1- Jornada muito calma e pacífica — e só nisso pouco habitual. Não houve gritaria contra os árbitros ou o sistema, nem houve desfechos imprevistos. Porto, Benfica e Braga ganharam, com mais ou menos segurança e autoridade, os respectivos jogos caseiros, mantiveram inalteráveis as suas posicòes de únicos candidatos ao título e resguardaram-se para os jogos decisivos da Champions, que os três enfrentam esta semana, começando já hoje pelo FC Porto, em Kiev. Eles constituem um planeta à parte, flutuando numa outra galáxia, muito acima dos restantes, e, se alguma coisa há de novo, é a normalidade com que o Sporting de Braga pode agora reclamar o seu estatuto legítimo dentro deste restrito grupo. Normalidade ainda em mais uma derrota do Sporting, desta vez em Setúbal. Não sei o que sentiriam os portistas e como reagiriam a seis meses sem vencer fora de casa, a sete jogos consecutivos (e três treinadores) sem ganhar um, a um 13º lugar ao fim de oito jornadas, a beijar a linha da despromoção. Ser sportinguista hoje e ainda se dar ao trabalho de sofrer com a equipa é uma prova de estoicismo e dedicação ao clube verdadeiramente notável. Li e ouvi que o Sporting fez em Setúbal uma das melhores exibições dos últimos tempos, mas, apenas tendo visto a segunda parte, concluí que deveriam estar a referir-se à primeira, visto que aquilo que observei foi de uma pobreza assustadora. Compreendo bem que Franky Vercauteren se tenha mostrado surpreendido com a falta de qualidade de alguns jogadores, porque, de facto, houve ali exibições más de mais para serem suportáveis. Será que esta primeira equipa do Sporting, que está na cauda da classificação, conseguiria derrotar a Equipa B, que lidera a segunda Liga? Ao contrário do que tantos proclamaram no início da época, nunca vi, neste Sporting, em que já nem sei quem é quem, valor algum para se bater, já nem digo pelo título, mas por um lugar de acesso à Champions. E, a par disso, não consigo entender como é que uma das evidentes excepções à mediocridade dominante, está aparentemente fora dos planos de Vercauteren, como esteve antes dos de Oceano: refiro-me a Carrillo, um miúdo que, se estivesse no FC Porto, de certeza que já teria explodido por essa Europa fora. Talvez isso explique alguma coisa, mas, enfim, são assuntos alheios. Vamos ao meu Porto.
2- Ser portista, para além de tantas e tantas alegrias emotivos de orgulho vividos nos últimos quarenta anos, traz outras razões de felicidade e vaidade. Por exemplo, o tradicional equipamento de riscas azuis e brancas sobre calções azuis e meias brancas — infelizmente, adulterado aos poucos nos últimos anos, e em especial neste, em obediência aos ditames e ao mau-gosto do fabricante. Espero bem que o bom-senso e o bom-gosto regressem na próxima época, para que o mundo inteiro que hoje vê jogar o FC Porto reconheça logo nas cores e desenho tradicional do equipamento um dos mais prestigiados clubes de futebol da actualidade. Segundo motivo de prazer e vaidade é jogarmos naquele que, para mim, é o mais bonito estádio de futebol do mundo. E não digo isto por ser portista, digo-o porque é mesmo o que penso e felicito-me por o clube ter tido a lucidez de ter recorrido aos serviços de Manuel Salgado, que eu considero o melhor arquitecto português contemporâneo, ainda na semana passada reconhecido por mais dois Prémios Valmor de arquitectura — pelo Hospital da Luz e pelo projecto urbanístico da Expo-98. Várias vezes, quando o jogo está aborrecido (interrompido ou morto pela superioridade portista), dou por mim a percorrer com o olhar as bancadas, o desenho e as curvas suaves do Estádio, lembrando-me da máxima de Niemayer: «a linha recta não me interessa».
