivalia a um ano de ordenado - mas essa é apenas a hipótese optimista. É certo que não se pode condenar um jogador por um erro, que todos tém direito a errar, que só acontece a quem anda lá dentro e que já outras vezes tem sido ele o salvador, etc e tal. Tudo isso é certo, mas resta uma verdade estatistica: com esta, foi a quarta vez que um frango do Helton virou contra o FC Porto um jogo da Liga dos Campeões. E, se é certo também que mesmo os melhores guarda-redes dão sempre pelo menos um frango por ano, o problema com Helton é que ele parece escolher sempre os jogos de maior responsabilidade para abrir a capoeira - e isso, queiram ou não, significa alguma coisa, Significa alguém que vacila nos momentos mais importantes. E, olhando para trás e somando os frangos do Helton aos do Nuno espirito Santo, do Hilário, do Rui Correia, ou, por exemplo, à oferta do Bruno Alves ao Rooney, já perdi a conta ao número de jogos do FC Porto na Liga dos Campeões, que foram decididos contra nós por erros próprios e grosseiros. Para dizer a verdade, não há um jogo da Champions em que eu não esteja a temer, a todo o momento, um haraquiri saído do nada.

Um auto-golo em Braga, outro em Paris e quase outro contra o Moreirense. Dois golos fáceis desperdiçados por Lucho em Braga e em Paris, e assim o FC Porto encaixou duas derrotas seguidas, saiu da Taça e pôs um pé fora da Champions. Oxalá que nos oitavos, seja contra quem for, os jogos comecem mesmo com 0-0 e não com zero para nós e uma oferta garantida para eles.

3- 24.000 pessoas assistiram à magra vitória caseira do FC Porto contra o Moreirense. Foram poucas para o habitual, muito poucas para o desjável, mas, mesmo assim, 24.000 heróis que arrostaram com o frio de um sábado à noite de Dezembro, para assistirem a um jogo sem grande cartaz. O problema é que, depois de verem o que viram, eles e os que ficaram a ver pela televisão, é bem provável que o próximo jogo de cartaz semelhante no Dragão tenha menos espectadores ainda. Eu aceito a explicação de Vítor Pereira sobre o cansaço físico e anímico dos jogadores, depois de uma série de trés jogos seguidos de exigência máxima e todos jogados fora. Aceito perfeitamente que tivesse havido um relaxamento geral e poupança de esforços. Mas primeiro era preciso garantir o resultado e para isso era necessário fazer alguma coisa, e o FC Porto, que podia ter marcado logo no primeiro minuto, nada mais fez depois disso, até ao golo redentor de Martinez, ao minuto 70. Com um pouco de azar, podiam-se ter perdido dois pontos: ou no quase consumado auto-golo de Otamendi, ou em mais um daqueles penalties de bola na mão, que os críticos reclamam e os árbitros às vezes marcam mesmo (neste caso, um remate à queima-roupa direito à cara de Alex Sandro e que este, instintivamente protegeu com as mãos. Da próxima vez, deve, estoicamente, deixar-se atingir, com traumatismo craniano, se necessário, pois tudo é melhor do que suportar o Dr. Gomes da Silva).

De resto, como é habitual nestes jogos, o Moreirese não criou, por si, uma ocasião de golo, defendeu o 0-0 sempre com dez jogadores atrás da linha da bola e eu repito uma pergunta recorrente: o FC Porto tinha a desculpa do jogo europeu a meio da semana, mas qual é a desculpa destas equipas para apresentarem sempre pior condição fisica do que as que jogam duas vezes por semana e que tém de passar o jogo todo ao ataque, ocupando todo o terreno, e não apenas ocupando metade do campo, todos ao molhe e à defesa? Será que a preparação física, ao contrário do talento individual e colectivo, não depende apenas de trabalho e esforço?

4- Propositadamente, entrego este texto antes do Sporting-Benfica, permitindo-me um exercício de adivinhação, sempre incerto e pouco prudente. Não vou, porém, tentar adivinhar o resultado, mas apenas dizer isto: pelo que vi do Sporting contra o Videolon e outros jogos, pelo que tenho visto do Benfica, seria um milagre se o Sporting conseguisse, pelo menos, o empate. Há muitos problemas no clube e há muitos problemas na equipa, sem diagnóstico nem solução fácil. Mas, na equipa, há um problema que salta à vista: não jogam nada. Agora, se aquele grupo de jogadores, que eu já nem consigo identificar, por artes mágicas e súbitas, tiver conseguido ontem à noite arrancar um grande jogo e um bom resultado, ainda bem! Para eles e para nós.

quinta-feira, maio 30, 2013

UM ACIDENTE EM BRAGA (4 DEZEMBRO 2012)

1- E pronto, estamos fora da Taça de Portugal. E tenho pena porque, antes destes dois últimos anos de afastamentos precoces sob o comando de Vítor Pereira, a imagem que retinha da participação do FC Porto na Taça foi a da época 2010 /11, em que, sob o comando de André Villas-Boas, fomos eliminar o Benfica na Luz, vencendo por 3-1 depois da derrota por 2-0 no Dragão, e terminámos em grande luxo, com um festival de futebol e uma vitória por 6-2 contra o Guimarães, no Jamor. Mas a Taça tem muito de crueldade aleatória, na medida em que o sorteio acaba por ser a parte mais importante de cada eliminatória. Depois de termos ido à Madeira eliminar o Nacional, três dias antes de um jogo da Champions, seria justo que tivéssemos tido direito a coisa mais fácil do que ter de voltar a Braga cinco dias depois de lá termos ido ganhar para o campeonato e quatro dias antes do jogo de Paris, que irá decidir quem vencerá o grupo 1 da Champions. Um Tourizense ou alguém ainda a definir entre os mais acessíveis, como sucedeu ao Benfica, teria sido bem mais justo. Assim como teria sido bem mais justo que o jogo, o segundo consecutivo contra o Braga, desta vez tivesse calhado no Dragão. Ou que, ao menos e como sucede nos países onde o futebol profissional é levado mais a sério - Espanha, Itália ou Inglaterra - as eliminatórias da Taça fossem disputadas a duas mãos. Mas aqui, já se sabe que os jogadores se cansam muito com dois jogos por semana, os clubes são ricos e não precisam de mais receitas e a Selecção ocupa os tempos livres dos clubes em excursões exóticas, e, portanto, não sobra calendário para disputar as eliminatórias da Taça a duas mãos. E assim, um Benfica, por exemplo, pode alcançar o Jamor sem ter chegado a disputar um jogo a sério. E é pena porque uma competição que depende tanto do factor sorte, sem cabeças de série nem eliminatórias a duas mãos, não consagra necessariamente o melhor, mas muitas vezes o mais afortunado.

Porém, de forma alguma critico a opção de Vítor Pereira de fazer alinhar em Braga, num jogo a eliminar, apenas três titulares habituais: a decorrência do jogo mostrou que o FC Porto podia e esteve à beira de levar de vencida o Braga, mesmo com uma quase equipa-B. É claro que a opção de Vítor Pereira resultará duplamente falhada se, logo à noite em Paris, o FC Porto perder contra o PSG: terá poupado para nada. Mas, chamado a decidir, ele tomou uma opção e correu um risco - e é pago para isso. Além do mais, para além da conveniência em poupar jogadores mais cansados, a opção que tomou permite integrar, rodar e manter vivos outros jogadores com quem também tem de contar, porque uma equipa como a do FC Porto, que aspira a vencer tudo, não pode fazer-se à luta apenas com um leque de 14 ou 15 jogadores, mas sim de 20, 21. Critico-lhe , talvez, a escolha de alguns que deixou de fora e outros que meteu dentro: James Rodriguez, por exemplo, tinha bem mais motivos para estar cansado que Moutinho ou Lucho e seguramente mais do que Alex Sandro, que tinha acabado de regressar de uma longa paragem. Em contrapartida, a inclusão de Kleber teve o efeito previsível de fazer com que o FC Porto jogasse, na prática, sempre com dez jogadores - e nove, depois da expulsão de Castro. Teria sido bem melhor poupar James e incluir Jackson Martinez, dando o flanco direito a um dos jovens impacientes Iturbe ou Kelvin. Ou então, caso Martinez também precisasse de um descanso, na opinião do seu treinador, jogar em 4x4x2, sem ponta-de-lança - o que teria o mérito táctico de deixar sem função e sem jogo útil a dupla de centrais do Braga, que é um dos seus pontos fortes. E, na esteira de todos antes de mim, também subscrevo a critica ao tempo que Vítor Pereira demorou a reagir à expulsão de Castro e ao triplo falhanço das suas substituições - que é, aliás, um dos seus calcanhares de Aquiles.

Mas, como disse, a equipa que ele pôs em campo demonstrou ser suficiente para, em circunstâncias normais, ter levado de vencida um Braga que, com apenas uma ocasião de golo, conseguiu marcar dois. O «amigo portista» Benquerença (como os benfiquistas lhe chamam, depois do célebre talvez-golo da Luz), também deu a sua contribuição para o desfecho final, mostrando que tem pouco de amigo azul, mas muito de mau árbitro, que espalha o mal sem olhar a quem. Infelizmente, não viu um subtil e estúpido penalty do Fernando, que foi a única coisa em que foi amigo do Porto - e mais valia que não tivesse sido. Para que, em contrapartida, não tivesse assinado um festival de decisões técnicas e disciplinares muita vezes erradas e sempre contra o Porto, culminando com a amostragem de oito cartões amarelos e um vermelho, 26 faltas assinaladas contra o Porto e apenas 8 contra o Braga (!) e um cartão vermelho inventado a Castro, por coisa alguma, mas com o condão de virar o jogo do avesso.

Mesmo mal expulso, fica mais uma opurtunidade perdida por Castro, um jogador que tinha tudo para se afirmar nos corações azuis e brancos - é português, é da nossa escola e é portista - mas que, infelizmente, não agarra ocasião alguma e parece ser apenas um jogador de destruir, sem nada construir. Fica mais uma demonstração da falta de qualidade gritante de Kleber e a certeza de que esta equipa não tem ponta-de-lança suplente. E fica-me, com um auto-golo quase ridículo a acrescentar ao resto que já vi, a confirmação de que até prova em contrário, Danilo - uma das mais caras contratações da história do F.C. Porto - não vale nem meio Fucile, que foi cedido de borla. E ficam-me as saudades de uma Taça de Portugal, contra sorteios e sortes, disputada com o mesmo espírito do campeonato.

2- Volto a um tema que me é caro, a propósito do anterior Braga-Porto, para o campeonato, e do lance em que, no primeiro remate do Braga, aos 21 minutos, o tiro de Alan, disparado à queima-roupa, encontra no caminho o cotovelo de Alex Sandro - um lance que a unanimidade da crítica julgou como penalty, que ficou por marcar. Não me interessa nada a generalidade da critica, mas apenas uma opinião: a de Cruz dos Santos, aqui neste jornal, e porque, mesmo quando discordo dele, lhe reconheço um estatuto único entre pares, que é o de suplantar todos no conhecimento técnico e na isenção de julgamento. Já aqui, aliás, terei armas com ele, em defesa da minha tese de que esta moda lusitana de pedir, reclamar e assinalar uma profusão de penalties sempre que uma bola encontra um braço, contraria a letra e o espirito da lei, desvirtua a justiça de muitos jogos e está-se a tornar uma forma deliberada de batota: não vejo, nos jogos disputados lá fora, essa coisa ridícula de os defesas se fazerem à bola com os braços atrás das costas, como se fossem auto-decepados. A propósito desse lance, escreveu Cruz dos Santos: «Ficou por assinalar penalty contra os portistas (porque) não houve braço dirigido para a bola, (mas) houve bola no braço colocado onde a bola poderia passar». Não posso estar mais em desacordo: no momento do remate, Alex Sandro está de costas para ele e o braço que atinge a bola (e que Cruz dos Santos reconhece que não se moveu) nem sequer é o mais próximo, mas o mais distante - o que invalida a malévola intenção que lhe atribui. Estava colocado em posição absolutamente normal, relativamente ao corpo e ao movimento do corpo - e só mesmo se fosse maneta é que não estava ali. E eu não vejo, nem na letra nem no espirito da lei, que um defesa tenha obrigação de tentar interceptar um lance fazendo desaparecer os braços ou tendo de, numa fracção de segundo, avaliar uma das possíveis trajectórias da bola e torcer-se todo, numa posição anti-natural, para retirar os braços dessa linha imaginária. Acresce que não tenho uma dúvida que jogadas como aquela nada têm de inocente, da parte do atacante. De onde estava, Alan só tinha duas possibilidades de sucesso: ou cruzar para trás ou rematar em arco, em geito, para o canto posto. Mas ele optou por rematar em força e em frente, direito ao corpo do adversário e à altura dos seus braços. Imediatamente, reclamou exaltado pelo penalty e, eu posso estar mil vezes enganado, mas era capaz de jurar que o seu objectivo foi só aquele: sacar à má-fila um desses penalties que aqui se marcam ou reclamam com tanta facilidade e imponderação. E daqui ninguém me tira: isto é anti-jogo e não vem na lei como penalty.

quarta-feira, maio 29, 2013

UM CAFÉ DA COLÔMBIA (27 NOVEMBRO 2012)

1- Aquele menino James Rodriguez vale ouro. Eu sempre o soube e escrevi, mas outros houve que duraram tempo de mais até o perceberem. No ano passado, por esta altura, Vítor Pereira estava ainda com dificuldades em decidir a quem entregaria a ala esquerda do ataque, sendo frequente que James fosse preterido por Varela e até por Cristian Rodriguez. E muitos dos críticos da praça defendiam que também não havia lugar para ele como número dez, pois estava tapado por Lucho. Agora, que o abutre de Sir Alex não pára de voar em círculos por cima do menino de ouro da Colômbia, não há quem, finalmente, não se tenha rendido ao seu génio.

