sexta-feira, maio 10, 2013

MEIA-DESFEITA (3 JULHO 2012)

1- Assisti à final do Euro ao lado de dois ferozes inimigos do tiki-taka espanhol. «Um aborrecimento», a «destruição do futebol», etc. Tentei contrapor, dizendo que, de facto, sem o Messi, o tiki-taka não tem a mesma vibração, mas o princípio mantém-se: é um jogo da rabia em progressão, que simultaneamente serve para atacar e para defender. Nada mais injusto para mim do que chamarem-lhe tiki-takinacio, porque o catenacio visava apenas defender, enquanto que o esquema de jogo do Barcelona, importando com um êxito tremendo para a selecção espanhola, tanto ataca até estar em vantagem, como defende depois. Grave era se não atacasse: mas o Barcelona marca golos até dizer basta e a Espanha foi a selecção do Europeu que mais golos marcou (ok, também foi a que mais jogos fez, a par da Itália; mas, na fase de grupos, onde as 16 equipas jogaram todas três jogos, ninguém marcou tantos como a Espanha). E, quanto a defender, não conheço equipa que não defenda uma vantagem numa fase final de um Europeu e que não aproveite os jogos em que está em vantagem para descansar, de vez em quando. Mas a Espanha, respondem, guarda a bola para nada, o objectivo do seu jogo é guardar a bola. Falso: guarda a bola em acção ofensiva, até abrir uma brecha por onde aparece alguém a chutar para golo, e guarda a bola depois para descansar com ela, evitando que o adversário a tenha - o problema é dos adversários, se não conseguem tirar a bola aos espanhóis ou inventar um contra-sistema que obrigue os espanhóis a correr atrás da bola. Portugal conseguiu o durante qua se 90 minutos, em grande parte tirando partido de uma Espanha desgastada por menos 48 horas dc descanso. Mas, nos trinta minutos de prolongamento, foi visível que quem estoirou foi Portugal, cansado de contrariar a rabia espanhola. Já a Itália quis imitar a Espanha e conseguiu até ter mais tempo de bola até à lesão de Thiago Motta só que não lhe serviu para nada. Contando desta vez com mais um dia de descanso que o adversário, a Espanha nem precisou de muita bola para, com toda a naturalidade das coisas brilhantes, fazer à Itália um tiki-taka, tiki-taka: 1-0, 2-0, 3-0, 4-0. Parece fácil, mas ninguém consegue imitá-la e ninguém consegue contrariá-la. Chamem-lhe aborrecido, mas se al guém aborreceu foi a Itália e não há nenhum treinador no mundo que não quisesse estar no lugar de Del Bosque.

2- A implosão italiana tornou mais evidente o imenso esforço e mérito da selecção portuguesa frente aos espanhóis: fizemos mais do que todos os outros e o mais que podíamos - mas não foi suficiente. Não concordo que se diga que não tivemos sorte. Aliás, sou alérgico à tradição das desculpas: primeiro era o Platini, que quereria a Espanha na final; depois, era o árbitro, porque era turco e turco é também o vice-presidente da arbitragem da UEFA, sendo o presidente e seu presumível amigo espanhol; a seguir era o hotel em que ficou a selecção e que, ó escândalo, também tinha clientes... espanhóis (o que diria nossa imprensa desportiva, que conspirações não inventaria, se tivéssemos sido nós a ter menos dois dias de descanso que os espanhóis); depois, como Platini não jogou e do árbitro nada nos podemos queixar, foi a sorte. Mas não, não foi a sorte: em todo o jogo, a Espanha teve duas oportunidades de golo e nós apenas uma, ao minuto 89, concluída por Cristiano com um remate disparatado; Patrício salvou um golo feito e Casillas não fez uma defesa, porque não acertámos com um só remate na baliza; no prolongamento ficámos a ver jogar, aparentemente sem forças para mais do que apostar nessa coisa a que chamam a lotaria dos penalties; e, nesta lotaria dos penalties (uma expressão que abomino), é certo que Bruno Alves acertou na barra, o que ó azar, mas que só acontece a quem não sabe que um penaity se marca rasteiro e não pelo ar (se querem saber como se marca um penaity, revejam o de Iniesta, para perceberem que a dita lotaria tem muito de exigência técnica e capacidade de resistência à pressão. Ou seja, tem mais de mérito do que de sorte).