Outro motivo de orgulho para quem entra naquele estádio e é portista, ou para quem vê os jogos internacionais na televisão e compara, é o relvado do Dragão — de há dez anos a esta parte, verdadeiramente sem igual em todo o planeta futebol. Um relvado assim foi sempre sinal inequívoco de que ali mora um clube que gosta de praticar bom futebol e não futebol aleatório, de ganhar a qualquer preço. Grandes jogadores se revelaram nestes dez anos, porque ali, sobre aquele relva que mais parece um pano de bilhar, quem é bom jogador revela-se e quem não se revela não tem desculpa. É uma espécie de terreno da verdade, capaz de se manter impecável sob sol inclemente ou enxurradas que transformam outros em lamaçais. Mas eis que...
Eis que esta época, também, a juntar a um equipamento deprimente, o relvado do Dragão perdeu inexplicavelmente o brilho de outrora: está às cores, com marcas de enxertos sobre enxertos, levantando a relva facilmente e assim ajudando a nivelar o pior futebol com o melhor futebol. Mas, para dizer a verdade, não sei se isto aconteceu inexplicavelmente ou por causa directa dos fatais concertos rock de Verão, com os quais os clubes costumam ajudar a compor a tesouraria na época morta. Lembro-me bem de ouvir há tempos Pinto da Costa, gozando com o eterno e deplorável estado do relvado de Alvalade, declarar que não era possível ter concertos no estádio nem jogar futebol no pavilhão. Afinal, parece ter revisto as suas ideias, certamente por necessidade — e o resultado está à vista. Sexta-feira passada, o mítico relvado do Dragão, agora em versão post-rock, virou-se contra a própria equipa e mandou para o estaleiro dois jogadores fundamentais: Fernando e Maicon. Cada um deles arrumado pelo menos para mês e meio, porque a cura das lesões no FC Porto nunca é rápida (que o diga Alex Sandro, que tanta falta tem feito!). Na véspera de um jogo fora na Champions e no decurso de um jogo de fraca exigência, em dia sem chuva nem relvado pesado. O crime não compensa.
3- As lesões de Fernando e Maicon caem numa altura em que o FC Porto estava claramente a atingir o primeiro pico de forma da temporada. Muito embora não dê para esquecer que o Marítimo foi apenas um saco de pancada, sempre inexistente enquanto adversário no jogo (como o foi o Guimarães na Luz), o FC Porto também não lhe deu nenhuma hipótese de chegar a disputar o jogo, marcando logo aos 4 minutos e nunca se mostrando satisfeito ou saciado. É de jogos assim que eu gosto, com um futebol de ataque fluido e constante, em que o prazer se alia ao dever, com os jogadores a respeitarem o público que paga para os ver jogar. Desta vez, o FC Porto não ficou à espera que as coisas acontecessem, tratou de arrumar o assunto rapidamente e depois ainda se regalou com um futebol por vezes brilhante, escorreito, imaginativo, envolvendo toda a equipa como um só corpo. Mais uma vez houve golpes de génio colombianos, vindos desse país hoje tão em moda e que, com a anunciada compra da TAP, é natural que venha a estabelecer uma ligação directa entre o Porto e Bogotá.
E logo, ao fim da tarde, lá estamos de regresso a Kiev, essa cidade de que os portistas guardam tão boas memórias. Oxalá possamos regressar com uma vitória, que significaria, não apenas o apuramento para os oitavos da Champions, mas também e praticamente a garantia do primeiro lugar no grupo. Pelo que se viu contra o Marítimo, Deffour parece melhor do que o habitual e, se conseguir um misto de prudência e de ousadia, poderá substituir bem Fernando. Já para a vaga de Maicon, julgo que Vítor Pereira deveria escolher Rolando. Gostei de ver a estreia de Abdoulaye na primeira Liga, mas o Marítimo não tem nada a ver com o que o FC Porto vai encontrar em Kiev. E, embora Rolando deva estar naturalmente fora de forma, no seu caso e em comparação, a experiência é uma vantagem determinante — mesmo sobre Mangala, na hipótese de Vítor Pereira o desviar para o seu lugar natural no centro da defesa, pondo termo à sua muito pouco conseguida aventura a lateral-esquerdo. Seja como for, e mesmo remediado em parte, o FC Porto tem uma vantagem à partida, que é o de não ter muito a perder e poder arriscar alguma coisa. Já amealhou pontos suficientes para poder jogar tranquilo e sem medo.
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