1- No curto espaço de cinco dias, de quarta a domingo, quebrou-se o mistério e o enguiço que vinha perseguindo a Selecção: a bola que não queria entrar. Três golos contra a Dinamarca, num jogo em que sofremos mais do que merecíamos, e mais dois contra a Holanda, num triunfo tão justo quanto escasso. E mais uma dezena de oportunidades de golo perdidas por culpa própria ou mérito alheio.
Uns minutos antes de começar o Portugal-Holanda, Marcelo Rebelo de Sousa fazia, na TVI, a sua pré-análise - um exercício sempre arriscado, como se confirmaria. Convicto, Marcelo garantia que ia acontecer uma de duas coisas: ou nós aguentávamos a primeira meia-hora de ímpeto atacante dos holandeses, sem sofrer golos, e tínhamos grandes hipóteses de depois assegurar um bom resultado final; ou nós não aguentávamos em branco essa meia-hora e as coisas complicar-se-iam muito para nós. No fundo, ele estava a reproduzir a filosofia de há muito entranhada nos nossos hábitos e na cultura dos nossos treinadores, sempre que têm pela frente um adversário que infunde respeito: aguentá-los primeiro, não esquecer que o 0-0 é sempre um bom resultado e que, calhando até, na hora certa lançamos o contra-golpe e podemos ganhar 1-0. Foi o que fizemos contra a Alemanha, na abertura do Europeu e foi o que aqui critiquei na semana passada, embora deixando a dúvida se esta selecção teria capacidade para outra estratégia em que não tivesse medo de assumir o jogo de igual para igual, desde o início. Mas, e embora reconhecendo a debilidade do nosso meio-campo e a ausência de um ponta-de-lança matador, ao estilo Pauleta, também sempre me fez espécie a habitual incapacidade ofensiva, numa equipa que, apesar de tudo, dispõe de Ronaldo e de Nani. Como escreveu Santiago Segurola no DN, o tipo de jogo que Portugal apresentou contra a Alemanha, só soltando os cavalos no último quarto-de-hora e quando se viu a perder, contraria a matriz natural desta selecção - que é ofensiva e não defensiva. Quem tem Ronaldo e Nani não pode brilhar a defender, mas a atacar. É claro que há sempre a questão de saber que Ronaldo vai estar em cada jogo: o do Real Madrid ou o de alguns tristes jogos pela Selecção. Mas até essa questão perdeu alguma importância, quando vimos a Selecção ganhar à Dinamarca e marcar três golos sem a menor contribuição de Ronaldo para cada um deles, antes pelo contrário. Esse terá sido o efeito mais benéfico da sofrida, mas justíssima, vitória sobre a Dinamarca: mostrar que também podíamos ganhar sem Ronaldo. Óptimo se ele estiver nos seus dias, paciência se não estiver.
Contra a Holanda, felizmente que o prognóstico de Marcelo Rebelo de Sousa saiu exactamente ao contrário: entrámos encolhidos e amedrontados face àquela equipa de cinco avançados e aos 11 minutos já estávamos a perder, num golo tão simples e brilhante quanto inevitável: um daqueles golos em que não se consegue encontrar um culpado, apenas o mérito do adversário. Mas foi o melhor que nos podia ter acontecido. A equipa percebeu cedo que, se continuasse naquela atitude, em breve estaria a sofrer o segundo e o terceiro. E bastou soltar os medos e os génios para rapidamente perceber também que uma equipa com cinco avançados defende mal necessariamente e que, além disso, mal se viu acossada lá atrás, destapou um segredo de polichinelo: que a sua defesa era fraca, com centrais sem mobilidade e laterais sem velocidade. Para satisfazer os críticos, o seleccionador holandês, Bert Van Marwijk, deu-lhes a equipa de ataque que eles reclamavam e o resultado foi partir a equipa ao meio: cinco jogadores lá à frente, sem bola nem jogo, e outros cinco cá atrás, defendendo mal, e não fazendo a ligação entre sectores. E Portugal - para mais com um Cristiano Ronaldo de regresso à alegria e à inspiração, muito mais concentrado no jogo do que nas televisões - aproveitou as avenidas assim abertas e foi por ali fora: uma, duas, três quatro oportunidades e finalmente o golo. Mais tarde e já em desespero, Van Marwijk haveria de completar o suicídio estratégico, retirando um defesa e metendo ainda mais um homem de ataque, facilitando-nos o segundo golo e só não encaixando mais por sorte, por mérito do keeper e porque Paulo Bento não resistiu à sua substituição fetiche, fazendo entrar Nelson Oliveira - mais uma vez, para nada.