Anteontem, em Braga, James Rodriguez conseguiu mais três pontos determinantes para o FC Porto, numa vitória arrancada à Benfica, isto é, nos últimos suspiros de um jogo indefinido. E, com isso, acabou com as dúvidas: o campeonato vai ser até ao fim um mano-a-mano Porto-Benfica.

Em Braga, ainda não tinham passado 3 minutos, e já o FC Porto podia estar a ganhar por 2-0, se Otamendi não tivesse acertado primeiro no poste e depois ao lado do poste, mas por fora. Foram 15 minutos portistas avassaladores, sem o Braga ousar pisar sequer para além da linha do meio-campo. Aos 21 minutos, enfim, o Braga desceu ao ataque e fez o seu primeiro remate: Alan, quase sem ângulo, rematou a meio metro de distância contra o cotovelo de Alex Sandro e tudo o que é benfiquista ou bracarense por esse Universo fora desatou a reclamar penalty. Depois compreendeu-se a razão da veemência: não fosse assim, de um penalty manhoso, caído do céu sem mérito nem razão alguma, e a própria equipa não acreditava que pudesse lá chegar de outra maneira. É verdade que, até ao intervalo, o Braga equilibrou e chegou a estar por cima um breve período, mas sem nunca estar na iminência do golo. E, em toda a segunda parte, pura e simplesmente, desistiu de atacar, lá ficou entrincheirado no seu reduto, aproveitando uma exibição luxuosa do central Douglão e uma prestação bem amiga de Carlos Xistra — que, afectado pelos gritos de «gatuno», após o pretenso penalty não assinalado, errou, em favor do Braga, quase todas ou mesmo todas as decisões disciplinares subsequentes. Não quero ser injusto: cada um tem as armas que tem e talvez as de Peseiro não dêem para mais. O Braga é, indiscutivelmente , uma equipa que sabe o que está a fazer e joga bom futebol. Mas, como já aqui tinha assinalado nos jogos contra o Man. United, falta-lhe, nos grandes jogos, um suplemento de crença e de coragem que o levem a assumir alguns riscos. E, quem não arrisca, não petisca. O Braga não arriscou nada anteontem e, como já sucedera contra os ingleses, voltou a pagar o preço ao cair do pano. O FC Porto, que jogou mal e que terá feito mesmo uma das piores exibições da época, saiu de Braga com os três pontos, não tanto por mérito próprio, mas sobretudo por castigo próprio do Braga. Sem esquecer que, depois, é claro, é preciso ter um James Rodriguez, capaz de acreditar e arriscar até ao último fôlego. Do lado azul, houve alturas de desacerto total, em que não entravam três passes seguidos do meio-campo para a frente; Moutinho e Lucho, que tão bem tinham jogado contra o Dínamo Zagreb, eclipsaram-se; Jackson Martinez nunca foi servido em condições e James, de cada vez que arrancava direito à área, era derrubado. Como se costuma dizer, o resultado foi bem melhor do que a exibição. E a sorte, de que falou Jorge Jesus e de que o Benfica tanto beneficiou no final dos jogos quando foi campeão pela sua mão, desta vez sorriu ao F C Porto. O sol, quando nasce, é para todos.

2- A propósito de João Moutinho, já aqui falei dos jogadores cuja verdadeira importância no jogo só se avalia bem ao vivo e não na televisão, por maior que seja o ecrã. Moutinho é um desse jogadores, sobre o qual mudei radicalmente de opinião, e para muito melhor, quando o vi jogar no estádio. Esta quarta-feira, contra o Dínamo, voltei a confirmar isso e também o inverso: que há jogadores cujo défice de importância e produção é bem maior vistos em pessoa do que na televisão. É o caso de Silvestre Varela, que, para mim, é claramente a carta fora do baralho, nesta equipa reconstruída ou inventada após a partidade Hulk. Varela, não apenas é capaz de passar um jogo inteiro sem produzir nada de útil — um cruzamento, uma assistência, um passe a rasgar, um apoio decisivo atrás — como também parece flutuar permanentemente fora do jogo, andado para trás e para a frente sem sentido, num trote miúdo e repousado. Mas, como os deuses nem sempre são justos e ele é esperto, de vez em quando foge da sua posição e da sua função, onde nada pode acontecer por iniciativa sua, e aparece no centro do ataque, em busca das bolas perdidas que lhe permitam, aqui e ali, um golo redentor que faz esquecer tudo o resto. E assim vai iludindo muitos, de Vítor Pereira a Paulo Bento. Para ser justo, devo dizer, contudo, que nem sempre foi assim: quando chegou ao FC Porto (por alguma razão abandonado pelo Sporting e remetido para a Amadora), Varela era um jogador a sério, que corria, rematava, procurava a linha e cruzava ou assistia os companheiros. Mas agora encostou-se. E encostou-se também ao direito adquirido de titularidade, que Vítor Pereira lhe concedeu.

3- Como se temia e era previsível, as três equipas portuguesas em competição na Liga Europa despediram-se todas, sem direito a queixume algum. O que não se previa é que também o Braga falhasse simultaneamente a qualificação para os oitavos da Champions e até o terceiro lugar, que lhe daria passagem à segunda competição europeia. E assim, as mesmas duas equipas, Benfica e Porto, que são agora as únicas candidatas ao campeonato, são também as únicas que podem salvar a honra do convento na Europa. Com a Liga Europa garantida, o Benfica tem a tarefa muito complicada para continuar na Champions — sobretudo se Tito Vilanova não quiser aceitar a amável sugestão de Jorge Jesus de pôr em campo a reserva do Barcelona contra o Benfica, em Camp Nou. O problema é que Messi precisa de jogar para conseguir chegar ao recorde de Gerd Muller de 85 golos num ano, e só lhe faltam 3. Mais vale apostar numa derrota caseira do Celtic contra o Spartak de Moscovo. E seria bom que isso acontecesse para que o mano-a-mano interno Benfica-Porto permanecesse equilibrado em termos de compromissos europeus.

4- Se passar em Braga, na sexta-feira, o FC Porto, não apenas permanecerá bem vivo em todas as competições, como sobrevivera ao terceiro de quatro jogos consecutivos fora de casa — um ciclo que só terminará em Paris, daqui a oito dias. Este é o primeiro dos dois momentos decisivos de cada época e talvez o principal: quando, assegurada a continuidade nas competições europeias antes da pausa de Inverno, se asseguram também as condições de êxito internas. Inversamente, nova derrota do Braga equivalerá, sem subterfúgios, a uma época aquém das expectativas. É provável que António Salvador mande a factura a José Peseiro, esquecendo-se do seu próprio contributo, quando, acabado de garantir a Champions, tratou de vender Lima ao Benfica, a preço de saldo. O FC Porto vai lutar pelos pergaminhos, o Braga pela vida.

5- E se na noite passada tiver ganho em Moreira de Cónegos [este texto foi escrito antes do jogo], o Sporting terá uma ténue esperança de sobrevida. A seguir, terá duas tranquilas semanas para preparar o jogo de Alvalade contra o Benfica, onde a hipótese improvável de uma nova vitória lhe pode garantir um Natal menos penoso.

terça-feira, maio 28, 2013

JOGOS DE GABÃO (20 NOVEMBRO 2012)

1- Pese a insistência e boa vontade com que o José Manuel Delgado e o Fernando Guerra se têm atirado a Pinto da Costa, a propósito dos comentários deste sobre a excursão nacional ao Gabão, não vejo que outra razão exista (para além da embirração sempre latente ao presidente portisla) para o criticar.

Para começar, assiste a Pinto da Costa uma legitimidade que poucos têm na matéria. Não só porque é presidente do clube que, de longe, mais prestigia o futebol português além-fronteiras, mas também porque é, possivelmente, o dirigente que mais apoio tem dado à Selecção, ao longo dos anos.

Paulo Bento pode não ter gostado de ouvir Pinto da Costa criticar o excesso de tempo que ele deu de utilização aos portistas enviados ao Gabão: isso é aceitável, é aceitável que diga que a gestão lhe cabe a ele (o que também não o coloca para além do legítimo direito de ser criticado); mas já não é aceitável que ele trate o presidente portista de cima da burra, nisso mostrando ingratidão e falta de memória. E fica muito bem à Federação vir dizer que a Selecção é gerida de dentro para fora e não de fora para dentro - esquecendo-se, porém, que ela só existe de fora para dentro, actuando nos estádios cedidos pelos clubes e com os jogadores cedidos e pagos pelos clubes. O seleccionador e os seus dirigentes montaram uma bravata para agradar às forças vivas de Lisboa, sempre de tocaia para qualquer oportunidade de viraram baterias contra quem lhes disputa o mando e enraivece de inveja. Mas não tivesse o Sporting cedido apenas o guarda-redes à Selecção e o Benfica nem isso, e outro galo cantaria e outra narrativa se teria feito. Já não há ingénuos, só há distraídos.

Mas isso são apenas detalhes. O essencial desta triste história é que não há ninguém de boa-fé capaz de defender e justificar a excursão nacional ao Gabão. Eu sei que é uma data FIFA, mas isso apenas devia permitir às Federações agendarem jogos que servem efectivamente de preparação ou que são importantes em termos de prestígio da Selecção. E, embora também o permita, não devia servir para que as Federações aproveitem essas datas para agendarem jogos que apenas têm por finalidade desgastar os jogadores e os clubes, pôr em risco a sua utilização em jogos bem mais importantes internacionalmente e arriscar o prestígio do nome de Portugal, a troco de uns milhares de euros.

E que, ao contrário do que Paulo Bento argumentou de forma deselegante, há uma diferença imensa entre chamar os colombianos do FC Porto para irem a New Jersey jogar contra o Brasil (o equivalente a um Espanha Portugal), ou chamar os portugueses do FC Porto para irem fazer horas a um batatal tropical, contra o Gabão. A aventura africana da Selecção reuniu tudo o que não devia ser permitido: uma longa viagem, um clima terrível, um relvado de arrepiar e um desempenho desprestigianle. Se Paulo Bento quisesse fazer prova da coragem que alguns lhe elogiaram ao empertigar-se contra o presidente do FC Porto, deveria antes ter sido ele o primeiro a empertigar-se contra os desejos comerciais dos seus patrões da Federação, reconheceudo que este jogo era inúti e potencialmenle prejudicial em vários aspectos. Isso sim, teria mostrado coragem e independência de espírito. A Selecção Nacional não pode ser gerida como uma mercearia.

Diz o presidente da FPF que com os 800.000 euros que a Federação cobrou nesta aventura africana vai começar a amealhar para a sonhada Casa das Selecções. Pergunto-me quantas mais excursões destas terão de ser contratadas até que ele reúna os milhões necessários a essa empreitada? E pergunto-me se esse novo-riquismo das Casa das Selecções será mesmo uma necessidade premente ou apenas um luxo sem sentido, num país onde existem tantos centros de estágio e estádios desaproveitados?

E, quando digo que não há inocentes mas apenas distraídos, é por que, obviamente, estou a lembrar-me da golpaça montada na época passada, quando em vésperas do jogo do título, a Liga de Clubes conseguiu parir um sábio enredo com as datas do jogo, que fez com que o FC Porto fosse à Luz 48 horas depois de alguns dos seus jogadores terem jogado pelas respectivas selecções no estrangeiro, e um deles, James Rodriguez, ter jogado menos de 24 horas antes, em Miami. Felizmente paraa «verdade desporliva» que tanto apregoam, a golpada foi desmontada com mestria: o FC Porto fretou um jatinho para trazer de noite James de Miami para Lisboa, fê-lo dormir no hotel durante o dia e, no momento exacto, soltou-o no relvado da Luz para que ele resolvesse o jogo, como resolveu, como génio dos predestinados.

