1- Repito-me: fracos treinadores têm medo de grandes jogadorcs. Tem medo dos jogadores sem medo, jogadores capazes de arriscar e perder cinco vezes a bola, embora na sexta vez possam resolver um jogo. Preferem-lhes os jogadores «tacticamente disciplinados», aqueles que, antes de entrarem, prestam atenção às explicações dadas no quadrozinho onde os fracos treinadores imaginam que um jogo se explica. Preferem-lhes os jogadores que nunca perdem a bola porque não arriscam: só fazem passes curtos, para o lado ou para trás. Treinadores destes, como Vítor Pereira, preferem mil vezes um Deffour, que não ata nem desata mas obedece as instruções, do que um James Rodriguez, cujo génio, como todos os génios, não pode brilhar sempre, mas, quando brilha, qua se ofusca a lua cheia sobre o Estádio do Algarve, no sábado passado.
Uma vez mais, o jovem talento colombiano do FC Porto resolveu um jogo que o seu treinador tinha amarrado e armadilhado. Sucedeu assim inúmeras vezes na época passada, em que Vítor Pereira precisou de seis meses para perceber o desperdício que tinha sentado no banco. Acho mesmo que só o percebeu quando, contornando a jogada da Liga de Clubes (que marcou o Benfica-Porto, decisivo para o campeonato, para o dia seguinte a um jogo FIFA da Colômbia), o FC Porto foi buscar James a Miami, depois do jogo da sua selecção, embarcou-o num voo nocturno para Lisboa, fê-lo dormir seis horas à chegada, e depois soltou-o à noite, a meio do jogo da Luz, e a tempo de James virar o resultado de 1-2 para 3-2, resolvendo o assunto. Contrariado, Vítor Pereira teve de dar a mão à palmatória, mas logo, à primeira oportunidade — uma má exibição no jogo inaugural deste campeonato, em Barcelos, onde todos falharam, a começar pelo próprio Vítor Pereira - aproveitou para o tirar da equipe. Vítor Pereira deve ser a única pessoa que ainda não entendeu que James tanto é um 10 como um 11, e, por isso, não consegue compatibilizá-lo na mesma equipa com Atsu — nem sequer, como se viu, quando está a perder. Aliás, também se vai já encarregando de amarrar e disciplinar o talento de Atsu, que agora foge das jogadas de um para um, que é o seu forte, em benefício dos passes laterais e para trás, obcecado em não perder a bola para não perder o lugar no onze. Vítor Pereira tudo tem feito para dar cabo do talento de James, está a fazer o mesmo ao de Atsu, e vai liquidar Iturbe e Kelvin. Os treinadores fracos são assim: tem horror ao que não conseguem prever ou esquematizar, sentem-se humilhados pelos momentos de génio que não podem ser explicados pelas suas tácticas, execram os jogadores que fogem da pauta e das instruções e rebentam com o esquema que eles tão brilhantemente prepararam. É um azar para James Rodriguez que o seu jovem talento esteja confiado à guarda do único treinador do mundo incapaz de o reconhecer, quanto mais ajudá-lo a evoluir. Com os jogadores que tem ao seu dispor, as únicas coisas que se pediam a Vítor Pereira é que fosse rodando o plantel, de forma a não deixar de fora talento algum, e que desse à equipa aquilo que ela ainda não mostrou nesta meia-dúzia de jogos que já contam: um módico de esquema de jogo e algumas coisas já treinadas e ensaiadas, tais como livres, cantos, saídas da defesa para o ataque, construção de jogo para o ponta-de-lança e uma atitude de conquista desde o pontapé inicial. Mas nada disso o FC Porto mostrou até aqui, apenas rasgos dos talentos individuais que por ali abundam.
