1- Esta é a pior maneira de ser campeão: sentado no sofá a ver jogar o adversário. Como todos os portistas, o que eu queria era festejar o título no Dragão e depois de um jogo grande, contra o Sporting. Mas, desta vez, o Benfica não nos fez a vontade. Restou a consolação de ter visto o Rio Ave ganhar um ponto e o Rio Ave e Carlos Brito merecem-no. E restou o grande prazer de ver os dois miúdos emprestados pelo FC Porto, Kelvin e Christian Atsu, porem a cabeça em água à defesa benfiquista. Na próxima época, seja quem for o treinador, espero que eles não voltem a ser emprestados e desconsiderados, tal como sucedeu a Iturbe. Nos últimos anos, por alguma estranha fixação, o FC Porto tem investido descontroladamente em extremos — de que a maioria acaba, inevitavelmente, por ser emprestada, abandonada, esquecida. Mas, sendo preciso escolher, é evidente que tanto Kelvin como Christian são melhores que Djalma e incomparavelmente melhores do que Varela. Só não sei o que vale o Iturbe, porque esse ninguém o viu jogar, uma temporada inteira.
As contas finais do título começaram a fazer-se no sábado, no Funchal, onde a vitória do FC Porto, a acontecer, parecia a todos decisiva. Ocupado com outro compromisso, apenas tive ocasião de ver a primeira meia-hora de jogo, até ao 1-0 do FC Porto. E ainda bem que não pude ver mais. Não pela atitude dos jogadores portistas, que, desta vez, entraram determinados a resolver o jogo logo no início e bem o podiam ter feito. Mas sim pela envolvente do jogo. O Estádio dos Barreiros foi, como se sabe, para obras — as quais agora estão paradas devido à falência da Madeira. Mas, quando se esperaria que as obras começassem por dotar o estádio de um relvado decente, compatível com as aspirações do Marítimo e o nível de jogos exigível numa primeira divisão, o que aconteceu é que se deixou o relvado exactamente na mesma e se optou por apostar no betão, aumentando a capacidade de umas bancadas que nunca vi cheias. Assim, num jogo onde se decidia o título e o quarto lugar, a televisão mostrava-nos o aspecto desolador de um estádio com três quartos das bancadas absolutamente desertas (não sei se por interdição ao público, se por ausência de público e de interesse em abri-las). Enquanto as bancadas brilhavam pela ausência de espectadores, lá em baixo o FC Porto tentava abrir caminho para o título num relvado com dimensão para jogos de juvenis e não de profissionais seniores, e nivelado ao estilo de uma chapa ondulada, fazendo a bola circular sobre a relva aos saltos e impondo um futebol aleatório e de tropeções. Aquela meia-hora televisiva era o retrato eloquente da falta de categoria do futebol português — que, com excepção de quatro ou cinco equipas de nível europeu, é sustentado por uma maioria de clubes que não têm condições para jogar numa primeira divisão. E era também um retrato revelador da politica obreirista do dr. Jardim, que acumulou a dívida de que ele se diz orgulhoso e conduziu a Madeira à ruína. Pagamos impostos para que o dr. Jardim faça obras inúteis de acrescento do estádio do seu Marítimo, enquanto que o presidente do clube, que tanto se preocupa, diz ele, com a moralização do futebol português, não tem vergonha de investir em bancadas para moscas e continuar a fazer jogar num quintal que melhor serviria para pastagem de ovelhas ou sementeira de batatas. E a Liga deixa...
2- Mais tarde ocupar-me-ei de mais este título conquistado pelo FC Porto e da análise de uma época que merece ponderação. Mas agora é forçoso tratar das coisas mais urgentes.
E o mais urgente de tudo é dizer que o inacreditável caso vivido em Leiria durante toda a semana e culminado com a espécie de jogo disputado entre o União e o Feirense, digno daqueles episódios dos anos vinte do século passado, é uma vergonha inqualificável. De nada serve às tais quatro ou cinco equipas portuguesas tentarem manter o prestígio do futebol português lá no alto, em termos europeus, quando depois, todas as agências noticiosas da Europa relatam a vergonha do jogo de Leiria.