Os benfiquistas falam eternamente do golo de Maicon em off-side nesse jogo, mas nunca falam, do segundo golo do Benfica, de livre inexistente, nem, sobretudo, dos preparativos urdidos antes do jogo, para que o FC Porto chegasse à luz sem condições de se apresentar no seu melhor. Já cá ando há muitos anos a assistir a coincidências destas para me deixar iludir com jogos de gabão: o FC Porto afastado já da Taça de Portugal dava muito jeito.

2- Havia, de facto, razões para temer o pior, na deslocação à Madeira. Que o nevoeiro, por ali frequente, ou mesmo o temporal que assolava o continente se estendesse para lá e tornasse o jogo uma lotaria. Que jogadores desgastados pelas viagens e jogos, de fusos trocados e sono alterado não conseguissem estar à altura da situação. E que o ambiente sempre difícil, com a eterna cantoria do bailinho da Madeira em fundo, enervando os ouvidos e os espíritos, se aliasse a uma equipe em subida de forma e sedenta de triunfos para tornar ludo ainda maiscomplicado.

Mas, não. Corajosamente, Vítor Pereira montou um onze onde apenas dois jogadores, Otamendi e Lucho, integravam a lista dos habituais titulares. E, mesmo assim, venceu categoricamente. E valeu a pena ver as alternativas: Fabiano fez uma exibição impecável e de grande categoria, revelando que o FC Porto tem um guarda-redes suplente à altura do titular; Miguel Lopes defendeu bem, embora atacasse mal; Abdoulaye melhora e estabiliza a cada jogo que passa, alimentando nele todas as esperanças; Iturbe entrou finalmente de início e, embora não tenha aproveitado com pletamente a oportunidade, mos trou que é um jogador capaz de explodir de um momento para o outro; e Atsu, mais uma vez, mostrou o quanto é superior a Varela (mas isso já não é novidade alguma, assim como não será novida de que amanhã, contra o Dínamo Zagreb, Vítor Pereira o mande regressar ao banco, sem mais nem porquê). Apenas Kleber, apesar do golo, e Castro, voltaram a desaproveitar por completo esta nova chamada. Boa notícia ainda foi o regresso de Lucho às boas exibições, culminando com um fabuloso golo, depois de um arrastado período de sombra.

Mesmo abundantemente retocada, a equipa confirmou o bom momento que atravessa, a confiança e determinação que exibe em todos os jogos e uma surpreendente imaginação e criatividade na frente de ataque, que teve de inventar quando se viu órfã de Hulk. Está no bom caminho, que espero ver, da bancada do Dragão, confirmado amanhã.

3- Não sou adepto da Fórmula 1, cujas transmissões televisivas me adormecem invariavelmente, pela mo- notonia de uma corrida em que não há ultrapassagens. E pior ainda achei quando fiz a experiência ao vivo. Gosto muito de automobilismo, mas da Fórmula 1, não. Mas torço para que, depois de várias alternativas que não foram avante, a carreira, segura e sempre em evolução, de António Félix da Costa, traga um português de volta à Fórmula 1, já em 2014. Lembro-me de o ver, miúdo, a correr nos karts, em Évora, e já então se comentava o potencial que ele tinha. Tinha também os cromossomas de uma família de pilotos de corrida e teve sempre o que ele chamou, com gratidão, um «paitrocínio», que o tem empurrado ladeira acima. Está quase lá e vai lá chegar, com certeza, para grande orgulho nosso.

segunda-feira, maio 27, 2013

UM LUGAR NA EUROPA (13 NOVEMBRO 2012)

1- Somos actualmente o 5º pais no ranking de equipas da UEFA, o que nos permite (provisoriamente) este luxo de ter três equipas na Champions e outras três na Liga Europa. Um luxo que tem de ser mantido com pontos por todos os envolvidos. Chegados agora a um momento crucial, onde se vai decidir quem fica pela fase de grupos e quem avança mais além, a quarta jornada europeia saldou-se por duas vitórias, dois empates e duas derrotas, mas já com uma qualificação garantida: a do FC Porto para os oitavos de final da Champions. Digamos que foi um saldo médio para as equipas portuguesas — se é que podemos chamar portuguesas a equipas em que, entre os 14 jogadores alinhados, só havia três portugueses pelo FC Porto, dois pelo Benfica e dois pelo Sporting (com Academia de Alcochete e tudo). Neste aspecto, a honra da confraria foi salva pelo Braga, com sete portugueses entre os utilizados (e quase todos com origem no FC Porto).

E, começando o balanço da jornada europeia justamente pelo Braga, devo confessar que foi penoso ter visto, e ter adivinhado antes, que mais uma vez se iria repetir o desfecho ingrato de Old Trafford, e que mais uma vez Sir Alex iria fazer figura de génio tranquilo, que, no momento certo e com a decisão certa, consegue virar do avesso um jogo e sair-se a rir de um confronto contra uma equipa portuguesa. E evidente que quem se dá ao luxo de ter um Van Persie no banco e só o mandar lá para dentro quando acha que chegou a hora de acabar com a brincadeira, tem uma grande vantagem sobre quem tem um Ruben Micael e é obrigado a acreditar que ele é um grande jogador e um desequilibrador duas coisas que nunca foi nem será. Mesmo assim, não consigo deixar de pensar que em ambos os jogos contra o Manchester United o que tramou o Braga foi o síndroma de Mamede — o medo antigo e atávico de vencer. Em ambas as ocasiões, depois de se ter apanhado a ganhar (o que, teoricamente, era o mais difícil), o Braga ficou como o tipo de 1,60 metros que enfia um murro no gigante de 2 melros e, quando o vê cair ao chão, entra cm pânico com o terror de que ele se levante. Ficou provado que o medo não é estratégia.

O Benfica cumpriu a obrigação de vencer o Spartak de Moscovo, a partir do momento em que Jorge Jesus se deixou de maneirismos estratégicos e mandou para o jogo o homem mais capaz de o resolver: Oscar Cardozo. Sinceramente, digo que nunca compreendi as reticências de tantos benfiquistas, incluindo o seu treinador, relativamente a Cardozo. Eu, enquanto portista, confesso que, de todos os jogadores do Benfica que nos garantem que são génios, só há um de quem verdadeiramente tenho medo quando joga contra nós: o Cardozo. Apesar da vitória, o Benfica precisa agora, além de vencer o Celtic em Lisboa, de uma conjugação de resultados favoráveis. Isto porque, com a habitual tendência para desvalorizar os rivais, os benfiquistas achavam que, mesmo depois da milagrosa vitória do Barcelona sobre o Cellic ao minulo 93 do jogo de Camp Nou, não havia outro desfecho possível no jogo de retribuição que não nova vitória do Barça. E agora choram, não por que o Celtic tenha conseguido o que o Benfica não conseguiu, mas porque o Barcelona não foi sério, não foi profíssional, não foi amigo. Os grandes senhores são assim — acham que tudo lhes é devido. Mas pode ser que o Barça ainda possa fazer prova de amizade, se, chegado à última jornada e já com o primeiro lugar garantido, apresentar a segunda equipa contra o Benfica. Isso, sim, seria uma atitude séria e uma oportunidade a não desperdiçar.

Em Kiev, no primeiro jogo da ronda, o FC Porto trouxe o empate e a qualificação, a dois jogos do fim da poule. É o segundo objectivo da época cumprido, depois da pálida conquista da Supertaça contra a Académica. Foi um jogo táctico, cauteloso e aborrecido, em que todos ficámos com a sensação de que mais era possível, forçando apenas um pouco. Todavia, eu devo ter visto um jogo diferente de, por exemplo, os enviados deste jornal. Vi, uma vez mais, um Lucho completamente fora do jogo, incapaz de fazer um passe certo, comprido ou curto, desastrado a rematar, lento a atacar: mas depois li aqui que tinha sido o melhor em campo. Vi um Varela igual ao habitual, estragando todo o jogo até ter a oportunidade de se redimir marcando um grande golo. Só que, desta vez, em lugar de um grande golo facturado, falhou um golo fácil para um bom jogador mas até isso serviu para lhe fazerem o elogio. Como se confirmou depois contra a Académica, o ataque do FC Porto vive da dinâmica crida por três jogadores determinantes Moutinho, James e Jackson Martínez — à volta dos quais vagueiam, sem sentido, dois outros — Lucho e Varela que apenas esperam uma oportunidade caída do céu para marcar um golo, que consiga esconder o pouco ou nada que actualmente acrescentam à equipa. Em Lucho, é um problema já conhecido, de um jogador que funciona por fases alternadas; em Varela, a questão parece-me mais estrutural, como dizem os economistas. Em contrapartida, vi, no jogo de Kiev, uma exibição seguríssima de Helton e de Otamendi, uma estreia sem sobressaltos de Abdoulaye, um jogo bem aceitável de Deffour e os habituais sobressaltos de génio de James Rodriguez. Acima de tudo, vi uma equipa que, mudando os jogadores e rodando os anos, já tem uma notável cultura europeia, que claramente a distingue das demais equipas portuguesas.

Na Liga Europa, tivemos a natural derrota do Marítimo em Bordéus, a surpreendente vitória da Académica sobre o Atlético de Madrid (mesmo considerando que só apareceu a segunda equipa deles em Coimbra), e o previsível empate caseiro do Sporting, frente a uma equipa da terceira divisão europeia. E, mesmo que tenha perdido os três pontos ao cair do pano, o resultado nada teve de injusto, após mais uma paupérrima exibição do Sporting. Insisto: dizem que tem grandes jogadores e uma grande equipa, mas eu não consigo ver quais e qual. De qualquer modo, é assim: na Liga Europa, todas as equipas portuguesas estão à beira da desqualificação e, todavia, todas podem ainda qualificar-se. Que uma, ao menos, o consiga!

2- Vitória tranquila do FC Porto contra a Académica, mais do que os números mostram. Vitória sofrida do Benfica em Vila do Conde, com mais um golo saído de um lançamento lateral, que gostaria de ter visto em repetição com mais detalhe, pois me pareceu executado já dentro do campo. E vitória feliz do Sporting frente ao Braga, celebrada como se fosse frente ao Real Madrid, na Champions. Presumo que por estes dias Godinho Lopes estará a pedir uma reunião com o presidente do Conselho de Arbitragem, a fim de se queixar do golo invalidado ao Braga, sem a mais pequena razão de ser. Aguardemos.

3- Não há adjectivos que cheguem para classificar a oportunidade e a legitimidade da excursão ao Gabão da Selecção Nacional. Eu sei que é uma data FIFA, mas isso não obriga a Federação a agenciar jogos que têm como único objectivo acrescentar a sua conta bancária à custa dos interesses desportivos de alguns clubes, Benfica excluído. Quem pôde, pôs-se de fora e fez muito bem. E quem vai, não representa, de facto, a Selecção de Portugal, mas apenas um grupo reunido ad hoc para facturar a favor da Federação. E a escola da CBF, a Federação brasileira, que fez do seu até há pouco eterno presidente João Havelange, um multimilionário e alvo de todas as suspeitas. Fernando Gomes tem categoria para fazer diferente.

domingo, maio 26, 2013

A OESTE NADA DE NOVO (6 NOVEMBRO 2012)

1- Jornada muito calma e pacífica — e só nisso pouco habitual. Não houve gritaria contra os árbitros ou o sistema, nem houve desfechos imprevistos. Porto, Benfica e Braga ganharam, com mais ou menos segurança e autoridade, os respectivos jogos caseiros, mantiveram inalteráveis as suas posicòes de únicos candidatos ao título e resguardaram-se para os jogos decisivos da Champions, que os três enfrentam esta semana, começando já hoje pelo FC Porto, em Kiev. Eles constituem um planeta à parte, flutuando numa outra galáxia, muito acima dos restantes, e, se alguma coisa há de novo, é a normalidade com que o Sporting de Braga pode agora reclamar o seu estatuto legítimo dentro deste restrito grupo. Normalidade ainda em mais uma derrota do Sporting, desta vez em Setúbal. Não sei o que sentiriam os portistas e como reagiriam a seis meses sem vencer fora de casa, a sete jogos consecutivos (e três treinadores) sem ganhar um, a um 13º lugar ao fim de oito jornadas, a beijar a linha da despromoção. Ser sportinguista hoje e ainda se dar ao trabalho de sofrer com a equipa é uma prova de estoicismo e dedicação ao clube verdadeiramente notável. Li e ouvi que o Sporting fez em Setúbal uma das melhores exibições dos últimos tempos, mas, apenas tendo visto a segunda parte, concluí que deveriam estar a referir-se à primeira, visto que aquilo que observei foi de uma pobreza assustadora. Compreendo bem que Franky Vercauteren se tenha mostrado surpreendido com a falta de qualidade de alguns jogadores, porque, de facto, houve ali exibições más de mais para serem suportáveis. Será que esta primeira equipa do Sporting, que está na cauda da classificação, conseguiria derrotar a Equipa B, que lidera a segunda Liga? Ao contrário do que tantos proclamaram no início da época, nunca vi, neste Sporting, em que já nem sei quem é quem, valor algum para se bater, já nem digo pelo título, mas por um lugar de acesso à Champions. E, a par disso, não consigo entender como é que uma das evidentes excepções à mediocridade dominante, está aparentemente fora dos planos de Vercauteren, como esteve antes dos de Oceano: refiro-me a Carrillo, um miúdo que, se estivesse no FC Porto, de certeza que já teria explodido por essa Europa fora. Talvez isso explique alguma coisa, mas, enfim, são assuntos alheios. Vamos ao meu Porto.

