quinta-feira, maio 23, 2013

QUANDO OS PRESIDENTES ALMOÇAM (16 OUTUBRO 2012)

1- Nada reconforta mais os presidentes dos nossos clubes de futebol, ditos grandes, do que os almoços na província com as casas e delegações dos clubes. Invariavelmente recebidos nas respectivas Câmaras Municipais com estatuto de vips, passeiam-se depois em cortejo real pelas ruas, antes de almoçarem perante umas centenas de adeptos deslumbrados a quem, obrigatoriamente, retribuem com um discurso que é sempre o mesmo: o elogio de si próprios e da obra feita, o incitamento à paixão clubística amorfa e acrítica e o aviltamento dos adversários - que frequentemente são derrotados e esmagados ali, na mesa do restaurante, entre febras e bacalhau, não o podendo ser no terreno de jogo.

Esta semana, dois dos presidentes ditos grandes, Godinho Lopes e Luis Filipe Vieira, retomaram o ritual e desceram à província e aos adeptos anónimos.

Em Vendas Novas, o presidente do Sporting compareceu com um saco cheio de nada para apresentar: nem resultados desportivos, nem um futebol que se veja na equipa, nem sombra de treinador para substituir o desafortunado Sá Pinto, nem resquícios da miragem dos célebres investidores estrangeiros, das Arábias ou mais a Oriente, que viriam, sabe-se lá porque razões, investir um saco de dinheiro na SAD do Sporting e pôr fim aos seus tormentos financeiros. Afinal, segundo explicou Godinho Lopes, os investidores não são prioritários nem sequer necessários: há outras alternativas; e, quanto ao treinador, se bem que já esteja «identificado», não há pressa em contralá-lo, pois que o principal é criar «condições de sustentabilidade para futuro» seja isso o que for, mesmo que seja a prosaica ideia de contratar alguém que não se importe de ser despedido ao fim de uns meses, sem reclamar indemnização. E assim, sem nada de palpitante para justificar aos sócios o preço do almoço por eles pago, o presidente do Sporting teve que se remeter ao tema mais caro à alma sportinguista: os erros de arbitragem, como os supostamente sucedidos no Dragão e que impedem a equipe de mostrar o que vale. Não fosse essa sistemática perseguição dos senhores do apito e o Sporting não só não teria perdido no Dragão, como não teria sido humilhado na Hungria, não teria perdido a final da Taça para a Académica, não teria terminado o campeonato em 4º lugar, não teria sentido necessidade de despedir Domingos e Sá Pinto e doze treinadores nos últimos dez anos.

Na Mealhada, o presidente do Benfica, por seu lado, trouxe uma novidade que era tão fresca como a notícia da morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir: vai-se candidatar a novo mandato. Eu simpatizo pessoalmente com Luís Filipe Vieira, que acho uma pessoa bem mais interessante e descontraída em privado que em público (como muitos de nós, afinal). E, quando ele fala em público, quando repete o discurso de guerra ao Porto, às vezes tenho dificuldade em associá-lo à mesma pessoa que conheço. Não pela guerra declarada ao Porto, que faz parte das funções que ocupa, mas pelo tom e pelos argumentos tantas vezes utilizados. Viera, que, de facto, tirou o Benfica do abismo e da vergonha em que Vale e Azevedo o mergulhara, ao contrário de outros, conhece bem Pinto da Costa, até já foram amigos, e não pode ignorar o quanto de mérito, de inteligência e de trabalho tem a gestão de Pinto da Costa, responsável por tantos e tantos êxitos que desesperam os benfiquistas. No caso concreto do discurso da Mealhada, acho infeliz que ele tenha regressado ao registo do quanto sacrifica para estar à frente do Benfica e o quanto hesitou para se decidir a recandidatar-se, quando toda a gente sabe que isso não é verdade. Assim como acho infeliz que, depois de ter blindado os estatutos para evitar candidaturas de sangue novo, reaja como animal acossado à mais leve ameaça ao seu poder ou ao mais tímido desafio eleitoral à sua candidatura, como essa do juiz Rangel. Que veja sempre no exercício do mais elementar direito democrático a mão de «hipócritas» ou «oportunistas», que só querem é sabotar o que de bom ele fez e levar o Benfica de volta a um passado tenebroso. Vieira, como Pinto da Costa, Vicente Moura e tantos outros, deviam ler os editoriais de João Jardim no Jornal da Madeira para perceberem como o poder continuado e não disputado, o poder absoluto, se torna numa coisa desagradável de ver e patética de exibir.