Não vou entrar pelas teses conspirativas que alguns alinham como motivo para a greve ou as rescisões de contratos dos jogadores do Leiria. Não me interessa saber se os três ou quatro meses de ordenados em atraso que eles têm também acontecem em três quartos das outras equipas da primeira Liga. É um escândalo que isso aconteça, ano após ano e impunemente. É um escândalo que possam disputar competições profissionais clubes que toda a gente sabe que devem dinheiro a todos — jogadores, técnicos, fornecedores, fisco e segurança social — que são inscritos recorrendo a truques velhos e relhos e que todos também sabem que só em caso de milagre conseguirão satisfazer os seus encargos. E é um escândalo que estes clubes, presididos por patos-bravos locais com aspirações de promoção social e visibilidade pública, em lugar de se verem afastados das competições profissionais, sejam antes incitados pela Liga a aguentarem-se por qualquer forma e até a alargarem o seu número na primeira Liga a outros em idênticas circunstâncias. No caso do União de I.eiria, há vários anos que se sabe que o clube não tem a mais pequena viabilidade na primeira Liga: basta olhar para as bancadas sempre desertas para o perceber. Este ano, o clube começou por sair de Leiria e ir jogar para a Marinha Grande, porque o seu presidente não aceitava ter de pagar pela utilização do Estádio de Leiria — uma dessas jóias públicas herdadas do Euro 2004. Depois prestou-se à indignidade de aceitar que dias antes de um jogo com o Benfica, o Benfica lhe comprasse um jogador e o pagasse antecipadamente, assim conseguindo solver parte dos salários em dívida e deixando todo o plantel reconhecido ao Benfica... dias antes de o enfrentar. Depois, o sr. Bartolomeu, confrontado com o mal-estar crescente entre os jogadores, fartos de promessas nunca cumpridas, teve a genial ideia de escolher alguns privilegiados a quem pagou em segredo para os ter como cúmplices no balneário. E, quando os jogadores ameaçaram com a greve se não pagasse o que devia, respondeu, desafiador, que pagaria depois da última jornada, mas só se eles evitassem a descida de divisão. E, entretanto, no meio da tormenta a que a sua gestão tinha dado causa, não achou melhor solução do que declarar-se demissionário — mas apenas para o efeito de tentar eximir-se às responsabilidades, não ao protagonismo. Perante este quadro, espanta-me que ainda haja quem possa questionar o direito dos jogadores do Leiria de baterem com a porta e irem-se embora!
Tenho muito respeito pelos pequenos clubes que conseguem competir apenas com os recursos que têm e que o fazem por amor ao futebol e à sua terra. E tenho também o maior respeito, por exemplo, pela família Nabeiro, que, depois de do nada ter erguido o Campomaiorense até à primeira Liga (e jogando num campo a sério!), concluiu que o projecto não tinha sustentação económica e, sem mais delongas, nem batotas, nem promessas falhadas, pôs termo ao sonho de ter um clube profissional. Porque todos sabemos que o país não comporta mais do que uma dúzia de clubes a jogar ao mais alto nível, se as leis forem cumpridas e o bom-senso prevalecer. Mas a manobra de desacreditação final do futebol português levada a cabo com a eleição do triste Mário Figueiredo para presidente da Liga, tem por contrapartida exactamente o contrário: aumentar o número de clubes. De clubes que não pagam ordenados, que fogem ao fisco, que jogam em quintais de freguesia, mas que votam no dr. Figueiredo, sem se preocuparem que depois aconteçam jogos como o I.eiria-Feirense, que falsificam as contas, desacreditam a competição e põem o futebol português no patamar da anedota pública.
3- Para a semana espero também ter espaço e tempo para replicar a Cruz dos Santos, na nossa polémica sobre a bola na mão e a mão na bola. Porque o assunto me parece importante e porque ninguém mais do que ele me merece respeito nestas matérias.
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