1- Tinha de ser: ao segundo tropeção do Benfica (o primeiro foi em casa com o Braga, mas não havia como culpar o árbitro), Jorge Jesus, mais os sempre disponíveis jornalistas benfiquistas, lá encontraram na arbitragem a razão da desfeita. E, nem de encomenda, era o Carlos Xistra. Numa conversa escutada na rua a três benfiquistas (aparentemente sem nada que fazer), lá escutei o rol de queixas pelo empate em Coimbra: primeiro culpado, Pinto da Costa; segundo, Carlos Xistra; terceiro, o Cardozo, que falhou três golos feitos; quarto, Jorge Jesus. E assim, evoluindo da tese do crime alheio para a da responsabilidade própria, tamanha era a confiança manifestada, que um deles anunciou solenemente que, contra o Barcelona, nem iria querer ver o jogo. Já os adeptos benfiquistas presentes em Coimbra, seguiram uma ordem diferente: primeiro, viraram-se contra a comitiva e o autocarro do clube, depois, contra a sede da claque da Académica.
Perante um estádio desoladoramente vazio, e com um meio-campo desoladoramente à procura de si mesmo, o Benfica só não ganhou o jogo porque conjugou muita falta de sorte com muita aselhice própria e muito mérito do guarda-redes Ricardo. A Académica só existiu em trinta metros do campo e, jogando metade do tempo com um a menos, nada mais fez do que afastar uma bola da área para logo a seguir ter de afastar outra e outra e assim sucessivamente. O árbitro não foi para aqui chamado: decidiu quase tudo bem, com várias situações nada fáceis de analisar.
No primeiro penalty, em jogo corrido, a falta pareceu claramente dentro da área, mas na verdade ninguém de boa-fé pode garantir uma coisa ou outra;
no penalty contra a Académica enxergou bem uma mão intencional que não era óbvia, e decidiu-se bem pelo cartão vermelho, numa situação em que 90% dos árbitros teria ficado pelo amarelo (mas disso não falam os benfiquistas);
e, no segundo penalty a favor da Académica, é verdade que Garay tocou primeiro na bola (o que só se percebe em câmara lenta), mas tão ao de leve que nem lhe mudou a trajectória e só conseguiu que Hélder Cabral não seguisse com ela, isolado, porque, no mesmo movimento, o derrubou. Em qualquer lado do campo, seria falta - porque não ali?
Jorge Jesus não tem culpa dos golos inacreditavelmente desperdiçados por Cardozo e Rodrigo. Mas Carlos Xistra também não.
2- Seis equipas portuguesas entraram em acção na Europa com um saldo decepcionante: uma vitória, três empates e duas derrotas; três golos marcados e quatro equipas a zero. Este é o reverso da medalha de termos muitas equipas na Europa: metade delas trata rapidamente de baixar o ranking que, depois, as outras têm de tratar de subir, a pulso, nos anos seguintes.
Na Liga dos Campeões, registou-se o pior resultado, com a derrota caseira do Braga frente a uma equipa romena, ironicamente composta, em grande parte, por jogadores portugueses descartados aqui. Deu-me ideia que o adversário foi subestimado e estava mal estudado. Mal também, em minha opinião, o Benfica, frente a um Celtic em crise financeira (16 jogadores dispensados esta época!) e claramente ao alcance de um Benfica que tivesse mostrado um pouco mais de ambição. O mesmo crónico medo e falta de ambição dos treinadores portugueses revelou Vítor Pereira em Zagreb, num jogo em que só a vitória interessava, frente a uma equipa que, na época passada, registou seis derrotas nos seis jogos da fase de grupos da Champions. Mas, para ganhar um jogo facílimo (acho que nunca tinha visto, a este nível, equipa tão fraca e defesa tão anedótica!), Vítor Pereira pós em campo o modelo mais defensivo que conseguiu imaginar — com Danilo e Atsu no banco, James afastado da posição 10 em benefício da entrada do amorfo Defour e Varela no lugar que foi de Hulk, desempenhando o seu habitual papel de corpo presente. Com muitas cautelas e paninhos quentes, o FC Porto lá chegou ao 1-0 ao cair da primeira parte, e, depois, em lugar de tratar de matar o jogo, limitou-se a controlar, como os treinadores gostam. Acabou por vencer por um resultado muito melhor que a exibição e que não dá conta dos sobressaltos inúteis que viveu antes do 2-0, ao cair do pano. É óbvio que para o PSG, isto não serve.