2- Ser portista, para além de tantas e tantas alegrias emotivos de orgulho vividos nos últimos quarenta anos, traz outras razões de felicidade e vaidade. Por exemplo, o tradicional equipamento de riscas azuis e brancas sobre calções azuis e meias brancas — infelizmente, adulterado aos poucos nos últimos anos, e em especial neste, em obediência aos ditames e ao mau-gosto do fabricante. Espero bem que o bom-senso e o bom-gosto regressem na próxima época, para que o mundo inteiro que hoje vê jogar o FC Porto reconheça logo nas cores e desenho tradicional do equipamento um dos mais prestigiados clubes de futebol da actualidade. Segundo motivo de prazer e vaidade é jogarmos naquele que, para mim, é o mais bonito estádio de futebol do mundo. E não digo isto por ser portista, digo-o porque é mesmo o que penso e felicito-me por o clube ter tido a lucidez de ter recorrido aos serviços de Manuel Salgado, que eu considero o melhor arquitecto português contemporâneo, ainda na semana passada reconhecido por mais dois Prémios Valmor de arquitectura — pelo Hospital da Luz e pelo projecto urbanístico da Expo-98. Várias vezes, quando o jogo está aborrecido (interrompido ou morto pela superioridade portista), dou por mim a percorrer com o olhar as bancadas, o desenho e as curvas suaves do Estádio, lembrando-me da máxima de Niemayer: «a linha recta não me interessa».

Outro motivo de orgulho para quem entra naquele estádio e é portista, ou para quem vê os jogos internacionais na televisão e compara, é o relvado do Dragão — de há dez anos a esta parte, verdadeiramente sem igual em todo o planeta futebol. Um relvado assim foi sempre sinal inequívoco de que ali mora um clube que gosta de praticar bom futebol e não futebol aleatório, de ganhar a qualquer preço. Grandes jogadores se revelaram nestes dez anos, porque ali, sobre aquele relva que mais parece um pano de bilhar, quem é bom jogador revela-se e quem não se revela não tem desculpa. É uma espécie de terreno da verdade, capaz de se manter impecável sob sol inclemente ou enxurradas que transformam outros em lamaçais. Mas eis que...

Eis que esta época, também, a juntar a um equipamento deprimente, o relvado do Dragão perdeu inexplicavelmente o brilho de outrora: está às cores, com marcas de enxertos sobre enxertos, levantando a relva facilmente e assim ajudando a nivelar o pior futebol com o melhor futebol. Mas, para dizer a verdade, não sei se isto aconteceu inexplicavelmente ou por causa directa dos fatais concertos rock de Verão, com os quais os clubes costumam ajudar a compor a tesouraria na época morta. Lembro-me bem de ouvir há tempos Pinto da Costa, gozando com o eterno e deplorável estado do relvado de Alvalade, declarar que não era possível ter concertos no estádio nem jogar futebol no pavilhão. Afinal, parece ter revisto as suas ideias, certamente por necessidade — e o resultado está à vista. Sexta-feira passada, o mítico relvado do Dragão, agora em versão post-rock, virou-se contra a própria equipa e mandou para o estaleiro dois jogadores fundamentais: Fernando e Maicon. Cada um deles arrumado pelo menos para mês e meio, porque a cura das lesões no FC Porto nunca é rápida (que o diga Alex Sandro, que tanta falta tem feito!). Na véspera de um jogo fora na Champions e no decurso de um jogo de fraca exigência, em dia sem chuva nem relvado pesado. O crime não compensa.

3- As lesões de Fernando e Maicon caem numa altura em que o FC Porto estava claramente a atingir o primeiro pico de forma da temporada. Muito embora não dê para esquecer que o Marítimo foi apenas um saco de pancada, sempre inexistente enquanto adversário no jogo (como o foi o Guimarães na Luz), o FC Porto também não lhe deu nenhuma hipótese de chegar a disputar o jogo, marcando logo aos 4 minutos e nunca se mostrando satisfeito ou saciado. É de jogos assim que eu gosto, com um futebol de ataque fluido e constante, em que o prazer se alia ao dever, com os jogadores a respeitarem o público que paga para os ver jogar. Desta vez, o FC Porto não ficou à espera que as coisas acontecessem, tratou de arrumar o assunto rapidamente e depois ainda se regalou com um futebol por vezes brilhante, escorreito, imaginativo, envolvendo toda a equipa como um só corpo. Mais uma vez houve golpes de génio colombianos, vindos desse país hoje tão em moda e que, com a anunciada compra da TAP, é natural que venha a estabelecer uma ligação directa entre o Porto e Bogotá.

E logo, ao fim da tarde, lá estamos de regresso a Kiev, essa cidade de que os portistas guardam tão boas memórias. Oxalá possamos regressar com uma vitória, que significaria, não apenas o apuramento para os oitavos da Champions, mas também e praticamente a garantia do primeiro lugar no grupo. Pelo que se viu contra o Marítimo, Deffour parece melhor do que o habitual e, se conseguir um misto de prudência e de ousadia, poderá substituir bem Fernando. Já para a vaga de Maicon, julgo que Vítor Pereira deveria escolher Rolando. Gostei de ver a estreia de Abdoulaye na primeira Liga, mas o Marítimo não tem nada a ver com o que o FC Porto vai encontrar em Kiev. E, embora Rolando deva estar naturalmente fora de forma, no seu caso e em comparação, a experiência é uma vantagem determinante — mesmo sobre Mangala, na hipótese de Vítor Pereira o desviar para o seu lugar natural no centro da defesa, pondo termo à sua muito pouco conseguida aventura a lateral-esquerdo. Seja como for, e mesmo remediado em parte, o FC Porto tem uma vantagem à partida, que é o de não ter muito a perder e poder arriscar alguma coisa. Já amealhou pontos suficientes para poder jogar tranquilo e sem medo.

sábado, maio 25, 2013

ANOS FELIZES TÊM MIL JOGOS (30 OUTUBRO 2012)

1- Foi um Pinto da Costa anormalmente compreensivo e generoso para com os adversários que, no final do jogo do Estoril, apareceu a comentar os seus mil jogos de Campeonato enquanto presidente do FC Porto. Tão compreensivo e generoso que chegou a profetizar que o Sporting ainda vai regressar à luta por este campeonato e a declarar que gostaria de ver o Benfica numa final europeia. Pois eu, não: tenho a certeza de que o Sporting já não conta para a disputa deste título e não tenho o menor desejo de ver o Benfica em final alguma. Mas compreendo o momento de generosidade de Pinto da Costa, depois do alívio da vitória no Estoril, a juntar-se ao orgulho da marca dos mil jogos.

Como toda a gente da minha idade, tenho as piores recordações das descidas do FC Porto à Amoreira. Se a memória me não falha, o campo era bem mais pequeno então - o que proporcionava a um rapaz cabo-verdiano chamado Oscar ensaiar remates de meio-campo que acabavam no fundo da baliza portista, semeando o terror e a desgraça nessas visitas dos azuis e brancos à Costa do Sol. Farto de assim ser gozado e humilhado, o FC Porto acabou por lançar mão de um remédio radical: comprou o Oscar ao Estoril. Escusado será dizer que, pelo Porto, ele nunca obteve golos daqueles e nunca, aliás, chegou a conquistar um lugar na equipa. Mas ficou a tradição do medo de jogar no Estoril.

A medo, comecei então a ver este Estoril-Porto dos tempos modernos e estremeci quando, logo aos dez minutos e pela segunda vez em cinco dias, uma bola sobrevoou a pequena área do guarda-redes e acabou no fundo da nossa baliza: em grande forma em tudo o resto, Helton mostra que ainda não conseguiu ultrapassar as suas limitações no jogo aéreo. Passados outros dez minutos, a cena repetiu-se e só por pouco não dava o 2-0 para o Estoril. Depois, sim, o FC Porto tomou conta do jogo e fez vinte minutos infernais na segunda parte, virando o resultado e triunfando com toda a justiça. E, porque tantas vezes se critica, e tantas sem razão, uma palavra para a arbitragem de João Capela, que foi simplesmente irrepreensível.

Notas comuns aos dois jogos dos portistas na semana passada:
- uma estratégia de jogo muito mais colectiva desde a saída de Hulk, exigindo mais de todos e bastante mais imaginação e variedade de jogo na frente de ataque, agora que o Incrível já lá não mora para resolver as coisas sozinho, como tantas vezes fez;
-um Jackson Martinez em superação constante, que já fora decisivo contra o Sporting com aquele maravilhoso golo de bicicleta em vólei, e voltou a sê-lo contra o Dinamo de Kiev e o Estoril. Tendo sido dos que ficaram assustados com o preço da sua aquisição, agora vou gostosamente constatando que os meus receios não tinham razão de ser. Não apenas ele tem o faro do golo, como junta a isso, que é essencial num ponta-de-lança, um reportório técnico que desconcerta os adversários e serve a equipa como se viu anteontem na magnífica assistência para o golo de Varela;
- James sempre em grande nível, com um futebol perfumado e elegante, por vezes letal, e ainda com o plus de ser um jogador sem tatuagens nem penteados à moicano ou à poupa-rabuda, sem tiques de vedeta e a olhar sempre à procura das câmaras. Um miúdo genial e simples;
- Lucho em acentuada queda, física e criativa, disfarçada com dois passes para golo contra o Dinamo, mas sem nada mais de bom a registar no resto do tempo dos dois jogos em questão;
- Otamendi a subir de forma e Maicon a descer, em ambos os jogos, permitindo cabeceamentos nas suas costas (um fatal, o outro quase);
- Mangala totalmente inadaptado à função de defesa esquerdo, com precipitações perigosas e fora de tom.

Tudo ponderado, o saldo destes primeiros tempos de orfandade de Hulk é francamente positivo. Os oitavos de final da Champions estão já aí, ao virar da esquina, e um bom resultado em Kiev, para a semana, deixará a equipa muitíssimo bem encaminhada para o sempre importante primeiro lugar no grupo.

2- Vi a meia hora inicial do Benfica em Barcelos, naturalmente impressionado com a passadeira vermelha que o Gil lhe estendeu desde o primeiro minuto. Sem retirar mérito, por exemplo, ao segundo golo do Benfica, muito bem construído, fiquei com a sensação de que estavam a jogar sozinhos. Já do jogo de Moscovo, só vi bocados da segunda parte e pareceu-me muito pouco Benfica para as necessidades do momento e para as dificuldades daquela espécie de relvado.

Constatei que os dois melhores jogadores do Benfica, ali e neste início de época, são Artur e Lima, dois jogadores que foram buscar ao Braga, um grátis, o outro por módicos três milhões. E depois vi o Braga a jogar em Manchester com nada menos do que cinco jogadores provenientes do FC Porto e gratuitamente. Situação curiosa esta: nós, que somos oficialmente o amigo do Braga, passámos para lá cinco jogadores e não fomos buscar nenhum; e o Benfica, aliado do Guimarães, foi lá buscar dois decisivos, e só mandou para lá o Ruben Amorim.

No jogo de Manchester, cheguei a entusiasmar-me com a perspectiva de finalmente ver o arrogante United de Ferguson ser batido em casa por uma equipa portuguesa. Mas, a partir da meia hora de jogo, perdi a esperança, assim que vi os jogadores do Braga renunciarem ao ataque e mesmo ao contra-ataque, que tão bons frutos tinha dado até aí. Deixando-se encostar voluntariamente às cordas, quando ainda faltava uma hora para o fim, o Braga limitou-se a confiar na sorte e acabou tendo o castigo merecido.