Para Cristiano, o homem do jogo, ficaram os maiores louros e a leitura resumida da imprensa internacional dizendo que ele resolveu o jogo: é tão injusto como injusto é assacar-lhe toda a responsabilidade pelos jogos que não se ganham. Soube concluir com calma, classe e inteligencia os dois golos, mas ambos são trabalho de equipa, sobretudo o segundo, que começa numa recuperação de Miguel Veloso à saída da nossa área, continua com um soberbo passe de Moutinho a rasgar a defesa, na desmarcação perfeita de Nani e depois a assistência para Ronaldo, no momento certo e para o local exacto. Mas Cristiano mereceu a distinção também pelo mais que fez: duas bolas no poste, duas assistências mortais para Coentrão e Nani. No topo máximo, ao lado de Ronaldo, coloco Pepe (um monstro!), Fábio Coentrão e João Moutinho (sempre melhor na Selecção do que no FC Porto). Excelentes também Bruno Alves, Veloso, e Nani. Muito bons todos os outros: Patrício (o melhor guarda-redes nacional da última década, mas sem grande trabalho contra os holandeses), João Pereira (por aquele passe fantástico a oferecer a Ronaldo o primeiro golo), Meireles, Postiga (outro jogador que é sempre melhor na Selecção e muito se esforça na posição 9, que não é a sua natural - ele é um 9,5), e Custódio, muito bem entrado no jogo. Foi um daqueles raros jogos em que todos estiveram bem e tudo nos correu bem. Enfim, nem tudo: se fosse pelas oportunidades criadas, teríamos ganho 9-3 e não 2-1.
2- Ainda bem que não vamos ter de jogar com a Grécia: tínhamos garantido um jogo de adormecer e irritar, sem espaços nem rasgo, e com os gregos sempre a apostarem na sorte. A culpa não é de Fernando Santos, que já herdou o modelo e que só tem aquilo e não melhor. E aquilo é uma equipa que só defende e que espera que aquele tipo com nome de primeiro-ministro e ar de resgatado da Guerra de Tróia, que habita lá na frente e se chama Samaras, consiga, entre os seus tiques e toques de vedeta, o milagre de um golo. Parece-me que os checos são bem mais à nossa medida. E parece-me que talvez fosse o momento de Paulo Bento rodar minimamente a equipa, dando descanso a quem mais precisa: será então ou nunca. Até porque já tem um amarelo, João Pereira podia ser rendido por Miguel Lopes, que tão bem provou contra a Turquia; Custódio também mostrou estar à altura para render Veloso; Moutinho, e sobretudo Meireles, gritam por algum descanso; Hugo Almeida não merece ser o único dos três pontas-de-lança votado ao ostracismo total; e não gostaria de nos ver terminar o Euro sem que Quaresma dispusesse de meia-hora, pelo menos, para mostrar como está. Estou a meter-me na zona reservada de Paulo Bento, mas é apenas uma opinião - nada de mais grave do que isso.
3- E as opiniões, ao contrário do que Paulo Bento parece pensar, podem ser erradas, injustas, tudo o que quiserem, mas nunca são ilegítimas. Não o são em domínio algum e menos ainda no futebol, cuja atracção consiste precisamente na paixão com que é discutido e permanentemente questionado pelos adeptos. Tanto no Sporting como na Selecção, sempre elogiei Paulo Bento, mas lamento a sua reacção aos críticos, após a vitória sobre a Holanda - que, ainda por cima, se estendeu aos jogadores. Não fazem ideia do ridículo que é, para a imprensa internacional, ver os jogadores portugueses recusarem-se a falar, sob pretexto de que foram alvos de críticas que eles acham injustas! Pior, só ouvir o seleccionador vingar-se das críticas dos seus colegas de profissão, Carlos Queiroz e Manuel José, dizendo que eles deviam estar a torcer pela derrota de Portugal e que já devem estar com os cachecóis da República Checa vestidos!
Não me digam que voltámos aos tempos da Selecção de Scolari, cujo grande patriotismo era pago a peso de ouro pelo BPN e etc, e cujo assessor de imprensa, teve o desplante de escrevinhar um livro chamado A Pátria fomos nós. Não me digam que regressámos à máxima salazarista de que a Pátria não se discute - e que, confundindo-se a Selecção com a Pátria, também a Selecção se não discute. Por maior que seja o valor de Paulo Bento e por mais que venham a ser os seus êxitos futuros, esta não é a sua Selecção Nacional. Sua é apenas a parte que se chama Selecção; a que se chama Nacional ou é de nós todos ou não é nacional. De uma vez por todas, é altura de pôr fim a esta chantagem mesquinha de confundir as coisas deliberadamente, fazendo passar a mensagem de que quem não concorda com tudo o que a Selecção faz, diz ou joga é um traidor à Pátria. Pobre Pátria, se assim fosse!
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