3- Contra o Beira-Mar, com James a 10 e Atsu de início, foi outro FC Porto que se viu, talvez o melhor da época. Vítor Pereira, que tanto tempo precisou para perceber o valor de James, está agora angustiado com o drama da posição em que o há-de colocar. Toda a gente lhe grita que James é, sobretudo, um número 10 chapado, mas ele, conforme explicou, tem medo de o desgastar em tarefas defensivas. Há duas soluções para isso: ou recuar Moutinho para a posição 6, com Lucho e James como médios ofensivos, mantendo dois extremos e o 4x3x3 habitual (um modelo óbvio frente a equipas mais fracas e fechadas, como o Dínamo ou o Beira-Mar); ou mudar o esquema para um 4x1x3x2, com Fernando atrás e Atsu e Jackson na frente. Até porque, isso permite-lhe variar o companheiro de Jackson na frente e, caramba, não vai passar a época toda sem dar oportunidades a sério a Iturbe e Kelvin, pois não? (Coitado do Iturbe, deve estar tão arrependido de ter vindo para o Porto!)
4- Diz Luís Filipe Vieira que o futuro do Benfica passa por comprar menos, formar mais e continuar a vender bem. Parece um caminho óbvio, na desigual condição das duas únicas equipas portuguesas capazes de darem alguma luta aos tubarões europeus. Mas veremos se no futuro Vieira faz o que diz. É que, até aqui, ele e Pinto da Costa o que têm feito é comprar muito, vender os melhores e aproveitar nada da formação. E é porque não aproveitam os jogadores em que investiram dinheiro a formar, preferindo mandar vir charters da América do Sul, que todos os anos são confrontados com a impossibilidade de pagarem os ordenados a tanta gente e se vêm forçados a vender os melhores. Desconfio que Vieira só seguirá esse caminho se Pinto da Costa fizer o mesmo. E não acredito que Pinto da Costa o faça.
5- Já o Sporting, garante Godinho Lopes, optou este ano por não vender ninguém, embora tivesse excelentes propostas para vários jogadores. Salvo o devido respeito, também não acredito. Tomara o Sporting que alguém, com ofertas boas, se tivesse chegado à frente por Rui Patrício ou Carrilho ou fosse quem fosse! O triste episódio das dívidas reveladas pela UEFA (que tanto ofendeu Alvalade, habituados que estão ao secretismo da nossa imprensa nestas questões), veio destapar o que já todos sabiam: que o Sporting está à beira da ruptura financeira. E que só um golpe de pura sorte, de algum árabe ou chinês malucos caídos do céu e dispostos a comprar o clube inteiro, e não apenas alguns jogadores ou algumas dívidas, é que o pode salvar.
A isto, soma-se mais um início de época frustrante, com ar de gota de água capaz de entornar de vez o copo. Quando escrevo, não sei ainda o desfecho do jogo com o Gil, que tem o potencial de se transformar em novo drama. E dou por mim a torcer para que o Sporting ganhe, porque faz falta um campeonato onde o Sporting conte para alguma coisa.
6- O nosso patriotismo reverencial, herdado de cinquenta anos de ditadura, jamais consentiria a um jornalista português o texto escrito pelo inglês John Carlin no El País e republicado no Público de anteontem. Chama-se A tristeza de Cristiano Ronaldo e é uma análise impiedosa sobre os malefícios que o endeusamento de Ronaldo, a sua desmedida vaidade e a sua paranóica obsessão com Messi causam ao nosso CR 7. Escreve John Carlin que a perdição de Maradona, o que o fez acabar uma carreira genial antes de tempo, foi não ter tido, como o imperador romano Júlio César, alguém sempre ao seu lado cuja função era repetir-lhe constantemente: «não és Deus, não és Deus». E esse é também, segundo ele, o ponto fraco de Ronaldo: não suporta não ganhar todas as Bolas de Ouro e de Prata, não suporta que haja algum colega de equipa que não o considere melhor que Messi, que Iniesta, que o mundo inteiro. Mas onde Carlin, a meu ver, coloca mesmo o dedo na ferida é quando compara Ronaldo e Messi, dentro do campo: «Dentro do campo, Messi vê a equipa adversária e vê também a sua; Ronaldo só vê os adversários». O futebol, afinal, não é assim tão difícil de perceber.
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