Na taça UEFA, aconteceu o que mais seria de esperar. Equipas que só lá estão por força dos pontos ganhos pelas outras equipas portuguesas que estão na Liga dos Campeões, demonstraram não estar à altura da situação - incluindo o Sporting, que, sob o comando de Oceano, acumulou a sua quarta derrota em outros tantos jogos, três em que o teve como treinador principal e transitório. Não vi o jogo, só li que o Sporting até jogou bem e a derrota foi injusta. Mas, caramba, quem é o Genk? O que deste esquema resulta é que o FC Porto, sempre, e o Benfica e Braga, por vezes, acumulam pontos que revertem em favor das equipas que irão à Taça UEFA; e estas, uma vez lá chegadas, tratam de fazer baixar o ranking, acabando assim por prejudicar a participação dos seus benfeitores na Champions. Mais valia que houvesse dois rankings separados, um para cada competição, abrindo vaga nelas conforme os pontos aí conquistados.

3- A campanha eleitoral do Benfica decorreu como se esperava (sem nenhuma elevação) e terminou como se previa (com um tranquilo passeio de LFV). O juiz Rangel saiu muito abalado — não como benfiquista, mas sim como juiz. E Vieira viu-se obrigado e amarrado a uma declaração de guerra contra a Olivedesportos, cujas consequências estou muito curioso de ver como conseguirá ultrapassar sem se enfiar num tremendo buraco. É bem mais fácil dizer que os direitos televisivos do Benfica valem 30 ou 40 milhões por ano do que arranjar forma de os fazer valer. Em ambiente eleitoral, os adeptos acríticos e os jornalistas militantes são levados a pensar que, basta ir buscar José Eduardo Moniz para o assunto se resolver em duas penadas. Mas a ver vamos até onde e quanto estará a Meo disposta a ir para vencer a guerra contra a Zon. Comigo, escusam de contar, por quatro razões, que desde já anuncio: primeiro, porque acho a Zon melhor que a Meo; segundo, por que Meo é descaradamente benfiquista; terceiro, porque fiquei alérgico à Meo desde as supinamente irritantes campanhas de promoção com os Gatos Fedorentos; e quarto, porque, a não ser para me rir até às lágrimas com os relatores e comentadores do Canal Benfica, não me imagino a suportar jogos de futebol com aquele ruído de fundo que alguns gostariam de confundir com jornalismo.

sexta-feira, maio 24, 2013

O SPORTING VAI ACABAR? (23 OUTUBRO 2012)

1- Torna-se penoso, mesmo para um adversário, falar do estado a que chegou esse clube mítico que é o Sporting Clube de Portugal. Ainda por cima, para alguém como eu, que despertou para o futebol na infância, em Alvalade, onde o meu pai, um sportinguista feroz, me levava, na esperança de me fazer também devoto do verde e branco. Esperança essa que, como se sabe e felizmente, lhe saiu furada. Eu cresci a ver o Sporting (e o Benfica) a dar pancada no Porto, sistematicamente, inapelavelmente, de cada vez que os rapazes das Antas passavam a ponte e as pernas lhes começavam a tremer mal viam Lisboa à vista. Nem nos meus melhores sonhos de então eu alguma vez me atrevi a imaginar que viveria um dia em que a superioridade do Porto sobre o Sporting (e sobre o Benfica) seria esmagadora num caso, evidente no outro. Esse sonho, no que ao Sporting diz respeito, tornou-se de tal forma exuberante que já virou quase pesadelo. Um pesadelo para os sportinguistas, claro, mas também para todos os que acham que a essência da competição... é haver competição. (Veja-se o caso do basquetebol, onde a retirada do FC Porto no final da época passada, reduziu o actual campeonato a uma competição sem interesse, com um único candidato ao título, o Benfica) . O estado a que o Sporting chegou, em todos os domínios e em quase todas as modalidades, com realce para o futebol que é o core business do clube — já deixou de ser apenas um problema interno para ser também uma questão que toca a todos e interessa a todos.

Até porque a lenta mas consistente agonia do Sporting tem aspectos que vão para além das razões próprias (que são muitas e algumas incompreensíveis), e que têm que ver com a morte de uma certa forma de estar no futebol e gerir um clube profissional de futebol no século XXI. A agonia do Sporting é talvez, um paradigma e um prenúncio da extinção de uma espécie: a espécie de clubes que vivem de glórias passadas, sem capacidade de se adaptarem a tempos e problemas novos, sem perceberem que o estatuto não garante coisa alguma e a glória no desporto é tão fugaz como a chuva de Verão. Um dia, há uns cinco anos, em conversa com o meu amigo sportinguista José Sousa Cintra, disse-lhe, perante o escândalo dele, que não tinha a certeza de que o Sporting não se viesse a extinguir. Todos os anos há clubes que morrem ou que recomeçam do zero, aqui ou lá fora, e alguns deles, como o Glasgow Rangers, com um estatuto e um passado que não ficam atrás dos do Sporting.

Nesta hora em que tudo corre mal ao Sporting, não me cabe a mim dar-lhes conselhos ou, menos ainda, acrescentar as dores deles com criticas agora fáceis. É muito feio bater em quem está em baixo, embora às vezes não aguente assistir calado às eternas lamechices dos sportinguistas, sempre à procura de uma conspiração externa que sirva para ocultar os fracassos resultantes de culpas próprias – e que são, em si mesmas, as lamechices, razão directa dos fracassos. Mas apenas direi que me parece evidente que a crise do Sporting, que vem de trás e não mostra (nem seria natural que mostrasse) qualquer sinal de se resolver por si própria, ultrapassa em muito a mera conjuntura deste ou daquele treinador, desta ou daquela equipa. Mais do que de reuniões tumultuosas e divisionistas, em Conselhos Leoninos ou Assembleias-Gerais, penso que o Sporting precisa de uma espécie de Congresso refundador, onde toda a verdade esteja em cima da mesa e todas as alternativas possam ser discutidas e analisadas, mesmo as mais chocantes. Se é só para discutir árbitros, treinadores ou presidentes, não me parece que encontrem o caminho da salvação. E oxalá o encontrem a tempo.

2- A todos os benfiquistas e sportinguistas, uns atordoados pela dimensão caótica das coisas, outros entretidos na disputa eleitoral, recomendo vivamente a leitura do artigo de Paulo Futre, aqui publicado no domingo passado. Em boa hora Futre veio juntar-se à equipa de A BOLA, trazendo a experiência de dentro, de quem jogou futebol ao mais alto nível, e também a experiência de fora, de quem andou pelo vasto mundo do futebol, aprendendo, comparando, entendendo. Se benfiquistas e sportinguistas alguma vez estiverem interessados em perceber as razões dos sucessivos êxitos do FC Porto, leiam o texto que Futre dedicou a Pinto da Costa e onde explica bem porque razão ele é um vencedor. Mas se porventura preferirem ficar na posição intelectual de um Rui Gomes da Silva, que apenas serve para espalhar a calúnia e a ofensa e destilar inveja e ódio, não vale a pena lerem. Fiquem com as suas verdades e a sua arrogância.

3- Prefiro não falar sobre a vitória do FC Porto contra o Santa Eulália que, aliás, tive o bom senso de não ver. E prefiro não falar também sobre o empate caseiro, arrancadado a ferros, da Selecção portuguesa sobre a da Irlanda do Norte - de que vi apenas algumas passagens eloquentes. A vida pública já está muito triste e frustrante assim como está e não vale a pena acrescentar-lhe mais motivos de revolta e frustração a ver as vedetas mimadas do futebol a comportarem-se como prima donas, que só se incomodam de vez em quando. Diz-se em Madrid, por exemplo, que a célebre tristeza de Ronaldo, que «não tinha nada a ver com dinheiro» e que tantas páginas de jornal ocupou, terá ficado resolvida com mais 4 milhões por época, a juntar aos 9 que já constavam do contrato - fora a publicidade. Só me pergunto quando é que a Selecção portuguesa, que sempre encontra o Dragão cheio e entusiasmado a apoiá-la, tem vergonha de jamais devolver com um jogo que mereça a pena ser visto. E pergunto-me se os insatisfeitos do FC Porto, que se arrastaram em Vizela, gostariam de ver as bancadas do Dragão desertas amanhã, contra o Dínamo de Kiev, como mereciam. É altura de as vedetas perceberem que os tempos estão muito difíceis para muita gente e que ir ao futebol, comprar lugar de época ou bilhetes avulsos, está na categoria das primeiras despesas de que muitos tenderão a prescindir - sobretudo , se o espectáculo só raramente vale a pena. Os jogadores profissionais poderão achar que, mesmo com bancadas despidas, a crise lhes passará ao lado, graças aos direitos televisivos, aos patrocinadores, etc. Mas quem quererá patrocinar ou transmitir jogos em estádios sem adeptos - que são o sal do futebol? E, mesmo que eu esteja enganado, resta esta sensação revoltante de ver que jogadores que tanto se preocupam com as suas bombas automóveis, as suas roupas, tão caras quanto ridículas, as suas tatuagens e penteados patéticos, estarem-se nas tintas com a imagem que dão de absoluta indiferença e respeito perante as dificuldades que enfrentam os adeptos que, mesmo assim, os vão ver jogar, na esperança de esquecerem por umas horas a vida como ela está. Repito-me: um jogador de futebol, por melhor que seja, é apenas alguém que tem geito para dar pontapés numa bola e a quem o destino permitiu seguir essa vocação. Não é nada de extraordinário, comparado com tantas outras actividades e profissões bem mais úteis para a sociedade e bem menos rentáveis.

4- Como acima disse, iniciou-se o campeonato de basquetebol desta época. E inicou-se sem que o treinador do Benfica, Carlos Lisboa, tenha sido sancionado pelo seu indecente e indesculpável comportamento no pavilhão do FC Porto, no último jogo da temporada passada. Não foi por isto que o FC Porto, com grande tristeza minha, desistiu da modalidade. Mas esta permissividade, sintoma de outros favorecimentos maiores, contribuiu para desacreditar um campeonato que agora pouco vale. Parabéns a quem de direito.

quinta-feira, maio 23, 2013

QUANDO OS PRESIDENTES ALMOÇAM (16 OUTUBRO 2012)

1- Nada reconforta mais os presidentes dos nossos clubes de futebol, ditos grandes, do que os almoços na província com as casas e delegações dos clubes. Invariavelmente recebidos nas respectivas Câmaras Municipais com estatuto de vips, passeiam-se depois em cortejo real pelas ruas, antes de almoçarem perante umas centenas de adeptos deslumbrados a quem, obrigatoriamente, retribuem com um discurso que é sempre o mesmo: o elogio de si próprios e da obra feita, o incitamento à paixão clubística amorfa e acrítica e o aviltamento dos adversários - que frequentemente são derrotados e esmagados ali, na mesa do restaurante, entre febras e bacalhau, não o podendo ser no terreno de jogo.

Esta semana, dois dos presidentes ditos grandes, Godinho Lopes e Luis Filipe Vieira, retomaram o ritual e desceram à província e aos adeptos anónimos.

Em Vendas Novas, o presidente do Sporting compareceu com um saco cheio de nada para apresentar: nem resultados desportivos, nem um futebol que se veja na equipa, nem sombra de treinador para substituir o desafortunado Sá Pinto, nem resquícios da miragem dos célebres investidores estrangeiros, das Arábias ou mais a Oriente, que viriam, sabe-se lá porque razões, investir um saco de dinheiro na SAD do Sporting e pôr fim aos seus tormentos financeiros. Afinal, segundo explicou Godinho Lopes, os investidores não são prioritários nem sequer necessários: há outras alternativas; e, quanto ao treinador, se bem que já esteja «identificado», não há pressa em contralá-lo, pois que o principal é criar «condições de sustentabilidade para futuro» seja isso o que for, mesmo que seja a prosaica ideia de contratar alguém que não se importe de ser despedido ao fim de uns meses, sem reclamar indemnização. E assim, sem nada de palpitante para justificar aos sócios o preço do almoço por eles pago, o presidente do Sporting teve que se remeter ao tema mais caro à alma sportinguista: os erros de arbitragem, como os supostamente sucedidos no Dragão e que impedem a equipe de mostrar o que vale. Não fosse essa sistemática perseguição dos senhores do apito e o Sporting não só não teria perdido no Dragão, como não teria sido humilhado na Hungria, não teria perdido a final da Taça para a Académica, não teria terminado o campeonato em 4º lugar, não teria sentido necessidade de despedir Domingos e Sá Pinto e doze treinadores nos últimos dez anos.