Acho que Paulo Bento fez bem em não ter colocado Ronaldo como primeiro cobrador dos penalties: face às experiências recentes, um falhanço dele teria consequências psicológicas terríveis para os que se seguissem. Em contrapartida, acho que demorou tempo demais até tirar Nani - que, tendo sido até este jogo um dos melhores, desapareceu aqui, desde o início (e eu bem gostaria de ter visto uma meia-hora de Ricardo Quaresma...). E, para quem me tem lido, é evidente que acho que mais uma reincidência em Nelson Oliveira apenas serviu para se traduzir em mais um fiasco: depois de ele entrar, o nosso ataque morreu, pura e simplesmente. Pode ser que venha a ser o ponta-de-lança do futuro na Selecção, mas do presente não é com certeza.

Porém, e para falar com toda a franqueza, não sei se outras alterações do seleccionador (o Hugo Viana em vez do Custódio, por exemplo) teriam tido resultados diferentes. É que, a partir do momento em que Del Bosque também corrigiu o seu erro de casting chamado Negredo e meteu em jogo Navas e Pedro, refrescando a equipe e abrindo os flancos, a Espanha ganhou nova alma, enquanto nós já só apostávamos as fichas todas na lotaria dos penalties que é uma coisa maravilhosa quando corre bem e um azar e uma injustiça tremenda quando corre mal. Todavia, faça-se justiça: uma das diferenças essenciais entre a Espanha e nós é que eles tinham banco e nós não. Aliás, se pensarmos que a Alemanha, por exemplo, tem uns três milhões de jogadores de futebol federados, enquanto nós temos uns 70.000, é notável que Portugal consiga ainda alcançar meias-finais de competições como o Europeu. Temos um inexplicável talento para o futebol, que, infelizmente, não tem correspondência com o número de praticantes. A mim, que joguei furiosamente futebol dos 6 aos 24 anos e que só por três ou quatro vezes joguei num relvado e os outros milhares de vezes em campos de esfolar joelhos, não me admira que nunca tenhamos ganho nada. Colhe-se o que se semeia.

Três vitórias, um empate e uma derrota foi o balanço do nosso Euro. Foi mais do que eu esperava e não acho razoável ter esperado mais, face à equipa que tínhamos e ao grupo que nos calhou. É claro que, chegados às meias-finais, todos nos pusemos a sonhar alto e custa muito acordar de um sonho. Mas toda a realidade é feita apenas da parte do sonho que se consegue cumprir - porque não basta sonhar, vencer dá muito trabalho e exige muitas coisas coincidentes, para além da vontade e do desejo. Tudo visto e ponderado, reconheço, sem esforço, que Paulo Bento merece elogios pelo que conseguiu. Apesar das suas teimosias e preferências fixas (e não conheço treinador que as não tenha, sendo Mourinho o menos contestável nisto), Paulo Bento foi o mais conse-quente seleccionador que tivemos nos últimos dez anos. Não tem o génio táctico que eu acho que tinha, por exemplo, o mal tratado António Oliveira, mas também não tem os seus desequilíbrios e a sua imprevisibilidade às vezes suicidaria. Mas é fiável e bom gestor de grupo. No horizonte próximo não vejo ninguém melhor para nos conduzir até ao Mundial do Brasil.

3- Uma palavra final para o português que melhor nos representou no Europeu: Pedro Proença. Insultado aqui por todos os benfiquistas e seus serventuários, agredido, enxovalhado, tornado suspeito de todas as traficâncias, ele cometeu a proeza de, sozinho, ganhar a final da Liga dos Campeões e a final do Europeu (enquanto que o Benfica, parece que ganhou... o futsal). A final do Euro não lhe correu particularmente bem e é pena (embora o reclamado penalty por mão de um espanhol seja dos tais que é sempre penalty em Portugal e raramente o é na Europa). Mas, tivessem os jogadores e técnicos portugueses conquistado um terço do que ele conquistou, já Cavaco Silva os teria telegramado e condecorado.

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