Mas Vieira trouxe uma novidade à Mealhada, uma novidade chamada José Eduardo Moniz - um dos que ele classificou como «oportunistas», em devido tempo. Trabalhei muitos anos com Moniz, na RTP e na TVI primeiro, criando relações de desconfiança e conflito, felizmente depois substituídas por relações de amizade, confiança e lealdade mútuas, de que não me esquecerei. Não tenho a menor dúvida de que a sua capacidade de trabalho, de liderança e de mobilização serão utilíssimas ao Benfica, assim o deixem trabalhar. Mas a chegada ao mundo do futebol de pessoas, de civis, como ele, com um nome, um passado e um prestígio conquistados lá fora, deixa-me sempre com sentimentos mistos. Por um lado, congratulo-me por ver outra gente, mais capaz e menos obscura, decidir-se por ali entrar. Por outro lado, e independentemente das cores clubísticas, temo sempre por eles, por aquilo que a vertigem e a bebedeira da guerra clubíslica vivida por dentro, lhes poderá causar. Ora, devo confessar, com toda a sinceridade e amizade, que a entrada em cena do José Eduardo Moniz me deixou apreensivo. O tom, a voz e a expressão dele ao microfone não eram o que eu recordo. Depois, a sua afirmação de que o Benfica luta contra «truques de arbitragem e conluios esmagadores», se bem que destinada a satisfazer o populismo basista e sanguinário que é o menu habitual destes almoços na província, augura mais do mesmo, mais do pior. Moniz acaba de chegar ao futebol, onde não se lhe conhece nenhuma opinião, nenhuma qualificação específica, designadamente em materia de arbitragem. E já conhece truques e conluios? Truques e conluios usava a RTP (de onde Moniz veio) para tentar, como dizia Albarran, «esmagar as privadas à nascença». E, contra esses truques e conluios, Moniz pegou depois na TVI, à beira da morte, e, em poucos anos, transformou-a na estação líder. Eu estive lá com ele, no início desse processo de viragem, e a convite dele. Ambos sabemos que o turnover só foi conseguido a pulso, com muito trabalho, muita ousadia e muito mérito. Antes de se juntar ao politicamente correcto dos benfiquistas (e sportinguistas) que acham sempre que o adversário não tem mérito algum e que os seus sucessos derivam só de truques e conluios, Moniz faria melhor em proceder como na TVI: estudar as fraquezas e forças próprias e alheias e tentar perceber, por exemplo, como é que num mercado global de tal forma desequilibrado, o FC Porto conseguiu ser duas vezes, nos últimos 25 anos, campeão da Europa e do Mundo? A que truques ou a que conluios se deverá isso?

2- Sir Alex Ferguson, eterno treinador e manager do clube que é o maior predador do futebol mundial, cujos méritos resultam apenas da faculdade de utilizar os milhões sem fim à sua disposição para ir roubar os jogadores que os outros formam sem dinheiro equivalente, já declarou a sua real cobiça em James Rodriguez, do FC Porto. Eu percebo o desejo de Sua Majestade fergusiniana e percebo bem que ele não queira antes desviar as suas atenções para Silvestre Varela, por exemplo. Só não percebo é porque razão — ele, que acha que o FC Porto compra os campeonatos no supermercado — em lugar de passar a vida a cobiçar jogadores do FC Porto, não vai antes ao supermercado abastecer-se directamente.

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