Na Mealhada, o presidente do Benfica, por seu lado, trouxe uma novidade que era tão fresca como a notícia da morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir: vai-se candidatar a novo mandato. Eu simpatizo pessoalmente com Luís Filipe Vieira, que acho uma pessoa bem mais interessante e descontraída em privado que em público (como muitos de nós, afinal). E, quando ele fala em público, quando repete o discurso de guerra ao Porto, às vezes tenho dificuldade em associá-lo à mesma pessoa que conheço. Não pela guerra declarada ao Porto, que faz parte das funções que ocupa, mas pelo tom e pelos argumentos tantas vezes utilizados. Viera, que, de facto, tirou o Benfica do abismo e da vergonha em que Vale e Azevedo o mergulhara, ao contrário de outros, conhece bem Pinto da Costa, até já foram amigos, e não pode ignorar o quanto de mérito, de inteligência e de trabalho tem a gestão de Pinto da Costa, responsável por tantos e tantos êxitos que desesperam os benfiquistas. No caso concreto do discurso da Mealhada, acho infeliz que ele tenha regressado ao registo do quanto sacrifica para estar à frente do Benfica e o quanto hesitou para se decidir a recandidatar-se, quando toda a gente sabe que isso não é verdade. Assim como acho infeliz que, depois de ter blindado os estatutos para evitar candidaturas de sangue novo, reaja como animal acossado à mais leve ameaça ao seu poder ou ao mais tímido desafio eleitoral à sua candidatura, como essa do juiz Rangel. Que veja sempre no exercício do mais elementar direito democrático a mão de «hipócritas» ou «oportunistas», que só querem é sabotar o que de bom ele fez e levar o Benfica de volta a um passado tenebroso. Vieira, como Pinto da Costa, Vicente Moura e tantos outros, deviam ler os editoriais de João Jardim no Jornal da Madeira para perceberem como o poder continuado e não disputado, o poder absoluto, se torna numa coisa desagradável de ver e patética de exibir.

Mas Vieira trouxe uma novidade à Mealhada, uma novidade chamada José Eduardo Moniz - um dos que ele classificou como «oportunistas», em devido tempo. Trabalhei muitos anos com Moniz, na RTP e na TVI primeiro, criando relações de desconfiança e conflito, felizmente depois substituídas por relações de amizade, confiança e lealdade mútuas, de que não me esquecerei. Não tenho a menor dúvida de que a sua capacidade de trabalho, de liderança e de mobilização serão utilíssimas ao Benfica, assim o deixem trabalhar. Mas a chegada ao mundo do futebol de pessoas, de civis, como ele, com um nome, um passado e um prestígio conquistados lá fora, deixa-me sempre com sentimentos mistos. Por um lado, congratulo-me por ver outra gente, mais capaz e menos obscura, decidir-se por ali entrar. Por outro lado, e independentemente das cores clubísticas, temo sempre por eles, por aquilo que a vertigem e a bebedeira da guerra clubíslica vivida por dentro, lhes poderá causar. Ora, devo confessar, com toda a sinceridade e amizade, que a entrada em cena do José Eduardo Moniz me deixou apreensivo. O tom, a voz e a expressão dele ao microfone não eram o que eu recordo. Depois, a sua afirmação de que o Benfica luta contra «truques de arbitragem e conluios esmagadores», se bem que destinada a satisfazer o populismo basista e sanguinário que é o menu habitual destes almoços na província, augura mais do mesmo, mais do pior. Moniz acaba de chegar ao futebol, onde não se lhe conhece nenhuma opinião, nenhuma qualificação específica, designadamente em materia de arbitragem. E já conhece truques e conluios? Truques e conluios usava a RTP (de onde Moniz veio) para tentar, como dizia Albarran, «esmagar as privadas à nascença». E, contra esses truques e conluios, Moniz pegou depois na TVI, à beira da morte, e, em poucos anos, transformou-a na estação líder. Eu estive lá com ele, no início desse processo de viragem, e a convite dele. Ambos sabemos que o turnover só foi conseguido a pulso, com muito trabalho, muita ousadia e muito mérito. Antes de se juntar ao politicamente correcto dos benfiquistas (e sportinguistas) que acham sempre que o adversário não tem mérito algum e que os seus sucessos derivam só de truques e conluios, Moniz faria melhor em proceder como na TVI: estudar as fraquezas e forças próprias e alheias e tentar perceber, por exemplo, como é que num mercado global de tal forma desequilibrado, o FC Porto conseguiu ser duas vezes, nos últimos 25 anos, campeão da Europa e do Mundo? A que truques ou a que conluios se deverá isso?

2- Sir Alex Ferguson, eterno treinador e manager do clube que é o maior predador do futebol mundial, cujos méritos resultam apenas da faculdade de utilizar os milhões sem fim à sua disposição para ir roubar os jogadores que os outros formam sem dinheiro equivalente, já declarou a sua real cobiça em James Rodriguez, do FC Porto. Eu percebo o desejo de Sua Majestade fergusiniana e percebo bem que ele não queira antes desviar as suas atenções para Silvestre Varela, por exemplo. Só não percebo é porque razão — ele, que acha que o FC Porto compra os campeonatos no supermercado — em lugar de passar a vida a cobiçar jogadores do FC Porto, não vai antes ao supermercado abastecer-se directamente.

quarta-feira, maio 22, 2013

COMO DE COSTUME…(9 OUTUBRO 2012)

1- Neste pobre país onde vivemos e pelo qual sofremos, há coisas que nunca mudam e que, de tão repetidas e previsíveis, são sinal certo da nossa mediocridade. Uma delas é o Sporting e o futebol: sempre que perde contra os seus rivais, é certo e garantido que os dirigentes do Sporting irão culpar a arbitragem, e sempre que, inversamente, são decisivamente beneficiados pela arbitragem (como tinha sucedido nos últimos dois encontros do campeonato), é igualmente certo e garantido que eles se vão calar, muito bem caladinhos.

Custa~me bater no ceguinho - e o Sporting do Dragão foi um ceguinho sem cão nem bengala, um triste arremedo de uma equipa de futebol, o fantasma de um candidato ao título. Mas também não convém que nos fiquemos, pois que eles nunca se ficam com as suas fábulas e a suas verdades deturpadas, que depois transformam em registos históricos, quando já ninguém se lembra de que estão a falar. Dentro de uns tempos, estarão a proclamar, como verdade histórica, que um dia foram ao Dragão, onde perderam 2-0, unicamente por força de uma arbitragem que lhes expulsou um jogador, mostrou amarelos a outros oito e inventou dois penalties contra eles. E com isso se consolam e desculpam para já e acrescentam para futuro a sua interminável crónica dos padecimentos sofridos às mãos dos maus.

Pois bem: os oito jogadores admoestados com os amarelos, todos eles os mereceram, quando a equipe, deserta de argumentos e de força, entrou por um festival de indisciplina e rudeza. O jogador expulso cometeu a insensatez de ter duas entradas violentas no curto espaço de dois minutos e a sua falta, pelo tempo que durou, foi compensada com o tempo em que o Porto jogou também com dez, devido às lesões de Maicon e Alex Sandro. O primeiro dos penalties, que a crítica especializada considera justo, é daqueles que eu detesto, tanto que dei por mim a torcer para que o Lucho o falhasse, como falhou: por aí não teve o Sporting quaisquer danos. O segundo, que a crítica considera não ter existido, pareceu-me mais real do que o primeiro. Foi convertido, mas, ao contrário do que vi escrito, ele não «matou o jogo» — não só porque faltavam oito minutos para o fim, mas sobretudo porque não havia nenhum jogo vivo pelas bandas do Sporting, Com ou sem o segundo penalty, o Sporting teria perdido. Aliás, acho que quem tem razão para se queixar da arbitragem é o FC Porto. À quarta falta cometida (num total de dez), já tinha três cartões amarelos, e, dos quatro recebidos, um foi absurdo (uma inócua mão de Lucho a meio campo), outros dois foram por faltas que não existiram, e o último, a Alex Sandro, foi por uma falta cometida por Elias (de que resultou a saída, por lesão, do defesa portista), e que o árbitro transformou em livre contra o Porto, do qual saiu o único remate perigoso do Sporting à baliza em todo o jogo.

Segundo o dirigente sportinguista, Luís Duque, foi a arbitragem que «parou o Sporting neste jogo», já que, a equipa «tudo fez para conseguir um resultado diferente e não fez mais porque não a deixaram». Mesmo dando o desconto da necessidade de se justificar em defesa própria, as declarações de Duque são quase revoltantes. O Sporting só entrou na área do Porto aos 15 minutos e beneficiando de superioridade numérica momentânea, com a ausência de Maicon. Teve esse único remate perigoso, que lhe ofereceu o árbitro aos 80 minutos, e não criou uma só oportunidade de golo em todo o restante tempo. Em contrapartida, viu duas bolas nas suas traves, vários remates a passar tangentes e várias oportunidades do adversário de que se salvou sem saber bem como. E, acima de tudo, foi uma equipa inexistente, em termos dc disputa do resultado.

De facto, e de cima a baixo, o Sporting não aprende e não arrepia caminho. Em nada. É um Calimero que, à força de se repetir sem sentido, está há muito desligado da realidade e das suas próprias responsabilidades e que, visto de fora, se torna patético. É patético ouvir o Oceano (e logo na estreia!) declarar que «fizemos os possíveis para ganhar... conseguimos controlar o jogo... e criámos oportunidades». E uma repetição do discurso de Sá Pinto, que, depois de cada desaire e de cada frustrante exibição, jurava que o Sporting estava cada vez melhor. Será que eles acreditam que ninguém mais vê os jogos? Mais absurdo do que isto só talvez ouvir o guarda-redes do Benfica, Artur, declarar que jogaram de «igual para igual» com o Barcelona, depois de uma segunda parte em que tiveram 21% de posse de bola em casa e não criaram uma só oportunidade. Mas com o ridículo dos outros pode o Sporting bem. O que não pode é continuar, ano após ano, desaire após desaire, a queixar-se sempre da sorte e dos árbitros, do sistema solar e da lei da gravidade, e jamais olhar para dentro de si mesmo com olhos de ver. Repito: faz falta o Sporting de volta para um campeonato a quatro. Mas, assim, não vai lá.

2- Contra o Sporting, o FC Porto ganhou com competência — como gostam de dizer os treinadores. Em vantagem desde os 10 minutos, com o fenomenal golo de Jackson Martinez, jamais viu a sua superioridade ser minimamente contestada. Mas, como de costume, faltou-lhe a arte ou ousadia para matar o jogo. E era tão fácil! Mas, finalmente, há que reconhecer que a equipa começa a mostrar uma ideia de jogo e, não fazendo esquecer Hulk porque, de facto, há insubstituíveis procura claramente um plano alternativo à sua ausência.

A melhor prestação da época registou-a quarta-feira, contra o PSG. Não era um jogo fácil, daqueles de enfrentar de peito aberto sem medo de represálias. Era preciso atacar, longa e consistentemente, mas sem desguarnecer a retaguarda — e o FC Porto conseguiu-o. O mesmo onze que venceu justissimamente os novos novos-ricos da Europa foi repetido contra o Sporting e, curiosamente, também o registo individual das prestações de cada um se repetiu de jogo para jogo. Brilhante João Moutinho (e dou gostosamente, a mão à palmatória, depois da sua prestação contra o PSG); excelentes, Helton e os centrais, Maicon e Otamendi, mais Fernando, Alex, James, Atsu e Jackson Martinez (um jogador que cada vez aprecio mais). Fracos, Danilo (que, apesar das suas queixas no Twitter, demora a mostrar argumentos para o que custou), Lucho, que vive uma fase de total depressão, que passou do campo pessoal para o campo de jogo; e Varela, que, depois de uns bons vinte minutos iniciais contra o PSG (em comparação com o habitual), conseguindo cruzar duas vezes, embora sem consequências, logo desapareceu desse jogo e de todo o jogo com o Sporting, onde estragou todos e cada um dos lances em que a bola lhe passou pelos pés. Como disse Luís Preitas Lobo, com certeira ironia, «Varela e Atsu: descubram as diferenças!» Pois, de facto, todas a gente já as descobriu, menos Vítor Pereira. Ele que no ano passado, por esta altura, tinha Varela como primeira opção para o flanco esquerdo do ataque, seguido de Cristian Rodriguez e só depois James Rodriguez, segue esta época um processo idêntico, incapaz de perceber as diferenças entre o génio, que precisa de ser trabalhado, de Cristian Atsu e a falta de génio que aparentemente Varela perdeu para sempre. Em ambos os jogos, contra PSG e Sporting, Vítor Pereira demorou 70 minutos a trocar a imobilidade de Varela pela loucura criativa de Atsu. Mas, tal como reparou Freitas Lobo, e todos nós, Atsu fez em cinco minutos mais do Varela em setenta. E, no final da época, quando os tubarões voltarem a vir à caça no Dragão, o primeiro a sair será James Rodriguez depois da habitual rábula do «não vendemos ninguém, queremos é que fique aqui muitos anos». E, a seguir a ele, posso jurar ao Vítor Pereira que quem os tubarões vão querer não é o Varela, é o Atsu. E por estas e por outras que eu me chego a perguntar se alguns treinadores verão os jogos das suas equipas — durante ou depois.

terça-feira, maio 21, 2013

UM FILME JÁ VISTO DEMAIS (2 OUTUBRO 2012)

1- Em Vila do Conde, o FC Porto repetiu uma cena já demasiadamente vista, e ainda há pouco em Barcelos: moleza, displicência, leviandade insustentável numa equipa paga a peso de ouro, a consumar-se no resultado final de dois pontos perdidos face a um adversário que se balia com armas claramente inferiores. Vítor Pereira criticou duramente os seus jogadores no final, como já o havia feito depois do empate em Barcelos, mas a verdade é que, como reconheceu Sá Pinto depois de também ter assistido a uma exibição semelhante do Sporting, a falta de atitude da equipa é responsabilidade do treinador. Sobretudo, se é recorrente.