2- Se o futebol é «muita ciência e muito trabalho», como catedraticamente e com a humildade que o caracteriza, explicou Jorge Jesus, nada disso se viu da sua parte, durante o Nacional-Benfica. Pelo contrário, se houve ciência e trabalho à vista, foi da parte de Pedro Caixinha. O jogo do Nacional foi claramente superior ao do Benfica, e não apenas na primeira parte, mas em 70% do encontro. E o que marcou o desfecho foi que, na hora das decisões, o Nacional não se atreveu a forçar o destino, enquanto que o Benfica se limitou a aplicar a lei do mais forte. Por alguma razão o Mateus não ganha o mesmo que o Cardozo e o Candeias não ganha o mesmo que o Salvio. Na hora das decisões, mesmo quando se fazem de pequenos, os grandes raramente falham; enquanto que os pequenos, mesmo quando se agigantam, não têm coragem para atacar a fera - falta-lhes sempre o killer instinct que é capaz de inverter o destino traçado.
3- No limbo, entre um e outro mundo, vive o Sporting de Braga. Terça-feira foi um gigante em Udine, fez uma segunda parte de quem quer contrariar o destino e que eu, sinceramente, não esperava. Foi premiado com o sorteio de quarta-feira (onde Braga e Porto foram felizes e o Benfica, ao contrário da tradição, o foi menos). Mas no domingo, desceu à terra e foi naturalmente ultrapassado em Paços de Ferreira. Qual é o verdadeiro Braga? Ambos.
Sem desfazer em todos os méritos que toda a gente lhe reconhece, o Sporting de Braga não tem (e, se calhar não pode ter ainda), estrutura para se equivaler a um dos nossos grandes. Grandes, que são apenas dois: FC Porto e Benfica. O Braga luta para ser o primeiro dos médios, contra o outro candidato, que é o Sporting. Ser grande, como o Braga percebeu da outra única vez que chegou à fase de grupos da Champions, envolve uma concentração e uma motivação permanentes. Não há folgas nem dias de descompressão: sai se de um óptimo resultado europeu, mas logo é necessário ir ganhar a Paços de Ferreira e não facilitar no jogo da Taça, a seguir.
Julgo que seria bastante especulativo considerar a derrota em Paços como primeira e imediata consequência da venda de Lima ao Benfica — sem prejuízo de não se entender bem esta venda, garantida que estava já a cobertura orçamental de toda a época, com a qualificação para a fase de grupos da Champions. António Salvador (a quem se deve perdoar a imodéstia de ter saído em primeiro lugar do aeroporto para se fazer transportar em ombros, à frente de todos), poderá, melhor que ninguém explicar porque razão, garantida a entrada no clube de luxo europeu e os respectivos milhões, a primeira coisa que fez foi desfalcar a equipa, a favor de um suposto rival interno. A venda de Lima sem necessidade urgente de fazer dinheiro, é uma mensagem que Salvador passa a toda a estrutura do clube: o que já se conseguiu, chega.
4- Saúdo a venda ao estrangeiro de Javi Garcia. Com a sua saída, e a do João Pereira, o futebol indígena ficou liberto de dois dos seus maiores caceteiros. Vou ficar muito curioso para ver se, lá pela Inglaterra, pátria do fairplay, Javi Garcia muda de hábitos ou se vai esperar dos árbitros ingleses a mesma compreensão e quase carinho que os nossos árbitros tinham pelo seu infatigável jogo de cotovelos na cara dos adversários.
5- E pausa para as selecções: uma chatice. A única curiosidade é ver se o Cristiano Ronaldo recupera da tristeza de jogar no melhor clube do mundo (ele o disse), treinado pelo melhor treinador do mundo (ele o disse) e pago apenas a um milhão de euros por mês. Tudo coisas que, de facto, dão vontade de chorar.
P.S.- Em cima da hora chega-me uma notícia que me faz triste: a venda de Hulk. Para já, parece-me o melhor negócio do Benfica, neste defeso. Melhor, ainda, do que a venda de Witsel. Tudo isto, a acrescentará preocupante notícia do 'Financial Times' de que a ida de Moutinho para o Tottenham acabou por abortar à última da hora por incompetência administrativa da SAD do Porto.
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