Frente ao Rio Ave, o FC Porto começou até por se adaptar razoávelmente bem a um relvado em estado lastimável (quando não são quintais, são batatais, a provar a razão dos que, como eu, há muito defendem que a I Liga devia ter menos clubes, melhores e mais exigentes condições e melhor futebol). Porém, depois de se ter visto a ganhar próximo do intervalo, a equipa reentrou com uma postura de total alheamento, displicência e falta de combatividade confrangedora. Há jogadores, como os internacionais portugueses João Moutinho e Silvestre Varela, que andam por ali em doses mínimas de esforço e talento, nada acrescentando ao jogo da equipa. São casos diferentes dos que nada acrescentam porque não sabem ou não podem. Mas no banco fervilham de impaciência alguns miúdos que, por estatuto, parecem ler os caminhos tapados, mesmo quando se torna evidente que o estatuto não ganha jogos.

E quando, mesmo antes de o Rio Ave, convidado a acreditar e atacar, ter dado a volta ao jogo, Vítor Pereira resolveu mexer na equipa, antecipando-se por uma vez aos acontecimentos que se adivinhavam iminentes, fê-lo, como quase sempre, não para melhorar a equipa. mas para a piorar. Tirou Lucho, o único estratega ofensivo do meio-campo, fazendo entrar Fernando - e assim ficou com um meio-campo integralmente composto por três jogadores de tração atrás, muito bons para tentar defender a vantagem mínima, mas inúteis para matar o jogo. E, para acrescentar aos danos, lá entrou o corpo presente de Varela, para o lugar de mais um criativo (Atsu), com o efeito previsível e habitual de perder um flanqueador em troca de nada.

Assim destroçada a equipa, e enquanto o Rio Ave virava o jogo, Vítor Pereira continuou a preencher páginas de apontamentos - uma jogada de marketing e imagem inventada por Mourinho, que há muito passou de moda, porque, como é evidente, os apontamentos tiram-se depois, ao rever o jogo em vídeo, e não com este a decorrer: ninguém perde tempo a analisar o passado, quando tem o presente para resolver. E assim ultrapassado pelo fluxo dos acontecimentos, Vítor Pereira não se lembrou de nada melhor para fazer prova de vida do que meter Kleber — mais um habitual recurso de urgência, condenado a produzir o mesmo resultado de sempre, ou seja, nada. Um bocadinho, apenas um bocadinho dc concentração no jogo e de lucidez, ter-lhe-¬ iam dito que, em lugar de mais uma estátua sem movimento lá na frente, teria feito melhor em lançar mão de um dos tais miúdos repentistas que morrem de tédio no banco: Kelvin ou Iturbe.

E foi assim que, tirando bom partido de erros alheios, Nuno Espírito Santo conseguiu aumentar o seu historial de danos causados ao FC Porto, desta vez enquanto treinador. Ele que, enquanto guarda-redes já nos havia feito perder uma final da Taça, uma Taça da I.iga e uma classificação na Champions, para além de outros danos que já esqueci. É o nosso João Cravinho, o governante que até hoje mais caro terá saído ao país.

Há alturas em que um adepto, vendo confortavelmente os jogos pela televisão, se pergunta por que carga de água, por que ignotos per gaminhos, há alguém, com a faixa de treinador, tem o imenso privilégio de ser o único a decidir os melhores caminhos de um jogo, e que o faz tantas vezes ao contrário do senso comum, a olho nu? Eu sei que os mirones vêem melhor do que quem está lá dentro e sei que há coisas que se ignoram de fora e que só quem anda lá dentro sabe. Mas também hei-de continuar a pensar que, como me disse uma vez José Couceiro, o futebol não é nenhuma ciência oculta e que perceber quem são os jogadoress bons e os que não prestam, os que podem ajudar a resolver um jogo e os que nada acrescentam, não é assim tão complicado: basta tirar apontamentos enquanto se revêm os jogos em vídeo. E, depois tirar daí as consequências.

Por muita simpatia que inspire Sá Pinto e a sua dedicação ao Sporting, Vítor Pereira e a sua dedicação ao FC Porto, e por muito que as suas carreiras estejam apenas no início e possam vir a ser brilhantes no futuro, a verdade é que, no presente e entre os três grandes, só o Benfica é que tem um treinador à altura das suas responsabilidades. Pode-se gostar ou não do estilo de Jorge Jesus, da sua pose, dos seus exageros, mas que percebe muito mais de futebol do que os seus rivais, disso não tenho dúvidas.

2- Conta a anedota que quando Moisés desceu da montanha, depois de ter recebido os mandamentos de Deus, encarou o povo que o esperava e disse-lhe: «A boa notícia é que são só dez; a má notícia é que a proibição do adultério é um deles. » Pois aqui a má notícia é que o Glorioso Sport Lisboa e Benfica se continua a arrogar o direito de vetar árbitros, a boa notícia é que são só sete (em vinte e dois, creio).

A histeria montada pelos incendiários ao serviço do Benfica, a propósito de uma arbitragem de que não tiveram razões fundadas de queixa — como aqui notou Cruz dos Santos (o único imparcial por todos reconhecido nesta matéria) - dá vontade de dizer 'mas venham, venham já os árbitros estrangeiros, para vermos quanto tempo demoram a dizer que eles também estão comprados'. A facilidade com que se crucifica, executa e calunia um árbitro por um penaíty que imagem alguma consegue demonstrar se foi dentro ou fora da área, demonstra a boa-fé desta gente, destes profetas da verdade desportiva. Em particular, a dupla infalível Silva/Sílvio, destilando ódio em cada palavra, revelando um absoluto desinteresse pelo futebol em si mesmo, uma impunidade do insulto total e um soberano desprezo pela fronteira entre verdade e mentira, nem eles sa- bem ou imaginam os danos que causam ao seu clube. Quem odeia espalha o ódio.

3- Partido Javi Garcia, Maxi Pereira tem se revelado um digno sucessor do estilo do ex-benfiquista. É um mês- tre do kickboxing aplicado ao futebol, e já nem os agentes desportivos (os tais que justificaram a suspensão por três meses de Hulk) escapam à sua arte em liberdade. Sim, em absoluta liberdade. Só lhe falta ser subsidiado pelos contribuintes, como outros artistas que se reclamam como tal.

4- Infelizmente, julgo que amanhã, no jogo crucial contra o PSG, Vítor Pereira não vai surpreender ninguém. Vai jogar para a «contenção»,o «controlo do meio-campo», a posse de bola - uma posse de bola que ele vê como um valor em si mesmo e não como um meio para atingir um fim. Vai meter Varela e talvez até se lembre de reforçar no miolo com o Defour. Vai preferir Miguel Lopes a Danilo, que tem a desvantagem de gostar de atacar. Vai deixar todos os miúdos-maravilha no banco, fugindo da surpresa e da audácia como o diabo foge da cruz. E, se estiver à rasca, mete Kléber. E, se tudo fizer assim, arrisco o meu prognóstico: nada irá sair bem. O empate já não será mau. O que faria eu? Uma loucura: Helton; Danilo, Maicon, Rolando e Alex Sandro; Fernando; Lucho e James; Atsu, Jackson e Iturbe.

5- Num discurso muito calmo, lúcido e raro de ver, o treinador do Estoril - Praia, disse que não queria falar da arbitragem, que lhe tirou dois pontos em Alvalade, porque, se o fizesse, também teria de falar dos árbitros quando fosse beneficiado. Depois de duas jornadas consecutivas em que o Sporting só escapou da derrota graças a erros de arbitragem, os sporlinguislas - sempre tão rápidos a protestar quando se sentem prejudicados - deveriam meditar na lição que lhes deu o treinador do Estoril.

segunda-feira, maio 20, 2013

JÁ COMEÇOU O CHORADINHO (25 SETEMBRO 2012)

1- Tinha de ser: ao segundo tropeção do Benfica (o primeiro foi em casa com o Braga, mas não havia como culpar o árbitro), Jorge Jesus, mais os sempre disponíveis jornalistas benfiquistas, lá encontraram na arbitragem a razão da desfeita. E, nem de encomenda, era o Carlos Xistra. Numa conversa escutada na rua a três benfiquistas (aparentemente sem nada que fazer), lá escutei o rol de queixas pelo empate em Coimbra: primeiro culpado, Pinto da Costa; segundo, Carlos Xistra; terceiro, o Cardozo, que falhou três golos feitos; quarto, Jorge Jesus. E assim, evoluindo da tese do crime alheio para a da responsabilidade própria, tamanha era a confiança manifestada, que um deles anunciou solenemente que, contra o Barcelona, nem iria querer ver o jogo. Já os adeptos benfiquistas presentes em Coimbra, seguiram uma ordem diferente: primeiro, viraram-se contra a comitiva e o autocarro do clube, depois, contra a sede da claque da Académica.

Perante um estádio desoladoramente vazio, e com um meio-campo desoladoramente à procura de si mesmo, o Benfica só não ganhou o jogo porque conjugou muita falta de sorte com muita aselhice própria e muito mérito do guarda-redes Ricardo. A Académica só existiu em trinta metros do campo e, jogando metade do tempo com um a menos, nada mais fez do que afastar uma bola da área para logo a seguir ter de afastar outra e outra e assim sucessivamente. O árbitro não foi para aqui chamado: decidiu quase tudo bem, com várias situações nada fáceis de analisar.

No primeiro penalty, em jogo corrido, a falta pareceu claramente dentro da área, mas na verdade ninguém de boa-fé pode garantir uma coisa ou outra;

no penalty contra a Académica enxergou bem uma mão intencional que não era óbvia, e decidiu-se bem pelo cartão vermelho, numa situação em que 90% dos árbitros teria ficado pelo amarelo (mas disso não falam os benfiquistas);

e, no segundo penalty a favor da Académica, é verdade que Garay tocou primeiro na bola (o que só se percebe em câmara lenta), mas tão ao de leve que nem lhe mudou a trajectória e só conseguiu que Hélder Cabral não seguisse com ela, isolado, porque, no mesmo movimento, o derrubou. Em qualquer lado do campo, seria falta - porque não ali?

Jorge Jesus não tem culpa dos golos inacreditavelmente desperdiçados por Cardozo e Rodrigo. Mas Carlos Xistra também não.

2- Seis equipas portuguesas entraram em acção na Europa com um saldo decepcionante: uma vitória, três empates e duas derrotas; três golos marcados e quatro equipas a zero. Este é o reverso da medalha de termos muitas equipas na Europa: metade delas trata rapidamente de baixar o ranking que, depois, as outras têm de tratar de subir, a pulso, nos anos seguintes.

Na Liga dos Campeões, registou-se o pior resultado, com a derrota caseira do Braga frente a uma equipa romena, ironicamente composta, em grande parte, por jogadores portugueses descartados aqui. Deu-me ideia que o adversário foi subestimado e estava mal estudado. Mal também, em minha opinião, o Benfica, frente a um Celtic em crise financeira (16 jogadores dispensados esta época!) e claramente ao alcance de um Benfica que tivesse mostrado um pouco mais de ambição. O mesmo crónico medo e falta de ambição dos treinadores portugueses revelou Vítor Pereira em Zagreb, num jogo em que só a vitória interessava, frente a uma equipa que, na época passada, registou seis derrotas nos seis jogos da fase de grupos da Champions. Mas, para ganhar um jogo facílimo (acho que nunca tinha visto, a este nível, equipa tão fraca e defesa tão anedótica!), Vítor Pereira pós em campo o modelo mais defensivo que conseguiu imaginar — com Danilo e Atsu no banco, James afastado da posição 10 em benefício da entrada do amorfo Defour e Varela no lugar que foi de Hulk, desempenhando o seu habitual papel de corpo presente. Com muitas cautelas e paninhos quentes, o FC Porto lá chegou ao 1-0 ao cair da primeira parte, e, depois, em lugar de tratar de matar o jogo, limitou-se a controlar, como os treinadores gostam. Acabou por vencer por um resultado muito melhor que a exibição e que não dá conta dos sobressaltos inúteis que viveu antes do 2-0, ao cair do pano. É óbvio que para o PSG, isto não serve.

3- Contra o Beira-Mar, com James a 10 e Atsu de início, foi outro FC Porto que se viu, talvez o melhor da época. Vítor Pereira, que tanto tempo precisou para perceber o valor de James, está agora angustiado com o drama da posição em que o há-de colocar. Toda a gente lhe grita que James é, sobretudo, um número 10 chapado, mas ele, conforme explicou, tem medo de o desgastar em tarefas defensivas. Há duas soluções para isso: ou recuar Moutinho para a posição 6, com Lucho e James como médios ofensivos, mantendo dois extremos e o 4x3x3 habitual (um modelo óbvio frente a equipas mais fracas e fechadas, como o Dínamo ou o Beira-Mar); ou mudar o esquema para um 4x1x3x2, com Fernando atrás e Atsu e Jackson na frente. Até porque, isso permite-lhe variar o companheiro de Jackson na frente e, caramba, não vai passar a época toda sem dar oportunidades a sério a Iturbe e Kelvin, pois não? (Coitado do Iturbe, deve estar tão arrependido de ter vindo para o Porto!)

4- Diz Luís Filipe Vieira que o futuro do Benfica passa por comprar menos, formar mais e continuar a vender bem. Parece um caminho óbvio, na desigual condição das duas únicas equipas portuguesas capazes de darem alguma luta aos tubarões europeus. Mas veremos se no futuro Vieira faz o que diz. É que, até aqui, ele e Pinto da Costa o que têm feito é comprar muito, vender os melhores e aproveitar nada da formação. E é porque não aproveitam os jogadores em que investiram dinheiro a formar, preferindo mandar vir charters da América do Sul, que todos os anos são confrontados com a impossibilidade de pagarem os ordenados a tanta gente e se vêm forçados a vender os melhores. Desconfio que Vieira só seguirá esse caminho se Pinto da Costa fizer o mesmo. E não acredito que Pinto da Costa o faça.

5- Já o Sporting, garante Godinho Lopes, optou este ano por não vender ninguém, embora tivesse excelentes propostas para vários jogadores. Salvo o devido respeito, também não acredito. Tomara o Sporting que alguém, com ofertas boas, se tivesse chegado à frente por Rui Patrício ou Carrilho ou fosse quem fosse! O triste episódio das dívidas reveladas pela UEFA (que tanto ofendeu Alvalade, habituados que estão ao secretismo da nossa imprensa nestas questões), veio destapar o que já todos sabiam: que o Sporting está à beira da ruptura financeira. E que só um golpe de pura sorte, de algum árabe ou chinês malucos caídos do céu e dispostos a comprar o clube inteiro, e não apenas alguns jogadores ou algumas dívidas, é que o pode salvar.

A isto, soma-se mais um início de época frustrante, com ar de gota de água capaz de entornar de vez o copo. Quando escrevo, não sei ainda o desfecho do jogo com o Gil, que tem o potencial de se transformar em novo drama. E dou por mim a torcer para que o Sporting ganhe, porque faz falta um campeonato onde o Sporting conte para alguma coisa.

6- O nosso patriotismo reverencial, herdado de cinquenta anos de ditadura, jamais consentiria a um jornalista português o texto escrito pelo inglês John Carlin no El País e republicado no Público de anteontem. Chama-se A tristeza de Cristiano Ronaldo e é uma análise impiedosa sobre os malefícios que o endeusamento de Ronaldo, a sua desmedida vaidade e a sua paranóica obsessão com Messi causam ao nosso CR 7. Escreve John Carlin que a perdição de Maradona, o que o fez acabar uma carreira genial antes de tempo, foi não ter tido, como o imperador romano Júlio César, alguém sempre ao seu lado cuja função era repetir-lhe constantemente: «não és Deus, não és Deus». E esse é também, segundo ele, o ponto fraco de Ronaldo: não suporta não ganhar todas as Bolas de Ouro e de Prata, não suporta que haja algum colega de equipa que não o considere melhor que Messi, que Iniesta, que o mundo inteiro. Mas onde Carlin, a meu ver, coloca mesmo o dedo na ferida é quando compara Ronaldo e Messi, dentro do campo: «Dentro do campo, Messi vê a equipa adversária e vê também a sua; Ronaldo só vê os adversários». O futebol, afinal, não é assim tão difícil de perceber.

domingo, maio 19, 2013

DOIS DIAS NA MINHA CIDADE (18 SETEMBRO 2012)

1- Num fim-de-semana estranhamente sem futebol, aproveitei para ir visitar a minha cidade do Porto. Na companhia de um amigo, também portuense mas actualmente a viver no estrangeiro por razões de trabalho, seguimos o meu roteiro infalível nas idas ao norte, o qual passa obrigatoriamente por uma paragem na Mealhada, para o leitão. Estava divino, a crise ainda não chegou ao leitão! Retomado o caminho para cima, fui deixá-lo a Francelos, aproveitanto para uma breve visita à terra dos meus primeiros Verões de infância: a Granja. Continua a haver casas esventradas e abandonadas, mas há muitas mais recuperadas ou bem conservadas. Surgiram novas construções, umas feias e pretensiosas, outras aceitáveis, mas a praia recuperou a areia e o hotel foi reabilitado. Intacto, imenso, carregado de nostalgia, estava o mar bravo de sempre, a espuma da ressaca suspensa no ar e o sublime cheiro a maresia, como em nenhum outro lado que eu conheça. Dali até Francelos, tudo melhorou, em termos de obras públicas: os passeios pedonais e a ciclovia até Gaia, os jardins, a sinalização, as estradas. Estamos nos domínios de Luis Filipe Menezes, que conseguiu transformar, para melhor, um dos maiores e outrora mais degradados concelhos do país. Mas, como não há bela sem senão, vai deixar Gaia endividada até ao osso, quando, na Primavera próxima, se candidatar ao Porto. As seis ou sete auto-estradas que convergem para o Porto, de norte, sul ou leste, são também elas, nas suas expostas mordomias, uma explicação eloquente para a ruína do país. Inconformadas com o fim das SCUT, as populações locais querem-nas de volta grátis - isto é, a juntar à dívida do Estado, para mais tarde ser paga pelos contribuintes e gerações futuras. Assim chegámos onde estamos.

A multidão que à minha frente vi desfilar depois na Avenida dos Aliados, gritando «basta!», tinha, porém toda a razão para se indignar com a cura a que agora nos sujeitam: não se recuperam trinta anos de irresponsabilidade em três anos de sufoco absoluto; não se recuperam as finanças públicas destruíndo a economia de um país e as vidas dos seus homens e mulheres. No Porto, como em Lisboa, Coimbra e tantos outros lados, sob um calor tropical que só convidava à praia, marchou-se contra a loucura insane e insensível de uns robots da economia, que de economia nada entendem e do resto não querem saber. E, quando a multidão debandou ao cair da tarde e o festival D'Bandada se iniciou em vários pontos ao ar livre da cidade, muitos continuaram, ao som da música, a passar a mesma mensagem: o País pode estar moribundo, mas o Porto continua vivo. Mui nobre, leal e sempre invicta cidade.

É sem desejo algum de ofensa que o digo: há no Porto uma dignidade cívica e uma identidade, que é mais do que apenas cultural, e que Lisboa há muito perdeu. Muito do que é a alma e o espirito do Porto serve para explicar as décadas de sucesso do FC Porto, a sobrevivência de sectores como os têxteis e o calçado, em concorrência feroz contra o dumping social do Extremo Oriente, a persistência da fileira dos vinhos, a existência de algumas das melhores empresas do país (seguramente, a maioria), a melhor arquitectura portuguesa, a melhor literatura (Agustina, Mário Cláudio), etc. Não é uma mentira feita dizer que o Porto trabalha e Lisboa discute, o Porto triunfa e Lisboa inveja, o Porto melhora e Lisboa retrocede. A maledicência permanente de Lisboa contra o FC Porto é apenas um eloquente exemplo de como a mediocridade reage perante o sucesso alheio.

Em termos de cidade, é absolutamente impressionante o que o Porto tem melhorado de há vinte anos para cá, e continuadamente, de vereação em vereação, desde Fernando Gomes. As boas e velhas virtudes burguesas, que sempre caracterizaram o Porto - o trabalho, o comercio sério, a importância da arte e da criatividade, a integração social, a vida republicana, no bom sentido (os bairros, as colectividades, as relações de vizinhança, o respeito pelas tradições populares) - têm feito o Porto evoluir para melhor sistemáticamente, em contraste com Lisboa, uma cidade cada vez mais desagradável, mais degradada, com menos árvores, menos jardins, menos espaços públicos, mais horrores arquitectónicos e vereações cuja maior preocupação parece ser a de brincar às revoluções do trânsito, como agora sucede no Marquês e Avenida da Liberdade. Não fosse o Tejo, e Lisboa não valia nada, como cidade. E mesmo o Tejo não está ainda tapado porque alguns cidadãos o não deixaram.

Mas não sou daqueles que manda as culpas todas para cima de eles os políticos. Muito do mal que existe na cidade de Lisboa resulta de um déficite de cidadania, do amorfismo cultural dos seus habitantes, de uma atitude cívica que consiste apenas em ficar sentado nos cafés a dizer mal de tudo. Basta, aliás, comparar os cafés de Lisboa com as confeitarias do Porto, para se perceber isto: lá em cima, desde o próprio café até à pastelaria, desde as cadeiras até às mesas, passando pelo serviço e pela simpatia, faz-se um comércio de restauração sério e digno. Cá em baixo, ainda estamos no tempo das cadeiras de plástico da Olá, da máquina das «bicas» que faz um barulho infernal e incomoda toda gente, dos empregados especializados em jamais cruzar o olhar do cliente, não vá ele querer qualquer coisa. Não há brio, não há profissionalismo, não há vontade de inovar ou melhorar, e as únicas medidas contra a crise que os empresários de restauração conhecem é subir o preço aos clientes e baixar o ordenado aos empregados. Sem surpresa alguma, o Porto tem incomparavelmente mais e melhores cafés, restaurantes, galerias de arte, jardins e espaços públicos, árvores nas ruas, passeios tratados.

Sem surpresa alguma, nos últimos anos e em números crescentes de ano para ano, o Porto começou a conviver com uma espécie antes desconhecida: os turistas. Tudo aquilo que Lisboa tinha por inércia, devido à sua fama de cidade (outrora) branca, devido à localização do seu porto, ideal para cruzeiros (e que lá em cima não há), o Porto começou a ter também. Mas graças ao seu mérito, graças à sua qualidade de vida e a uma superior preservação dos edifícios e zonas históricas. Graças às Low cost e ao aeroporto de Pedras Rubras - que este incompetente governo quer agora privatizar num bolo conjunto com todos os aeroportos nacionais, fazendo o mesmo ao caso de sucesso que é o Porto de Leixões. E graças — ó sim, invejosos e maledicentes graças ao FC Porto, o clube - bandeira da cidade, que conseguiu o que nem o vinho do Porto, nem a Casa da Música, nem o Rui Rio conseguiriam por si só jamais: levar o nome da cidade ao mundo inteiro. A partir do momento em que o clube que tem o nome da cidade se tornou presença habitual ao mais alto nível do futebol mundial, em que chegou a campeão europeu e campeão do mundo, a imprensa internacional e o público começaram a descobrir que, por detrás do clube, havia também uma cidade que valia a pena. Nunca em Portugal, e raras vezes em qualquer outro lugar, uma cidade deveu tanto a um clube. Esse é o grande orgulho do FC Porto e não o ter compreendido e ter feito do clube um inimigo é a grande nódoa nos mandatos de Rui Rio.

Em termos de futebol, no Porto comenta-se agora que, sem a venda de Hulk, o clube teria de fechar também o andebol e o hóquei, como fez com o basquete, porque não havia dinheiro para pagar salários aos atletas. Comenta-se que o Benfica não terá recebido mais de 20 milhões pela venda do Witsell, e que só Jorge Mendes, à sua conta, recebeu 4 milhões de intermediação. O mesmo Jorge Mendes que se declarou solidário com a tristeza de Ronaldo, deprimido por não poder aumentar o seu parco salário de 900.000 euros por mês sem ter de pagar impostos, coitadinho. (Mas mais tristes ainda devem andar os adeptos do Real, a oito pontos do Barcelona ao fim de quatro jornadas, com tantos milionários tristes e sem equipa, como disse Mourinho). E comenta-se também a casa/hotel que Souto Moura desenhou, entre a Boavista e a Foz, para o mesmo Jorge Mendes, e em cuja garagem cabem 35 carros! Nem todos estão arruinados no futebol. Aliás, a ruína de uns (os clubes) é a fortuna de outros. Não faltarão ocasiões para falar disso.